IEDI na Imprensa - Juro alto e dólar volátil afetam desempenho da indústria de alta tecnologia no Brasil
O Globo
Cenário externo mais incerto também impacta o ramo que mais investe em pesquisa e inovação no país
Vinicius Neder
A indústria de transformação, que engloba a maior parte das atividades fabris, caiu 1% no PIB do primeiro trimestre, em relação ao quarto trimestre de 2024. E os segmentos de alta tecnologia, que dependem de investimentos constantes e importações de componentes, sofreram mais, mostra estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).
Os dados apontam para uma freada. Em 2024, a indústria de transformação cresceu 3,8% no PIB, num quadro de juros menos restritivos e demanda em alta.
Para economistas e representantes do empresariado, juros elevados e taxa de câmbio volátil, em meio à instabilidade oriunda da política econômica doméstica e da guerra comercial iniciada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, são os principais responsáveis por abortar o ensaio de retomada.
Segundo Rafael Cagnin, diretor-executivo do IEDI, os ramos de maior intensidade tecnológica costumam sentir mais o cenário instável, especialmente o elevado custo dos financiamentos. Isso porque, os produtos fabricados por esses segmentos são duráveis, mais caros, geralmente comprados a prazo, com crédito associado.
— São setores que, naturalmente, investem mais em pesquisa e desenvolvimento e inovação, por isso que são mais intensivos em tecnologia. Agora, para além dos investimentos, a demanda por esses bens depende de financiamento e dos níveis de juro para se dinamizar — explica Cagnin.
Fugindo de financiamento
Os juros altos fazem a Novus, fabricante de equipamentos eletrônicos de instrumentação e automação industrial, adiar investimentos na ampliação de sua fábrica em Canoas, no Rio Grande do Sul.
– Não estamos captando dívida nenhuma já há dois anos. Alguns investimentos que iriam requerer financiamento simplesmente foram postergados. Não vou assumir dívida de longo prazo com uma taxa de juros superando 15% (ao ano) – diz Marcos Dillenburg, CEO da Novus.
Segundo o executivo, os juros altos também esfriam a demanda:
– O impacto indireto é exatamente o mesmo nos nossos clientes. Eles não estão investindo. O equipamento eletrônico para automação industrial que fabricamos é comprado em volume quando a empresa está fazendo uma expansão, uma reforma de uma linha de produção.
O estudo do IEDI parte dos dados de produção industrial. No total, a produção da indústria de transformação cresceu 2,5% no primeiro trimestre, ante um ano antes, abaixo do ritmo de 4,5%, registrado no quarto trimestre. Nas atividades de "alta intensidade tecnológica", conforme uma classificação internacional, a perda de ritmo foi de uma alta de 15%, no quarto trimestre, para um crescimento de apenas 1,9% nos três primeiros meses deste ano.
Os segmentos que mais desaceleraram
A fabricação de máquinas e equipamentos e de produtos eletroeletrônicos, como computadores e smartphones, estão entre os segmentos mais atingidos.– O desempenho do setor de máquinas é diretamente proporcional aos juros. A gente não crescia desde 2014, quando teve o problema fiscal (e o Brasil entrou em recessão). Quando chegou em 2021, e, para combater os efeitos da Covid, o Banco Central (BC) jogou os juros a 2% (ao ano), o setor cresceu em um ano 28%. É até difícil de acreditar. Na hora em que os juros começaram a subir de novo, e atingiram de novo um patamar alto, há três anos que a gente decresce – afirma José Velloso, presidente executivo da Abimaq, que representa a indústria de máquinas e equipamentos.
Segundo Humberto Barbato, presidente da Abinee, do setor de eletroeletrônicos, o cenário é de "perda de dinamismo". Ano passado, a indústria do setor cresceu 6,1%. A projeção de crescimento deste ano da Abinee já foi de 5%, mas está sendo revista para 3% ou 4%, diz Barbato:
– O câmbio, no ano passado, deu uma "estilingada" (o dólar disparou) muito grande. E o nosso setor é muito dependente de componentes importados. Então, evidentemente, a taxa de câmbio obrigou que houvesse um aumento de preços. E isso diminui o dinamismo.
Vaivém do câmbio dificulta
O vaivém da cotação do dólar atrapalha o planejamento industrial, já que fica difícil estimar os valores em reais tanto da compra de insumos importados quanto das vendas para o exterior.
Esse quadro é agravado pela guerra comercial. Ano passado, as importações de máquinas e equipamentos da China saltaram 36%, segundo Velloso, da Abimaq. Se, como o esperado, vendas do gigante asiático antes destinadas para os EUA forem direcionadas para outros mercados, como o brasileiro, a “invasão” do maquinário chinês poderá ser ainda maior.
Para a Novus, os juros elevados atrapalham mais do que o vaivém do câmbio porque metade da receita da empresa gaúcha vem de exportações, destinadas a cerca de 65 países, conta Dillenburg. Embora 90% dos insumos sejam importados, os ganhos em dólar são maiores do que os custos, o que protege a empresa das variações.
Além disso, no caso da guerra comercial, a Novus poderá se encaixar no conjunto de empresas brasileiras que poderão ter no fechamento dos EUA para produtos vindos da China uma oportunidade de vender mais para o mercado americano. Segundo Dillenburg, os distribuidores da empresa nos EUA já sinalizaram um aumento da demanda, mas o executivo acha que é cedo para determinar se o movimento é sustentável no longo prazo.
Quando a demanda importa mais
Já nas atividades de "média-baixa intensidade tecnológica", a produção até registrou leve queda no primeiro trimestre, mas o desempenho não piorou tanto quanto nas demais – segmentos como a indústria de alimentos veem um cenário mais positivo, com a demanda por produtos básicos ainda aquecida.
Em meados do ano passado, a Abia, que representa a indústria de bebidas e alimentos, anunciou que as empresas do setor tinham planos de investimentos que somavam R$ 120 bilhões, de 2023 a 2026. A gigante suíça Nestlé, cujo plano 2023-26 soma R$ 7 bilhões até adicionou R$ 500 milhões, para o segmento de cafés, até 2028, conforme a companhia.
Embora os juros altos dificultem o financiamento dos investimentos, eles estão mantidos e em curso, segundo João Dornellas, presidente da Abia:
– Temos emprego, uma recuperação da renda, o salário mínimo crescendo acima da inflação. Dentro do Brasil, o cenário positivo para a indústria de alimentos continua acontecendo. Não fosse esse cenário de juros tão altos, os investimentos poderiam ser até maiores.
Descoordenação de políticas afeta cenário, dia IEDI
Segundo Cagnin, do IEDI, a demanda aquecida e o quadro de juros um pouco melhor, com novas linhas do BNDES, por exemplo, ajudaram numa retomada do crescimento da indústria em 2024. Agora, há sinais de mudança no cenário.
Para o economista, a falta de uma estratégia da política econômica para sinalizar para o equilíbrio nas contas públicas e a descoordenação entre medidas do governo que estimulam a demanda e a política de juros do BC que procura freá-la afetam juros e câmbio. E isso mina o crescimento da indústria.
– Toda vez que o governo pensa no curto prazo, abrindo mão do longo prazo, ele aumenta o consumo. E o BC, por outro lado, para reduzir esse consumo, aumenta a taxa de juros. Quando aumenta a taxa de juros, fica mais caro o consumo que precisa de mais dinheiro, que, geralmente, são os investimentos industriais, ou então os bens que necessitam de crédito – resume Jonathas Goulart, economista-chefe da Firjan.