Carta IEDI
A Indústria em Maio de 2018: as dimensões do tombo
Em maio, o desempenho da indústria foi gravemente afetado pela paralisação do transporte rodoviário de carga que ocorreu nas últimas semanas do mês. O IBGE apurou que a produção industrial recuou nada menos do que 10,9% frente a abril, já descontados os efeitos sazonais, atingindo 24 dos 26 ramos pesquisados. Mas, não foi só: os estoques acima do desejado chegaram a patamares recordes, a utilização da capacidade instalada declinou, a confiança dos empresários retrocedeu e as exportações de manufaturados caíram.
Este é um quadro bastante excepcional, se esses eventos negativos não vierem se repetir, mas nem por isso deixa de ser mais um episódio de interrupção da recuperação industrial, cuja trajetória já apresenta muitas fragilidades e oscilações. Vale lembrar que antes mesmo das adversidades de maio, o primeiro trimestre de 2018 já havia sido fraco.
Com isso, embora a recuperação seja preservada, vai se tornando difícil que a produção industrial, que acumula alta de 2% de janeiro a maio, evite registrar uma desaceleração nesta primeira metade do ano em relação ao resultado 2017 como um todo (+2,5% ante igual período do ano anterior) e, sobretudo, em relação ao segundo semestre do ano passado (+4%). O desejável seria que o oposto disso estivesse ocorrendo, isto é, que a recuperação industrial mostrasse, mesmo que pouco a pouco, certo ganho de intensidade.
Em maio último, os setores industriais mais afetados pela paralisação dos caminhoneiros foram aqueles com cadeias produtivas mais longas, como bens de consumo duráveis e bens de capital, e, por isso, mais dependentes de um sistema de logística que, no Brasil, restringe-se praticamente ao modal rodoviário. Em contraste, o setor extrativo e a indústria de derivados de petróleo conseguiram se preservar, já que contam com ferrovias e dutos para escoar grande parte de sua produção.
Em bens de consumo duráveis, em boa medida devido à produção de veículos automotores, reboques e carrocerias (-29,8%), a queda atingiu 27,4% em relação a abril, já descontados os efeitos sazonais, o suficiente para retroceder o nível de produção ao de abril de 2016. Com isso, este macrossetor encontrava-se, em maio último, 26% abaixo do patamar de produção de dezembro de 2017.
Bens de capital, por sua vez, o segundo mais atingido pelos eventos de maio, declinou 18,3%. Seu nível de produção foi o menor desde fevereiro de 2016 e representou uma perda de 14,4% frente ao final do ano passado.
O terceiro mais atingido e não muito atrás de bens de capital foram os bens de consumo semi e não duráveis, cujo recuo chegou a 12,2%. Muitos de seus mais importantes ramos, como produtos alimentícios (-17,1%) e bebidas (-18,0%), ocuparam posições de liderança das perdas registradas em maio. Deste modo, seu retrocesso foi o mais significativo, com seu patamar de produção tornando-se o mais baixo desde maio de 2004 na série com ajuste sazonal. Assim, este macrossetor encontrava-se 11,6% abaixo do nível de dezembro do ano passado.
Bens intermediários, por sua vez, apresentaram a menor taxa de declínio, de -5,2%, mas nem por isso seu recuo foi menos acentuado. Sua produção voltou para níveis de dezembro de 2008, implicando uma perda de 8% em relação ao patamar do final do ano passado.
Resultados da Indústria
Em maio de 2018, a produção industrial recuou nada menos do que 10,9% na comparação com o mês anterior, já descontados os efeitos sazonais, sob os efeitos negativos da paralisação do transporte de carga rodoviário. Este resultado, por mais excepcional que tenha sido, veio agravar um quadro de relativa morosidade da recuperação do setor em 2018, em que o primeiro trimestre foi de virtual estagnação. Na série com ajuste, por ora, o único mês de resultado digno de nota foi abril, cuja alta foi de 0,8%.
O desempenho da indústria em comparação com o mesmo período de 2017 vinha apresentando variações positivas mais expressivas, ajudadas pelas bases de comparação ainda muito baixas, até o mês de maio, quando declinou 6,6%. Com isso, o desempenho do trimestre móvel findo em maio apontou variação de apenas +0,8% frente a igual período do ano anterior, depois de ter atingido +5,0% no trimestre findo em janeiro de 2018.
Em relação aos macrossetores, na comparação com abril, descontados os efeitos sazonais, os resultados foram todos negativos. A maior queda ficou a cargo de bens de consumo duráveis, com -27,4%, seguido por bens de capital, com -18,3% e bens de consumo semi e não duráveis, com -12,2%. Bens intermediários, por sua vez, recuaram 5,2% nesta mesma comparação.
Já na comparação de maio de 2018 com maio de 2017, também houve retrocessos na produção física dos quatro macrossetores. O grande destaque nesta comparação coube a bens de consumo duráveis, com queda de 11,9%, mas bens de consumo semi e não duráveis (-9,1%) também apresentaram um forte declínio. Bens de capital caíram 6,6% e bens intermediários, 5,2%. Vale lembrar que além da paralisação dos caminheiros, o mês de maio de 2018 teve 1 dia útil a menos que maio de 2017.
Em maio, o recuo de 11,9% de bens de consumo duráveis interrompeu uma série de dezoito meses consecutivos de alta. Isso se deveu, em grande medida, aos resultados negativos obtidos na fabricação de automóveis (-17,4%), eletrodomésticos da “linha branca” (-15,3%) e da “linha marrom” (-4,5%), móveis (-14,8%) e outros eletrodomésticos (-9,0%). Por outro lado, o impacto positivo mais importante foi registrado pela maior produção de motocicletas (25,1%).
A queda em bens de capital de 6,6% ante maio de 2017 foi produzida principalmente pelos recuos na produção de bens de capital para equipamentos de transporte (-11,0%), bens de capital para fins industriais (-8,9%) e agrícolas (-9,6%). Em contrapartida, os grupamentos de bens de capital para construção (14,5%), de uso misto (1,9%) e para energia elétrica (1,0%) assinalaram resultados positivos.
O macrossetor de bens de consumo semi e não-duráveis, que decresceu 9,1% ante maio de 2017, após registrar expansão de 9,8% em abril último frente a igual período do ano anterior. Vale destacar que o recuo observado em maio de 2018 foi o mais intenso desde abril de 2017 (-9,4%).
Já bens intermediários apresentou queda de 5,2% frente a maio de 2017, revertendo, dessa forma, a taxa positiva observada em abril último (4,7%) na mesma comparação. Vale citar que a magnitude da retração verificada em maio de 2018 foi a maior desde outubro de 2016 (-7,2%).
No acumulado dos cinco primeiros meses de 2018 frente a igual período do ano passado, todos os macrossetores registraram variações positivas: +13,9% em bens de consumo duráveis; +9,5% em bens de capital, +0,7% em bens intermediários e +0,2% em bens de consumo semi e não duráveis.
Por dentro da Indústria de Transformação
A forte queda de 10,9% da produção industrial geral em maio de 2018 foi acompanhada de retração de 12,2% na indústria de transformação. O setor extrativo, menos dependente do transporte rodoviário, já que escoa sua produção principalmente por linhas férreas, conseguiu preservar seu resultado, que foi de +2,3% frente a abril, já realizado o ajuste sazonal. Em relação a maio de 2017, o resultado da indústria de transformação foi de -7,8%, enquanto o setor extrativista foi de +1,9%. O declínio de 6,6% da indústria geral foi, então, produzido apenas pelo segmento manufatureiro.
Frente a abril de 2018, na série com ajuste sazonal, o decréscimo de 10,9% da indústria geral foi acompanhado por: 24 dos 26 ramos pesquisados. As principais influências negativas foram assinaladas por veículos automotores, reboques e carrocerias (-29,8%), produtos alimentícios (-17,1%), bebidas (-18,1%), celulose, papel e produtos de papel (-13,0%), produtos de minerais não-metálicos (-14,3%), produtos de borracha e de material plástico (-10,5%), confecção de artigos do vestuário e acessórios (-15,4%) e outros produtos químicos (-5,6%), entre outros. Apenas os ramos de coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (+6,3%) e de indústrias extrativas (+2,3%) assinalaram avanços na produção no referido mês.
Na comparação com igual mês do ano anterior, em que a indústria geral apresentou queda de 6,6%, variações negativas marcaram o desempenho de 24 dos 26 ramos, 63 dos 79 grupos e 69,7% dos 805 produtos pesquisados. Vale citar que, no resultado desse mês, verifica-se a influência tanto dos efeitos da paralisação dos caminhoneiros, como do efeito-calendário, já que maio de 2018 (21 dias) teve um dia útil a menos do que igual mês do ano anterior (22). Os destaques negativos ficaram a cargo de: produtos alimentícios (-14,3%), veículos automotores, reboques e carrocerias (-12,8%), outros produtos químicos (-9,3%), bebidas (-14,9%), produtos de minerais não-metálicos (-12,8%), confecção de artigos do vestuário e acessórios (-15,5%), celulose, papel e produtos de papel (-9,7%), couro, artigos para viagem e calçados (-17,9%), entre outros. Em sentido oposto, os ramos de coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (9,4%) e de indústrias extrativas (2,0%) apontaram as influências positivas no total da indústria.
Já no acumulado no ano de janeiro a maio, frente a igual período do ano anterior, o setor industrial mostrou expansão de 2,0%, com resultados positivos em 14 dos 26 ramos, 44 dos 79 grupos e 50,3% dos 805 produtos pesquisados. Os principais resultados positivos foram em veículos automotores, reboques e carrocerias (+16,4%), equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (+21,4%), metalurgia (+6,3%), máquinas e equipamentos (+4,6%), celulose, papel e produtos de papel (+3,6%), produtos farmoquímicos e farmacêuticos (+4,7%), entre outros. Por outro lado, entre as onze atividades que apontaram redução na produção, as principais influências foram registradas por outros produtos químicos (-2,9%), indústrias extrativas (-1,2%) e coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (-1,3%).
Exportação
Segundo os dados da Funcex, divulgados pelo IBGE conjuntamente com os resultados da produção industrial, o quantum das exportações de manufaturados no mês de maio de 2018 caiu 23,7%. Com disso, o resultado no acumulado dos primeiros cinco meses do ano foi de +6,2%, ainda sensivelmente superior àquele do mesmo período de 2017 (+3,3%).
Por sua vez, as importações em quantum de matérias-primas para a indústria variaram +0,2% em maio de 2018 frente a maio de 2017. No acumulado dos cinco primeiros meses do ano, houve expansão de 2,9% frente ao mesmo período do ano passado.
Utilização de Capacidade
O nível de utilização da capacidade instalada da indústria de transformação, de acordo com a série da FGV com ajustes sazonais, foi de 76,5% em maio de 2018, mesmo patamar de abril. O atual nível de utilização continua inferior à média histórica do próprio indicador (80,3%).
Já o indicador da CNI ficou em 75,9% em maio de 2018, já descontados os efeitos sazonais, nível razoavelmente abaixo daquele de abril e março (78,1% e 78,2%, respectivamente). Vale lembrar que o indicador havia encerrado o ano de 2017 em 77,9%, o que significa dizer que os eventos de maio fizeram a utilização da capacidade instalada perder tudo o que havia progredido nos quatro primeiros meses de 2018. Assim como no caso do indicador da FGV, a utilização da capacidade estimada pela CNI manteve-se abaixo de sua média histórica de 81,1%.
A permanência da utilização da capacidade em níveis historicamente baixos e sem uma trajetória inconteste de acentuada melhora não é um indício favorável para a evolução futura do investimento, isso porque máquinas e equipamentos atualmente ociosos deverão ser postos em funcionamento antes de os empresários pensarem em ampliar sua capacidade de produção. Em contrapartida, a existência de capacidade ociosa significa que existem plenas condições de oferta para garantir uma recuperação da atividade econômica sem pressões inflacionárias.
Estoques
De acordo com os dados da Sondagem Industrial da CNI, os estoques de produtos finais da indústria em maio de 2018 assinalaram índice de 54,6 pontos, o patamar mais elevado desde o início da série em janeiro de 2011. Vale lembrar que o indicador acima de 50 pontos indica aumento dos estoques e abaixo, redução deles. Este resultado em maio de 2018 foi condicionado tanto pelo segmento da indústria de transformação, cujo indicador de estoques ficou em 54,4 pontos, como pela indústria extrativa que, por sua vez, ficou em 55,8 pontos.
Na avaliação dos empresários, os estoques efetivos da indústria geral voltaram a ficar acima do nível planejado (isto é acima de 50 pontos) pela terceira vez consecutiva, atingindo o patamar de 53,3 pontos, o maior patamar desde junho de 2011. No caso do setor extrativo e no caso da indústria de transformação, o indicador de satisfação dos estoques ficou em 50,8 pontos e 53,3 pontos, respectivamente.
Neste último grupo industrial, isto é, na indústria de transformação, 10 dos 27 ramos acompanhados pela CNI tiveram estoques iguais ou menores do que o planejado (50 pontos) em maio de 2018, como em outros equipamentos de transporte (39,1 pontos), derivados de petróleo (46,2 pontos) e vestuário (46,7 pontos). Cabe observar que esta foi a quarta inflexão da boa trajetória recente de setores com índice igual ou abaixo de 50 pontos, atingindo a menor proporção desde set/17: 21 em jan/18, 19 em fev/18, 18 em mar/18, 13 em abr/18 e 10 agora em maio. Em contraste, constataram estoques efetivos acima do planejado os setores de calçados (65 pontos), celulose e papel (58,5 pontos), têxteis (55,6 pontos) e máquinas e equipamentos (55,4 pontos), entre outros.
Confiança e Expectativas
O Índice de Confiança do Empresário da Indústria de Transformação da CNI (ICEI) recuou pela terceira vez consecutiva em junho de 2018, retomando um patamar inferior aos 50 pontos: 49,7 pontos. Vale notar que em março de 2018 (59,5 pontos) havia atingido a melhor marca desde março de 2011. Ou seja, os empresários do setor vinham se mantendo otimistas, porém cada vez menos, até junho, quando voltaram ao campo do pessimismo.
Este desempenho de junho resultou do declínio de seu componente de expectativas para o futuro (de 58,3 pontos para 53,4 pontos), mas principalmente da avaliação das condições atuais dos negócios (de 50,7 pontos para 42,5 pontos), que voltou a ficar abaixo da marca dos 50 pontos pela primeira vez desde agosto de 2017.
Por sua vez, o Índice de Confiança da Indústria de Transformação da FGV, que voltou a indicar otimismo desde fevereiro de 2018 (100,4 pontos), registrou declínio na passagem de maio para junho, saindo de 101,1 pontos para 100,1 pontos. Seu componente de avaliação das condições correntes caiu novamente abaixo da linha de 100 pontos, para 95,1 pontos, implicando uma deterioração importante ante o patamar de maio (101,6 pontos). Seu componente expectacional, contudo, indicou reforço do otimismo para o futuro ao alcançar 105 pontos ante 101,6 pontos em maio.
Outro indicador frequentemente utilizado para se avaliar a perspectiva do dinamismo da indústria é o Purchasing Managers’ Index – PMI Manufacturing, calculado pela consultoria Markit Financial Information Services. Seu nível vinha se mantendo acima de 50 pontos desde abril de 2017, indicando melhora das condições de negócio. Entretanto, em junho de 2018 (49,8 pontos) voltou a registrar valor inferior à marca dos 50 pontos, sugerindo um ambiente desfavorável às condições de negócio.
Os indicadores de confiança acima mencionados, notadamente seu componente referente às avaliações dos negócios correntes, sugerem que o desempenho industrial em junho pode não vir a ser o suficiente para sobrepujar o forte declínio registrado em maio, reduzindo o dinamismo do setor na primeira metade de 2018, em uma evolução contrária àquilo que seria necessário, isto é, um ganho de vitalidade na recuperação industrial.