IEDI na Imprensa - O debate interditado
Carta Capital
Principal resposta do mundo à crise, a dinamização da indústria não é um tema importante no Brasil
Carlos Drummond
Com discussão interditada no Brasil, políticas industriais foram implementadas em ao menos sete países, entre avançados e subdesenvolvidos, do Ocidente ao Oriente, desde 2011, segundo o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico sobre Ciência, Tecnologia e Inovação, de 2016. Vez ou outra, o poder público adota ações isoladas típicas de política industrial, mas nada se encontrará, no País, comparável aos planos complexos de longo prazo, articulados e postos em prática por governos e empresários nos Estados Unidos, Reino Unido, Itália, França, Holanda, China e índia nos últimos anos.
Novas estratégias para a indústria são a reação mais importante da recuperação após a crise de 2008, gerada por políticas que entregaram ao mercado e ao sistema financeiro a condução da economia e se encarregaram de desqualificar a manufatura, apesar de não existir nação avançada sem indústria desenvolvida.
No País, o silêncio sobre o tema é a regra no governo, na academia e entre os empresários. Um dos poucos a estimular o debate é o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, o IEDI, que publicou nas últimas semanas partes do estudo da OCDE referido acima e do livro do Nobel de Economia Joseph Stiglitz e Akbar Noman, Efficiency, Finance, and Varieties of Industrial Policy, de 2016. "Amplamente entendida, a política industrial refere-se a medidas de políticas públicas que visam influenciar a alocação e a acumulação de recursos e aescolha de tecnologias", sintetizam os autores.
Por aqui, o clima é adverso à discussão do tema, segundo Rafael Cagnin, economista do IEDI. Há uma confusão, diz, entre concepção de política industrial, seus instrumentos e a implementação. A partir de um diagnóstico de insucesso recente de medidas adotadas, combatem-se sua aplicação e até sua existência. "E por isso que o IEDI tenta resgatar a conceituação e a importância conferida àquela política no processo de desenvolvimento. O terreno é árido, mas tentamos fertilizá-lo para criar uma sensibilidade em relação ao assunto." Cagnin sublinha alguns requisitos de uma política industrial. Não pode ser intermitente, pois o desenvolvimento de determinada estrutura econômica não acontece em três ou quatro anos. Tem, portanto, duração superior ácido ciclo eleitoral. Exige um compromisso entre setores produtivos e a classe política capaz de produzir um pacto que reconheça sua importância. Por mais que haja variação e ponderação de instrumentos de um governo para outro, não se deve perder a ideia de continuidade a longo prazo.
Os seus resultados efetivos não devem ser mensurados a no curto prazo. "A história de sucesso da Embraer não começa quando foi privatizada nem a da Petrobras quando se tornou empresa de capital aberto", salienta Cagnin. Sua construção demorou décadas, representam setores apoiados por uma política industrial do passado que teve sucesso. Ambas estão entre os principais players do mundo nos respectivos setores. "Ultimamente, no entanto, há uma ponderação desigual. Os casos de insucesso ganham visibilidade, os exemplos de sucesso são escondidos e ninguém fala a respeito. No âmbito internacional, as conclusões são menos taxativas que no Brasil. Aqui, predomina a visão de que "não, política industrial nunca serve, melhor abrir a economia, melhor privatizar". Mas não há um único caso de país que alcançou o desenvolvimento sem ter indústria forte."
Segundo o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, sócio da Editora Confiança e colunista da revista CartaCapital, para fazer política industrial é preciso levar em conta também que "o Brasil sofreu uma desindustrialização prematura das mais violentas. A cadeia eletrônica, por exemplo, praticamente desapareceu. O País tinha uma estrutura industrial completa e tecnologicamente atualizada nos anos 1970. Não acompanhamos a evolução. Nos anos 1980, a superproteção do mercado interno imposta pela crise da dívida externa provocou uma regressão industrial e econômica, com efeito caótico. A relação entre importações e PIB caiu para incríveis 3%". A indústria, diz, acumulou insuficiências nas áreas de infraestrutura de telecomunicações móveis, PCs, computadores portáteis, TVs de plasma e de LCD, câmeras digitais, componentes eletrônicos, robótica, novos materiais e nanotecnologia.
A resposta um tanto afoita do governo nos anos 1990, sublinha Belluzzo, foi abrir e expor a economia à competição externa, desprezando-se o fato de que a relação Estado-economia privada desenvolvida no Brasil, apesar dos problemas apresentados, fora copiada pela China. Aos empresários prejudicados pela abertura, o presidente do Banco Central do governo FHC, Gustavo Franco, sugeria mudar de país. "O debate aqui é fajuto. No exterior, ocorre o oposto, e os temas da desindustrialização prematura e das políticas industriais são objeto de discussão intensa em alto nível", compara o economista.
"Os países em desenvolvimento estão se transformando em economias de serviços sem ter passado por uma experiência adequada de industrialização. Eu chamo isso de "desindustrialização prematura"", define o economista Dani Rodrik, da Universidade Harvard, no artigo "Premature deindustrialization".
Existem dois sentidos nos quais o encolhimento da manufatura, em economias de baixa e média renda, pode ser visto como prematuro, diz o professor. O primeiro é que estão sofrendo desindustrialização muito mais cedo que os padrões históricos e em níveis consideravelmente mais baixos da renda, comparados àqueles dos industrializados adiantados. O segundo sentido em que o processo é prematuro, prossegue Rodrik, é que a desindustrialização precoce pode ter efeitos prejudiciais no crescimento econômico.