Análise IEDI
Políticas industriais e de inovação: por que são necessárias?
Tema de amplo debate entre economistas de distintas vertentes teóricas, o papel das políticas industriais e de inovação no desenvolvimento dos países é objeto de análise no artigo “Los fundamentos de las políticas industriales y de innovación”, de autoria de Mario Cimoli, Giovanni Dosi e Joseph E. Stiglitz, este último ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2001. O artigo é um dos capítulos de “Políticas industriales y tecnológicas en América Latina”, relatório publicado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) em 2017.
Os autores argumentam que as políticas de proteção às indústrias nascentes, a definição dos regimes internacionais de comércio e de propriedade intelectual, a distribuição das rendas setoriais e a sintonia das políticas industriais com as políticas macroeconômicas são elementos fundamentais no desenvolvimento industrial e econômico dos países, tal como observado nas experiências daqueles que lograram obter patamares mais elevados de renda ao longo do tempo.
Deste modo, os autores salientam a importância de políticas industriais e de inovação ativas como forma de apoio às novas empresas e aos novos setores em países relativamente mais atrasados do ponto de vista econômico e tecnológico. Somente dessa forma seriam capazes de gerar as capacidades tecnológicas necessárias para concorrer com empresas de países desenvolvidos, já consolidadas no mercado internacional. Propõe-se, inclusive, uma taxonomia para as intervenções de política conducentes ao aprendizado tecnológico e à mudança industrial.
Na atualidade, há muitos desafios a serem vencidos na implementação de políticas industriais e de inovação, particularmente diante do contexto internacional marcado por acordos comerciais e acordos de proteção à propriedade intelectual, que limitam o uso das antigas políticas de fomento utilizadas pelos países hoje considerados desenvolvidos. Apesar do menor grau de liberdade, ainda existem oportunidades para que os países emergentes apliquem e negociem políticas comerciais e industriais direcionadas para seu desenvolvimento.
Neste sentido, os autores advogam uma política industrial moderna, cujos aspectos, diga-se de passagem, há muito tempo também são defendidos pelo IEDI: o apoio governamental concedido às empresas deve envolver prazos e contrapartidas de resultados, como metas de investimentos em tecnologia e exportações, de modo que o incentivo concedido, por exemplo, via tributação e crédito favorecido, não resulte meramente na apropriação de rendas por grupos específicos. Por fim, mas não menos importante, também se destaca a necessidade de coordenação entre políticas industriais e políticas macroeconômicas para se produzir trajetórias virtuosas de desenvolvimento.
Evolução das indústrias e importância das políticas industriais. O apoio ativo do Estado mediante, por exemplo, diferentes instrumentos de proteção ao mercado doméstico e incentivos a setores industriais específicos é característica marcante dos países que conseguiram se industrializar e realizar o processo de catching-up com as economias desenvolvidas durante os séculos XIX e XX. A estratégia de proteger a indústria nacional enquanto adquirisse as capacidades necessárias para concorrer com as empresas mais avançadas de economias líderes em setores considerados cruciais ao desenvolvimento é a base do argumento da indústria nascente. Sem proteção, a tentativa de industrialização estaria fadada a fracassar, muito embora a proteção por si só não seja garantia de competitividade da indústria no longo prazo. Por isso, segundo Mario Cimoli (Diretor da CEPAL para Desenvolvimento Produtivo e Empresarial), Giovanni Dosi (professor da Universidade de Columbia e da Scuola Superiore Sant’Anna, em Pisa) e Joseph E. Stiglitz (professor da Universidade de Columbia e Prêmio Nobel de Economia em 2001), cabe avançar na reflexão sobre as circunstâncias em que a proteção às indústrias nascentes são conducentes a uma indústria nacional sólida.
Os principais países atualmente considerados desenvolvidos apresentaram um grau de intervencionismo econômico relativamente elevado durante sua história. Isso se aplica, sobretudo, ao período quando tais nações estavam em processo de alcançar a convergência com os então líderes internacionais. O Japão constitui um exemplo na adoção de políticas intervencionistas durante seu processo de desenvolvimento econômico. Dentre os países, diferem-se, contudo, os instrumentos, arranjos institucionais e filosofia de intervenção.
Os autores de “Los fundamentos de las políticas industriales y de innovación”, publicado pela CEPAL, elaboraram uma taxonomia das intervenções governamentais em termos de políticas, medidas e instituições relacionadas ao aprendizado tecnológico e à mudança industrial. As medidas de política e instituições afetam: (i) a capacidade tecnológica dos indivíduos e das empresas, bem como o ritmo ao qual efetivamente aprendem; (ii) os sinais econômicos que recebem, inclusive em termos de rentabilidade e custos de oportunidade; e (iii) a maneira como interagem entre si e com instituições fora do mercado, como organismos públicos, bancos de desenvolvimento e entidades de capacitação e pesquisa.
Apesar de as políticas poderem ser combinadas de distintos modos segundo as especificidades de cada país e setor, é possível elencar características semelhantes:
• Em primeiro lugar, ressalta-se a centralidade dos organismos públicos, incluindo as universidades, e das políticas públicas para a formulação e implementação de novos paradigmas tecnológicos.
• Em segundo lugar, destaca-se a insuficiência dos incentivos de mercado aos atores econômicos para promover convergência tecnológica, resultando necessárias políticas industriais e de inovação para ampliar a capacidade de tais atores.
• Em terceiro lugar, coloca-se o conflito gerado pela disciplina concorrencial imposta pelo mercado, eliminando grupos de empresas de baixo desempenho e recompensando aqueles de maior desempenho, o que poderia, durante esse processo de seleção, ampliar diferenças entre empresas e minar possibilidades de aprendizado futuro.
• Em quarto lugar, enfatiza-se certo desequilíbrio entre medidas para construção de capacidades e proteção às indústrias nascentes e os mecanismos para restringir a inércia e a captura de renda por grupos específicos.
• Por último, observa-se forte relação entre processos exitosos de convergência de renda per capita e processos de convergência aos paradigmas tecnológicos novos e mais dinâmicos, independentemente dos padrões iniciais de vantagens comparativas, do grau de especialização e dos sinais econômicos emitidos pelos mercados.
A experiência histórica corrobora a hipótese de que frequentemente apenas os países líderes em âmbito tecnológico e político preconizam e aproveitam ao máximo o livre comércio irrestrito. Estes ensinamentos do passado são úteis na medida em que também se apliquem ao futuro, de modo que os atuais formuladores de política deveriam estar conscientes de que as capacidades futuras se baseiam nas capacidades de hoje, modificando-as e aperfeiçoando-as. A percepção dessas trajetórias de dependência no desenvolvimento de novas capacidades deve ser, portanto, objeto de política.
Fortalecimento das indústrias nascentes sob o atual regime de comércio internacional. Para o desenvolvimento de indústrias nascentes, é essencial resguardar a possibilidade de aprender. Os sinais de mercado frequentemente são insuficientes para isso, pois tendem a não incentivar atividades que apresentem desvantagens comparativas, as quais, no entanto, poderiam ser fontes para acumulação de capacidades tecnológicas futuras. Várias políticas factíveis são apontadas, portanto, nesta direção.
Por razões associadas ao processo de aprendizado, a evidência história demonstra que as tarifas médias aplicadas às importações industriais tendem a crescer durante a fase de convergência econômica e tendem a cair quando o processo de industrialização se torna maduro. É durante a fase de convergência que se coloca a necessidade de agir sobre os sinais dos mercados internacionais, uma vez que as indústrias nascentes se encontram em processo de aprendizado, ainda incapazes de concorrer de igual para igual internacionalmente.
Vale ressaltar que a ausência ou presença de capacidades tecnológicas maduras e dinâmicas em qualquer país não constitui uma variável binária. Muitos países apresentam algumas dessas capacidades, enquanto outros possuem poucas organizações que avançam tecnologicamente diante de um grande número de empresas menos dinâmicas. Mesmo em nações mais desenvolvidas, apenas uma parcela pequena de todas as empresas pode ser considerada dinâmica do ponto de vista tecnológico. Porém, a industrialização guarda relação com as propriedades que possibilitam alterar essa distribuição entre empresas que avançam e que retrocedem tecnologicamente.
As políticas cumprem papel decisivo nesse processo. Destacadas para os casos de China e Índia, mas válidas também para outros países embora sendo alvo de créticas, as políticas podem incluir aspectos referentes a empresas estatais, alocação seletiva de crédito, regime tributário preferencial para certos ramos industriais, restrições ao investimento estrangeiro, exigências do contexto local, regimes especiais de direitos de propriedade intelectual, sistemas de contratação pública e fomento às grandes empresas nacionais.
Não se trata meramente de escolher uma empresa ganhadora ao beneficiá-la por meio de políticas discricionárias, como se no mercado houvesse muitos competidores ou como se o governo soubesse melhor que o mercado qual empresa selecionar. Nem todas as políticas dessa natureza obtiveram sucesso. Porém, cabe reconhecer que os principais veículos de aprendizado e convergência em todos os casos de industrialização com êxito, com a possível exceção de Cingapura, foram empresas nacionais, em alguns casos sozinhas, em outros de maneira conjunta com empresas multinacionais estrangeiras. Isto é válido para a industrialização tanto da Alemanha e dos Estados Unidos como mais recentemente da China. No caso chinês, parece clara a estratégia dual que fomenta o desenvolvimento das empresas nacionais ao mesmo tempo em que procura extrair das multinacionais estrangeiras todos os conhecimentos tecnológicos possíveis.
Segundo os autores do estudo, as medidas para estimular o fortalecimento e crescimento das indústrias nascentes têm sido um dos principais componentes das políticas de desenvolvimento nos processos de industrialização ao longo da história. Mostrava-se necessário proteger ou ajudar novas empresas, sobretudo diante da concorrência externa. Nas interações entre empresas nascentes e empresas maduras, não há motivo para abandonar a filosofia orientada a estimular as empresas nascentes. As políticas podem, inclusive, servir para impulsionar o uso mais explícito dos mercados nacionais e regionais como espaços para fortalecer a indústria nacional emergente em meio ao contexto internacional dominado por produtores avançados e exportações chinesas.
A realidade econômica internacional atual, entretanto, é distinta daquela em que muitos países hoje desenvolvidos se industrializaram. Por isso, para Mario Cimoli, Giovanni Dosi e Joseph E. Stiglitz é preciso repensar as políticas de apoio diante do regime regulatório colocado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e pelo Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs, na sigla em inglês). Tal regime envolve uma redução, sem precedentes históricos, da liberdade que os países em desenvolvimento possuem para praticar políticas comerciais e industriais, diferentemente do que países no passado podiam realizar por meio de uma ampla gama de cotas, tarifas e outras formas de barreiras comerciais. Neste contexto, tornou-se mais difícil aos novos atores – empresas, setores e economias emergentes – inserir-se nas indústrias existentes.
Apesar da crescente dificuldade, ainda é possível recorrer a várias alternativas dentro do marco dos acordos vigentes, já que apresentam lacunas legais e exceções geralmente introduzidos pelos próprios negociadores representantes dos países desenvolvidos visando salvaguardar seus interesses. Nesse sentido, os acordos bilaterais são vistos como uma tentativa de preencher essas lacunas, exceções e cláusulas de salvaguarda dos acordos originais da OMC e TRIPs, a fim de manter uma situação benéfica às empresas e indústrias do mundo desenvolvido. Ressalta-se que, caso China e Índia tivessem adentrado em um processo de liberalização desde o princípio, provavelmente não teriam se transformado nas potências econômicas atuais. Em grande medida, um dos pontos fortes de ambos os países foi que desenvolveram grandes capacidades antes de liberalizarem o comércio.
Cabe, portanto, certo nível de renegociação comercial. Sugere-se, por exemplo, que o objeto dos acordos multilaterais seja a tarifa de importação industrial média, ao invés de tarifas estabelecidas a cada produto ou setor específico. Dessa forma, tornar-se-ia mais simples a atual estrutura de compromissos tarifários ao mesmo tempo em que se possibilitaria reconciliar a disciplina multilateral com a flexibilidade das políticas, dado que os países ficariam sujeitos a uma tarifa média geral, porém com graus de liberdade para adotar estratégias setoriais discricionárias. Na prática, permitiria equilibrar aumentos e reduções tarifários, uma vez que os países precisariam baixar as tarifas aplicadas a alguns produtos para elevar as de outros. Isso levaria os governos a utilizar as tarifas apenas como instrumentos provisórios e a concentrar seus esforços em garantir que efetivamente cumpram o papel para o qual são aplicadas, qual seja, dar às indústrias nascentes tempo para amadurecer e promover o catching up com seus pares de países mais avançados.
Distribuição das rendas setoriais, propriedade intelectual e coordenação de políticas. Importante faceta das políticas de fortalecimento das indústrias nascentes se refere ao modelo de distribuição das rendas por elas geradas. Todas as políticas bem sucedidas de industrialização foram acompanhadas por estratégias de administração das rendas que exigiam contrapartidas das empresas em termos de aprendizado e acumulação de capacidades tecnológicas e produtivas, para que estas não apenas se beneficiassem das rendas obtidas em decorrência da proteção.
Tais estratégias apresentam três dimensões. Em primeiro lugar, no que se refere aos incentivos, as políticas devem ser capazes de transferir recursos aos atores mais progressistas por meio das políticas fiscais, da concessão de subsídios e de créditos preferenciais, além do apoio de instituições financeiras que favoreçam a industrialização. Em segundo lugar, no que concerne às contrapartidas, é indispensável um compromisso confiável de se estabelecer prazos a todas as medidas orientadas a gerar rendas e também de impor sanções às empresas e indústrias que fracassem em alcançar metas de investimento em tecnologia ou metas de exportação. Em terceiro lugar, também é necessário que o processo de fortalecimento de oligopólios nacionais seja acompanhado de medidas que promovam a concorrência. Das experiências sul-coreana e japonesa, ficou o ensinamento de que as empresas nacionais oligopolizadas foram forçadas, desde cedo, a competir fortemente nos mercados internacionais. A gestão da distribuição das rendas e sua relação com o aprendizado industrial constituem uma das tarefas mais cruciais e difíceis de toda a estratégia de industrialização, pois diz respeito à distribuição geral da renda, riqueza e poder político entre distintos grupos sociais e econômicos.
Ademais, todos os países durante seu processo de desenvolvimento, incluídos os Estados Unidos e a Alemanha do passado, lograram superar o atraso recorrendo, em grande medida, à imitação, engenharia reversa ou simplesmente cópia de diversos produtos. Tais atividades, porém, são justamente o que se supõe que um sistema sólido de direitos de propriedade deveria impedir. Quando resultam eficazes, os direitos de propriedade intelectual representam frequentemente um obstáculo ao aprendizado tecnológico em âmbito nacional. Também não há evidências suficientemente robustas de que este mecanismo de proteção sirva de incentivo mesmo aos países que estão na fronteira tecnológica para que empreendam atividades de inovação. Com os acordos TRIPs e acordos comerciais bilaterais, elimina-se a possibilidade de distinguir o regime de proteção aplicado a diferentes produtos e tecnologias, agravando o diferencial tecnológico dos países em desenvolvimento em relação aos desenvolvidos.
Assim, segundo os autores cabe aos países em desenvolvimento tornarem-se cautelosos na adesão aos acordos de direitos de propriedade intelectual, uma vez que não implicam necessariamente maior grau de inovação. Ao contrário, em muitos casos, dificultam o processo de aprendizado tecnológico. Além disso, cabe a estes países aprender a explorar as lacunas, exceções e cláusulas de salvaguarda ainda existentes nesses acordos. Países avançados também poderiam oferecer a seus parceiros menos desenvolvidos acordos regionais atrativos como alternativas viáveis aos acordos bilaterais com os Estados Unidos e a União Europeia, os quais tendem a incorporar disposições rigorosas relativas aos direitos de propriedade. Propõe-se, assim, uma nova rodada de negociações multilaterais com as seguintes metas: (i) reduzir a amplitude e alcance da cobertura dos direitos de propriedade intelectual; (ii) ampliar a aplicação do conceito de “não patenteável” a fim de abarcar não apenas conhecimentos científicos, mas também algoritmos e dados; e (iii) condicionar os diferentes graus de proteção de direitos de propriedade intelectual ao nível relativo de desenvolvimento econômico e tecnológico de cada país. A reforma, tal como sugerida no estudo, resultaria em benefícios não somente aos países em desenvolvimento, mas também aos consumidores de países mais avançados, sem prejudicar a taxa geral de inovação.
Por fim, cabe frisar brevemente a necessária consistência entre as políticas macroeconômicas e industriais. Determinadas políticas macroeconômicas podem anular a maioria dos esforços de aprendizado. Nesse sentido, os autores mencionam, por exemplo, a eliminação repentina e indiscriminada de barreiras comerciais, sobretudo quando acompanhada de uma gestão imprudente da taxa de câmbio, caracterizada por ciclos viciosos de valorização seguidos de desvalorizações abruptas, que tendem a ser intensificados na ausência de controles de capitais.
A crença cega na eficácia do mercado e a consequente ausência de políticas fiscais e de uma gestão da demanda ampliam a volatilidade da produção. Por sua vez, essa volatilidade, junto com a fragilidade financeira endêmica de diversas empresas de países em desenvolvimento, induz ondas de mortalidade empresarial e desaparecimento de capacidades tecnológicas. Mesmo entre as empresas sobreviventes, as condutas tendem a se tornar mais de curto prazo e a economia tende a responder mais aos sinais financeiros do que às oportunidades de aprendizado de longo prazo. A importância de formular políticas industriais e de inovação adequadas torna-se evidente ao se comparar os circuitos de retroalimentação viciosa entre políticas macroeconômicas mais ortodoxas e microdinâmica na América Latina com os circuitos de retroalimentação virtuosa entre políticas macroeconômicas mais intervencionistas e contínua expansão industrial no Leste Asiático, notadamente na Coreia do Sul.