Análise IEDI
A crise continua, mas com outros traços
A taxa de desocupação do final de 2016 atingiu o patamar recorde de 12,0%, representando 12,3 milhões de pessoas que, em vão, procuravam emprego. Nos últimos dois anos, isto é, desde que vivemos uma recessão aberta, o contingente de desocupados no país praticamente dobrou, se considerarmos que no final de 2014 havia 6,4 milhões de pessoas sem trabalho.
Essa elevação persistente da desocupação apresentou, contudo, traços distintos em 2015 e 2016, muito embora sua causa última continuasse sendo a mesma, isto é, a grave crise econômica. As diferenças responderam ao fato de que as famílias adotaram estratégias de proteção distintas contra os efeitos negativos da crise sobre o emprego e o rendimento real de seus membros.
Uma dessas estratégias foi recorrer a um número maior de pessoas da família na busca por emprego, inclusive para reforçar seu orçamento. É por essa razão que, nos momentos de crise, aumentam as pessoas na força de trabalho que, de outra forma estariam se dedicando a estudos, por exemplo.
Outra estratégia é aceitar ocupações de menor qualidade, isto é, postos de trabalho informal, com rendimentos menores ou em funções que não correspondam integralmente à competências do trabalhador, tudo para evitar o desemprego. Neste caso, o que se observa é o aumento de ocupados em trabalho sem carteira ou por conta própria pari passu ao declínio daqueles com carteira assinada.
Em 2015, a taxa de desocupação subiu de 6,8%, em 2014, para 8,5%, na média anual, preponderantemente porque a força de trabalho aumentou (1,9%), condicionada pela primeira estratégia de ajustamento das famílias.
Mas a segunda estratégia também estava em operação, a ponto de evitar a queda do número absoluto de pessoas ocupadas. Ainda na média anual frente a 2014, o número de empregos cresceu em 63 mil, muito em função da capacidade da ocupação por conta própria (+942 mil vagas) em contrabalancear o recuo do trabalho com carteira assinada (-925 mil vagas). O emprego não caiu, mas houve perda expressiva de sua qualidade, dada a maior informalidade.
Já em 2016, enquanto o número de pessoas entrando na força de trabalho continuava subindo (+1,4%), embora em menor ritmo, provavelmente devido ao maior desalento, o espaço para que as ocupações informais e de menor qualidade absorvessem mais trabalhadores se restringiu muito.
O agravamento e a disseminação da crise para o conjunto dos setores da economia criaram barreiras à segunda estratégia de proteção familiar, levando a um expressivo declínio do número de ocupados: -1,8 milhão, em média, entre 2015 e 2016. A elevação da taxa de desemprego em 2016 para 11,6% na média anual se deveu, então, tanto ao crescimento da força de trabalho quanto à queda da ocupação.
Em 2015 bem como em 2016, o setor líder no corte de vagas foi a indústria, devido à intensidade das perdas deste setor, mas há uma diferença muito importante de patamar: em 2015 o declínio médio anual do emprego industrial levou ao desligamento de 334 mil postos de trabalho, número este que em 2016 subiu a 1,3 milhão de pessoas. Além disso, outros setores muito empregadores, como o comércio (-202 mil) e os serviços de informação, comunicação, financeiros e imobiliários (-717 mil), também entraram no negativo.
A piora do emprego no ano passado também veio acompanhada de declínio mais acentuado do rendimento médio real habitualmente recebido: -2,2% frente a 2015 contra apenas -0,2% em 2015 frente a 2014.
Com essas trajetórias do emprego e do rendimento a massa real de rendimentos só poderia ter apresentado um recuo expressivo, de -3,4% frente a 2015, um nível muito superior à quase estabilidade no ano anterior (-0,05% frente a 2014). Não é de se surpreender, então, que o desempenho das vendas do comércio e do segmento de serviços relacionados tenham caído tanto em 2016.
Convém sublinhar que os dados do último trimestre de 2016 mostram que, em determinados aspectos, houve um arrefecimento recente desse cenário bastante ruim do emprego e renda no país, podendo sugerir que 2017 se inicie com condições menos adversas. Dado o recuo da inflação, o rendimento médio real habitualmente recebido conseguiu crescer 0,5% na comparação com o mesmo trimestre de 2015, reduzindo um pouco o ritmo de declínio da massa real de rendimentos (-1,3%).
Outra melhora: a ocupação em serviços de informação e comunicação, financeiros e imobiliários voltou ao positivo (+1,8% frente ao 4º trim. de 2015), enquanto a do comércio manteve-se quase estável (-0,4%). Até o emprego industrial, que ainda cai bastante, moderou seu patamar queda, registrando apenas um dígito (-7,7%).
De acordo com dados da PNAD Contínua divulgados hoje pelo IBGE, a taxa de desocupação alcançou 12,0% no trimestre de outubro a dezembro de 2016, 3,0 p.p. maior que a taxa observada no mesmo trimestre do ano passado, de 9,0%. No trimestre móvel anterior sem sobreposição (julho a setembro), a taxa observada foi de 11,8%.
O rendimento real médio de todos os trabalhos habitualmente recebidos registrou R$ 2.043,00, o que representou aumento de 0,8% frente ao trimestre anterior sem sobreposição e de 0,5% frente ao mesmo trimestre de referência do ano anterior. Já o rendimento real médio do trabalho principal habitualmente recebido foi de R$ 1.985,00, que corresponde a uma expansão de 0,6% frente ao trimestre anterior sem sobreposição e retração de 0,3% frente ao mesmo trimestre do ano anterior.
A massa de rendimentos reais de todos os trabalhos habitualmente recebidos por mês alcançou R$ 180,0 bilhões, variação positiva de 1,2% frente ao trimestre anterior sem sobreposição e de -1,3% sobre o mesmo trimestre de 2015.
No trimestre de referência, a população ocupada somou 90,3 milhões de pessoas, 0,5% a mais do que o registrado no trimestre anterior sem sobreposição. A variação sobre o mesmo trimestre de 2015 foi de -2,2%. Na mesma comparação, o número de pessoas dentro da força de trabalho teve aumento de 0,7% atingindo 102,6 milhões de pessoas, enquanto que o número de desocupados aumentou 36,0%, o equivalente a 12,3 milhões de pessoas.
Frente ao mesmo trimestre de 2015, o número de pessoas ocupadas apresentou crescimento nas categorias empregador (4,8%) e trabalho privado sem carteira (4,8%). As demais tiveram retração: setor público (-0,7%), trabalhador doméstico (-2,7%), trabalhador por conta própria (-3,4%), trabalho privado com carteira (-3,9%) e trabalho familiar auxiliar (-9,8%).
Dentre os setores da economia que apresentaram maior aumento da ocupação na comparação com o trimestre compreendido entre outubro e dezembro de 2015, estão: alojamento e alimentação (5,4%), outros serviços (4,0%), transporte, armazenagem e correios (2,2%) e informação, comunicação e atividades financeiras (1,8%). Dentre os setores que tiveram retração da população ocupada, estão: comércio, reparação de veículos automotores e motores (-0,4%), administração pública, defesa e seguridade, educação, saúde humana e serviços sociais (-0,7%), serviços domésticos (-3,7%), agricultura, produção florestal, pesca e aquicultura (-4,5%), indústria (-7,7%) e construção (-10,8%).