IEDI na Imprensa - Real valorizado tira margem do exportador
Valor Econômico
Camilla Veras Mota
A alta nos preços de commodities, as incertezas em relação à política monetária americana e a redução da percepção de risco sobre o Brasil farão com que 2017 seja um ano de real apreciado. O dólar mais barato, atualmente na faixa dos R$ 3,10, tende a diminuir a rentabilidade média das exportações de manufaturados, com impacto negativo sobre alguns setores da indústria, em especial aqueles que sofrem maior concorrência externa. Por outro lado, ele barateia as importações, os investimentos e, na visão de uma parte dos economistas, favorece a retomada.
O efeito do câmbio sobre a atividade, na visão de Daniel Brum, do Opportunity, é um "trade off", uma troca entre exportações líquidas e o binômio consumo-investimentos. De um lado, o dólar mais caro torna os produtos brasileiros, em geral, mais competitivos que seus equivalentes estrangeiros, elevando exportações e inibindo importações.
À medida em que eleva o custo dos importados, contudo, a desvalorização também pressiona a inflação e impele o Banco Central a apertar política monetária. Os juros mais altos, por sua vez, provocam redução da demanda agregada e do consumo doméstico. Para que uma desvalorização tenha efeito expansionista sobre o Produto Interno Bruto (PIB), seu efeito positivo sobre as exportações líquidas, ele conclui, teria de ser substancialmente mais forte do que o potencial efeito negativo sobre consumo e investimento, que representam um percentual substancialmente maior da economia.
"Nesse sentido, é didático o fato de a literatura especializada no tema dar pouca importância às depreciações cambiais como instrumentos relevantes para o crescimento sustentado", diz. O economista cita ainda estudo feito pelo atual secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, Fabio Kanczuk, de 2014, em que ele usa um sistema parecido com o do Banco Central para avaliar o impacto de choques cambiais em diversas variáveis da economia. O "chorinho" - batizado em homenagem ao "samba", o programa do BC - conclui que as desvalorizações são, na verdade, contracionistas.
Mesmo na indústria, em que o impacto negativo do dólar barato é maior do que no comércio e nos serviços, os efeitos são assimétricos, argumenta Lívio Ribeiro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). "Para quem usa insumos importados, por exemplo, o custo da matéria-prima cai." Para ele, a apreciação é expansionista, à medida que, por exemplo, reduz o custo dos investimentos.
O estrategista e gestor de fundos da Fator Administração de Recursos (FAR) Paulo Gala ressalta que esse barateamento não costuma ser vantajoso, já que acontece em paralelo à redução expressiva das margens de lucro, consequência da perda de competitividade das exportações. A desvalorização é contracionista em um primeiro momento, ele afirma. "Mas no longo prazo ela estimula a indústria."
Essa também é a avaliação do professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP-FGV) Nelson Marconi, que espera nova desvalorização do real em 2018, decorrente das eleições presidenciais. "O próximo governo deve aproveitar a oportunidade para manter o câmbio em patamar adequado", diz ele, que considera "razoável" o nível entre R$ 3,80 e R$ 3,90. Entre os ramos da indústria mais prejudicados pelo real valorizado estariam o de bens de capital, farmacêutica, de autopeças e os segmentos mais intensivos em tecnologia.
O economista da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) Guilherme Mercês concorda com Ribeiro, do Ibre, em relação aos "efeitos ambíguos" do câmbio sobre o setor que acompanha. Ele defende que, no longo prazo, o câmbio não é determinante para garantir a competitividade. "Os definidores vão além disso", comenta.
Em momentos de recessão como o atual, entretanto, ele seria imprescindível para o caixa das fabricantes que conseguem compensar lá fora parte da restrição da demanda doméstica. "As empresas estão passando por um problema grande caixa. No curto prazo, o câmbio faz diferença."
O cenário atual se complicaria, em sua avaliação, caso o real se apreciasse além do patamar atual, influenciado por uma eventual aprovação de reformas e com avanço ainda maior nos preços de commodities. A elevação nos preços do petróleo e do minério de ferro deu contribuição importante para o saldo da balança comercial no primeiro trimestre, US$ 14,4 bilhões, crescimento de 72% em relação ao período entre janeiro e março de 2016.
O economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Indústria (Iedi), destaca que o "fio condutor das commodities" pode ter influenciado inclusive o bom desempenho dos manufaturados, cujos embarques cresceram 12% no trimestre. Nesse sentido, ele aponta em estudo recente o crescimento das exportações de óleos combustíveis, açúcar refinado e laminados planos.
Gala, do FAR, ressalta que alta nas exportações de manufaturados é reflexo de contratos fechados no ano passado, quando a cotação do dólar era mais competitiva. "A defasagem varia de seis meses a um ano [entre nível de câmbio e exportações]", diz, ponderando que o nível atual, apesar de não ser ideal, é melhor do que o observado até o início de 2015, quando o dólar valia menos de R$ 3.
Chama atenção o desempenho do setor automotivo, que elevou em 36,3% as exportações de veículos entre janeiro e março, para US$ 3,1 bilhões, no confronto com igual intervalo de 2016. Além dos contratos fechados no ano passado, diz Marconi, da FGV, os números refletem o esforço que as montadoras têm feito para aumentar as vendas das unidades do Brasil para os vizinhos da América do Sul e para o México.
Assim como o impacto sobre a atividade econômica, a necessidade ou não de intervenção no câmbio também divide os economistas. O professor da PUC-Rio Marcio Garcia afirma que, dado que não há evidências concretas de que as desvalorizações cambiais - e a consequente redução dos salários dos trabalhadores brasileiros em dólar - impliquem mais emprego e crescimento, é preferível que o governo mantenha o esforço sobretudo na parte fiscal, caminho para que o país possa ter juros mais baixos e câmbio menos volátil, que favoreceriam a retomada.
"As reformas fiscais contribuem para termos simultaneamente taxa de juros mais baixa e taxa de poupança mais alta [que contribuiria para que o câmbio de equilíbrio fosse mais depreciado]. Esse é o caminho", concorda Brum, do Opportunity.
Já Marconi, da FGV, defende a manutenção do dólar no patamar de R$ 3,80 a R$ 3,90, com redução da alíquota de importação de alguns insumos para que o choque cambial não represente um aumento proibitivo dos custos de matéria-prima para a indústria. Gala ressalta que a atuação do Banco Central, ao manter suas posições em swaps, tem contribuído para manter o real valorizado. "Eles preferem trazer a inflação para baixo em vez de manter o câmbio em nível razoável."