Análise IEDI
Transformações da indústria brasileira: as marcas do período 2007-2015
A Carta IEDI a ser divulgada hoje inaugura uma série de quinze estudos com diagnósticos e proposições que têm subsidiado a reflexão do IEDI e, consequentemente, a preparação de sua estratégia industrial, passando por temas da maior importância para o Brasil, como a disfuncionalidade de nosso sistema tributário; o nó da infraestrutura; as deficiências dos canais de financiamento do investimento no país; a acanhada integração internacional de nossa economia; os desafios impostos à competitividade da produção nacional, diante do surgimento das novas tecnologias da Quarta Revolução Industrial, dentre tantos outros temas.
Este primeiro trabalho analisa as mudanças da estrutura industrial entre os anos de 2007 e 2015, um período que deixou marcas profundas no setor em função de episódios tais como a crise global de 2008/2009, a rápida recuperação em seguida, com apoio de políticas anticíclicas, e o início de uma das piores fases que a indústria brasileira já enfrentou, em 2014 e, principalmente, 2015.
O objetivo deste estudo é avaliar diferentes indicadores que expressam os efeitos desse ambiente macroeconômico sobre a indústria, a partir das informações da PIA – Pesquisa Industrial Anual do IBGE referente ao ano de 2015, a edição mais recente disponível quando da elaboração do estudo. Em particular, o trabalho pretende acompanhar as mudanças na composição setorial do valor adicionado e do emprego industrial, as alterações na estrutura de custos de produção, a evolução dos investimentos, além de aferir a fragilidade financeira das empresas do setor.
Como se sabe, há muitos anos a indústria vem reduzindo sua participação relativa na economia brasileira, tendência que se acentuou no período em análise. Além disso, outra mudança merece ser enfatizada: os dados da PIA mostram que o grupamento de setores intensivos em recursos naturais (em particular, o setor de alimentos) foi o que mais aumentou sua participação, tanto no valor adicionado (de 40,9% para 46,2%) como no emprego industrial (de 36,2% para 40,5%) de 2007 a 2015.
Tendo em vista as vantagens comparativas do país e suas dimensões continentais, a indústria intensiva em recursos naturais sempre foi a de maior peso na estrutura industrial. Porém, o aprofundamento desta especialização no período em foco decorreu também das dificuldades da economia brasileira em estabelecer as condições adequadas para promover uma mudança estrutural na direção de produtos com maior conteúdo tecnológico.
Quem mais perdeu participação na estrutura industrial foi o grupamento de setores intensivos em escala, notadamente metalurgia e veículos. O grupo teve seu peso no valor adicionado reduzido de 31,1% para 24,7% entre 2007 e 2015 e, no emprego industrial, de 19,9% para 19,0%. Este também foi o grupo a enfrentar maiores dificuldades do ponto de vista dos custos de produção.
A análise dos custos operacionais avaliados relativamente ao valor de produção da indústria brasileira revela uma significativa redução nos anos iniciais do período em tela e um rápido aumento desde 2011, um perfil seguido por todos os grupos de setores industriais estudados. Na indústria geral, os custos de operações industriais, que representavam 55,1% no valor da produção, recuaram para 51,5% em 2011, mas subiram para 53,2% em 2015.
Quanto aos custos do trabalho, houve um aumento dos salários como proporção do valor da produção praticamente em todo o período em foco e em todos os grupamentos de indústria. Na média da indústria geral, este item de custo, que representava 8,9% do valor da produção em 2007, subiu para 10,1% em 2011, alcançando 10,8% em 2015.
É relevante destacar a elevação de custos de forma generalizada desde 2011, porque deste ano em diante se intensificou a investida de economias como a da China sobre o mercado interno brasileiro. Perder competitividade devido à majoração de custos em um momento como este, em que, ademais, a moeda encontrava-se valorizada, teria inevitavelmente como consequência a perda de mercado para o produto importado. Não por acaso a indústria brasileira desde aquele ano passou a alternar períodos de crescimento com outros de retração, culminando em 2015/2016 com uma forte recessão. O aumento de custos é parte destacada deste cenário.
O estudo também procurou mostrar que a evolução do investimento industrial foi relevante para as mudanças da taxa de investimento da economia brasileira como um todo, seja na etapa de expansão entre 2007 e 2013, quando a taxa de investimento subiu de 18% do PIB para 20,9% do PIB, seja no período de crise dos últimos anos, quando a taxa de inversão se retraiu para 15,6% do PIB.
A taxa de investimento industrial (calculada pela proporção das aquisições menos as baixas de ativos tangíveis declaradas pelos informantes da PIA/IBGE em relação ao valor adicionado da indústria geral), era de 24,1% em 2007, se retraiu com a crise mundial de 2008/2009, mas aumentou de novo nos anos seguintes, retornando em 2013 ao padrão de 2007. Daí em diante a crise industrial determina nova etapa de queda, para 23,5% em 2014, e 22,2% em 2015 (último ano com dados disponíveis), simbolizando o término de um ciclo de expansão do investimento iniciado em meados dos anos 2000.
Com a recessão da economia e da indústria, ganharam vulto posturas defensivas das empresas, como a alocação de recursos em ativos mais líquidos e de retorno mais rápido. Neste sentido, a participação da receita financeira em relação à receita total subiu de 4,2% em 2013 para 7,3% em 2015, um nível relativamente próximo daquele de 2009 (8,2%), quando a economia brasileira sofreu o impacto da crise financeira internacional. Em relação aos grupamentos da indústria, em todos eles a participação das receitas financeiras na receita total foi superior em 2015 comparativamente a 2007.
O estudo constatou ainda que, a partir de 2014, os balanços das empresas industriais se fragilizaram, pois uma maior parcela da receita corrente passou a ficar comprometida com o pagamento de despesas contratuais, como impostos e despesas financeiras. A evolução deste indicador, que constitui uma proxy de fragilidade financeira, mostra que, a partir de 2010, o excedente bruto da indústria tornou-se declinante em relação às despesas contratuais. Em 2015, esse indicador passaria a ser inferior a 1, ou seja, o excedente bruto gerado na indústria não cobria os compromissos contratuais. Com isso, a taxa de investimento industrial declinou fortemente, uma tendência que pode ter se prolongado até 2016 ou mesmo 2017.
Em resumo, o período de 2007-2015 pouco beneficiou a indústria na direção de elevar seu potencial de agregação de valor. A estrutura industrial tornou-se mais concentrada em setores intensivos em recursos naturais. De outra parte, o crescimento dos salários não foi acompanhado de reduções correspondentes em outros custos e em aumento na produtividade. Daí registrou-se uma significativa perda de competitividade em setores outros, que não o intensivo em recursos naturais. O estudo ainda apurou que as empresas industriais foram se fragilizando do ponto de vista financeiro e, como consequência, foram perdendo capacidade de financiarem com recursos próprios seus investimentos. Neste ambiente, as políticas de estímulo pelo lado da oferta implementadas a partir de 2011 tiveram pouca eficácia em dinamizar o investimento produtivo e direcioná-lo para setores com mais agregação de valor.