Análise IEDI
O esgarçamento da indústria brasileira no crescimento e na crise
A indústria brasileira enfrenta, já há algumas décadas, uma situação de baixíssima competitividade, cujas causas, embora bastante conhecidas, têm se mostrado de difícil resolução. Quanto mais adiamos as soluções, maior o regresso industrial do país e, consequentemente, maiores os entraves ao desenvolvimento e ao crescimento econômico sustentado. A Carta a ser divulgada hoje, elaborada a partir de estudo de Paulo Morceiro (USP) para o IEDI, trata da penetração de insumos importados nas cadeias produtivas da indústria.
Como o documento do IEDI “Indústria e o Brasil do Futuro” destacou, os problemas de competitividade são das mais variadas naturezas, incluindo fatores de custos sistêmicos, como níveis de taxas de juros descolados da realidade internacional, escassas fontes de financiamento de longo prazo, sistema tributário complexo e oneroso, infraestrutura insuficiente e deficiente; e modestos ganhos de produtividade devido ao ambiente de baixo investimento em que se encontra o país. Tudo isso pontuado por longos episódios de sobreapreciação cambial.
As consequências são as mais adversas. A participação da indústria de transformação regride na estrutura produtiva desde os anos 1980, chegando ao mínimo de 11,3% do PIB em 2018. Pior, foi nos ramos de maior intensidade tecnológica que este retrocesso se mostrou mais grave (Carta IEDI n. 920). No comércio internacional de bens industriais nossa presença, que já era marginal, encolheu ainda mais, passando de 0,8% das exportações totais de manufaturas em 2006 para 0,6% em 2017 (Carta IEDI 892).
Mas não foi apenas a competitividade externa da indústria brasileira que foi prejudicada. Em nosso próprio mercado doméstico, a produção nacional foi comprimida pelos importados. É o que sugere o saldo de balança comercial da indústria de transformação no Brasil, que reverteu um superávit de US$ 31,4 bilhões em 2005 em um déficit de US$ 63,6 bilhões em 2014 e que poderia ter sido ainda pior não fosse a magnitude da crise econômica de 2015/2016 que arrefeceu o ímpeto importador do país.
O estudo de Paulo Morceiro preparado para o IEDI mostra outra consequência deletéria dessa perda de competitividade: o esgarçamento do sistema industrial decorrente da maior penetração de insumos e componentes importados sem contrapartida do aumento da produção. Dados da Pesquisa Industrial Anual - IBGE foram utilizados para abordar este tema na fase crescimento do PIB do país, de 2003/2004 a 2013/2014, e em 2016, último ano da crise recente.
A questão é da maior importância porque o avanço de insumos importados nas cadeias produtivas, embora possa contribuir para o aumento da produtividade e competitividade da economia, também pode ter efeito negativo sobre os fornecedores domésticos, reduzir os encadeamentos intersetoriais e limitar o desenvolvimento tecnológico, que passa, cada vez mais, a ser conduzido pelos fornecedores estrangeiros dos componentes principais. Ademais, ao reduzir a transformação industrial, aumenta as etapas de montagem com uso de mão de obra pouco qualificada e de baixos salários, provocando, desse modo, menor geração de valor adicionado.
A seguir, são apresentadas suscintamente os principais resultados do estudo.
• A manufatura brasileira apresentou um aumento significativo no coeficiente importado de insumos e componentes comercializáveis (CIICC) na fase de crescimento econômico dos anos 2000. De 2003/2004 a 2013/2014, o CIICC da indústria de transformação aumentou de 16,5% para 24,4%.
• Na origem disso está a categoria de alta e média-alta intensidade tecnológica, cujo CIICC registrou alta bastante superior à média geral da indústria de transformação: de 26,3% para 38,7%.
• Na crise econômica recente, porém, devido ao caráter pro cíclico de nossas importações, o CIICC da indústria de transformação recuou, mas muito moderadamente para 22,3%. Entretanto, a penetração de insumos importados na alta e média-alta tecnologia avançou ainda mais, chegando a 41,4%.
Explica esta evolução da indústria mais intensiva em tecnologia o fato de o Brasil não produzir vários componentes tecnológicos chave, o que confere rigidez às importações destes insumos. Além disso, devido à gravidade da crise, é provável que plantas produtoras de intermediários tecnológicos, que já vinham sofrendo com o câmbio apreciado e o Custo Brasil na fase anterior de expansão, não tenham resistido e tiveram que interromper suas operações.
Assim, se o grau de adensamento produtivo da indústria brasileira permanece relativamente elevado, isto se deve aos ramos de menor intensidade tecnológica, que têm peso expressivo em nossa estrutura produtiva. Em outras palavras, a competitividade nos setores de baixa e média-baixa tecnologia intensivos em insumos agropecuários, minerais e energéticos evitam uma deterioração ainda maior do indicador CIICC do Brasil.
É principalmente por esta razão que o adensamento industrial do Brasil se mostra mais elevado do que a média dos quinze países com os maiores parques industriais do mundo. Ficamos na frente de países como China e Rússia, mas também dos Estados Unidos e do Japão. Na alta e média-alta tecnologia, porém, a penetração de insumos importados é maior do que nestes países, bem como na Coreia do Sul e Índia, e do que a média internacional.
Ao detalhar o panorama, levando em conta 258 classes industriais, o estudo inédito de Paulo Morceiro mostra que mais da metade das classes industriais de alta e média alta intensidade tecnológica possui conteúdo importado de insumos intermediários moderado a elevado.
Os casos de maior esgarçamento envolvem setores como: Eletrônicos, informática e ópticos; Outros equipamentos de transportes; Química e Farmacêutica. Parte expressiva desses setores assemelham-se a uma maquiladora.
Isso ocorre na indústria de maior tecnologia porque, nas últimas décadas, o Brasil perdeu competitividade em preço devido aos períodos longos de apreciação cambial, Custo Brasil e aumento da competitividade dos concorrentes estrangeiros. Certamente, a perda de competitividade tecnológica também contribui para explicar as áreas em que o conteúdo importado é maior.
Ademais, o país também não teve uma vigorosa política de transformação produtiva focada na inovação e na exportação, tanto no período de industrialização quanto no período posterior como tiveram os países avançados, além de emergentes como Coreia do Sul e a China.
Assim, sempre que a fronteira tecnológica se expande, como está ocorrendo novamente com a emersão da Indústria 4.0, as importações brasileiras aumentam para suprir a nova demanda das empresas e dos consumidores por insumos intermediários avançados e produtos novos.
Por isso, a perspectiva para o futuro não é das melhores. O país precisa urgentemente de uma política industrial moderna para não perder, de novo, as janelas de oportunidade que se abrem no início de uma nova revolução industrial e para não ficar permanentemente para trás na corrida do desenvolvimento.