Análise IEDI
A saúde financeira das empresas em 2016: uma primeira análise
Depois de seguidos dados negativos para as empresas do setor produtivo, a Análise IEDI de hoje traz uma boa notícia. Em 2016, houve alguma recomposição das margens de lucro líquida das empresas não financeiras. Este movimento foi expressivo para a indústria, cuja margem saiu de 3,7% para 6,6% entre 2015 e 2016.
A informação deriva de um levantamento preliminar com dados contábeis para 2016 de 107 empresas não financeiras, cujos principais resultados serão apresentados nesta Análise IEDI. Este trabalho dá continuidade à avaliação que o IEDI vem fazendo do desempenho econômico-financeiro das empresas na atual crise econômica (Carta IEDI n. 738 e Carta IEDI n. 754). A partir de maio, com a publicação de um número maior de balanços, uma versão completa do trabalho será realizada levando em conta uma amostra com mais empresas, assim como foi feito nas Cartas anteriores.
Cabe lembrar que em um contexto de crise prolongada como o que temos vivido, as empresas vêm enfrentando grandes dificuldades para equilibrar seus orçamentos e proteger seus balanços, especialmente diante de uma fase de aceleração inflacionária e expressiva elevação das taxas de juros pelo Banco Central, que durou até há muito pouco, e de desvalorização cambial, que especialmente em 2015 elevou muito o endividamento em moeda estrangeira de algumas empresas. Para 2016 especificamente, foram constatadas as seguintes tendências:
• Depois de grande elevação das despesas financeiras líquidas em 2015, o conjunto das 107 empresas analisadas (excluída a Vale) conseguiu reduzir bastante o peso dessas despesas, que passaram de 49,8% para 29,6% das receitas operacionais. Esse movimento foi mais intenso para as empresas industriais (exceto Vale): de 70% para 26,2%, no mesmo período.
• O ano de 2016 foi marcado por estratégias de redução do endividamento. Os indicadores mostram o início do processo, ainda em aberto. Para o total da mostra as relações do capital de terceiros e do endividamento líquido com o capital próprio recuaram um pouco: de 1,8% para 1,7%, no primeiro caso, e de 65,9% para 62,7% no segundo caso. O movimento foi mais expressivo no setor de serviços e menos intenso na indústria.
• Isto é, as empresas concentraram esforços em 2016 na busca de seu reequilíbrio econômico-financeiro, tendo obtido relativo sucesso. As margens líquidas de lucro voltaram a crescer para o total da amostra de empresas. No caso da indústria (exceto a Vale), o indicador lucro líquido em relação à receita operacional, ou seja, após as despesas com encargos das dívidas e as variações monetárias e cambiais, subiu de 3,7% em 2015 para 6,6% em 2016.
• Apesar desta alta na margem de lucro, o quadro recessivo dificultou o repasse da alta nos custos de produção, sobretudo na indústria. A margem de lucro operacional das empresas industriais (exceto a Vale) retrocedeu de 10,8% em 2015 para 10,3% em 2016.
É importante notar que, ao longo do ano passado, as empresas adotaram estratégias para a redução da sua exposição financeira, mas também contaram com uma ajuda importante da evolução de algumas variáveis macroeconômicas. A primeira delas foi a taxa de câmbio, que assumiu uma trajetória de apreciação desde o início de 2016 (20% entre janeiro e dezembro, em termos nominais), reduzindo o valor em reais do estoque de dívidas em moeda estrangeira e dos fluxos de pagamentos realizados no período.
Outra ajuda importante foi a estabilização da taxa básica de juros, que apesar de muito alta, manteve-se no mesmo patamar nominal de 14,25% a.a. por quase todo o ano, começando a cair só a partir de novembro. Se os juros elevados não ajudam muito, o fato de não terem subido ainda mais pelo menos fez com que parassem de inflar as despesas financeiras das empresas, como tínhamos visto em 2015.
Dessa forma, houve alguma recomposição das margens de lucro líquida. Entretanto, as margens operacionais continuaram pressionadas especialmente nas empresas industriais, em consonância com o contexto econômico ainda muito recessivo.
A desalavancagem das empresas – assim como das famílias – é uma condição importante para a recuperação da economia, mas por si só pode não ser suficiente sem que haja perspectivas favoráveis sobre a evolução da demanda das empresas. A postura recente do Banco Central em acelerar a redução da taxa básica de juros, de forma a aproveitar o espaço aberto pela convergência das expectativas inflacionárias, pode contribuir para esse processo de saneamento dos balanços de empresas e famílias, mas para isso esse movimento deve chegar aos juros dos empréstimos cobrados pelos bancos, algo que por enquanto não estamos observando.
As informações desta Análise IEDI, obtidas no sistema da Economática, referem-se a 107 empresas não financeiras que publicaram seus balanços patrimoniais de 2016 até o dia 10/03/2017. Portanto, a Petrobras, cuja divulgação de dados contábeis ocorreu somente no dia 21 de março, não foi incluída na amostra.
As empresas foram agrupadas em quatro macrossetores: Agropecuária, Indústria, Comércio e Serviços. Dois subconjuntos dos macrossetores foram criados para isolar o peso da Vale e das empresas de energia elétrica e energia elétrica nos totais: (i) Indústria sem Vale e (ii) Serviços sem energia elétrica. A lista das empresas e sua classificação sendo o macrossetor é apresentada no Anexo Estatístico, bem como um quadro com a definição de todos os indicadores utilizados nesta Análise.
Rentabilidade Líquida e Operacional. O período que se inicia a partir de 2010 na economia brasileira atrela baixo crescimento econômico com a redução da rentabilidade das empresas não financeiras. Conforme discutido na Carta IEDI n. 754, embora o aumento dos custos dos produtos vendidos tenha pesado na redução da rentabilidade, o crescimento mais que proporcional das despesas financeiras criaram um cenário de comprometimento crescente das receitas operacionais com o pagamento de juros e outros custos financeiros.
A situação tornou-se particularmente drástica em 2015, com a elevação significativa do grau de endividamento das empresas, crescimento das despesas financeiras e prejuízos acumulados provocados pelos efeitos da desvalorização cambial. Esse resultado foi intensificado pela crise econômica e pela deterioração das expectativas tanto dos empresários quanto dos consumidores, resultando na retração da demanda agregada e na piora da crise política.
O ano de 2016 foi marcado, portanto, pela incerteza sobre a evolução do cenário econômico e político e novamente pela retração da demanda agregada. Em uma conjuntura de crise prolongada e taxas de juros elevadas compreende-se a opção das empresas em buscar a restituição do equilíbrio econômico-financeiro através redução do grau de endividamento e das despesas financeiras, seja pela renegociação de dívidas ou pela venda de ativos.
Neste contexto, a margem líquida de lucro do agregado das 107 empresas não financeiras saiu de um patamar negativo de 1,5%, em 2015, para um índice positivo de 7,9%, em 2016. Se excluirmos a Vale do cálculo, os resultados deste indicador foram, respectivamente, 4,3% para 7,1%, na mesma base de comparação. No conjunto da indústria (excluída a Vale), a margem líquida de lucro passou de 3,7% para 6,6% entre 2015 e 2016, e manteve-se abaixo do patamar de rentabilidade de 2010 (8,0%).
O comportamento da margem bruta de lucro também demonstra a dificuldade das empresas em repassar o aumento dos custos em uma situação de retração da atividade econômica. No macrossetor da indústria (excluída a Vale) a margem de lucro bruto caiu entre 2015 e 2016, de 27,4% para 26,2%. No caso do macrossetor de serviços (exceto energia elétrica) nota-se pequena melhora neste indicador, porém a alta foi bastante inferior ao aumento observado na margem líquida de lucro deste conjunto de empresas. Estes resultados indicam que, a despeito da recuperação do lucro líquido, 2016 ainda foi um ano de retração da rentabilidade das atividades operacionais. Isso demonstra a predominância de estratégias de redução das despesas financeiras e de um tipo de ajuste patrimonial recessivo para o conjunto da economia.
No entanto, dada a situação das empresas em 2015, era difícil outro resultado para 2016 senão a tentativa conjunta do setor produtivo de reduzir o grau de endividamento. De certa forma, este já era o cenário previsto para 2016, sendo que o fato importante foi que o movimento também contou com desinvestimentos (venda de ativos e reduções em participações societárias). Isso indica que os dois anos seguidos de retração econômica terão impactos significativos na reavaliação das áreas de negócios de um grupo grande de empresas brasileiras.
No caso da margem de lucro operacional, a melhora deste indicador no agregado (excluída a Vale), de 11,7% para 13,1% entre 2015 e 2016 esconde a retração das margens operacionais para setores importantes da indústria. No conjunto da indústria (excluída a Vale), a margem operacional caiu de 10,8% para 10,3%. O destaque positivo foi a recuperação da rentabilidade do setor de mineração devido ao desempenho da Vale; ademais, as recuperações mais significativas dos indicadores de rentabilidade ocorreram principalmente no setor de serviços.
Outra questão importante na recuperação dos resultados foi o alívio dos efeitos cambiais sobre as operações e passivos das empresas em 2016 quando comparado ao ano anterior. A valorização cambial de 2016 frente a 2015 fez com que diminuíssem os impactos das variações monetárias e cambiais líquidas. No agregado das 107 empresas não financeiras estes efeitos sobre o total das receitas tinham sido de 9,4% em 2015 e passaram para o patamar de 2,8%. Se excluirmos a Vale, o resultado de 2016 passa a ser de 3,1%, o que significou ganhos nestas variações no período. Para a indústria, os efeitos cambiais sobre os resultados foram bem menos significativos em 2016, embora ainda demonstre como a indústria nacional sofre, sobretudo com a volatilidade da taxa de câmbio, acumulando impactos sempre que a tendência de apreciação ou depreciação cambial se reverte.
Nos indicadores de despesa, percebe-se que a redução das despesas financeiras foi o principal fator a determinar a recuperação da rentabilidade das empresas não financeiras. Para o total da amostra de empresas (excluída a Vale), a relação entre a despesa financeira líquida e a receita operacional, caiu de 5,8%, em 2015, para 3,8%, em 2016. Este indicador para o macrossetor da indústria (excluída a Vale) passou de 7,6% para 2,7%. Cabe ressaltar que, em alguns casos, a melhora do resultado dos fluxos financeiros se deveu mais a certa recuperação das receitas financeiras, do que a uma redução significativa das despesas com juros.
De modo geral, apesar da melhoria da fragilidade financeira das empresas, o resultado deve ser relativizado, tanto por conta do volume ainda expressivo das despesas financeiras como proporção do lucro operacional, como pela queda persistente do resultado operacional. Em 2016, o montante das despesas financeiras líquidas atingiu R$ 27 bilhões (excluída a Vale), o que representou 29,6% do lucro operacional, patamar acima do verificado entre 2010 e 2013.
Os custos dos produtos vendidos (CPV) permaneceram estáveis para a maior parte dos setores em 2016 (no agregado, exceto a Vale, a relação entre o CPV e a receita operacional permaneceu ao redor de 70,0%). Em relação aos segmentos ligados diretamente às commodities minerais, nota-se tendência de alta no CPV. Isto se verificou no agregado da indústria excluída a Vale. O acréscimo do preço das commodities, sobretudo minerais, embora tenha propiciado a recuperação da rentabilidade de empresas importantes como é o caso da Vale, em um cenário de retração da demanda, resultou também na compreensão da margem operacional dos setores produtores de insumos básicos. Estes setores foram alguns em que a margem operacional mais recuou, ficando pressionados entre a elevação dos preços das commodities e a incapacidade de repassar para os preços o aumento dos custos das matérias-primas.
Composição dos Ativos e Passivos. O quadro econômico de 2015, marcado por forte desvalorização cambial, retração aguda da demanda doméstica e alta das taxas de juros sobre os empréstimos comprimiram as margens de lucro e determinaram a elevação do endividamento das empresas. A relação entre capital de terceiros e o endividamento líquido sobre o capital próprio subiu e atingiu o pico da série no agregado das 107 empresas não financeiras.
Em 2016, como já ressaltado, as grandes empresas iniciaram um processo mais intenso de redução seu grau de endividamento. Os indicadores que refletem este movimento acusaram, contudo, um ajuste contido: as relações do capital de terceiros e do endividamento líquido com o capital próprio passaram, no primeiro caso, de 1,8% em 2015 para 1,7% em 2016 e no segundo caso de 65,9% para 62,7%, respectivamente.
A apreciação cambial ao longo de 2016 (20% em termos nominais entre janeiro e dezembro) e a estabilização dos níveis de juros (Selic ficou em 14,25% a.a. até nov/16) resultaram em custos financeiros menores. O peso da despesa financeira líquida sobre o lucro operacional diminui de 49,8% para 29,6% no total das empresas, excluída a Vale. Esta redução foi ainda mais intensa no conjunto de empresas industriais (exceto a Vale), de 70,7% em 2015 para 26,2% em 2016.
Na comparação do estoque de dívida bancária de 2016 e lucro operacional daquele ano observa-se uma melhoria no setor de serviços com redução deste indicador, de 3,7% para 3,1%. Para o agregado das companhias industriais (exceto a Vale), ao contrário, esta relação se elevou de 4,7% para 4,9%, em função da retração do lucro operacional ter sido superior a queda observada no montante de dívidas bancárias deste segmento, que passou de R$ 187 bilhões, em 2015, para 180 bilhões, em 2016. No total das empresas, o montante de dívidas bancárias atingiu em 2016 o valor de R$ 460 bilhões com redução de R$ 23 bilhões em relação a 2015, sendo que 74,0% desta diminuição deveu-se a queda do endividamento bancário da Vale.
Frente a este contexto de perda de rentabilidade operacional e aumento do grau de endividamento como as empresas não financeiras mantiveram um volume expressivo de recursos líquidos nos seus balanços (disponibilidades de caixa + aplicações financeiras) como estratégia defensiva. Em 2016, para o conjunto de empresas industriais (excluída a Vale) o nível de recursos líquidos foi superior ao total da amostra, 16,4% contra 11,2%.
As empresas também procuraram se voltar para os seus negócios principais e diminuíram os investimentos em controladas em coligadas. Isto ficou bastante evidente no agregado de empresas industriais (exceto a Vale). Estes investimentos, que representavam em 2013 3,7% dos ativos deste conjunto de companhias, caíram para 2,6% em 2016. Este é um indício de que a liquidação de ativos pode ter ocorrido para ajudar a reduzir o endividamento das empresas.
Neste contexto e em linha com os dados de formação bruta de capital fixo das contas nacionais, as imobilizações de capital mantiveram-se no biênio 2015-2016 em um patamar inferior ao observado no início do período, indicador de que o investimento produtivo permaneceu inerte nos últimos anos. Entre 2015 e 2016, no caso do agregado das 107 empresas houve diminuição de 32,2% para 30,7%, e para o conjunto da indústria (exceto a Vale) o patamar alcançado em 2016 (28,9%) ficou 4,0 pontos percentuais abaixo do nível observado em 2010 (32,9%).
Anexo Estatístico (Clique aqui)