IEDI na Imprensa - O Estrategista Paulo Cunha Dá As Cartas
O Estrategista Paulo Cunha Dá As Cartas
Valor Econômico - 21/08/2012
Paulo Cunha, presidente do conselho de administração do Ultra, quer prosseguir processo de internacionalização do grupo
Mônica Scaramuzzo
Paulo Cunha parece um homem bravo à primeira vista, mas é só impressão. Ficou muito frustrado em meados de 2001 quando esteve muito perto de comprar os ativos da Copene, mas viu esvair suas chances de tornar o grupo Ultra - no qual ingressou em 1967 e presidiu por quase três décadas, até então uma empresa conhecida pelo gás de cozinha -, em uma potência petroquímica. Cunha ficou abatido e foi criticado à época, mas não se deu por vencido. Naquela ocasião, disse que não pagaria mais por um negócio que valia menos. Blefe ou não, toda esse episódio serviu como um divisor de águas, dando um novo rumo à trajetória do conglomerado que hoje fatura R$ 50 bilhões.
Uma década e pouco depois, Paulo Cunha, hoje aos 72 anos e à frente da presidência do conselho de administração da Ultrapar, holding que controla os negócios do grupo, está longe de "pendurar as chuteiras". Aliás, este é um termo pejorativo que não faz parte de seu vocabulário.
Seis anos após o "episódio Copene" - adquirido pelo grupo Odebrecht e família Mariani, dando origem depois à Braskem -, o Ultra deu a volta por cima com uma tacada certeira ao comprar em 2007 a Ipiranga, mudando a história da companhia. Com essa aquisição, o grupo tornou-se a segunda maior distribuidora de combustíveis do país, deixando o sonho de ser um gigante petroquímica adormecido.
Olhando em retrospectiva, fontes próximas ao Ultra garantem que a estratégia da companhia com a Ipiranga foi a mais acertada, dando a entender que uma eventual compra dos ativos da Copene não teria sido tão bem-sucedida.
O Ultra foi moldado nesses quase 50 anos por Paulo Cunha. A saída do empresário do conselho da Ultrapar é iminente - ele mesmo em entrevistas recentes a este jornal admitiu que sua sucessão está em discussão. Mas parece que não há pressa. Aliás, sucessão é um tema delicado dentro da empresa.
Cunha continua dando as cartas, mesmo fora da presidência desde 2007. Pedro Wongtschowski, que o sucedeu no dia-a-dia da empresa, deixará o cargo no fim do ano para se tornar membro do conselho do grupo e Thilo Mannhardt assume a gestão. Executivos entram e saem, mas Paulo Cunha continua firme e forte. E uma intrigante pergunta fica no ar: "Qual o futuro do grupo Ultra sem Paulo Cunha?" Não há uma resposta, mas o mercado aposta que a companhia seguirá próspera, desde que sigam as diretrizes traçadas por ele.
E são nessas diretrizes que esse homem, de voz baixa, tem se debruçado para perpetuar a companhia, fundada em 1937, pela família Igel. Antes de passar o bastão, ele planeja, segundo pessoas próximas, um grupo ainda mais forte - cerca de 40% da receita será oriunda de negócios fora do Brasil em a dez anos, com crescimento de receita de 20% ao ano. Atualmente, menos de 10% do faturamento do grupo vem de fora. A maior internacionalização, sobretudo das áreas química e de gás, será uma questão de tempo - pouco tempo. A holding Ultrapar abriga as divisões de negócios do grupo: Ipiranga, Oxiteno (química), Ultragaz (gás GLP) e Ultracargo (logística).
A história de Paulo Guilherme Aguiar Cunha no Ultra começou em 1967, quando o jovem engenheiro, com 27 anos, deixou promissora carreira na Petrobras, onde ganhava mais que seu pai, um militar do Exército, para se aventurar em um novo desafio a convite de Pery Igel, militar da Aeronáutica, filho de Ernesto Igel, fundador do grupo Ultra.
Carioca do bairro da Tijuca, Paulo Cunha foi aconselhado por seu pai a não abandonar um emprego estável, como o da Petrobras, por algo que parecia duvidoso. Sem dar ouvidos aos seus conselhos, o engenheiro foi em busca de uma nova perspectiva para sua carreira. Sua ascensão no Ultra foi meteórica. Contam que ele foi contratado numa segunda-feira e na sexta-feira seguinte já estava embarcando para os Estados Unidos, com sua mulher, que esperava seu primeiro filho. Na semana seguinte, ligou para Pery Igel pedindo demissão. Seu pedido, lógico, foi ignorado.
Quase um ano depois, Cunha voltou para o Brasil para ajudar Pery Igel a criar uma empresa de fertilizantes - a Ultrafértil, que tinha o total apoio do governo militar, que já vivia os anos de ouro do milagre econômico e apostava na expansão da agricultura no país. Experiência nesse negócio Paulo Cunha tinha adquirido na Petrobras, ao coordenar o projeto de amônia e ureia da estatal na Bahia.
Em 1973, enquanto a crise do petróleo explodia mundo afora, Paulo Cunha foi alçado à vice-presidência do grupo. A empresa que originalmente vendia gás de cozinha também já não era mais a mesma de 1937, quando foi fundada. O grupo tinha começado nos fim dos anos 60 um processo de profissionalização. O ex-ministro Hélio Beltrão foi o primeiro presidente-executivo do grupo. Sua escolha não foi à toa. Ele tinha um bom trânsito com o governo militar, assim como Pery Igel. Paulo Cunha aprendeu a fazer o mesmo muito rápido.
Formado engenheiro pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), o executivo, que chegou a dar aulas nos anos 60, tornou-se, aos 41 anos, presidente do grupo Ultra, no início dos anos 80. Braço-direito de Pery Igel, Cunha ganhou status e poder. Frequentou altas rodas da sociedade do país e do mundo, sob a tutela de seu mentor. Sua carreira bem-sucedida incomodou muitos - desde os próprios herdeiros de Igel até executivos que se sentiram preteridos no meio do caminho. Mas os planos de Pery Igel para ele haviam sido traçados alguns anos antes e Cunha ignorava as críticas. E nessa época sua voz não era mansa, tampouco baixa.
Sob o seu comando, o grupo Ultra nunca foi uma empresa de manobras ousadas, mas sempre com diretrizes concretas. E os analistas de mercado gostam desse formato e consideram o Ultra uma companhia de dono, embora não seja - Paulo Cunha é acionista minoritário. "É uma empresa redonda, entrega tudo o que promete", diz um analista.
Disciplina é sua palavra de ordem. Embora seja filho de militar, a austeridade que lhe é peculiar foi adquirida durante seus anos como estudante em escola marista, no Rio de Janeiro. Torcedor do Fluminense, Cunha não era exatamente um garoto de praia, embora já tenha admitido em entrevistas que gostava de jogar bola na infância.
Casado e pai de quatro filhos - três homens e uma mulher -, Paulo Cunha é um leitor voraz, assim como suas mulher e filha. Sua biblioteca particular, contam os amigos, é referência. São cerca de 3 mil volumes, desde a Enciclopédia Britânica até Harry Potter, mas fontes garantem que ele não leu a saga do bruxinho inglês. Poliglota, fala e escreve em inglês e francês, assim como em espanhol e italiano.
Pescar em alto-mar é um dos seus hobbies. Mantém um barco, que ele mesmo pilota. É admirador de obras de arte, mas não chega a ser um colecionador.
Influente em Brasília, sobretudo nos anos 70 e 80, e muito próximo aos caciques tucanos, como o ex-governador José Serra, Paulo Cunha foi um dos fundadores do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) no fim dos anos 80, ao lado de importantes empresários do país. Frequentemente é consultado para opinar sobre política e macroeconomia e já foi membro Conselho Monetário Nacional (CMN) e do BNDESPAr, braço de participações do BNDES.
Com toda essa desenvoltura, estranha o fato de o empresário nunca ter aceito um dos cinco convites para participar do governo - de José Sarney a FHC (Fernando Henrique). Recusou todos, embora tenha ficado tentado pelo menos uma vez, contam fontes. "Ele não abre mão de escolher seu próprio chefe."
Virar "vidraça", ou melhor dizendo, ganhar visibilidade, não é muito do feitio de Paulo Cunha, um homem reservado, que preferiu não conceder entrevista. O "episódio Copene", que muitos consideram um desvio em sua brilhante carreira profissional, foi um dos maiores exemplos. O grupo Ultra tinha bala na agulha e apoio do BNDES para levar os ativos petroquímicos, mas não estava disposto a pagar caro por eles. O grupo Odebrecht viu nisso uma oportunidade e aliado à família Mariani sepultou a intenção do Ultra de se tornar uma grande petroquímica, como Paulo Cunha tanto sonhava.
"Paulo Cunha era visto como o homem certo para consolidar o setor petroquímico brasileiro, em uma época que o petróleo no país era escasso e nem se falava ainda de pré-sal. Ele criou a Oxiteno e tinha um sonho proeminente de exercer esse papel. O mais admirável nele foi a frieza no processo decisório", afirmou uma fonte próxima à operação na época.
A saraivada de críticas à estratégia de Cunha foi inevitável, incluindo os herdeiros Igel. "Ele ficou muito abatido", lembra Fábio Schvartsman presidente do grupo Klabin. Schvartsman trabalhou 21 anos no Ultra e considera o empresário "sua principal referência" na carreira.
Muitos se perguntam como teria ficado o Ultra se tivesse comprado a Copene, levando-se em conta que as áreas na quais a companhia já atuava, como gás GLP e química tinham horizonte limitado. "Não haveria espaço para comprar a Ipiranga e depois a Texaco, tornando o grupo robusto como é hoje", disse uma fonte.
Durante sua gestão como presidente, de 1981 a 2006, a companhia manteve-se forte em todas as áreas de atuação e começou a se internacionalizar, sobretudo a divisão química, que fez aquisições no México, EUA e recentemente no Uruguai. Já fora da presidência, ajudou a costurar a compra da Ipiranga e Texaco e a expansão da Ultracargo. Isso sem contar a decisão de ir à bolsa no fim de 1999 e migrar para o Novo Mercado ano passado.
Uma das metas do grupo era atravessar o Atlântico rumo à Europa, com a compra dos ativos de gás da Shell e de uma companhia petroquímica. A empresa nunca confirmou que tenha feito oferta por esses ativos, mas fontes ouvidas pelo Valor não só confirmam a informação, como acrescentam que a Europa - que enfrenta hoje forte crise - não faz mais parte dos planos do grupo, pelo menos por enquanto.
Os Estados Unidos voltaram a se tornar alvo do Ultra - e as promessas de matéria-prima mais barata, com a exploração do "shale gas" (gás de xisto) tornam o apetite do grupo por expansão em território americano mais palatável. Neste ano, o Ultra comprou uma empresa de especialidades químicas no Texas, pagando pouco - US$ 15 milhões -, mas considerada estratégica. Tudo indica que o movimento de internacionalização traçado por ele deixará o grupo ainda maior.
Assim, o legado e a imagem do empresário se perpetuam, mesmo com ele não regendo mais a orquestra.