IEDI na Imprensa - Uma crise em três dimensões
Revista Rumos
Rafael Cagnin *
A indústria nacional, que não vinha muito bem desde que a crise global atingiu o Brasil, enfrenta depois de 2014 um período de perdas muito agudas. No final de 2016, o quadro pode até apresentar algum arrefecimento, mas os problemas estão longe de estarem equacionados. Por ora, recuperação é só uma esperança e não um percurso que se começou a trilhar.
A presente crise industrial apresenta três dimensões que a distinguem de outros momentos difíceis enfrentados pelo setor no passado: sua duração, sua profundidade e sua amplitude.
Juntas, essas três dimensões expressam a gravidade da situação.
A produção industrial cai de forma ininterrupta desde o início de 2014, somando, até setembro de 2016, trinta e um meses de resultado negativo na comparação frente ao mesmo período de ano anterior. Períodos tão longos de crise fazem estragos que vão além da conjuntura, já que bloqueiam estratégias de modernização das empresas, o que mais tarde cobrará seu preço em termos de perda de competitividade do parque nacional.
A crise também é profunda à medida que a produção física recuou a patamares recordes. Para a indústria como um todo, a queda ultrapassa 15% desde 2014, mas chega facilmente a 30% em determinados setores, especialmente naqueles cuja demanda exige maior confiança em relação ao futuro, como no caso de setores produtores de bens de capital ou de bens de consumo duráveis.
Ainda que alguns setores tenham sofrido mais do que outros, as quedas foram muito generalizadas, o que confere à presente crise uma grande amplitude. Em 2015, todos os 25 ramos da indústria de transformação acompanhados pelo IBGE tiveram resultados negativos. Em 2016 a situação não tem sido muito diferente, já que, até o mês de setembro, 22 ramos permaneceram no vermelho.
O que preocupa para o desempenho de 2017 é que não parece haver nenhuma força motriz capaz de colocar o país em trajetória de recuperação. Além da indústria, as atividades do comércio e do setor de serviços continuam em declínio, agravando ainda mais a situação do emprego. Ainda que certo arrefecimento da inflação venha contribuindo para a estabilização do rendimento real das famílias, isso ainda não é suficiente para estimular o consumo. A isso se soma o crédito em forte contração e os juros muito elevados.
Mesmo a taxa de câmbio mais competitiva que ajudou o setor industrial a moderar seu patamar de retração no primeiro semestre de 2016 já não é mais a mesma. Depois de ter se desvalorizado ao longo de 2015, atingiu o pico de R$ 4,00/US$ em janeiro de 2016, em termos nominais, recuando para R$ 3,2/US$ no final de outubro. Com isso, perdem força os estímulos à ampliação das exportações bem como a processos de substituição de importação.
Nessas condições, não é de se estranhar a deterioração adicional da indústria ocorrida no terceiro trimestre de 2016, inclusive com impactos negativos sobre a confiança dos empresários, que vinha lentamente se fortalecendo em meses anteriores. Sem que a evolução efetiva dos negócios corrobore as expectativas para o futuro, sua melhora acaba sendo revista para baixo antes mesmo de poder desencadear algum efeito positivo sobre a economia.
Este seria o momento de o país adicionar fatores dinamizadores para pavimentar a recuperação. Entre eles estão a aceleração da redução dos juros e o estancamento da apreciação cambial, assim como a redução de sua volatilidade, que se tem feito notar de forma enfática a partir do mês de novembro devido às incertezas geradas pelo resultado das eleições norte-americanas.
Além disso, seria fundamental recompor os investimentos públicos, particularmente prejudicados pelo ajustamento das contas públicas, e avançar mais rapidamente nos programas de concessões. Para isso, entretanto, será necessário equacionar o problema de financiamento decorrente das restrições impostas à atuação do BNDES.
* Economista do IEDI