IEDI na Imprensa - Alta da indústria indica reação lenta
O Globo
Setor tem melhor 1º semestre desde 2013, graças à safra recorde e dinheiro do FGTS
Marcello Corrêa
Pela primeira vez desde 2013, a indústria brasileira chegou à metade do ano no positivo. Segundo dados divulgados ontem pelo IBGE, as fábricas produziram, até junho, 0,5% mais do que no acumulado dos seis primeiros meses de 2016. O número positivo foi recebido com otimismo e cautela por analistas, que dizem ser ainda cedo para falar em recuperação do setor. Daqui para frente, a indústria terá o desafio de continuar a crescer, após o esgotamento de fatores positivos dos últimos meses, como a liberação das contas inativas do FGTS e o efeito da safra recorde sobre a demanda de máquinas e equipamentos.
O resultado positivo no semestre foi influenciado por avanços em 13 dos 26 ramos pesquisados pelo IBGE, em relação ao mesmo período do ano passado. O destaque ficou por conta do setor de veículos automotores, que avançou 11,7%. A indústria extrativa também puxou o número para cima, com crescimento de 6%, sempre na comparação com o primeiro semestre de 2016.
O que mais pesou para a alta do setor de veículos foi a maior produção de veículos para transporte de mercadorias, caminhão-trator e autopeças. O movimento é impulsionado, principalmente, pela alta das exportações e, no mercado interno, tem alguma influência do dinheiro extra do FGTS.
— Claro que, se você tem uma renda agrícola propiciando investimentos, isso pode ter um reflexo positivo. Talvez exista algum tipo de reflexo positivo do FGTS, embora incipiente — avalia o gerente da coordenação de indústria do IBGE, André Macedo.
MESMO PATAMAR DE 2009
O técnico acrescenta que é cedo para falar em recuperação, já que as altas são registradas após fortes retrações do ano passado. No primeiro semestre de 2016, a indústria em geral teve tombo de 8,8%. E os números mensais também indicam essa melhora gradual: em junho, a indústria registrou estabilidade, na comparação com maio — melhor que o esperado pelo mercado, porém ainda tímido para caracterizar uma retomada. E cresceu apenas 0,5% frente ao mesmo mês do ano anterior. No acumulado em 12 meses, recua 1,9% — tombo que já foi bem maior, de 9,7%, no auge da crise, em junho de 2016.
— Quando a gente observa os patamares de produção, o setor industrial ainda está em patamar semelhante ao de fevereiro de 2009. A indústria opera 18,2% abaixo do pico histórico, de junho de 2013. É claro que esse distanciamento já foi maior, especialmente quando a gente observa os resultados do ano passado, mas está longe de configurar uma trajetória de recuperação mais consistente — explica Macedo.
Na avaliação do economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), é mais correto falar em estabilização da indústria, em vez de retomada. Ele destaca que a alta semestral ainda é pequena, comparada a perdas que chegam a 20% desde que a recessão começou a afetar mais fortemente a indústria, em 2014. Para o especialista, os efeitos positivos ficaram concentrados no primeiro trimestre, quando o setor avançou 1%. Entre abril e junho, o crescimento foi bem menor, de 0,2% — o que, para parte do mercado, não deve evitar uma retração do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre, por causa do desempenho dos outros setores da economia.
— Parece que esse efeito positivo desses dois fatores, tanto a safra como a liberação de recursos do FGTS, teve impacto maior no primeiro trimestre — afirma Cagnin.
IMPACTO DOS JUROS
O economista lembra que o comportamento dos juros será importante para determinar o fôlego da indústria no próximo semestre. Desde outubro, a taxa básica Selic, que baliza o custo de financiamento no país, foi reduzida de 14,25% para 9,25% ao ano. Mas tomar empréstimos ainda é caro. Segundo os dados mais recentes do Banco Central, a taxa média cobrada a empresas ficou em 18,7% ao ano em junho.
— É bom que a Selic caia, mas essa queda tem que chegar na ponta. E, dependendo da aversão a risco do banco, ele não empresta a nenhuma taxa de juros. É uma avaliação de risco muito rígida que nega para muita gente. O cenário político conturbado contribui para que isso continue — observa Cagnin.
Apesar dos riscos, analistas preveem que a indústria finalmente terá um resultado positivo, após três anos seguidos de queda. Nas contas do economista Thiago Xavier, da Tendências Consultoria, o chamado carregamento estatístico do setor está em 1,6%. Ou seja, se nada mudasse até o fim do ano, a produção industrial ainda cresceria nessa proporção. A Tendências projeta alta de 2% para o fim do ano. A perspectiva é considerada “desafiadora” pelo economista, mas possível.
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— Os sinais de que a indústria não deve acumular queda este ano parecem estar cada vez mais fortes — afirma.
Rodrigo Nishida, analista da LCA Consultores, também vê espaço para crescimento da indústria, embora mais tímido: projeta alta em torno de 1%.
— O cenário de política monetária está cada vez mais favorável. Isso está começando a afetar o crédito, que mostrou alguns sinais animadores. Nada espetacular, mas um indício de que está chegando esse efeito.