IEDI na Imprensa - Eleição piora condições financeiras e juro real sobe
Valor Econômico
Daniela Meibak e Sérgio Tauhata
O cenário eleitoral indefinido, além do ambiente mais avesso aos mercados emergentes, impôs um aperto das condições financeiras no Brasil, com forte subida do juro real, mesmo com a taxa básica sendo mantida pelo Banco Central em 6,5% ao ano desde maio. O mercado de taxas futuras embute uma alta de quase dois pontos percentuais em relação à Selic para o prazo de um ano, o que tende a pressionar o custo do crédito e as expectativas para a economia.
O juro real - considerando o swap de juro de 360 dias, na casa dos 8,2%, descontada a inflação de 3,8% esperada para os próximos 12 meses - alcança 4,14%, quase dois pontos acima da taxa de 2,17% registrada em 27 de abril, menor patamar desde junho de 2012.
O efeito imediato desse aumento é o encarecimento do custo de captação das instituições financeiras, o que pode se traduzir em aumento do juro dos empréstimos na ponta tomadora se esse cenário persistir. Outro reflexo é a paralisação da demanda por crédito de médio e longo prazos.
Segundo uma fonte ligada a uma grande instituição bancária que pediu para não ser identificada, "com essa volatilidade no juro longo ninguém quer tomar crédito de prazo maior. Está todo mundo esperando a incerteza passar, a demanda por esse tipo de linha está praticamente parada". De acordo com esse interlocutor, o custo para operações de curto prazo não sente essa oscilação, porque "o que vale é o depósito à vista". Para o profissional, "não existe uma pressão para os financiamentos que têm saído no momento porque o custo segue o DI diário".
A volatilidade tem inibido também a disposição dos bancos de oferecer linhas prefixadas de prazos mais longos. "A oferta está reduzida, porque os próprios bancos têm sido mais conservadores em conceder crédito longo e focado mais em linhas com garantia, como o imobiliário e o financiamento para veículos", pondera outro executivo que pediu anonimato.
Do lado dos juros cobrados nos empréstimos, por ora o que se viu diante da perspectiva de volatilidade com as incertezas políticas foi a interrupção do processo de redução. "A queda dos juros dos empréstimos tem ficado atrás não apenas da redução da taxa Selic, mas também do ritmo de recuo da inadimplência, especialmente no segmento corporativo", assinala o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).
Conforme mostram os dados mais recentes do Banco Central, entre julho de 2017 e julho de 2018, a inadimplência das empresas recuou 38%, enquanto as taxas médias dos financiamentos caíram apenas a metade disso, ou seja, 19%. Segundo os dados do BC, os juros médios dos empréstimos com recursos livres em julho permaneciam em 20,6% ao ano para empresas e em 52% ao ano para as famílias, taxas classificadas pelo IEDI como "muito elevadas". Nesse mesmo período, a taxa Selic caiu de 10,25% para 6,5% ao ano.
Esse descompasso preventivo adotado pelas instituições, com maior lentidão do repasse dos cortes da Selic para as taxas finais e a provável paralisação desse movimento diante do quadro atual, tem segurado um aumento generalizado dos juros cobrados nos financiamentos nas principais linhas de pessoa física.
Mas o aumento do custo de capital dos bancos pode começar a ser repassado em breve. A taxa prefixada média do Certificado de Depósito Bancário (CDB), uma das principais fontes de recursos das instituições, chegou a 9,88% no dia 30 de agosto, de acordo com dados do BC.
O presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher, afirmou que o banco terá de voltar a aumentar a rentabilidade das operações de crédito, já que o custo de capital dessa atividade aumentou recentemente. O executivo, que fez apresentação ontem a investidores na Apimec, lembrou que o crédito destruiu valor para o Itaú na crise econômica, mas a rentabilidade voltou a superar o custo de capital na primeira metade deste ano. "Agora, o custo de capital subiu de novo, então vamos ter de aumentar a rentabilidade do crédito."
A deterioração das condições financeiras também afeta em cheio a confiança dos agentes de mercado, avalia Rodrigo Borges, gestor de renda fixa da Franklin Templeton. "Isso segura investimento, consumo e prejudica a economia. Por isso, as expectativas de crescimento têm sido revisadas para baixo", explica.
"Mais de 90% desse aumento é prêmio de risco. Se você tiver um cenário antirreformas, a inflação vai disparar e aí o juro nominal atual seria muito baixo. Se tiver um governo pró-reformas, esse juro vai ter de cair", afirma o ex-diretor de política monetária do BC e atual sócio da Mauá Capital, Luiz Fernando Figueiredo.
Segundo ele, não se esperava que a essa altura do processo eleitoral as dúvidas sobre o resultado seriam tão grandes. E se o cenário de indefinição persistir conforme se aproxima a eleição, mais prêmio de risco o mercado vai exigir, acrescenta Figueiredo.
Roberto Padovani, economista do Banco Votorantim, segue a mesma linha de raciocínio. Para ele, o cenário eleitoral imprevisível implica mais prêmio de risco. Ele acrescenta que a alta recente do dólar também tem sua culpa no movimento de alta do juro real, por conta dos potenciais efeitos sobre a inflação, o que exigiria uma reação do BC. Outro cenário seria a intervenção da autoridade monetária para segurar o valor da moeda. Embora considerado pouco provável pela maior parte dos investidores, ele tem seu preço no mercado.
O UBS, em relatório assinado pelo economista-chefe Tony Vopon e pelo economista Fábio Ramos, aponta que a inflação implícita nos juros futuros de cinco anos "está acima da meta", superior a 6% ao ano. Segundo os economistas, "apesar da inflação atual baixa e das expectativas ancoradas [segundo o boletim Focus], a curva local de juros está abrindo de maneira acentuada e, em nossa opinião, esse movimento reflete as incertezas internas política e fiscal e um ambiente externo mais hostil para os emergentes". O UBS espera que, diante desses fatores, o BC "eleve a Selic no encontro logo após a eleição, ao contrário das expectativas [do mercado] de uma nova alta apenas na metade de 2019".
A instabilidade política cria um processo de aperto monetário que foge do controle do Banco Central. Essa conjuntura junta-se a outros fatores e cria uma espiral negativa - o juro está mais alto, afeta o custo do crédito e impacta diretamente a atividade econômica, que por sua vez volta a trazer mais prêmio de risco. Para o UBS, "o cenário para crescimento em 2018 permanece binário: vai depender de como os agentes econômicos percebem a probabilidade de continuidade das reformas após as eleições e se as condições externas benignas vão continuar".