IEDI na Imprensa - Ciclo de crédito pode apoiar investimentos
Valor Econômico
Estevão Taiar e Catherine Vieira
Alguns dos economistas mais otimistas com o crescimento da atividade neste ano estão se fiando nos efeitos do juro menor e da expansão do crédito, por meio de diferentes canais, para apostar numa alta mais firme do investimento e do Produto Interno Bruto (PIB).
Embora a visão não seja a dominante e vários especialistas façam ponderações sobre o ritmo de retomada, uma questão é mais consensual: se a intenção de investir vier com força, as formas de financiar esse ciclo estão dadas e o papel que costumava caber ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já vem sendo ocupado. Dados consolidados periodicamente pelo Centro de Estudos do Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe) mostram claramente que o banco de fomento encolheu nos últimos anos, mas ainda assim cresceu o montante total de financiamento a projetos com ajuda de outros meios (ver quadro abaixo).
A força que o mercado de capitais demonstrou, sobretudo no ano passado, somada às mudanças que vêm acontecendo no mercado de crédito, com novos instrumentos, desburocratização e maior concorrência, já mostra que há recursos e canais disponíveis. Em 2018, as emissões atingiram o recorde absoluto de R$ 208,4 bilhões, enquanto o BNDES voltou a níveis da década de 1990, com desembolsos de R$ 69,3 bilhões, bem distante do pico de R$ 190 bilhões de 2013.
Para o presidente do Banco Ribeirão Preto (BRP), Nelson Rocha Augusto, os efeitos da Agenda BC+ e da potência do mercado de capitais já são visíveis e devem se intensificar neste ano, o que levaria o PIB deste ano ao ritmo de 2,6% de alta. Além disso, ele acredita que, à parte o BNDES, bancos públicos e privados devem expandir a carteira em 2019, seja pela maneira formal, seja por novos instrumentos, como já sinalizou a Caixa. Rocha Augusto aposta ainda na recuperação da construção civil como vetor importante para elevar investimentos: "Houve retomada forte de lançamentos no ano passado que não surtiram efeito ainda na atividade, mas que terão neste ano, pois será necessário começar a colocar os empreendimentos de pé", diz.
Na avaliação da Tendências Consultoria Integrada, o ciclo de expansão dos investimentos iniciado no ano passado deve ganhar força em 2019. A estimativa da consultoria é que o crescimento da formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas, equipamentos, construção civil e inovação) passe de 4,1% em 2018 para 4,8% neste ano. Ainda assim, essa aceleração não será suficiente para impactar de maneira relevante a atividade, pelo menos até dezembro. "O crédito já vem ajudando os investimentos", diz Alessandra Ribeiro, coordenadora de macroeconomia e política da Tendências.
Ela cita dados do Banco Central que mostram um crescimento de 52,3% do crédito para investimentos entre 2017 e o ano passado. A maior parte desses empréstimos foi para a aquisição de veículos, como caminhões e tratores, que tiveram alta de 69,4% em 2018. Para outros bens, como máquinas e equipamentos, a expansão foi mais modesta, de 6,3%. "Esse crescimento tem a ver com a demanda, mas também com a oferta, com os bancos mais dispostos a oferecer crédito em condições de prazo e preço mais favoráveis", afirma.
Parte da expansão dos investimentos vista no ano passado pode ser explicada pela queda da Selic para o menor patamar da história, segundo a economista. Agora, como a estimativa da Tendências leva em conta a manutenção da taxa básica de juros em 6,5% até o fim de 2019, outros fatores devem cumprir esse papel. Entre eles, está a queda dos juros para o consumidor final, puxada tanto pelo avanço da Agenda BC+ quanto pelo recuo da inadimplência. "Isso fortalece o crescimento do crédito, dando apoio à formação bruta de capital fixo", diz Alessandra.
Ela aposta também que, neste ano, parte da contribuição virá do mercado de capitais. Números da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostram um crescimento de 44,6% da emissão de debêntures na comparação com 2017. "Com os juros baixos, esse movimento deve continuar. Não só as debêntures, mas os IPOs, por exemplo", diz. "Está saindo mais barato, e em geral com um trâmite mais rápido, para as empresas captarem recursos no mercado do que no BNDES."
Para Alessandra, os investimentos devem ainda mudar de composição. O mais provável, de acordo com ela, é que a construção civil volte para o terreno positivo em 2019, depois de anos de queda. Já a aquisição de máquinas e equipamentos também deve ter alta, mas menor do que a registrada em 2018. Do lado oposto, a capacidade ociosa da indústria é apontada por Alessandra como um empecilho à retomada mais forte da FBCF.
De qualquer maneira, a Tendências ainda prevê uma expansão de 2% da atividade neste ano, número classificado por Alessandra como "moderado". Apesar do cenário favorável para os investimentos, o consumo das famílias (previsão de alta de 2,3%) e o do governo (recuo de 0,5%) devem impedir um crescimento maior da economia.
O diretor do Cemec-Fipe, Carlos Antonio Rocca, também vê a retomada mais robusta do crescimento ainda com parcimônia. Um dos motivos é exatamente a capacidade ociosa elevada. Embora as pesquisas do Cemec-Fipe mostrem que um dos vetores com maior capacidade de impulsionar investimentos em projetos seja justamente as projeções de crescimento do PIB animadoras à frente, ele avalia que o atual quadro não anima tanto, por enquanto. "Uma perspectiva de alta de 2,5% por alguns anos após uma recessão brutal como a que tivemos ainda é um pouco frustrante", observa.
Mesmo assim, máquinas e equipamentos já demonstraram alguma reação e, caso as expectativas e reformas animem de fato um início de ciclo de projetos, ele está convicto de que o mercado de capitais dará conta do financiamento. "Os números de 2017 e 2018 deixam isso claro, e os dados mostram que não foram só as grandes companhias abertas que acessaram os instrumentos. Dois terços das companhias que emitiram debêntures ou notas promissórias são fechadas e o fizeram por meio da instrução 476", diz Rocca.
Há quem seja mais ousado e acredite num espaço ainda para a queda dos juros. "O que pode impactar a atividade neste ano seria uma nova rodada" de corte da Selic promovida pelo BC, diz Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Para ele, "de outubro para cá", os dados inflacionários têm apresentado "resultados muito bons", com os números cheios abaixo da meta e os núcleos próximos do piso.
"Além disso, a evolução dos preços dos ativos se tornou mais favorável para a economia brasileira", diz, citando o quadro visto no início do ano. Com as condições financeiras num patamar mais estimulativo, a "política monetária poderia ganhar potência", ajudando a justificar novos cortes da Selic.
"Juntando todos os pedaços desse quebra-cabeça, a impressão é que hoje o caminho para uma nova redução dos juros, feita com calma, é mais favorável do que era há um tempo", afirma, o que teria impactos positivos tanto sobre os investimentos quanto sobre o consumo. O Ibre-FGV calcula crescimento de 4,6% da FBCF e de 2,1% do PIB neste ano.
O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) também espera um crescimento da FBCF na casa dos 5% neste ano. "Mas não é um número tão otimista quanto parece", dado o tamanho da queda recente, diz Julio Gomes de Almeida, diretor-executivo da entidade. Entre 2014 e os últimos dados disponíveis do ano passado, os investimentos passaram de aproximadamente 22% do PIB para algo em torno de 16%, afirma.
Na visão do diretor-executivo do IEDI, o mercado de capitais "já ajudou e continuará ajudando" a recuperação da FBCF. "Mas não vai suprir a lacuna deixada pelo encolhimento do BNDES", afirma. Segundo ele, o prazo do financiamento oferecido pelo setor privado para a infraestrutura, por exemplo, é de cinco a sete anos - intervalo muito menor do que o necessário, de 25 a 30 anos. Fatores como uma Selic um pouco menor, um programa de infraestrutura mais abrangente e um cenário econômico mais claro ajudariam a acelerar a atividade, para a qual o IEDI espera crescimento de 2,5% neste ano. "O empresário precisa de horizonte, que eventualmente passa pelo melhora fiscal, mas que também dê segurança de que o crescimento veio para ficar", diz.