Análise IEDI
Políticas de conteúdo nacional: critérios para experiências bem-sucedidas
A Carta IEDI a ser divulgada hoje dá continuidade a uma série de quinze trabalhos a respeito de diversos temas – como infraestrutura, financiamento do investimento, inovação, mudanças na estrutura industrial, produtividade e políticas de desenvolvimento produtivo, entre outros – que subsidiaram a elaboração da estratégia industrial do IEDI, que será divulgada em breve. Alguns destes trabalhos já estão disponíveis no site do Instituto: Cartas IEDI n. 855 de 26/6/18; n. 856, de 28/6/18; n. 857 de 29/618; n. 858 de 2/7/18; n. 859 de 3/7/18; n. 860 de 5/7/18; n. 862 de 10/7/18; n. 863 de 12/7/18 e n. 864 de 13/7/18.
Esta edição, baseada no estudo coordenado pelo economista e professor da Poli/USP João Furtado, sintetiza a análise da recente experiência brasileira com as políticas de conteúdo local, cujos resultados que ainda carecem de avaliações sistemáticas e aprofundadas. Foram reunidas evidências que ajudam a avançar em uma análise equilibrada sobre essas políticas para os seguintes setores: automóveis, petróleo, informática, equipamentos para a produção de energia eólica e produtos farmacêuticos.
No passado, as políticas de conteúdo local foram um dos pilares centrais das políticas de desenvolvimento da maioria dos países, mas seguem sendo ainda muito empregadas na atualidade. Nos Estados Unidos, por exemplo, o instrumento mais explicitamente voltado para o apoio à produção local é o Buy American Act, que desde 1933 torna obrigatórias as compras de fabricantes locais em projetos de investimento federais, estaduais e municipais.
O Brasil praticou políticas protecionistas e políticas de conteúdo local durante muito tempo, com resultados que continuam a ser debatidos. Se por um lado existe o reconhecimento de que a industrialização e o desenvolvimento brasileiros devem muito às políticas que os promoveram, por outro lado tem havido críticas que lhes atribuem muitos dos nossos males, incluindo o atraso industrial e as deficiências competitivas de nosso sistema produtivo.
Por mais que o debate esteja ainda vivo, segundo João Furtado e seus coautores, é incontestável que as políticas de substituição de importações e de conteúdo local foram alicerces da constituição de um Brasil industrial que teve dinamismo e densidade elevados até pelo menos a entrada dos anos 1980, quando a convergência de uma nova revolução tecnológica e industrial, de um lado, e os efeitos de uma crise externa, de outro, contribuíram para uma paralisia prolongada na evolução do sistema industrial.
Dentre as ações recentes, os autores avaliam que há casos em que os sinais de insucesso das políticas de conteúdo local parecem mais numerosos, mas também há casos de sucesso:
• Indústria automobilística. O Inovar Auto e as políticas anteriores não parecem ter tido capacidade efetiva de promover uma mudança estrutural ou elevar de modo significativo a sua competitividade e a sua inserção internacional. Além dos resultados acanhados, sua efetividade tende a se tornar ainda mais irrelevante, com o avanço dos carros elétricos, dos autônomos e das novas formas de uso compartilhado, que poderão reduzir drasticamente as dimensões das frotas e colocar os fabricantes em posição subalterna frente aos provedores de serviços de mobilidade.
• Indústria Naval e de Petróleo e Gás. A indústria naval e a indústria fornecedora para petróleo e gás são objeto de políticas de conteúdo local em muitos países, sobretudo naqueles desprovidos de outras atividades econômicas importantes. No Brasil, o exame da política de conteúdo local para a indústria de petróleo é difícil porque deve dissociá-la dos eventos estranhos que a marcaram negativamente no período recente, tais como as ilegalidades cometidas e o ciclo de preços do petróleo.
• Indústria de Energia Eólica. Uma combinação inteligente entre a política energética (MME) e a política de financiamento aos investimentos (BNDES) das empresas de geração de energia eólica produziu resultados positivos muito substanciais. O Brasil tem experimentado ganhos expressivos na capacidade de geração de energia a partir dos ventos (8,3% da energia gerada em março de 2018, equivalente à participação do gás natural), houve internalização de atividades tecnológicas até então inexistentes, de maior complexidade e a gradativa incorporação de novos componentes e processos produtivos.
• Indústria de informática. A Lei da Informática, a despeito de resultados positivos localizados, não tem possibilitado que a informática, com o seu substrato eletrônico e a difusão digital, dê contribuição efetiva para o aumento da produtividade e da competitividade do sistema produtivo. É preciso reconhecer que, com o advento da indústria 4.0, da internet das coisas e da digitalização generalizada, com seus efeitos disruptivos, qualquer política de informática na atualidade tem diante de si o desafio de ser capaz de oferecer a todos os setores produtivos, às cidades, às famílias e aos indivíduos os meios para o pleno aproveitamento dessas oportunidades.
• Indústria farmacêutica. Os resultados das recentes edições das políticas setoriais de conteúdo local ainda não tiveram uma avaliação suficiente, mas parece haver aprendizado tecnológico, embora sua velocidade ainda não tenha assegurado os benefícios pretendidos e prometidos. Atualmente, existem 83 Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDP) para produção local de 38 drogas sintéticas, 24 produtos biológicos (incluindo biossimilares e vacinas) e 21 dispositivos médicos. Há 35 PDP fornecendo produto ao Ministério da Saúde, gerando uma economia de US$ 1,5 bilhão
Deste modo, parece inoportuno invalidar todo e qualquer desenho de política de conteúdo local, como muitos têm defendido no Brasil, embora seja verdade que algumas de nossas experiências recentes não tiveram os resultados almejados, seja por deficiências em sua concepção, seja por erros e desvios em sua implementação. Ainda são necessárias avaliações mais robustas de todas essas experiências, especialmente, porque existem casos de relativo sucesso que não são reconhecidos no debate atual, a exemplo da geração de energia eólica.
Para que as políticas de conteúdo local produzam resultados mais rápida e eficazmente quanto possível, de modo a evitar oposições ferozes e abandonos irreparáveis, como se tem visto, os autores do estudo estabelecem algumas recomendações e restrições que o desenho das políticas de conteúdo local devem respeitar:
• Se as distâncias que separam a base da indústria local do horizonte internacional de referência são muito grandes, a prudência recomenda que a política de conteúdo local não seja instituída antes de uma fase preparatória que reúna os elementos necessários para o preenchimento do hiato identificado.
• Se a mudança na fronteira internacional de referência tecnológica for muito acelerada, talvez a recomendação mais apropriada seja a de evitar investimentos em conteúdo local para além dos pilotos ou segmentos bem delimitados.
• Políticas que imponham custos temporários aos consumidores poderão ser mais factíveis do que políticas que imponham custos ao sistema industrial, evitando a subtração em cascata de competitividade sobre sucessivos segmentos.
• Adoção de uma concepção de extrema seletividade das políticas de conteúdo local, acompanhada do oferecimento de apoios suficientes para o alcance de resultados que assegurem competitividade internacional.
Por fim, vale ressaltar o princípio que norteia toda e qualquer proposta de política industrial feita pelo IEDI, qual seja, a fixação de prazos para o término das políticas, periódicas avaliações dos seus resultados e seu constante aperfeiçoamento.