Análise IEDI
Déficit comercial da indústria: avanço a passos largos
Em 2018, o déficit de comércio exterior da indústria brasileira caminhou em direção aos níveis pré-crise econômica. A deterioração não foi integral, mas significou uma piora expressiva: o saldo passou de US$ -3,2 bilhões em 2017 para US$ -25,2 bilhões em 2018. Ou seja, diante deste desempenho dos bens manufaturados, não tivesse sido o resultado recorde dos produtos primários, a balança comercial do Brasil não teria registrado o segundo maior superávit da história recente do país (US$ 58,6 bilhões).
Se estamos em uma situação confortável das contas externas do ponto de vista comercial, isso se deve pouco ao desempenho dos manufaturados, cujas exportações cresceram menos enquanto as importações avançaram a um ritmo duas vezes maior. Dois importantes motores do crescimento das exportações deixaram de funcionar em 2018: veículos automotores e alimentos, que juntos, representam pouco mais de 1/3 do total de manufaturados.
Deste modo, de 2017 para 2018, o dinamismo total das vendas externas de bens da indústria de transformação recuou de +9,2% para +4,1%. Já suas compras externas passaram de +9,7% para +20,1%. Apesar de mais próximo, ainda há o que avançar para atingirmos as piores marcas da balança comercial de manufaturados. O déficit de 2018 foi menos da metade daquele de 2014, por exemplo.
Além disso, vale notar que as mudanças nas regras do Repetro repercutiram na contabilidade dos fluxos comerciais das plataformas de petróleo no ano passado. Desconsideradas as exportações e importações da indústria de construção e reparação naval, diretamente afetadas pelas novas regras, o déficit de manufaturados se reduz, de US$ 25,2 bilhões para US$ 21 bilhões, mas não muda de magnitude.
Sendo assim, tamanho retrocesso do saldo de manufaturados em 2018 não deixa de ser sintoma da falta de competitividade que acompanha a indústria brasileira desde muito tempo, em função, por exemplo, de baixa produtividade e de um sistema tributário que penaliza muito o setor, para ficarmos apenas com apenas dois fatores de grande influência. Ações para mudar esse quadro ainda engatinham no Brasil e vão perpetuando o déficit de competitividade que trabalhos recentes do IEDI têm apontado, como as Cartas de n. 900 “Ameaça chinesa e posição brasileira na exportação de produtos dinâmicos” e de n. 892 “Nova queda do Brasil no ranking dos maiores exportadores e importadores mundiais”.
Por sua vez, a Carta IEDI a ser divulgada hoje analisará a balança comercial a partir da intensidade tecnológica de cada ramo industrial, agregados em quatro faixas distintas: baixa, média-baixa, média-alta e alta intensidade, segundo a metodologia desenvolvida pela OCDE.
A indústria de alta tecnologia registra tradicionalmente déficit comercial e em 2018 não foi diferente, acumulando ademais um saldo negativo 8,7% superior àquele de 2017. Isso se deveu ao ramo farmacêutico, cujo déficit saltou 17% na passagem de um ano para outro, bem como de instrumentos médicos ópticos de precisão, com piora de 13% do saldo. Amenizou um pouco esses condicionantes negativos o aumento do superávit da indústria aeronáutica (+9,6%), decorrente mais de uma menor importação (-17,2%) do que de um crescimento das exportações (+2,3%).
Já a indústria de média-alta tecnologia, com saldo negativo desde 2006, foi uma das faixas a apresentar deterioração mais acentuada. Em 2018, seu déficit ficou 45% maior do que em 2017. O principal motivo para isso foi a indústria automobilística ter ficado no vermelho (déficit de US$ 752 milhões), depois de ter apresentado superávit de US$ 3,4 bilhões em 2017, seu melhor resultado desde 2007. As exportações de automóveis caíram em 2018, configurando um dos revezes mais significativos do conjunto dos setores industriais. O salto de +15,4% das importações de máquinas e equipamentos mecânicos, ao levar o saldo deste ramo de US$ -4,3 bilhões para US$ -6,4 bilhões, também contribuiu para a piora da faixa de média-alta.
Foi o grupo de média-baixa tecnologia quem mudou da água para o vinho no ano passado. De superávit de US$ 858 milhões regrediu para déficit de US$ 5,4 bilhões, refletindo a forte importação de plataformas de petróleo que levaram o ramo de construção e reparação naval para um déficit de US$ 4,1 bilhões em 2018. Sem este ramo, porém, o déficit da média-baixa continuaria negativo, em US$ 1,3 bilhão. Também houve avanço do déficit de borracha e plástico (+21,3%) no período.
Por fim, o grupo de baixa intensidade tecnológica, o único a apresentar saldo positivo, teve declínio de 5,4% de seu superávit, provocado pelo declínio das exportações (-3,4%) e ampliação das importações (+2,0%). Do lado das exportações, quem puxou para baixo foram os ramos de alimentos (-9,6%) e têxteis, couros e calçados (-16,3%). Ambos se sobrepuseram à melhora do desempenho exportador de madeira, papel e celulose, que avançou 23% e implicou um superávit de US$ 12,2 bilhões (+25,6% ante 2017), o maior da série histórica iniciada em 1989. Do lado das importações, o aumento de 7,5% de têxteis, couros e calçados ajudou este ramo a dobrar seu déficit entre 2017 (US$ -901 milhões) e 2018 (US$ -1,9 bilhão).