Análise IEDI
Desafios do sistema de inovação no Brasil
O estudo “Propriedade Intelectual, Inovação e Desenvolvimento: desafios para o Brasil” da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), lançado em 2018, faz um panorama da situação da inovação na indústria brasileira, analisando dados do registro de patentes e do gasto em P&D. Esta Análise IEDI destaca alguns dos pontos principais levantados pelo trabalho.
Como o IEDI já discutiu em outras oportunidades (Carta IEDI n. 770, por exemplo), o quadro geral da inovação no Brasil é pouco animador, contribuindo para a evolução decepcionante da produtividade de nossa indústria. O trabalho da ABPI, com novas evidências, reforça este diagnóstico.
Os autores do estudo, que incluem pesquisadores da UNICAMP, UFMT, INCT e PUC-Campinas, argumentam que décadas de instabilidades macroeconômicas (sobretudo cambiais) e institucionais, insuficiência das políticas de C,T&I e o “custo Brasil” (infraestrutura precária, sistema tributário complexo e oneroso, elevadas taxas de juros, escassez de mão de obra qualificada e insegurança jurídica), ao comprometerem o ambiente de negócios, tornaram as empresas industriais brasileiras conservadoras, buscando evitar correr os riscos inerentes à inovação.
Evidentemente, há exceções, empresas de maior ou menor porte que fazem da inovação seu DNA, mas enquanto sistema, a indústria brasileira deveria estar muito mais envolvida com atividades inovadoras. Os dados de registro de patentes até 2017 e de gastos com inovação segundo a PINTEC 2014 (mais recente), ilustram esta deficiência:
• A participação do Brasil no total de depósitos de patentes mundiais regressou de 1,2% em 2000 para apenas 0,8% em 2017, embora em termos absolutos nossos depósitos tenham crescido 48% no período. Ou seja, avançamos menos que o resto do mundo e estamos ficando para trás.
• As solicitações de patentes no Brasil concentram-se em agentes não-residentes (80% do total) e em setores tradicionais da indústria, como construção civil e produção de máquinas (petróleo e gás, eletricidade e agronegócio), não apontando relevância em áreas como a indústria 4.0.
• Para os autores do estudo, isso é sinal de que as ações de inovação não estão sendo realizadas no sentido de modificar as estruturas produtiva e exportadora brasileira baseadas em commodities e bens e serviços de baixo valor agregado e de pouca complexidade tecnológica.
• Dentre os depósitos realizados por residentes, 74% vem das universidades, 15% das instituições de pesquisa sem unidades de ensino e menos de 10% de pesquisadores das empresas. Isso denota a incompletude de nosso sistema de inovação.
• Apenas 1/3 das empresas industriais realizaram no período 2012-2014 alguma inovação seja de produto, seja de processo. Somente 15,2% afirmam considerar a atividade interna de P&D importante.
• Ademais, quando ocorre a inovação, se dá prioritariamente por meio da compra de tecnologia (40% dos gastos em 2014 foram em máquinas e equipamentos) ao invés do seu desenvolvimento e se concentra mais em processos (90% do total), do que em produtos (45%). Os autores argumentam que isso evidencia uma estratégia defensiva das empresas.
• Como resultado, o Brasil não só está mal colocado no ranking global de inovação, como sua posição caiu de 61º em 2014 para 64º em 2018.
O estudo da ABPI também ressalta a importância da interação entre universidades e empresa, através dos Núcleos de Inovação Tecnológica (NIT), a fim de expandir e robustecer o sistema nacional de inovação, contribuindo para o desenvolvimento doméstico de tecnologia mais avançada.
Neste sentido, decreto assinado pelo governo federal em fevereiro de 2018 poderá atuar de forma positiva, reduzindo lacunas e enfrentando alguns desafios. Seu objetivo é reduzir os entraves burocráticos às atividades de pesquisa do setor privado, incentivar o financiamento público para micro, pequenas e médias empresas e estreitar a relação universidade-empresa através do fortalecimento do papel dos NIT para a promoção da inovação no setor privado.
Contudo, o quadro pouco favorável à inovação no Brasil requer um conjunto mais amplo de medidas em prol do desenvolvimento endógeno de tecnologia para que o país consiga enfrentar o desafio da indústria 4.0 e possa almejar uma inserção mais virtuosa no sistema produtivo e comercial internacional.
Indicadores do quadro atual da inovação no Brasil. Estudo da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), realizado por pesquisadores da UNICAMP, UFMT, INCT e PUC-Campinas, intitulado “Propriedade Intelectual, Inovação e Desenvolvimento: desafios para o Brasil”, revela as dificuldades para o setor privado inovarem no Brasil, a partir de indicadores construídos a partir dos registro de patente e dados da PINTEC 2014 do IBGE.
Os dados de depósitos de patente mostram que as empresas no Brasil, em especial as nacionais, inovam pouco e que estamos nos distanciando cada vez mais dos nossos competidores internacionais. Entre 2000 e 2013, os registros de patentes no Brasil representou, com pouca oscilação, cerca de 1,2% dos registros mundiais. Esta participação se deteriorou nos anos seguintes, chegando a 0,8% em 2017.
Enquanto isto, Coreia do Sul e China, por exemplo, que no início dos anos 1980, respectivamente, estavam em posição de igualdade ou inferior à do Brasil, nos passaram em larga escala. Atualmente a China é a principal solicitante de patentes no mundo, com 41% dos depósitos. Coreia do Sul representa 6,7%.
No Brasil, as solicitações de patentes são majoritariamente realizadas por não-residentes (cerca de 80%), o que é explicado, em grande medida, segundo os autores do estudo, pela forte participação das multinacionais no país e pela importância do mercado interno para estas empresas. Todavia, o estudo argumenta que é sintomático que muitas das empresas listadas entre as 50 mais inovadoras no mundo e que dominam os setores de fronteira tecnológica tenham operações no Brasil, porém não desenvolvam atividades de P&D em suas filiais no país, nem constem dentre os principais depositantes de patentes não residentes no Brasil.
À luz deste quadro, o estudo ressalva que é particularmente preocupante que a participação das empresas não residentes nos pedidos de patentes tenha se mantido, e até se elevado em alguns anos, desde 2000, revelando que os esforços inovativos das empresas brasileiras não têm promovido ganhos substanciais de capacidade de inovação. Os dados setoriais dos depósitos totais de patentes confirmam esta análise.
As solicitações concentram-se em setores tradicionais como construção civil e produção de máquinas, especialmente para os setores de petróleo e gás, eletricidade e agronegócio, não apontando relevância em nenhuma das áreas da indústria 4.0.
Desta forma, segundo os autores do estudo, infere-se que as ações de inovação não estão sendo realizadas no sentido de modificar as estruturas produtiva e exportadora brasileira baseadas em commodities agropecuárias e bens industriais e serviços de baixo valor agregado e complexidade tecnológica; mas sim de reforçá-las.
Respalda esta análise o fato de as universidades públicas e instituições de pesquisa liderarem os depósitos de patentes de invenção dos residentes no Brasil. Dos 10 principais depositantes em 2017, 9 são universidades e uma, instituto de pesquisa.
Os autores do estudo também analisaram o perfil dos pesquisadores residentes com registro de patente e concluíram que 74% trabalham em universidades e 15% em instituições de pesquisa que não possuem unidades de ensino. Menos de 10% dos pesquisadores estão nas empresas.
Segundo a pesquisa, a elevada participação da academia também é resultado de um processo de conscientização das universidades e instituições de pesquisa da necessidade de gestão e proteção à propriedade intelectual. Tal esforço, encampado por diversas organizações de fomento à ciência e tecnologia, concretizou-se na criação dos Núcleos de Inovação Tecnológica (NIT) em 2005, após a Lei da Inovação.
Os NIT foram criados para, entre outras coisas, negociar e gerir os acordos de transferência de tecnologia gerada nas universidades e institutos de pesquisa e promover o relacionamento destes com as empresas. Com a disseminação destes núcleos, alavancaram-se as solicitações de patentes solicitadas pelo meio acadêmico.
As universidades são lócus natural de geração e difusão de conhecimento e tecnologia e, por isto, sua capacidade de desenvolvimento de pesquisa de ponta deve ser sempre fortalecida. Entretanto, argumenta o estudo, é papel do setor privado a produção da inovação e não da academia.
Um sistema de inovação robusto e funcional, no qual a inovação é tida como estratégia de competitividade das empresas, requer um ambiente de elevado adensamento de circulação de conhecimento e de estreita relação entre universidades e empresas, no qual as corporações são protagonistas da geração de inovação. Todavia, os dados do estudo sobre as patentes indicam que no Brasil ocorre o oposto.
Estas informações convergem com os números da última PINTEC 2014 (última versão disponível) em relação às atividades de P&D desenvolvidas pelas empresas brasileiras. Analisada em maior detalhe na Carta IEDI n. 770, convém destacar alguns dados ilustrativos desta pesquisa do IBGE.
Cerca de 2/3 das empresas industriais brasileiras não realizaram qualquer inovação de produto e/ou processo no período 2012-2014. Apesar da taxa de inovação ter registrado alguma elevação entre 2000 e 2014, o valor ainda é bastante baixo. Ademais, apenas 15,2% das empresas de transformação responderam considerar a atividade interna de P&D relevante. Segundo os autores do estudo da ABPI, a partir destes dados, depreende-se que as atividades de inovação realizadas pelas empresas industriais brasileiras, além de serem poucas, possuem baixo impacto inovativo; refletido na pequena participação nos depósitos de patentes.
As informações sobre dispêndios mostram ainda outra característica das atividades inovativas das empresas industriais brasileiras: geralmente optam por comprar tecnologia ao invés de desenvolvê-la, seja internamente à corporação ou por meio de colaboração externa. Máquinas e equipamentos (M&E) – forma de inovação que envolve menor esforço tecnológico em comparação às atividades de P&D – representaram 40% dos gastos em inovação das companhias em 2014. Há, contudo, uma sinalização favorável neste quadro: desde 2008, os gastos com P&D interno apresentam trajetória crescente, passando a representar 31% do total e 0,77% das receitas líquidas.
Além disso, entre 2012-2014, quase 90% das empresas inovaram em processos. Já as que realizaram inovações em produto, responderam por menos de 45% do total. Isto indica, segundo os autores do estudo, que as empresas recorrem à inovação muito mais como forma de defesa e de resposta a restrições pontuais do que para criar vantagens através da diferenciação de produtos e conquistar novos mercados.
Os pesquisadores que realizaram o estudo da ABPI argumentam que os dados de patentes e de gastos com inovação mostram que as empresas industriais brasileiras mostram-se conservadoras ao não correr os riscos inerentes à inovação.
Tal cautela é explicada por décadas de instabilidades macroeconômicas (sobretudo cambiais) e institucionais, insuficiência das políticas de C,T&I e pelo custo Brasil (infraestrutura precária, sistema tributário complexo e oneroso, elevadas taxas de juros, escassez de mão de obra qualificada e insegurança pública), que comprometem o ambiente de negócios.
Soma-se também a isto um modelo desequilibrado de desenvolvimento industrial, no qual houve décadas de elevada proteção industrial, porém sem medidas coordenadas que possibilitassem e exigissem a busca por competitividade e inovação por parte das empresas. Não à toa, o Brasil está mal colocado no ranking global de inovação (61º lugar em 2014 e 64º em 2018).
Em direção à redução dos entraves. Alguns pequenos passos foram dados neste sentido recentemente, embora ainda falte um longo caminho nesta caminhada. O decreto n. 9283, assinado pelo governo federal, em 08 de fevereiro de 2018, com o objetivo de tornar efetiva a Lei nº 13.243 de janeiro de 2016, reduziu os entraves burocráticos às atividades de pesquisa do setor privado, incentivou o financiamento público para micro, pequenas e médias empresas e estreitou a relação universidade-empresa para promoção da inovação no setor privado.
Uma das novidades foi a ampliação de mecanismos de subvenção a empresas, como, por exemplo, o “bônus tecnológico”; recursos financeiros concedidos pela esfera pública a empresas que podem ser empenhados no compartilhamento e uso de infraestrutura de P&D, na contratação de serviços tecnológicos especializados, ou na transferência de tecnologia. Também foi autorizada a cessão de imóveis públicos para a instalação de ambientes fomentadores da inovação por instituições privadas. Estas medidas têm o potencial de ampliar a criação de parques tecnológicos e de aceleradoras de empresas.
O decreto também redefiniu o papel e atribuições dos Núcleos de Inovação Tecnológica, tornando a profissionalização destes núcleos imprescindível. As novas normas trouxeram regras de governança para a transferência de tecnologia. Que devem fortalecer a interlocução entre o setor privado e a academia e os mecanismos de proteção à propriedade intelectual, a fim de incentivar a transformação dos ativos protegidos em inovações.
Outra importante medida estabelecida pela legislação foi a permissão das universidades e entidades públicas de participarem minoritariamente do capital de empresas formadas em suas incubadoras ou parques tecnológicos, podendo, assim, ser uma nova fonte de recursos para a inovação nas universidades.
Todas estas medidas se reforçam mutuamente, resultando em uma dinâmica cumulativa positiva, no sentido de ampliação e fortalecimento do sistema de inovação brasileiro e da capacidade inovativa de seus atores.
Contudo, conforme apontado pelo quadro pouco animador da inovação no Brasil, muito ainda precisa ser feito para que as empresas promovam inovações relevantes nas áreas mais avançadas tecnologicamente e contribuam para uma inserção mais virtuosa do país no sistema produtivo e comercial internacional.
Avanços mais significativos do Sistema Nacional de Inovação dependerão de um conjunto volumoso e coordenado de ações públicas para viabilizar ambientes macroeconômicos, institucionais e de negócios mais propícios à inovação.