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Um trabalho ainda inédito do IEDI versando sobre as diferenças
em inovação e esforço tecnológico
no Brasil e na China trás uma conclusão importante:
falta ao Brasil, de fato, ampliar seu esforço de inovação,
mas uma diferença relevante com relação à
China reside no peso da indústria no PIB. Se a indústria
brasileira tivesse o mesmo peso da indústria chinesa, com
a mesma intensidade do gasto em inovação que já
fazemos e com a mesma estrutura que temos, o gasto em P&D
da indústria seria de 0,73% do PIB, quase duas vezes maior
do que é hoje.
Esse resultado
é interessante, porque mostra que um grande diferencial
da China para com o Brasil é a relevância de sua
indústria para a estratégia nacional de catching-up.
Não que não existam outras diferenças, mas,
em termos do esforço em P&D, ¾ da diferença
relativa que existe entre os dois países se explica pelo
peso relativo da indústria. E é notável que,
em 2008, na indústria considerada de maior intensidade
tecnológica, as diferenças fossem ainda pequenas,
em termos de P&D.
Outras conclusões
do estudo:
O
crescimento acelerado: o crescimento da China faz uma
grande diferença, quando ela é comparada com qualquer
outro país. Não apenas porque cria oportunidades
de novos negócios, mas porque o crescimento implica em
forte investimento. E é o novo investimento que difunde
produtividade e abre possibilidade de incorporar novas tecnologias.
O dinamismo cria outro ambiente, muda culturas e comportamentos,
induz o risco, coloca a economia em contato com o mundo e premia
o sucesso. O crescimento, essa é uma lição
da China, faz muita diferença, se o objetivo é ter
uma economia mais inovadora.
A
escala da indústria e o ambiente econômico: uma
segunda diferença fundamental da China é sua escala
de produção industrial. Isso abre possibilidade
que poucos países têm, em termos de permitir custos
muito menores e operações de natureza global. Mas
isto se combina com um ambiente econômico que favorece a
indústria: infra-estrutura, salários, tributos e
câmbio estão todos alinhados de forma a favorecer
um desempenho cada vez mais competitivo da China. A segunda lição
que se pode apreender da China é que a inovação
é parte de uma estratégia de desenvolvimento, mas
ela sozinha não pode compensar diferenciais muito grandes
de competitividade. A inovação e o esforço
tecnológico prosperam e podem prosperar ainda mais, se
encontram um terreno sólido de competitividade. Podem ser
um diferencial para o futuro, mas não são uma compensação
para diferenciais sistêmico de competitividade elevados.
O
planejamento, a capacidade de organização de interesses
e de intervenção estatal: Um terceiro aspecto
que chama muita atenção da China, comparada ao Brasil,
é a natureza sistemática e continuada do planejamento
chinês e a capacidade de fazer políticas efetivas
de seu Estado nacional. Grande parte desta diferença, evidentemente,
tem relação com a trajetória histórica
dos dois países: a tradição de planos quinqüenais,
o peso do setor estatal na economia, o grau de centralização
das decisões, etc. Mas parte também se explica pela
eficiência das medias tomadas, pela persistência e
pela capacidade de tomar decisões de grande envergadura,
correndo riscos de errar.
O
diferencial de recursos humanos: Uma quarta enorme diferença,
e que talvez seja um dos aspectos que ficará cada vez mais
evidente na próxima década, é a enorme ênfase
na capacitação em larga escala de recursos humanos
na China, comparativamente ao Brasil. Há aqui, é
claro, um diferencial de tamanho. Mas, independente do tamanho,
o que chama atenção é como a China se prepara
com uma velocidade espantosa, para abastecer em larga escala o
mercado de trabalho com recursos humanos qualificados, notadamente
em engenharia.
A
inovação como estratégia e como parte da
agenda de desenvolvimento: Um último aspecto merece
ser enfatizado. A inovação e o desenvolvimento tecnológico
são, na China, um componente de uma estratégia nacional
de desenvolvimento, são parte de uma agenda econômica
clara e são tratadas como tal. Isso é um grande
diferencial em relação à trajetória
rotineira do Brasil, em que a agenda de inovação
é encarada como parte anexa de uma agenda de ciência
e tecnologia, com seus interlocutores tradicionais, e não
como parte da agenda de política econômica.
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Para compreender o desempenho recente da China na área de inovação
e poder melhor compará-lo com o Brasil é necessário
examinar com maior detalhe o esforço tecnológico da indústria
chinesa e seus determinantes. A questão relevante é perguntar
como foi possível à China realizar, em tão pouco
tempo, um processo de mudança de sua estrutura produtiva em direção
a setores intensivos em tecnologia, podendo assim tirar proveito da demanda
internacional e reverter seu déficit comercial nestes setores.
E se, de fato, essa é a diferença essencial entre a China
e o Brasil.
Para 2008, ano em
que se dispõe de informações mais detalhadas para
as atividades de inovação industrial em ambos os países,
alguns grandes números acerca do esforço em P&D da China
e do Brasil permitem desenhar um quadro geral de comparação
entre os dois países. Neste ano, o gasto em P&D global da China
era, em relação ao PIB, 1,4 vezes o gasto do Brasil. Mas,
ao mesmo tempo, o gasto do setor privado já era 2,1 vezes o gasto
privado no Brasil e o gasto em P&D da indústria manufatureira
chinesa era 2,6 vezes maior que o mesmo tipo de gasto no Brasil. Ou seja,
proporcionalmente falando, as diferenças em termos de P&D eram
muito maiores entre a indústria da China e do Brasil, do que seria
de esperar do esforço global, público e privado, em P&D
dos dois países.

Estas informações,
acrescidas da constatação de um desempenho muito favorável
das exportações chinesas de bens de alta tecnologia, parecem
sugerir que a China evoluiu muito mais rapidamente que o Brasil, em direção
a um grande esforço tecnológico no setor industrial. Sem
dúvida, este fato é parte da realidade que auxilia a explicar
a trajetória chinesa. Mas há uma informação
que sugere cautela nesta conclusão: o valor adicionado pela indústria
era duas vezes maior na China que no Brasil, medido em relação
ao PIB. Ou seja, parte da diferença se deve ao maior tamanho relativo
da indústria.
Para poder ter conclusões
é preciso examinar o efetivo esforço tecnológico
de cada setor da indústria da China comparativamente ao Brasil.
O Segundo Censo Econômico da China e a PINTEC do Brasil nos dão
uma medida aproximada disso, para o ano de 2008, em função
de avaliarem os gastos em P&D em relação à receita
de vendas de cada setor. Os dados mostram que, de fato, em 2008, a indústria
da China já era mais intensiva em P&D. Na média, o gasto
em P&D foi neste ano 30% superior ao realizado no Brasil. É
possível, compreendendo o que ocorre na China, estimar que esta
diferença esteja se ampliando, ano a ano.

Mas curiosamente, esta não é uma diferença tão
marcante como seria de se esperar. Por exemplo, se esta comparação
é feita com países mais desenvolvidos, as diferenças
são muitos maiores. A intensidade do esforço tecnológico
da Alemanha, da Coréia e dos Estados Unidos, medidas pelo gasto
em P&D em relação ao valor adicionado na indústria,
eram em 2005, comparativamente ao Brasil, aproximadamente 5, 6 ou até
7 vezes maiores, nesta ordem. A diferença com a China, neste sentido,
não é tão grande, embora cresça a um ritmo
muito acelerado. A tomar pelos dados do gasto em P&D em 2010, de forma
aproximada, na China o gasto privado depois de 2008 tem crescido em média
20% ao ano e o PIB 10% ao ano. Com isto, pode-se estimar que a intensidade
do gasto privado em P&D e relação à receita da
indústria tenha crescido quase 20% nestes dois anos. (Ver: National
Bureau of Statistics, Communiqué on National Expenditures on Science
and Technology in 2010, September, 2011.)
Cabe observar que
em alguns setores a intensidade do gasto em P&D do Brasil em 2008
chegava a ser superior a da China, notadamente na indústria de
petróleo, gás e biocombustíveis; mas também
havia um diferencial a favor da indústria brasileira nos segmentos
de material de transporte, fumo, e indústrias diversas. Diferenciais
maiores em favor da indústria chinesa se notavam nos setores de:
bebidas, têxteis, produtos de minerais não metálicos,
siderurgia, metalurgia de metais não ferrosos e fundição
e em máquinas e equipamentos. Curiosamente, nos segmentos identificados
como indústria de alta tecnologia, a saber, informática,
equipamento de telecomunicações, instrumentos médicos
e ótica; aeronáutica e farmacêutica, as diferenças
não eram relevantes, ou por vezes eram favoráveis ao Brasil,
como no segmento aeronáutico.
Uma forma de se examinar
estas diferenças é comprar o que chamamos aqui de efeitos
estrutura, intensidade e peso. Ou seja, qual seria o esforço em
P&D do Brasil se o país tivesse a estrutura industrial da China
(com a mesma intensidade e peso que existem no Brasil); qual seria o esforço
em P&D do Brasil se o país tivesse a mesma intensidade da China
(mas com mesmo peso e estrutura do Brasil) e, por fim, qual seria o gasto
em P&D se a indústria brasileira tivesse o mesmo tamanho relativo
ao PIB da indústria chinesa (mas com a intensidade e gasto e a
estrutura da indústria brasileira).
Os resultados mostram
que os efeitos estrutura e intensidade pesam pouco: o gasto em P&D
da indústria de transformação brasileira é
hoje equivalente a 0,37% do PIB do Brasil; se gastasse com a mesma intensidade
(setor a setor) da China, este percentual subiria para 0,43% do PIB; o
efeito estrutura teria uma contribuição negativa (dada a
intensidade do gasto do Brasil, setor a setor, se nossa estrutura fosse
equivalente à da China, o gasto total seria menor). Combinados,
intensidade e estrutura, o gasto em P&D passaria de 0,37% do PIB para
0,40%.
A diferença
relevante entre a China e o Brasil era de fato o peso da indústria
no PIB. Se a indústria brasileira tivesse o mesmo peso da indústria
chinesa, com a mesma intensidade do gasto em inovação que
já fazemos e com a mesma estrutura que temos, o gasto em P&D
da indústria seria de 0,73% do PIB, quase duas vezes maior do que
é hoje.
Esse resultado é
interessante, porque mostra que um grande diferencial da China para com
o Brasil é a relevância de sua indústria para a estratégia
nacional de catching-up. Não que não existam outras diferenças,
mas, em termos do esforço em P&D, ¾ da diferença
relativa que existe entre os dois países se explica pelo peso relativo
da indústria. E, como foi dito, é notável que, em
2008, na indústria considerada de maior intensidade tecnológica,
as diferenças fossem ainda pequenas, em termos de P&D.
Pode-se dizer que
a China tinha, até muito recentemente, uma indústria relativamente
não muito diferente do Brasil, em termos de inovação
e esforço interno de P&D. Seus diferenciais eram mais de custos
muito mais baixos (custos de produção, em especial carga
tributária, salários e logística, mas também
custo de capital), escala muito maior e uma taxa de câmbio altamente
favorável.
Mas o retrato que
se faz da China aqui mostra que ela deve ser vista sempre como uma economia
em forte velocidade de mudança. Sua indústria hoje não
apenas é quase dez vezes maior que a brasileira, quando medimos
o valor adicionado em termos de paridade do poder de compra, mas caminha
celeremente para ser cada vez mais inovadora e tecnologicamente avançada.
E caminha, porque a economia chinesa cresce a taxas elevadas e porque
encontra um ambiente favorável a isto, em termos de um conjunto
de políticas muito agressivas de suporte a esta trajetória.

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