IEDI na Imprensa - Câmbio encolhe a indústria
Publicado em: 02/10/2016
Correio Braziliense
Valorização do real por muito tempo provocou estragos irreversíveis no setor industrial. Por conta do desmonte, hoje, alguns produtos comuns na casa dos consumidores não são mais feitos no Brasil
Simone Kafruni
O desmonte da indústria nacional chegou a um ponto que alguns produtos, muito comuns nas casas dos brasileiros, como secadores de cabelo, praticamente não são mais produzidos no país. Embora seja um processo natural em países desenvolvidos, a desindustrialização, no Brasil, é prematura e veloz, provocada pela valorização exacerbada do real ante o dólar por um período longo demais, dizem especialistas.
Não à toa, a participação da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB), que já foi de 21,6% em 1985, despencou mais de 10 pontos percentuais em 30 anos, e atingiu 11,40% no ano passado, mesmo patamar de 1947. No caminho inverso, também provocada pela sobrevalorização cambial, a inserção de conteúdo importado na indústria nacional saltou de 16,5%, em 2003, para 26,1%, em 2011, e deve fechar em torno de 24% este ano, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A política cambial encolheu a indústria, alerta Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). "Fábricas desapareceram. Não se faz mais secador de cabelo no Brasil. A produção de ferro elétrico resiste porque o setor lutou por uma política antidumping. E liquidificador passou aperto, mas, como ainda existem duas fábricas de motores, sobrevive", enumera.
Com a globalização e a redução de impostos de importação, é natural que os empresários tenham mais liberdade para escolher fornecedores de outros países, admite Barbato. Porém, alega, a desindustrialização do Brasil foi forçada pela valorização exagerada do real por tempo demais. "O setor de eletroeletrônicos, hoje, tem o maior deficit da balança comercial, porque é totalmente dependente dos componentes importados", afirma.
Lourival Kiçula, presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), entidade que representa a produção de portáteis e das linhas branca (eletrodomésticos, como geladeira e fogão) e marrom (eletrônicos, como televisores), diz que não faz sentido produzir tudo no Brasil. "Mas, de fato, fábricas de produtos específicos estão desaparecendo. De secadores de cabelo, restaram duas", diz.
O executivo lembra que, no caso de portáteis, a logística de transporte ficou mais fácil e os preços no exterior, mais atrativos. "Como são leves, é mais barato colocar a carga em contêiner. E, em alguns setores, é impossível competir com os preços dos importados da China", justifica.
Volatilidade
A desestruturação de cadeias produtivas pode ser irreversível, na opinião de Luiz Gonzaga Belluzzo, professor de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). "O câmbio precisaria se ajustar, mas a volatilidade não permitira a esses setores se recomporem. Se o empresário investe com câmbio a R$ 3,80 e, quando vai produzir, a cotação cai a R$ 1,50, toda sua programação é perdida", esclarece.
Belluzzo compara a estratégia brasileira com a política chinesa. "O Brasil fez tudo ao contrário que a China. Lá eles deram condições de financiamento, seguraram a moeda desvalorizada e mantiveram a articulação entre as estatais e o setor de bens de capital. No momento em que a China estava em plena escalada industrial, nós reduzimos nossa competitividade e prejudicamos a indústria nacional", afirma.
As dificuldades foram agravadas a partir da abertura econômica, promovida no governo Collor. "Foi uma mudança brutal e o tecido industrial custou a se adaptar", lembra Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI). A passagem do protecionismo para uma economia aberta, com a desvantagem da taxa de câmbio apreciada, jogou a indústria numa concorrência mundial acirrada em condições desfavoráveis. "Para piorar, os juros altos encarecem o crédito e a estrutura tributária complexa e os gargalos de infraestrutura prejudicam a competitividade", diz. O resultado é que o setor nunca mais se recuperou.
Saída é incorporar serviços
Apesar do evidente encolhimento da indústria nacional, é preciso desmitificar a crença de que tudo tem que ser feito dentro do país. A opinião é do gerente executivo de Pesquisa e Competitividade da CNI, Renato da Fonseca. "Antes o Brasil era muito fechado e precisava produzir tudo. Isso não é mais necessário, com a economia globalizada. É uma tendência mundial a indústria perder espaço para os serviços", explica.
A saída para o setor será incorporar serviços, garante Fonseca, já que é muito difícil manter a competitividade quando se tem custos elevados e índices ruins de produtividade, gestão, infraestrutura, tributos, mão de obra, crédito e macroeconomia. "Os serviços que vão sendo colocados nos produtos é que dão ganho de rentabilidade. É o pós-venda. A manutenção, como ocorre na Embraer, onde 80% das peças são importadas, mas o centro de manutenção é aqui, no Brasil", exemplifica.
O especialista revela que a indústria de equipamentos médicos já começou esse processo. Em vez de vender os equipamentos, que são muito caros e necessitam de manutenção constante, estão alugando. "A indústria perder a participação não me assusta. Desde que entre na cadeia. Tem que produzir um pedaço do produto, montá-lo e oferecer serviços." (SK)