A Ascensão das Cadeias
Globais de Valor. As empresas
continuam fragmentando cada vez mais seus
processos de produção e alocando
atividades produtivas em vários países
e regiões, formando cadeias globais
de valor (CGV) que literalmente transformam
a importância dos países no comércio
e produção internacional de
bens e serviços. Para se ter uma ideia,
de acordo com o um estudo do MIT (Massachusetts
Institute of Technology, Center for tansportation
and Logistics), entre um grupo de 300
empresas que faturavam mais de US$ 1 bilhão
em 2009, em média 51% da produção
de componentes, 46% da estocagem, 43% dos
serviços ao cliente, e 39% do desenvolvimento
dos produtos se davam fora do país
de origem da firma.
Na verdade, as CGV não são um
fenômeno novo e acompanham a globalização
desde o princípio; novas são
a maior velocidade e complexidade de suas
atividades, em termos geográficos,
setoriais e funcionais. Nesse processo, aumentam
os fluxos de Investimento Direto Estrangeiro
(IDE), novas regiões estão se
inserindo nos mercados internacionais e os
serviços (principalmente os relacionados
diretamente às indústrias de
transformação) estão
ganhando maior importância relativa
no comércio mundial.
A noção de cadeia global de
valor em geral está associada à
cadeia de fornecedores, e aos processos de
fragmentação, especialização
vertical, produção em multi-estágios,
subcontratação, realocação,
offshoring, comércio de tarefas.
Hoje se fala também na formação
de redes internacionais de produção
entre firmas, indústria e países.
“A mudança do foco de “cadeia”
que remete a algo sequencial, para “redes”
reflete a crescente complexidade das interações
entre produtores e fornecedores” (OCDE/
OMC, 2013a, p. 17).
Este processo, em geral, está associado
às mudanças no ambiente de negócios
e corporativo, bem como nos movimentos do
capital internacional. A realocação
esteve associada à queda nos custos
de comercialização e às
novas tecnologias de comunicação
e logística, bem como às disputas
geopolíticas durante a Guerra Fria
e após seu final, com a ascensão
de novas potências econômicas
– principalmente a China.
As pesquisas e avaliações das
empresas, universidades e instituições
multilaterais sobre as CGV em geral realizam
estudos de casos, comparando, por exemplo,
onde são feitos os estágios
de produção de um bem como o
iphone. Evidências no nível
agregado são difíceis de consolidar,
e até pouco tempo havia pouco dado
passível de comparação
relativo à importância das CGV
nas economias nacionais.
Somente em 2013, foi lançada a nova
base da OECD e da OMC sobre o valor adicionado
do comércio em cada país, que
ajuda muito a compreender a verdadeira procedência
de cada etapa das cadeias de valor. As informações
são extraídas basicamente a
partir do comércio de produtos e serviços
intermediários (especialmente de importação
apresentado nas matrizes insumos-produtos),
que correspondem a cerca de 56% e 73% do total
(Johson e Nogueira (2012) apud OCDE/ OMC (2013a)).
Na forma tradicional de mensuração,
os norte-americanos importaram em 2009 US$
1,9 bilhões da China. Contudo, quando
se observa a origem do valor adicionado dos
diferentes insumos e etapas de produção
associados a esse produto, contata-se que
somente uma reduzida parte (nem 4%) é
realmente originada na China. Na verdade,
pouco mais de um terço do valor
adicionado das importações dos
EUA de iphones “chineses”
é oriundo do Japão.

Podem-se distinguir dois indicadores importantes
sobre a participação dos países
nas CGV, conforme metodologia da OCDE/OMC.
O primeiro é a parcela de insumos estrangeiros
contidos nas exportações, um
indicador para traz da cadeia produtiva. O
outro é a parcela de insumos produzidos
em um país contidos nas exportações
dos outros países, por sua vez, um
indicador para frente da cadeia produtiva.
A soma dos dois fornece uma aproximação
do que seria um índice de participação
nas CGVs.
Em geral as economias menores possuem maiores
índices para trás, afinal dispõem
de menos condições de diversificar
a produção internamente a ponto
de depender pouco de importações.
Esse é o caso, por exemplo, de Luxemburgo,
República Eslováquia, Bélgica,
Singapura, Taipei. Grandes exportadores de
produtos minerais, como Austrália e
Brasil, tendem a ter menor conteúdo
estrangeiro nas suas exportações.
De outra forma, o indicador para frente tende
a ser maior em economias maiores, por terem
maior escala de exportações
– como EUA, Alemanha, China, Rússia.
Nesse sentido, os Estados Unidos apresentaram
em 2009 uma parcela de 15% de insumos estrangeiros
em suas exportações e 25% de
participação nas exportações
de outras economias, alcançando uma
participação nas CGVs de 40%,
- uma das menores entre os países da
OCDE. Algo semelhante ocorre com o Brasil,
que tem o índice para trás de
menos de 10% e o índice para frente
de cerca de 20%, somando uma participação
total de 30% - tal qual a Argentina.


A partir do documento da OCDE que analisa
o caso do Brasil, depreende-se que com relação
ao indicador para frente, ou seja, o valor
adicionado brasileiro nas exportações
dos outros países em 2009, o maior
mercado é os Estados Unidos, enquanto
na estatística de exportações
brutas é a China. Isto se deve ao fato
da China importar uma parcela maior de commodities
básicas que são internamente
processadas e re-exportadas para outros lugares,
inclusive os EUA.

A análise do índice pelo lado
das importações brasileiras
em termos de valor adicionado em 2009, evidencia
que a importância relativa dos EUA é
ainda maior do que nas importações
brutas. Isto porque o conteúdo doméstico
das exportações americanas é
alto comparativamente a outros países.
A China é, nos dois casos, a segunda
origem mais relevante, mas o índice
referente à Alemanha quase iguala o
daquele país quando se avalia as importações
em termos de valor adicionado por cada parceiro
comercial.

Em 2009, o superávit da balança
comercial brasileira foi de cerca de US$ 15
bilhões, sendo a China, de longe, o
maior saldo. Por outro lado, o déficit
mais significativo foi registrado com os EUA,
de pouco mais de US$ 10 bilhões. Ao
analisar o saldo em termos de valor adicionado,
os respectivos superávits e déficits
com China e EUA tornam-se mais brandos. O
motivo é o maior conteúdo doméstico
das exportações brasileiras
para esses países, e o menor conteúdo
doméstico daqueles nas importações
do Brasil.

De forma geral, confrontando o indicador para
trás de 1995 ao de 2009, o relatório
revela que o conteúdo estrangeiro das
exportações dos países
aumentou nos últimos anos, ainda que
em diferentes graus:
- Avanços bastante significativos se deram em: Luxemburgo, na Coréia, China, Vietnã, Turquia, Índia.
- Os poucos países em que o indicador para trás retraiu foram Hong Kong, Bélgica, Estônia, Bulgária, Itália, Canadá, Nova Zelândia, Reino Unido, Malásia.
- A participação do valor adicionado nas exportações brasileiras permaneceu estável no período. O Brasil registrou a segunda maior taxa de valor adicionado doméstico nas exportações entre o G20, de 91% em 2009 – um valor 15 pontos percentuais acima da média dos países da OCDE.
O estudo considera que o Brasil é um caso de economia grande com expressivos
recursos minerais, o que seria uma das principais
explicações para as exportações
brasileiras terem um valor adicionado doméstico
tão alto. Apesar do índice de
2009 ser praticamente o mesmo de 1995, é
preciso atentar para o fato de que houve transformações
importantes na pauta de exportações
brasileiras no sentido da maior parcela de
commodities em sua constituição.

Segundo o relatório, a fragmentação
da produção das CGVs varia conforme
as características técnicas
dos produtos, em geral, o valor adicionado
estrangeiro é maior nas indústrias
básicas que dependem de matérias-primas
e maquinário importados (como refino
de petróleo, químicos, metais
básicos, borracha e plásticos)
e nas indústrias de média-alta
tecnologia modularizadas (como equipamentos
elétricos, de comunicação,
de escritório/ contabilidade/ computadores,
bem como veículos automotores). Modularidade
é uma propriedade técnica de
um produto que descreve como diferentes componentes
de um produto interagem entre si. Esses múltiplos
componentes interagem no processo produtivo
através de padrões e códigos
que permitem às firmas dividir a cadeia
de valor em termos locacionais.

De acordo com o relatório sobre o Brasil,
o setor de equipamentos elétricos foi
o que apresentou maior conteúdo estrangeiro
nas exportações brasileiras,
15% em 2009 – o que é também
bastante abaixo da média 31% da OCDE,
contudo 3 p.p. superior ao dos EUA. Conforme
o gráfico mostra, comparando 1995 a
2009, as reduções mais importantes
no valor adicionado estrangeiro das exportações
brasileiras foram em têxteis e vestuário,
transporte e telecomunicações
e metais básicos. Por outro lado, o
aumento do valor adicionado doméstico
foi mais forte nas exportações
de máquinas, produtos agrícolas,
mineração, e equipamentos elétricos.

Os grupos de produtos que registraram a maior
parcela de bens intermediários importados
reexportados pelo Brasil foram: agricultura
(21%), mineração (20%), metais
básicos (19%), máquinas (18%),
alimentos (17%), químicos (16%). Ao
comparar esse indicador de 1995 a 2009, verifica-se
que os setores em que houve aumento da re-exportação
de bens intermediários foram agricultura,
alimentos, químicos, máquinas,
equipamentos elétricos, utilitários
e serviços empresariais. Isto significa
que o Brasil aumentou sua participação
nas cadeias globais de valor destes produtos.

Outro ponto interessante ressaltado pelo relatório
é o de que as economias podem também
estar mais posicionadas no início ou
no final da cadeia de valor (upstream
ou downstream). As primeiras produzem
matérias-primas, mas também
ativos de conhecimento utilizados para a produção
de bens, como pesquisa e desenvolvimento,
design, entre outros. Por sua vez, as economias
especializadas no final da cadeia se incumbem
da montagem dos produtos ou de atividades
como atendimento ao cliente. O tipo de especialização
está relacionado ao maior ou menor
grau de valor adicionado na cadeia, por exemplo,
conhecimento gera maior valor do que montagem.

A modularidade das CGVs, não obstante
os avanços das duas últimas
décadas, ainda está associada
a um caráter regional porque a proximidade
espacial confere vantagens de transporte e
rapidez de entrega (especialmente importante
nos processos de fornecimento e produção
do tipo just in time).
Assim, em média, nos países
da Europa, cerca de 70% do conteúdo
de valor adicionado estrangeiro das exportações
provém de outros países europeus.
No Canadá e México, aproximadamente
50% dos bens intermediários importados
contidos em suas exportações
provêm do NAFTA. O mesmo se observa
na Ásia, sendo que partes e componentes
avançados são principalmente
de origem sul-coreana e japonesa, então
exportados para países do ASEAN, como
China, Vietnã e Camboja para serem
transformados em bens finais. Já no
Brasil, a maior parte da procedência
do indicador para trás é europeia
e do NAFTA.

Os países da OCDE têm perdido
espaço nas exportações
globais em benefício de países
em desenvolvimento como os BRIICS (Brasil,
Rússia, Índia, Indonésia
e África do Sul). O Brasil mantem-se
abaixo de 2%, apesar de constar entre as 10
maiores economias do mundo, e o crescimento
nas exportações tem se dado
em função das commodities –
basicamente graças à demanda
da China e Índia.
A maior integração das economias
em desenvolvimento ao comércio mundial
tem levado também ao crescimento da
importância relativa do comércio
“Sul-Sul” (que nos anos noventa
correspondia a cerca de 10% e atualmente está
em 23%) e “Sul-Norte” (de algo
em torno de 40% para mais da metade do comércio
mundial), de acordo com o relatório.
Vale notar que 80% do comércio “Sul-Sul”
(apenas entre os países em desenvolvimento
e emergentes) se dá na Ásia,
o que mostra a forte integração
da região.

Especificamente na indústria de transformação,
a escalada da China no valor adicionado da
indústria de transformação
mundial é digna de nota. A América
Latina, excluindo México, ganhou uma
pequena parcela mundial em termos de valor
adicionado e emprego nos últimos anos,
correspondentes a 5% do total em ambos em
2009/2010.

No contexto das CGVs as Zonas de Processamento
de Exportações (ZPE) são
explicação importante na escalada
asiática no comércio e produção
mundial de bens. De acordo com o relatório,
um quinto das exportações de
economias em desenvolvimento e emergentes
mundiais provém das EPZs, sendo 70%
chinesas. Os países em que as ZPEs
têm maior importância nas exportações
totais (mais de 40% do total) são Aruba,
Rep. Dominicana, Albânia, Madagascar,
Honduras, Costa Rica, China, México,
El Salvador e Nicarágua. O Brasil possui
a Zona Franca de Manaus, que não tem
participação expressiva nas
exportações brasileiras.

Os resultados das ZPEs, contudo, têm
sido questionados no que concerne à
redução da heterogeneidade estrutural
dos países em desenvolvimento. Se de
um lado elas geram emprego e investimentos,
de outro, nada garante que os efeitos multiplicadores
da atividade industrial se espalhem pelo setor
não exportador. Ainda mais, é
questionável também a capacidade
de transbordamento tecnológico para
atividades mais intensivas em conhecimento,
sofisticando o conteúdo das exportações
e a matriz produtiva do país. Aliás,
não basta sofisticar, a classificação
dos grupos de produtos por intensidade tecnológica
também trasveste diferenças
importantes. De forma geral, as comercializações
que mais adicionam valor agregado são
as de maior tecnologia e as de preço
mais elevados.
Neste sentido, examinando a estrutura de preços
das exportações por conteúdo
tecnológico, percebe-se que os países
desenvolvidos se concentram em produtos de
preços mais elevados e os BRIICS em
produtos de preços médios. Vale
destacar que nas exportações
de alta tecnologia, o Brasil é o que
possui maior participação dos
produtos de preços altos entre os BRIICS,
o que está associado à indústria
aeronáutica.

AS CGVs e o Investimento. O
investimento é um dos “building
blocks” mais relevantes das cadeias
globais de valor, conforme afirma o relatório
da OCDE/OMC. As empresas e os governos participam
de investimentos nas CGVs, o que requer e
está relacionado também com
as políticas públicas de atração
de investimentos adotadas pelos países.
Segundo o relatório, o estoque de IDE
das empresas multinacionais em 2011 excedeu
US$ 22 trilhões, enquanto o comércio
internacional somou pouco mais de US$ 18 trilhões.
Nos últimos vinte anos, o IDE cresceu
mais rapidamente do que o PIB e o comércio
mundiais, de forma que em 1990 a parcela dos
IDE e do comércio sobre o PIB era 10%
e 15% respectivamente. Em 2011, essas relações
se elevaram para 31% e 26%.

Os BRIICs também têm atraído
cada vez mais IDE das economias desenvolvidas,
e têm se tornado também origem
dos fluxos de investimento. Assim, o IDE chinês
cresceu nove vezes desde os anos 2000, e o
indiano sete. Entre 2003 e 2009, o Brasil
recebeu mais de 15 bilhões de dólares
da Europa, tanto quanto a China e a Rússia
receberam da mesma origem. OS EUA e o Japão
destinaram US$ 5 bilhões para o Brasil
nesse período, o mesmo montante que
enviaram para Índia e Rússia
(no caso dos EUA).

Distinguem-se dois tipos fundamentais de investimento
nas CGVs: o horizontal e o vertical. No primeiro,
a empresa multinacional estabelece em outro
país uma filial com funções
de negócio similares à matriz.
Esse procedimento é muito comum nas
multinacionais de serviços, por exemplo,
em empresas varejistas – afinal é
necessário ter fortes conexões
locais para atuar nesse mercado. Já
no caso da indústria de transformação
essa necessidade nem sempre é tão
vigorosa, geralmente está associada
ao interesse no mercado doméstico (e
não somente na produção
para exportação) e/ ou à
qualidades técnicas dos produtos –
como no exemplo das indústrias extrativas.
Já o investimento vertical se refere
à internalização de estágios,
atividades ou tarefas da CGV da firma. Trata-se
da principal forma de comércio intra-firma,
podendo representar parte da CGV ou toda a
sua extensão, conforme as decisões
internas da empresa. Ambos os tipos de investimento
são bastante correlacionados ao perfil
da CGV, mas as políticas de atração
e fatores de competitividades também
influenciam sua alocação.
Algumas das principais tendências nos
investimentos associados às CGVs são
as fusões e aquisições
e também a atuação em
esfera global de empresas públicas,
principalmente em setores relacionados à
energia. É certo que a crise afetou
bastante o crescimento desta tendência,
determinando forte recuo nos investimentos
externos em fusões e aquisições
em 2009, com leve retomada, e nova baixa em
2012. Já no caso da participação
das empresas públicas, que passaram
a ser 19% das 500 maiores empresas do mundo
de acordo com o índice da Revista Fortune
em 2011 (tendo sido apenas 7% em 2000), a
grande ascensão está relacionada
à escalada das empresas estatais chinesas,
que constituem um terço do total. Ainda
segundo o relatório, as Empresas Estatais
em 2012 foram responsáveis por cerca
de 10% das fusões e aquisições
internacionais.
A tendência da maior participação
das empresas estatais nos investimentos internacionais
afetou o Brasil de forma particular, pois
em 2012 foi o segundo maior destino das fusões
e aquisições lideradas por essas
empresas – que representaram 21% do
total investido no país dessa forma.

Contudo, nos países em desenvolvimento
a integração às CGVs
tem se dado em parte através de atividades
de baixo valor adicionado, associada a atividades
trabalho-intensiva se o país tem baixo
custo de mão-de-obra ou à exploração
de recursos naturais. Por isso as considerações
de política se preocupam em subir na
cadeia de valor e não se confinarem
à especializações que
não dinamizam o crescimento da economia
doméstica com distribuição
de renda.

Referências bibliográficas
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benefiting from global value chains.
Preliminary Version. Disponível em,
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http://www.keepeek.com/Digital-Asset-Management/
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OCDE/OMC (2013b) Trade In Value Added
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Disponível em, ultimo acesso em 07/06/2013:
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OCDE/OMC (2013c) Trade In Value Added
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