Análise IEDI
Estratégias e Políticas face à nova revolução produtiva
O debate sobre a nova revolução produtiva tem ganhado projeção em âmbito mundial e vem se tornando cada vez mais presente na agenda econômica de diversos países. Isso se manifesta nas distintas estratégias e políticas governamentais de pesquisa e desenvolvimento (P&D) industrial para fazer frente aos desafios e oportunidades postos no contexto de maior complexidade tecnológica da manufatura moderna.
Este é o tema desta resenha sobre o capítulo intitulado “Uma revisão internacional das prioridades e políticas emergentes de P&D industrial para a próxima revolução produtiva”, do relatório The Next Production Revolution: Implications for Governments and Business, publicado este ano pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Os autores do trabalho, Eoin O’Sullivan e Carlos López-Gómez, ambos do Institute for Manufacturing, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, analisam as políticas governamentais relativas a P&D industrial em países como Estados Unidos, Japão, Alemanha, China, além do Reino Unido.
Em síntese, três grandes temas recebem crescente atenção nas estratégias de governos e de agências governamentais diante dos desdobramentos que caracterizariam a nova revolução produtiva, frequentemente identificada como Indústria 4.0 ou Manufatura Avançada:
- Convergência, entendida de maneira ampla como a integração entre áreas de pesquisa, tecnologias e sistemas, já que as inovações da revolução produtiva que se avizinha são marcadas por elevada complexidade e por um conjunto de conhecimentos e capacidades multidisciplinares;
- Escala e amadurecimento de novas tecnologias (scale-up), que compreendem desde o surgimento de uma inovação, criação de protótipos, realização de testes-piloto e estudos de viabilidade econômica para sua introdução no mercado até sua difusão, produção em massa e consolidação de uma cadeia de valor;
- Captura de valor pelos sistemas industriais nacionais a partir da inovação industrial, particularmente em economias de salários elevados – o que faz deste ponto uma nítida preocupação dos países da OCDE.
Estes temas se manifestam de formas variadas nas respostas de política dos diferentes países. No entanto, os estudos de caso investigados pelos autores mostram tendências no desenho de programas, instituições e iniciativas nacionais para lidar com os desafios crescentemente complexos de P&D industrial.
Segundo o relatório da OCDE, as políticas de apoio à pesquisa e desenvolvimento e à inovação seguem atualmente as seguintes tendências principais:
- Escopo ampliado da missão de inovação dos institutos de P&D industrial, de modo a incluir atividades inovadoras para além de pesquisa tecnológica básica;
- Maior ênfase em parcerias de pesquisa em busca de sinergias entre os diversos atores do sistema de inovação e produção;
- Crescente atenção para novas infraestruturas de inovação industrial que combinem ferramentas, equipamentos e tecnologias adequados para efetuar P&D industrial diante da escala e dos níveis de complexidade cada vez maiores exigidos pelo novo modelo de produção.
Estes elementos permitem aprofundar o debate acerca dos possíveis desenhos e formas de gerenciamento de programas e instituições de pesquisa industrial conduzidos pelos governos a fim de lidarem com a nova revolução produtiva e seus impactos em termos de geração de tecnologias e decorrentes transformações industriais.
Neste sentido, os policy makers de grandes economias mundiais, ao adotarem estratégias de P&D industrial voltadas à revolução produtiva, não estão apenas priorizando setores tecnológicos específicos, mas também procurando implementar programas e instituições que garantam o desenvolvimento e a aplicação dos resultados de pesquisa tecnológica em sistemas industriais cada vez mais complexos.
Tecnologias industriais prioritárias. O conjunto de tecnologias potencialmente transformadoras da manufatura na chamada nova revolução produtiva é amplo e seus efeitos ainda incertos. Porém, há razoável consenso internacional sobre algumas das principais tecnologias que devem liderar esse processo de transformação industrial. Tais tecnologias incluem: biomanufatura, nanomanufatura, tecnologia de informação e comunicação industrial avançada, materiais avançados e novas tecnologias de produção (a exemplo da impressão 3D).
Neste contexto, estabelecer prioridades nos programas e iniciativas de pesquisa governamentais ainda é desafiador, devido ao elevado grau de convergência das tecnologias e à crescente complexidade dos sistemas industriais modernos. As áreas de pesquisa industrial são intrinsecamente multidisciplinares, isto é, exigem uma combinação de conhecimentos de diversas disciplinas, como física, química, biologia e engenharia, muitas vezes ainda fragmentados. Além disso, as descobertas científicas e tecnológicas apresentam um potencial de aplicação e de alteração da dinâmica competitiva não somente dentro de uma indústria em particular, como também entre os diversos setores econômicos.
Isso exige, por parte das políticas de governo, uma perspectiva ampliada da integração entre áreas de conhecimento para geração de novas tecnologias, bem como para compreensão de seus efeitos, múltiplos e complexos, sobre o sistema econômico. A revisão de relatórios governamentais realizada pelos autores indica que as prioridades de pesquisa industrial variam nos diferentes países e em suas agências nacionais de fomento a P&D, refletindo suas distintas prioridades e capacidades científicas e industriais.
As diretrizes acerca da manufatura avançada nos Estados Unidos, por exemplo, frequentemente enfatizam a importância dos sistemas de tecnologia de informação industriais ou das novas tecnologias baseadas em avanços científicos. Biotecnologia e materiais avançados são algumas das áreas em destaque. Existem áreas também de interesse no âmbito dos Institutos de Inovação Industrial, do Departamento de Defesa e do Departamento de Energia americanos que conformam uma tentativa de coordenação federal.
No Reino Unido, por sua vez, os esforços se concentram em tecnologias de produto (como eletrônica, robótica, fotônica e energia); materiais; gerenciamento e operacionalização de cadeias de fornecimento; tecnologias habilitantes (como Big Data, autonomização e “Internet das Coisas”); tecnologias de produção (como impressão 3D e outros avanços produtivos); e integração e engenharia dos sistemas (com crescente interface homem-máquina, simulações e modelagem).
No Japão, documentos governamentais têm destacado a integração entre robótica avançada e inteligência artificial, identificando oportunidades estratégicas em um mundo com crescente participação de robôs na era da “Internet das Coisas”. As prioridades de P&D industrial compreendem manufatura e design otimizados, materiais inovadores e moldes 3D, além de modelagem inovadora complexa, tecnologia de máquinas inteligentes e P&D direcionada.
Já no caso da China, a estratégia do plano nacional Made in China 2025, largamente influenciado pela iniciativa alemã da Indústria 4.0, consiste em estabelecer dez áreas tecnológicas prioritárias que promovam maior eficiência energética, proteção ambiental e utilização de recursos. As áreas incluem: a nova geração de tecnologia da informação; máquinas e robôs computadorizados de ponta; espaço e aviação; equipamentos marítimos e navios de alta tecnologia; transporte ferroviário avançado; veículos baseados em novas fontes de energia; equipamentos de energia; máquinas agrícolas; novos materiais; e instrumentos médicos e biofarmacêuticos de alta tecnologia.
Principais temáticas industriais. São três os temas comuns que moldam as políticas nacionais de P&D em um contexto de sistemas industriais modernos crescentemente complexos: (1) a convergência de áreas de pesquisa, tecnologias e sistemas; (2) a escala e amadurecimento de novas tecnologias (scale-up); e (3) a captura de valor e produção em economias de salários elevados.
O termo convergência tem recebido particular atenção nas estratégias e políticas de pesquisa e inovação industrial. Refere-se, usualmente, a uma variedade de elementos, como convergência de áreas de pesquisa, convergência de tecnologias e convergência de sistemas. Um dos principais exemplos de convergência consiste na integração entre sistemas ciber-físicos (software, sensores e sistemas de medida e controle integrados) e a “Internet das Coisas” para operações de produção, configurando sistemas industriais inteligentes coordenados via Internet ao longo de toda a cadeia de valor, o que possibilita rápido desenvolvimento de novos produtos, maior eficiência logística e produtos e serviços mais customizados.
O termo scale-up também abrange múltiplas dimensões dos processos de desenvolvimento e comercialização de novas tecnologias. São, ao menos, quatro dimensões em que o conceito pode ser empregado: (1) desenvolvimento tecnológico; (2) produção e processo; (3) modelo de negócios; e (4) cadeia de valor. De modo geral, o processo de scale-up pode ser entendido como a transformação de uma inovação em um mercado diante de riscos e custos elevados, isto é, um amplo processo de amadurecimento e ganho de escala de uma inovação, desde sua concepção, desenvolvimento e implementação até sua produção em larga escala, com mercados e cadeias de valor integradas que a inovação possa originar ou transformar. Trata-se de traduzir o conhecimento e as inovações gerados em laboratório referentes às novas tecnologias (como materiais avançados, biotecnologia e nanotecnologia) em possíveis aplicações comerciais avançadas de produto e processo industrial.
Outra temática importante nos relatórios governamentais acerca da nova revolução produtiva refere-se à identificação nos sistemas industriais modernos de elementos com potencial de capturar parcela significativa do valor criado ao longo do processo produtivo pela economia doméstica. Essa preocupação é particularmente destacada em países da OCDE, em que se discutem características dos sistemas e tecnologias de produção necessárias à manutenção competitiva da manufatura em economias de salários elevados. A redução do tempo de produção e o aumento de produtividade que as novas tecnologias devem ensejar tornam possíveis que parte dos processos produtivos de elevado valor agregado seja mantida em algumas dessas economias, a exemplo da Alemanha.
Logo, os sistemas industriais em que as novas tecnologias têm sido desenvolvidas e aplicadas envolvem múltiplas interdependências entre atividades, firmas, tecnologias, componentes e subsistemas em permanente interação para gerar produtos e serviços. Tal fato dificulta delimitar as fronteiras da manufatura e amplia o escopo da inovação industrial. Torna-se cada vez mais necessário que as firmas se adaptem a sistemas de produção flexíveis capazes de suprir uma demanda global crescente por produtos manufaturados customizados. Paralelamente, os formuladores de política precisam implementar programas e iniciativas que não apenas aproveitem as oportunidades de alto valor agregado geradas pela convergência de tecnologias e sistemas, mas que também garantam o amadurecimento de resultados de pesquisa e a aplicação e captura de valor das inovações nos sistemas industriais domésticos.
Respostas de política à nova revolução produtiva. Destacam-se algumas tendências no desenho de programas, instituições e iniciativas nacionais para lidar com os desafios de P&D industrial. Tais tendências incluem: (1) o escopo ampliado da missão de inovação, a fim de incluir atividades inovadoras para além de pesquisa tecnológica básica; (2) a ênfase em novas parcerias e encadeamentos de pesquisa em busca de sinergias entre os diversos atores e partícipes do sistema de inovação e produção; e (3) a crescente atenção às novas infraestruturas de inovação que assegurem a combinação necessária de ferramentas, equipamentos e tecnologias diante da complexidade envolvida na nova revolução produtiva.
Essas tendências se manifestam de distintas formas e graus nas estratégias e iniciativas de política voltadas à P&D industrial implementadas por diferentes países. Muitas dessas estratégias e iniciativas incluem programas e instituições cujas funções não se limitam à pesquisa básica, mas que apresentam um escopo ampliado de atividades relacionadas à missão de inovação, como desenvolvimento de capacitações avançadas, acesso a equipamentos e aconselhamento especializados (particularmente, no caso de pequenas e médias empresas), bem como provisão de bancos de ensaio para novos produtos e processos produtivos. Tais funções são oferecidas por algumas instituições dos Estados Unidos e do Reino Unido com vistas ao desenvolvimento industrial.
Além disso, observa-se uma ênfase crescente dos programas governamentais de P&D industrial no estabelecimento de parcerias e maior integração entre os diversos atores dos sistemas industriais, para além das parcerias público-privadas bastante enfatizadas nos últimos anos. Reconhece-se que, dada a escala e a complexidade dos desafios de inovação para a nova revolução produtiva, é necessária uma rede de conhecimentos formada por contribuições de partícipes diversos, não apenas engenheiros de produção e pesquisadores industriais, mas também designers, fornecedores, técnicos do chão de fábrica, usuários, entre outros. Os desafios de inovação que se apresentam exigem um mix de tecnologias e capacidades, que pode ser obtido a partir de uma perspectiva colaborativa e interdisciplinar de pesquisa que integre áreas de pesquisa, os diversos agentes do processo de inovação, e também universidades, centros especializados, laboratórios e demais institutos de pesquisa e tecnologia. Esforços conjuntos dessa natureza podem ser verificados, por exemplo, em iniciativas no Japão, no Reino Unido e na Alemanha.
Particular atenção também tem sido dada no âmbito dos programas governamentais de P&D industrial às novas infraestruturas de inovação, ou seja, às combinações de ferramentas, equipamentos e tecnologias que permitam lidar com os desafios e as oportunidades apresentadas pelas temáticas de convergência, desenvolvimento e comercialização das inovações nesta nova revolução produtiva. No Reino Unido, por exemplo, um dos esforços de política se concentra no fomento à pesquisa sobre tecnologias habilitantes. Tais tecnologias contribuem, por meio de medição avançada e em tempo real, bases de dados abertas, instrumentos de teste e simulação, na própria melhoria das ferramentas necessárias para que as novas tecnologias de materiais, biologia sintética e sistemas industriais inteligentes se desenvolvam. Esta também é uma preocupação da iniciativa “Fábricas do Futuro”, apoiada pela Comissão Europeia, que busca promover inovações e testes de implementação daquelas tecnologias que possibilitem às fábricas se adequarem à nova revolução produtiva.
Alguns estudos de caso sobre instituições, programas e iniciativas governamentais de P&D industrial implementados como resposta às tendências da nova revolução produtiva indicam a diversidade de contextos e de formas assumidas entre os países, cada qual fortemente condicionado pelo ambiente institucional doméstico. Destacam-se os seguintes estudos de caso:
- Cluster of Excellence Integrative Production Technology for High-wage Countries (na Alemanha): iniciativa com projetos de pesquisa cujo foco reside no potencial de integração de múltiplas tecnologias de produção em sistemas industriais híbridos que produzam bens customizados a custos próximos aos de produção em massa, manifestando a preocupação, bastante relevante no contexto alemão, em manter a liderança de tecnologia de produção em uma economia de salários elevados;
- High Value Manufacturing Catapult Centres (no Reino Unido): rede de centros de P&D aplicada com distintas, porém complementares, capacidades e equipamentos, a fim de promover pesquisa e inovação de forma colaborativa entre cientistas, engenheiros e industriais, além de conceder suporte técnico e treinamento especializado, dada a necessidade de parcerias e conhecimentos ampliados para lidar com os complexos desafios da nova revolução produtiva;
- Singapore Institute of Manufacturing Technology (SIMTech, em Cingapura): importante instituto de promoção de tecnologia industrial avançada e capital humano com vistas a ampliar a competitividade da indústria de Cingapura, ao colaborar com empresas de diversos setores de ponta no país, além de oferecer treinamentos especializados, serviços de apoio às empresas, especialmente às de menor porte, frente à adoção de novas tecnologias e estabelecer laboratórios de pesquisa conjuntos com universidades;
- Intelligent Technical Systems OstWestfalenLippe initiative (It’s OWL, na Alemanha): aliança entre mais de 170 empresas, universidades e institutos, financiada pelo programa de clusters de ponta do Ministério Federal de Educação e Pesquisa da Alemanha e um dos pilares da chamada Indústria 4.0, com foco no desenvolvimento de sistemas tecnológicos inteligentes derivados da interação entre engenharia e tecnologia de informação, cujos impactos atingem tanto novos como também tradicionais setores industriais, além do oferecimento de programas de treinamento contínuos;
- Cross-Ministerial Strategic Innovation Promotion Program (no Japão): projeto nacional interministerial para ciência, tecnologia e inovação com o objetivo de revitalizar a economia e a sociedade japonesa, bem como ampliar a competitividade global das indústrias do país, a partir de diversas linhas de pesquisa industrial, a exemplo de tecnologias de produção e design inovadoras, que combinem os esforços de inovação dos distintos atores ao longo das cadeias de produção e resultem em aplicações práticas e comercialização das inovações;
- Pilot Lines for Key Enabling Technologies initiative (na União Europeia, incluindo casos da Suécia e de um consórcio liderado pela Bélgica): importante iniciativa para desenvolvimento de linhas-piloto que propiciem viabilidade econômica e comercial para inovações/protótipos baseados em tecnologias habilitantes em seis áreas-chave (micro e nanoeletrônica, nanotecnologia, biotecnologia industrial, materiais avançados, fotônica e tecnologias de produção avançadas), além de explorar a convergência tecnológica por meio de aplicações de tecnologias integradas.
Em suma, os temas de convergência de tecnologias e de sistemas, de escala, amadurecimento e comercialização de novas tecnologias, e de captura de valor pelas economias domésticas permeiam as tentativas de lidar com a nova revolução produtiva. Neste contexto, as políticas e estratégias nacionais de pesquisa industrial têm enfatizado, ainda que de diferentes maneiras entre os países, programas e instituições que adotem um escopo ampliado de funções de pesquisa e inovação, promovam maior integração entre os principais atores do sistema de inovação e ofereçam novos tipos de infraestruturas de inovação compatíveis com o nível de complexidade para o desenvolvimento e aplicação das novas tecnologias.
Tais elementos apontam para o caráter sistêmico e multidisciplinar das inovações na nova revolução produtiva e a consequente necessidade do estabelecimento de prioridades por parte dos governos que considerem essa multiplicidade de conhecimentos, atores, interações e efeitos na formulação de políticas para inovação industrial. Isso também exige novas métricas e indicadores de desempenho para avaliação dos programas diante dos desafios cada vez mais complexos. Essas discussões tendem a se aprofundar, com particular atenção sendo dada ao papel do governo em apoiar a inovação por meio de P&D industrial.