IEDI na Imprensa - Brasil perde mais espaço na manufatura global
Valor Econômico
Arícia Martins
Mesmo mantendo sua nona posição entre as dez maiores potências industriais mundiais, o Brasil perdeu ainda mais participação no mercado global de manufaturas e caminhou em sentido contrário à tendência de crescimento da indústria observada na média de todas as economias. As informações estão no relatório de 2019 da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido).
A fatia brasileira no valor adicionado da indústria mundial, que já chegou a 2,81% em 2005, recuou ligeiramente entre 2017 e 2018, de 1,9% para 1,8%, segundo dados compilados pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI). A virtual estagnação foi suficiente para que o país se mantivesse como nono maior parque industrial do mundo, atrás da França, com 2,2%.
Caso a trajetória de perda de relevância do parque fabril brasileiro persista, o setor nacional tem "riscos consideráveis" de ser ultrapassado pelo da Indonésia, atualmente a décima maior potência industrial do mundo, avalia Rafael Cagnin, economista do IEDI e autor do levantamento feito a partir de números da Unido.
Levando em conta a elevada concentração na lista de maiores indústrias - no topo do ranking, China e EUA respondem por 24,9% e 15% do setor no mundo, respectivamente -, fazer parte desse rol de economias, ainda que nas posições de menor destaque, é uma conquista positiva, pondera Cagnin. A redução contínua do tamanho do parque industrial brasileiro, no entanto, é um fator preocupante, diz. "Tendemos a ficar para trás na corrida internacional da indústria."
De acordo com o órgão da ONU, o valor adicionado da indústria mundial cresceu 3,6% no ano passado, ligeira desaceleração sobre 2017, quando houve alta de 3,8%. O resultado um pouco mais fraco é explicado principalmente pelo aumento de incertezas relacionado à guerra comercial entre as duas maiores potências industriais, observa o IEDI. Ainda assim, ressalta o instituto, a indústria chinesa avançou 6,2% no ano passado, enquanto a americana subiu 3,1%.
Na média, o valor de transformação mundial aumentou 2,3% nas economias desenvolvidas em 2018, após expansão de 2,6% no ano anterior. Também houve perda de fôlego na passagem anual nas economias emergentes e em desenvolvimento, de 4,1% para 3,8%. Comparado aos dois grupos, o desempenho do Brasil é sofrível: depois de retroceder 1,2% em 2017, o valor adicionado da indústria brasileira encolheu mais 0,4% ano passado.
A evolução mais fraca do parque industrial brasileiro não se restringe ao curto prazo. De 2010 a 2018, enquanto a indústria no mundo cresceu 3,2% ao ano, o setor manufatureiro nacional registrou retração média de 2,1%. "Reverter isso exige colocar a indústria brasileira de volta nos trilhos do crescimento, algo que não está acontecendo desde o fim do ano passado", nota o IEDI.
Para a entidade, mais grave do que a trajetória negativa no agregado é a pouca relevância de setores de maior intensidade tecnológica por aqui. Segmentos estratégicos, como computadores, eletrônicos e produtos óticos, seguem pouco representativos no valor adicionado.
"O Brasil se destaca como grande produtor de vários industrializados, mas nem sequer aparece no time de maiores produtores de eletrônicos e ópticos", comenta Cagnin. A indústria brasileira se especializou em ramos distantes da fronteira tecnológica, ressalta. O maior exemplo é a indústria alimentícia, cuja participação no valor adicionado nacional subiu de 18,3% em 2005 para 22,6% em 2017 (resultado mais recente disponível). Com essa evolução, o Brasil ocupa hoje o posto de quinto maior produtor mundial nesse ramo.
No mesmo intervalo, o ganho de participação do segmento de computadores, eletrônicos e produtos ópticos foi bem mais tímido, de 1,97 ponto percentual, para 2,56%. Assim, mais uma vez, a indústria brasileira caminhou na contramão da tendência mundial, uma vez que as indústrias de alta e média-alta tecnologia lideram a expansão mundial do valor adicionado da transformação.
Nos países desenvolvidos, esse ramo assumiu o posto de segunda maior indústria, respondendo por 10,1% do valor adicionado há dois anos, atrás apenas da indústria alimentícia (10,7%). No grupo de economias emergentes, esses itens já são o quarto maior setor - 7,7% do total da indústria, ante 5,5% em 2005.
"Os ramos de alta e média-alta tecnologia, além de empregarem mão de obra mais qualificada e pagarem salário maiores, constituem o polo mais dinâmico da indústria em pesquisa e desenvolvimento e inovação", destaca o IEDI. Para a entidade, falta um programa nacional articulado de apoio à chamada indústria 4.0, independentemente da resolução do problema fiscal. "O mundo não está em 'stand by' à espera da reforma da Previdência", diz Cagnin.
Na visão do economista, um plano para que a indústria incorpore novas tecnologias e participe de sua produção deveria ser central na política econômica, e não paralelo. O governo anunciou em abril a criação da Câmara Brasileira da Indústria 4.0, lembra o especialista, mas ainda faltam uma articulação maior entre autoridades e setor privado e um foco maior ao tema, avalia.