IEDI na Imprensa - Juros ainda podem cair mais: saiba os motivos
O Globo
Brasil já não é mais campeão de taxa real
João Sorima Neto e Roberta Scrivano
Até dois anos atrás, o Brasil parecia destinado a ser o eterno campeão mundial dos juros, um título poucas vezes ameaçado nas últimas décadas. Mas, com a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, que reduziu nesta quarta-feira a taxa Selic dos atuais 6,75% para 6,5% ao ano, o Brasil terá a menor taxa de juros de sua história, tanto nominal quanto real. Descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses, a taxa de juros real será de 2,54%, o que fez o país se afastar ainda mais do topo do incômodo ranking dos juros reais mais altos do mundo. Diante da sinalização do BC de que haverá mais cortes de juros, essa tendência ainda tende a se intensificar. O Brasil agora aparece na sexta colocação, com taxa menor menor que Turquia, Argentina, Rússia, México e Índia. Parece pouco, mas é uma mudança e tanto para um país que já teve juros de 3.000% ao ano.
Economistas e especialistas ouvidos pelo GLOBO avaliam que o país tem condições de manter esse nível de juros por um período prolongado — o que também é uma novidade — diferente de 2012, quando os juros chegaram a 7,25% ao ano, até então a menor taxa, mas voltaram a subir seis meses depois. Naquela época, a presidente Dilma Rousseff também pressionou os bancos privados por uma queda de juros, além de praticamente obrigar os bancos públicos, como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal (CEF), a reduzirem suas taxas. Desta vez, dizem os especialistas, o movimento de queda de juros é acompanhado também pela queda dos preços e não existiu pressão do governo para que este movimento acontecesse.
— Hoje a situação é diferente de 2012, quando o juro caiu a 7,25%, menor patamar histórico até então, mas a inflação começava a subir. O BC teve que elevar os juros pouco tempo depois para buscar a meta de inflação. Desta vez, o corte da Selic vai na mesma direção da queda da inflação — observa a economista do Santander, Tatiana Pinheiro.
Apesar desse cenário mais civilizado em relação aos juros, tanto na ponta do consumidor quanto nos recursos destinados ao capital de giro das empresas, o movimento de queda feito pelo Banco Central chegou de forma muito tímida. Raphael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), critica a demora para o repasse da queda do juro nas linhas de crédito. Embora frise que a redução da Selic é “um instrumento poderoso” para sinalizar aos agentes econômicos de que o crédito ficará mais em conta, ele defende que haja a abertura de um debate sobre como os bancos compõem suas taxas para dar mais “transparência” à precificação.
— O empresário ainda sofre com uma asfixia financeira pela dificuldade de acesso a um crédito com prazo e juro compatível com a atividade. Essa melhoria ainda não veio — disse, para completar: — Diminuir o juro na ponta é essencial para dar consistência à recuperação econômica.
Empresários de diferentes setores atestam que o preço do crédito segue elevado. Nelson Tranquez, dono da confecção e de três lojas da marca Loony Jeans, por exemplo, foi ao seu banco pegar um empréstimo para reformar suas lojas. Com a taxa muito alta, decidiu levantar recursos próprios para executar a melhoria nos pontos de venda. Já Israel Lucas Gois, fundador da gestora de recursos BR Brazilian Investors, procurou uma linha de capital de giro para financiar um negócio que faria na divisão de private equity de sua empresa.
— Era inviável a taxa. Então, decidimos recorrer a uma operação de antecipação de recebíveis, que além de ser mais barata foi muito mais rápida e menos burocrática — contou.
Um levantamento feito pela Associação Nacional dos executivos de Finanças (Anefac) ilustra o sentimento dos empresários em relação aos juros. Enquanto a Selic caiu 7,5 pontos percentuais desde o início do ciclo de baixa, em agosto de 2016, as taxas de capital de giro tiveram queda bem menor. Segundo a Anefac, quando a taxa Selic estava em 14,25% ao ano, o juro mensal do capital de giro era de 2,74% (38,32% ao ano). Com a Selic a 6,75%, a taxa está em 2,14% ao mês, apenas 0,6 ponto percentual mais baixa. Num empréstimo de R$ 50 mil, por 90 dias, o empresário paga atualmente R$ 3.279,18 de juros, frente aos R$ 4.223,64 pagos em 2016. A diferença é de R$ 944,46.
— É preciso que a queda da Selic, que está ocorrendo sem nenhum artificialismo, reflita-se de modo concreto nos créditos às pessoas físicas e jurídicas, o que ainda não aconteceu — reclama o presidente da Associação Brasileira da indústria Têxtil e de Confecção (Abit).
Uma pesquisa do SPC e da CNDL, confederação que representa os lojistas, também mostra que o empresariado está ressabiado em buscar financiamento para investir no negócio: apesar de 33% dos pequenos empresários quererem investir este ano, só 10% deste total quer tomar empréstimos. O restante diz preferir fazer aportes com recursos próprios, mostrou a pesquisa.
— Apesar da Selic estar em um piso histórico, os juros continuam altos para os empresários, que ainda não se sentem confortáveis para recorrer ao mercado de crédito, preferindo apelar a recursos que eles já possuem — explicou Marcela Kawauti, economista do SPC.
O período de juros mais baixos no país não vai durar para sempre, entretanto, se o próximo governo não atacar logo que assumir um dos principais problemas brasileiros: o descontrole das contas públicas. Sem inverter a trajetória crescente da dívida pública, a sustentabilidade dos juros baixos está em risco.
— A sustentabilidade de longo prazo de uma taxa de juros baixa depende de uma solução de médio prazo para a dívida pública, que precisa para de crescer em algum momento. Se isso acontecer entre 2022 e 2025, por exemplo, há condições de manter os juros em patamares mais baixos —avalia o economista do banco UBS, Fábio Ramos, que avalia que a Selic só volte a subir ao longo do segundo trimestre de 2019.