Análise IEDI
Um novo BNDES para o futuro do país
O Brasil atravessa um momento de retração dos investimentos ao mesmo tempo em que estão em curso transformações nos padrões de produção, concorrência, modelos de negócio, consumo e estilos de vida. Neste momento de incerteza, ganha grande relevância discutir como preparar o BNDES para que mantenha um papel relevante para o futuro do país.
A Carta IEDI a ser divulgada hoje volta ao tema do financiamento de longo prazo e do investimento privado no Brasil, a partir do trabalho preparado pelo professor da URFJ e ex-vice-presidente do BNDES João Carlos Ferraz, cuja versão integral está disponível no site do IEDI.
Este é o quinto exemplar da série recente de estudos sobre este tema, que inclui o documento “O BNDES em uma encruzilhada: como evitar sua desmontagem” (Carta IEDI n. 828 de 30/1/18) preparado pelo economista Ernani Teixeira; “Para um novo desenvolvimento, um novo BNDES” (Carta IEDI n. 834 de 5/3/18) realizado pelo consultor do IEDI, João Furtado; “Aliviando as restrições de crédito em países emergentes: o impacto dos financiamentos do BNDES na produtividade das firmas industriais brasileiras” (estudo publicado em 1/6/18), de autoria de Filipe Sousa e Gianmarco Ottaviano; “Financiamento do investimento no Brasil e o papel do mercado de capitais” (Carta IEDI n. 850 de 6/6/18) de Carlos Rocca.
Qual deve ser a contribuição do BNDES para a evolução futura do país, a partir do seu estágio de desenvolvimento e em meio a transformações importantes na economia real, tando no Brasil como no mundo? Esse é o ponto de partida do trabalho de João Carlos Ferraz.
O primeiro ponto levantado pelo autor é que o volume das operações do BNDES deverá aumentar e novas fontes de recursos serão necessárias. O argumento parte da constatação de que ao longo de sua história a missão do BNDES é apoiar o investimento e na média de 1952 a 2017 este apoio correspondeu a 1,45% do PIB.
Supondo um PIB de aproximadamente US$ 2 trilhões, isto significaria, atualmente, um desembolso da ordem de US$ 30 bilhões por ano. Os desembolsos correntes do BNDES estão abaixo deste montante e, caso a taxa de investimento da economia brasileira cresça nos próximos 3 anos para, por exemplo, 18% do PIB, mesmo que outras fontes de financiamento compareçam com presteza e força, será necessária uma participação mais ativa do BNDES, para além da posição tímida atual.
O segundo aspecto destacado por Ferraz surge como contrapartida do consenso que parece ter se formado de que as prioridades do BNDES deveriam ser infraestrutura, empresas de menor porte, inovação e meio-ambiente. Caso, de fato, sejam estas as suas prioridades, o Banco deverá ter uma maior disposição de assumir os riscos de desenvolvimento, ou seja, a instituição deve estar disposta a incorrer nos riscos (protegendo-se) e recompensas (lucrando e financiando a expansão de seu capital) associadas a estes objetivos.
Isto significa, sustenta o autor, que as autoridades devem avaliar se a natureza e extensão dos benefícios concedidos ao BNDES são adequados, e, além disso, devem avaliar se o escopo de atuação da instituição deve se concentrar somente nestas missões. Nesses pontos, o autor lembra que são muito limitados os benefícios que as autoridades brasileiras conferem ao seu principal agente de desenvolvimento, ao contrário do que ocorre na média mundial. O KfW alemão, por exemplo, não paga dividendos, não recolhe impostos, tem garantia soberana automática e acesso a recursos parafiscais.
Outra sugestão é que o BNDES preserve o escopo diversificado de suas operações para diluir riscos, realizando operações seguras, de baixo risco e operações lucrativas. Isto inclui operar também com grandes empresas com as devidas condicionalidades de governança, sustentabilidade, etc.
O autor lembra que a maioria dos bancos de desenvolvimento existentes não é especializada e sim diversificada em termos de instrumentos e segmentos atendidos. A lógica da diversificação é bem direta e não é diferente de outras instituições financeiras que buscam uma distribuição de riscos e recompensas pela gestão de portfolios: taxas baixas e prazos longos podem ser compensados por operações de menor prazo e maior taxa; operações de maior risco podem ser compensadas por segmentos de retorno previsível e seguro.
O BNDES também deve preservar uma atuação anticíclica, segundo a seguinte orientação: na fase ascendente, a instituição precisa estar atenta para abrir espaços para a indústria financeira. Todavia, quando as taxas de crescimento arrefecem e a indústria financeira age para proteger seus balanços e quando os mercados de financiamento reduzem ou param de fornecer financiamento, cresce a importância das instituições públicas. Para ser eficaz, o papel anticíclico de um banco de desenvolvimento deve ser adequado e específico ao momento e às necessidades dos agentes econômicos.
Ferraz defende ainda que, seguindo a grande maioria dos bancos de desenvolvimento de outros países, o BNDES deve atuar não em oposição, mas em parceria com a indústria financeira local. A experiência do BNDES em estabelecer parcerias com bancos comerciais e com o mercado de capitais, por meio de fundos ou não, e induzir mercados secundários deve ser aprofundada.
Finalmente, se faz muito necessário o desenvolvimento de ferramentas de avaliação de políticas. Quando iniciar, quando encerrar uma intervenção de política? Ou, como circunscrever uma iniciativa política aos limites de sua eficácia? O tema não é trivial quando os parâmetros envolvidos abrangem mudança estrutural, inovação, meio-ambiente, investimentos de longo prazo, duração de ciclos econômicos que são de difícil estimativa.
Será importante, como sugere o autor, institucionalizar processos de busca sistemáticos e permanentes, experimentar e implementar soluções inovadoras relacionadas a metodologias de identificação de ativos tangíveis e intangíveis de projetos e beneficiários e aos métodos de impacto ex ante, associados a processos de acompanhamento, e à avaliação ex post. Estes são ingredientes essenciais para um constante processo interno de aprendizagem e para prestar contas à sociedade.