Estado, Inovação
Tecnológica e Crescimento Econômico.
Tornou-se senso comum, nas últimas
décadas, caracterizar o Estado como
burocrático, inerte e ineficiente.
Suas intervenções no sistema
econômico seriam responsáveis
por bloquear o livre mercado, inibindo o espírito
empreendedor dos empresários e a introdução
de inovações tecnológicas
e comprometendo, assim, o crescimento econômico.
Visto como inimigo dos empresários,
o Estado deveria, então, abrir mão
de qualquer iniciativa condutora do desenvolvimento
econômico. Segundo Mariana Mazzucato,
essa visão, tão difundida na
imprensa especializada, é fruto simplesmente
de ideologia, não encontrando evidências
empíricas que a comprovem. Em seu livro
“The Entrepreneurial State: debunking
public vs. private sector myths”,
Mazzucato analisa a trajetória de desenvolvimento
de importantes inovações tecnológicas,
ressaltando o papel fundamental do apoio estatal.
Dessa forma, a autora dá uma contribuição
não apenas à teoria econômica
sobre a inovação, mas também
oferece um contraponto a essa ideologia anti-Estado.
Mesmo a teoria econômica convencional,
ao reconhecer a existência de falhas
de mercado, admite que o Estado tem um papel
importante a desempenhar. Mercados imperfeitos
são vistos como exceção
e suas falhas podem surgir por diferentes
razões: a baixa disposição
de empresas investirem em determinadas áreas
(como em pesquisa básica) devido à
impossibilidade de se apropriarem da integralidade
dos retornos (externalidades positivas), a
não contabilização da
poluição como custo de produção
na precificação dos produtos
das empresas privadas (externalidades negativas)
ou o fato de que os riscos de certos investimentos
são excessivamente elevados para que
alguma empresa os suporte sozinha (mercados
incompletos). Diante dessas situações,
espera-se que o Estado assuma funções
tais como financiar pesquisa básica,
cobrar impostos adicionais de empresas poluidoras
e financiar projetos de infraestrutura.
As intervenções estatais ganham,
ainda, um papel estabilizador na matriz teórica
keynesiana. A natureza instável do
sistema capitalista, derivada especialmente
da precariedade das avaliações
dos empresários a respeito de suas
decisões de investir, exige intervenções
do Estado, cujos gastos são capazes
de compensar as oscilações do
dispêndio privado, de forma a estabilizar
a demanda agregada e evitar crises econômicas.
Como a análise se desenvolve a partir
de uma perspectiva macroeconômica, o
tipo de gasto público é deixado
para segundo plano, daí a defesa de
que em períodos de crise o Estado deveria
ampliar seus gastos nem se fosse para abrir
buracos em via pública para fechá-los
em seguida.
Economistas formados na tradição
schumpeteriana, por sua vez, defendem que
os gastos públicos devem privilegiar
áreas que ampliem a capacidade de inovação
do país, tais como investimentos em
pesquisa e desenvolvimento (P&D) e infraestrutura,
educação e treinamento da força
de trabalho e apoio direto e indireto a tecnologias
e empresas específicas. As contribuições
de Keynes e Schumpeter, se combinadas, são
capazes, então, de conferir ao Estado
um papel muito mais importante ao desenvolvimento
econômico do que a abordagem das falhas
de mercado; não apenas estabilizando
as flutuações econômicas
de curto prazo – de maneira a evitar
o aprofundamento de crises e a elevação
do desemprego – mas também favorecendo
uma trajetória de crescimento de longo
prazo.
O problema, segundo Mazzucato, é que
frequentemente essas contribuições
aparecem dissociadas, dificultando uma abordagem
analítica que contemple o curto e o
longo prazo e a integração dos
níveis micro e macroeconômico
da análise. Para que isso seja feito
é necessário compreender o papel
do Estado no processo de inovação
tecnológica e a relação
dela com o crescimento econômico.
A identificação dos fatores
que condicionam o crescimento econômico
continua incitando acalorados debates entre
economistas; porém, desde a “teoria
de crescimento” de Robert Solow (1956)
reforçou-se a ideia de que mudanças
tecnológicas encontram-se no centro
da explicação do crescimento.
Segundo esse modelo, as quantidades de capital
e trabalho aplicados à produção
explicam muito pouco o crescimento econômico.
O fator principal, então, recai sobre
o crescimento da produtividade desses fatores
decorrente de mudanças tecnológicas
(resíduo de Solow), que, no caso dos
EUA, explicava cerca de 90% das variações
do produto nacional.
Porque não buscou explicar as origens
das mudanças tecnológicas, o
modelo de Solow deu início a uma série
de modelos que compõem a teoria do
crescimento exógeno. A incorporação
da tecnologia aos modelos econômicos
ocorreu posteriormente, como resultado de
investimentos em P&D e em formação
de capital humano, dando origem aos modelos
de crescimento endógeno2.
Esses modelos não estabelecem, entretanto,
uma função explícita
para os investimentos públicos. As
novas tecnologias seriam, nesse caso, produzidas
no interior das empresas e não pela
interação de diferentes agentes
em um determinado ambiente institucional.
Todavia, a ênfase sobre a importância
do progresso tecnológico para o crescimento
econômico levou os governos a concentrarem
esforços para impulsionar investimentos
em tecnologia e em capital humano, dando origem
a políticas innovation-led growth.
A compreensão do papel estatal na inovação
é mais bem abordada pela teoria evolucionista,
que decorre da tradição schumpeteriana,
em oposição aos esquemas teóricos
baseados em funções de produção,
como os modelos de crescimento exógeno
e endógeno. Os evolucionistas buscam
nas competências e rotinas internas
às empresas as condições
para o surgimento de inovações,
afetando a concorrência e o crescimento
econômico. Ao invés de empresas
“representativas”, os mercados
são formados por empresas com competências
e culturas internas diferentes e, por isso,
capazes de criar inovações específicas
que lhes propiciam retornos de escala crescentes
(devido a dinâmicas do tipo learning-by-doing
ou path-dependence). Desse ponto
de vista, a concorrência não
homogeneíza as empresas. Tampouco garante
a sobrevivência da mais apta, seja porque
existem retornos crescentes (que conferem
vantagens às “first-movers”),
seja porque políticas governamentais
podem favorecer certos tipos de empresas.
O mais importante na opinião de Mazzucato,
é que a abordagem evolucionista vê
a inovação, sujeita a elevada
incerteza, como produto de especificidades
das empresas que, por sua vez, estão
imersas no processo concorrencial, gerando
“sistemas de inovação”.
Sistemas de inovação são
definidos como “a rede de instituições
nos setores público e privado cujas
atividades e interações iniciam,
importam, modificam e difundem novas tecnologias”
ou “os elementos e relações
que interagem na produção, difusão
e uso de novos, e economicamente úteis,
conhecimentos”. Desse ponto de vista,
a ênfase não está, por
exemplo, sobre o volume de investimentos em
P&D, mas na circulação de
conhecimentos e na sua difusão para
o conjunto da economia. As competências
necessárias para a geração
de inovação são parte
da atividade coletiva, ocorrendo por meio
de uma rede de agentes e de suas relações.
O papel do Estado nos sistemas nacionais de
inovação não se resume,
então, à criação
de conhecimento a partir da pesquisa básica,
realizada em laboratórios e universidades
(o que compensaria uma falha de mercado),
mas também compreende mobilizar recursos
que permitam que conhecimentos e inovações
se difundam amplamente entre os setores da
economia. Isso é feito por meio do
estreitamento de laços entre redes
de inovação já existentes
ou por meio do auxílio ao desenvolvimento
de novas redes, associando diferentes tipos
de participantes (empresas de diversos setores,
universidades, laboratórios públicos
e privados, etc).
De acordo com Mazzucato, esse papel facilitador
da inovação, conferido ao Estado
pela abordagem dos sistemas de inovação,
não é, contudo, suficiente para
compreender a importância que os investimentos
públicos tiveram para o desenvolvimento
das principais inovações tecnológicas3
ao longo da história. É preciso
levar em conta a liderança do Estado
no processo de desenvolvimento industrial
(Developmental State), desenvolvendo
estratégias para o avanço tecnológico
em áreas prioritárias. Vasta
literatura reconhece a importância das
intervenções estatais na trajetória
de catch up tecnológico em
inúmeras economias, fazendo referência
especialmente aos países do Leste Asiático,
bem como ao Japão.
As evidências de sucesso de estratégias
de desenvolvimento lideradas pelo Estado levam
a considerar uma função mais
ativa e central das intervenções
estatais no processo de inovação.
Mudanças tecnológicas estão
envoltas em incerteza4 radical.
Investimentos em P&D que contribuem para
mudanças tecnológicas não
apenas levam vários anos para materializarem
novos produtos, como a maior parte dos produtos
desenvolvidos não é capaz de
se viabilizar comercialmente, fazendo com
que os retornos de tais investimentos sejam
fortemente incertos. O sucesso de uma inovação
está, assim, baseado em estratégias
de longo prazo e na orientação
dos investimentos. A reconstituição
das trajetórias das principais inovações
tecnológicas recentes, como a Internet,
nanotecnologia e biotecnologia, mostram que
o Estado tem mais condições
de enfrentar o ambiente de incertezas radicais,
investindo nos estágios iniciais do
desenvolvimento de novas tecnologias. Por
essa razão, Mazzucato confere ao Estado
um papel empreendedor5.
O Estado empreendedor não se limita
a investir em pesquisa básica, relegada
por empresas privadas devido à dificuldade
de maximizar o lucro privado dessas atividades,
nem a assumir riscos indesejados por outros
agentes envolvidos na inovação,
que capturam os retornos gerados. O Estado
empreendedor de Mazzucato tem a capacidade
de visionar novos produtos e novas tecnologias
necessários para o cumprimento de “missões”
previamente estabelecidas. De fato, mais de
60% dos investimentos públicos em P&D,
nos EUA, Coreia do Sul, França, Canadá,
Japão e Alemanha, constituem investimentos
“mission-oriented”, isto
é, projetos ou agências financiadas
com o propósito de cumprir determinadas
metas em áreas como agricultura, defesa,
energia, saúde ou tecnologia industrial.
Dessa maneira o Estado influencia a criação
de produtos e de mercados a eles correlacionados.
A concepção de Estado empreendedor
de Mazzucato aproxima-se da tese de Polanyi
(1944), negando a dicotomia Estado versus
mercado. O não reconhecimento do empreendedorismo
estatal levou à constituição
de mitos em relação ao processo
de inovação tecnológica
que vêm pautando as políticas
de inovação de muitos países,
o que explica, em parte, sua baixa eficácia
em vários casos6.
Mito 1: Existe uma relação
direta entre investimentos em P&D e inovação
A abordagem dos sistemas de inovação
rejeita enfaticamente a existência de
processo linear de inovação
que se desenvolve da pesquisa básica,
passando por investimentos em larga escala
em P&D e em aplicações práticas,
até chegar à difusão
da inovação. Ao contrário,
o processo de inovação é
caracterizado por inúmeras idas e vindas
entre os avanços da tecnologia, realizados
nos laboratórios, e a viabilidade comercial
dos produtos nos mercados, entre a agenda
de pesquisa aplicada e os avanços da
ciência. Em outros termos, as vias são
sempre de mão dupla entre P&D e
mercado e entre pesquisa aplicada e pesquisa
básica. Assim, os papéis na
inovação desempenhados pela
educação, treinamento, design,
controle de qualidade e demanda efetiva são
tão importantes quanto os investimentos
em P&D.
Ademais, existem muito poucos estudos empíricos
que mostram a importância dos investimentos
em P&D para o desempenho de crescimento
das empresas. Isto é, existem poucas
evidências empíricas que microfundamentam
os modelos macroeconômicos que relacionam
inovação e crescimento econômico.
Enquanto alguns estudos mostram um impacto
positivo da P&D no desempenho das empresas,
alguns não encontram nenhuma relação
significativa e outros, uma relação
negativa. A relação negativa
entre investimentos em P&D e desempenho
das empresas não deve ser vista com
surpresa, defende Mazzucato, uma vez que,
na ausência de ativos complementares,
P&D torna-se apenas um componente de custo.
Apesar disso, a atenção da política
de inovação da maior parte dos
países continua fortemente concentrada
nos gastos em P&D no nível das
empresas, dos setores e do país. O
problema é que ao focar esse indicador,
a política de inovação
relega a segundo plano o que é mais
importante: a existência de ativos complementares
(infraestrutura e recursos de marketing,
por exemplo) no nível das empresas,
que fazem com que os investimentos em P&D
levem a inovações tecnológicas
que atinjam o mercado. O fundamental é
identificar as condições específicas
de cada empresa que devem estar presentes
para permitir que os investimentos em P&D
afetem positivamente o crescimento econômico.
Tais condições, dificilmente
serão as mesmas para todos os setores
econômicos. No caso da indústria
farmacêutica, por exemplo, Mazzucato
concluiu que apenas aquelas empresas que registram
patentes ao longo de 5 anos consecutivos e
que estabelecem alianças com outras
empresas são capazes de obter expansão
a partir de seus investimentos em P&D.
É verdade, entretanto, que muitos países
com baixo desempenho econômico nos últimos
anos, como os da Europa meridional, também
apresentam baixos gastos com P&D em relação
ao PIB. Mas esse quociente pode variar amplamente
de país para país em função
dos setores em que são especializados.
Setores tais como serviços financeiros,
construção e mídias (em
que o Reino Unido se especializou) exigem
baixos investimentos em pesquisa básica,
enquanto setores de serviços são
capazes de empregar trabalhadores altamente
qualificados, capazes de gerar, absorver e
analisar grande conjunto de informações,
praticamente sem despender recursos em P&D.
Dito de outra forma, baixa relação
P&D/PIB não implica o comprometimento
do crescimento econômico, dependendo
da composição setorial da economia.
Mito 2: Pequenas empresas são inovadoras
As evidências mais robustas indicam
que para o desempenho do conjunto da economia
(quanto à inovação, emprego,
dinamismo, etc) a contribuição
de empresas jovem e de crescimento acelerado
é mais importante do que aquela de
pequenas empresas, contrariando argumento
amplamente aceito atualmente pelos governos.
Enquanto muitas empresas de crescimento acelerado
são pequenas, não é verdade
que todas as empresas pequenas cresçam
rapidamente. No que diz respeito à
geração de empregos, estudos
não encontram uma relação
sistemática entre tamanho da empresa
e crescimento da geração de
emprego. A maior parte do efeito é
decorrente da idade das empresas: as jovens
(e business start-ups) contribuem
substancialmente para a criação
bruta e líquida de empregos.
O foco do suporte público deveria,
então, ser a produtividade e não
o tamanho das empresas. As pequenas empresas
são menos produtivas devido à
gestão não profissionalizada
que as caracteriza na maior parte dos casos,
bem como ao emprego de trabalhadores menos
qualificados, salários médios
mais baixos, pouco treinamento e elevada probabilidade
de falência. Chang-Tai Hsieh e Peter
Klenow, por sua vez, sugerem que entre 40%
e 60% do diferencial da produtividade total
dos fatores entre os EUA e a Índia
devem-se à má alocação
de recursos provocada pela política
de favorecimento de pequenas e pouco produtivas
empresas pelo governo indiano.
A implicação para a política
econômica, segundo Mazzucato, é
que ao invés de transferir recursos
ao conjunto de pequenas empresas, sob a forma
de isenções ou subsídios
fiscais e de empréstimos subsidiados,
na esperança de que elas cresçam,
gerando empregos e inovações,
seria mais eficaz firmar contratos com empresas
jovens que já tenham demonstrado ambição
de se expandir. Em um período de constantes
restrições ao orçamento
público, uma postura mais assertiva
do Estado diante de algumas empresas seria
mais eficiente do que a distribuição
de recursos ao conjunto de pequenas empresas.
Mito 3. Venture Capital é propenso
ao risco
Venture capital é um tipo
de private equity especializado em
investimentos nas primeiras etapas de existência
de empresas de alto potencial de crescimento.
O financiamento tenderia a vir como seed
funding (financiamento do estágio
embrionário da empresa) ou mesmo em
estágios posteriores de crescimento
da empresa, sendo que o objetivo do fundo
de venture capital seria obter um
retorno elevado com a abertura de capital
da empresa (IPO), sua venda ou fusão
com outra empresa. Esse tipo de financiamento
seria importante para empresas baseadas em
novos conhecimentos que tentam entrar em setores
já existentes ou formar um novo, uma
vez que, devidos aos riscos envolvidos em
seus negócios, encontram baixa disposição
de financiamento dos canais tradicionais,
como os bancos.
O capital de risco é, entretanto, escasso
no estágio embrionário (seed
stage) da firma inovadora, pois os riscos
são excessivos, decorrentes da completa
incerteza em relação ao potencial
da nova ideia e das condições
tecnológicas e de demanda. A presença
do venture capital torna-se, então,
mais importante no estágio de processo
de inovação-invenção
(segundo e terceiro estágios da tabela).
Esse estágio, que compreende a transição
entre a nova descoberta científica
ou de engenharia e o desenvolvimento de sua
aplicação comercial, é
frequentemente marcado por falências
(valley of death), justamente porque
o percurso da inovação não
é linear.

Cabe ao Estado, então, prover financiamento
às empresas em seus estágios
iniciais, assumindo uma postura muito mais
propensa ao risco do que o venture capital.
Mazzucato mostra que, no caso dos EUA, os
recursos públicos fluem por meio de
programas de agências específicas,
como a Small Business Innovation Research
(SBIR) e o Advanced Technology Program (ATP)
do US Department of Commerce, representando
entre 20% e 25% do total do financiamento
das empresas de tecnologia em seus primeiros
estágios – participação
equivalente àquela dos business
angels e de 2 a 8 vezes maior que a do
venture capital. Além disso,
as políticas estatais também
são essenciais nos estágios
de viabilização comercial dos
produtos criados por novas tecnologias, reduzindo
a probabilidade de falência das empresas.
O financiamento provido pelo venture capital
concentra-se, então, em áreas
com elevado potencial de crescimento, baixa
complexidade tecnológica e pouco intensivas
em capital. Apesar de os fundos de venture
capital serem estruturados para existir
por 10 anos, verificam-se prazos muito menores
devido às taxas de administração
e aos bônus auferidos ao se atingir
elevada taxa de retorno. A saída antecipada
de alguns investimentos tem o objetivo de
privilegiar a trajetória tecnológica
que tem se mostrado mais rentável.
Esse comportamento dá ao venture
capital um viés em direção
a projetos cuja viabilidade comercial está
projetada para um período de 3 a 5
anos. Ainda que isso seja possível
(como no caso do Google), não é
o que frequentemente ocorre, a exemplo da
biotecnologia. A presença do venture
capital no desenvolvimento da biotecnologia
tem levado a uma progressiva (e excessiva)
comercialização da ciência
(patentes), gerando alguns poucos produtos
que não estão inseridos em uma
linha geral de desenvolvimento, prejudicando,
assim a obtenção de resultados
de longo prazo. Aberturas de capital, fusões
e aquisições de empresas do
setor têm deslocado equipes de pesquisa,
comprometendo a continuidade das descobertas.
Assim como os investimentos em P&D, o
papel do venture capital aparece,
então, superestimado no debate público,
bem como nas diretrizes de políticas
de inovação dos países.
Longe de considerá-lo inútil,
Mazzucato defende que é importante,
contudo, ter consciência de suas limitações.
Mito 4. O número de patentes indica
o ritmo da inovação
É comum avaliar o desempenho inovador
de uma empresa, setor ou economia nacional
a partir do número de patentes registradas.
Quanto mais patentes, mais inovador. Entretanto,
existe um conjunto de outros fatores que explica
o aumento recente de registros de patentes,
associados a mudanças de legislação
e de estratégias setoriais.
No caso do setor de tecnologias de informação
e de comunicação, o desenvolvimento
de tecnologias feito integralmente no interior
de uma empresa perde espaço para um
mercado de tecnologias, por meio do qual uma
empresa pode ter acesso a um avanço
tecnológico produzido por outra empresa.
A constituição desse mercado
obrigou o patenteamento das etapas intermediárias
das tecnologias desenvolvidas. É por
isso que a IBM apresentou elevação
do número de patentes registradas,
ainda que seu orçamento de P&D
tenha se reduzido.
Ademais, os tipos de invenções
que podem ser patenteadas também foram
ampliados, passando a incluir ferramentas
de pesquisa (e não apenas produtos
finais e processos), descobertas (em oposição
a invenções) de objetos de estudo
já existentes (tais como genes) e resultados
de pesquisas financiadas com recursos públicos.
Mazzucato lembra que nos EUA, o Bayh-Dole
Act de 1980 autorizou o patenteamento de descobertas
viabilizadas com financiamento público,
que de outra forma permaneceriam em domínio
público, fazendo com que as patentes
dos setores farmacêutico e de biotecnologia
crescessem expressivamente.
Deve-se ainda ter em mente que, diante dessa
ampliação do que se pode patentear,
muitos dos registros de patente não
configuram uma inovação de fato.
O caso da indústria farmacêutica
é exemplar, ao aumentar seu portfólio
de produtos promovendo pequenas variações
de remédios já existentes (“me
too” drugs). Por essa razão,
dos 1.072 medicamentos aprovados pela Food
and Drugs Administration (FDA), entre 1993
e 2004, apenas 357 (33,3%) consistiam em novos
princípios ativos.
A possibilidade de patentear ferramentas de
pesquisa tem ainda um efeito contraproducente
sobre o ritmo de inovação, pois
bloqueia a possibilidade de a ciência
avançar de forma livre, prejudicando
especialmente os países emergentes.
Mito 5: O problema europeu é comercialização
Argumenta-se, frequentemente, que a principal
desvantagem em inovação da Europa,
em comparação com os EUA, é
sua falta de capacidade para viabilizar comercialmente
suas inovações, o que remeteria
a problemas com a transferência de conhecimento.
Na visão de Mazzucato, os problemas
europeus não decorrem do baixo fluxo
de conhecimento proveniente de pesquisa, mas
do pequeno estoque de conhecimento das empresas
europeias, o que se expressa em menores investimentos
em P&D (públicos e privados) em
porcentagem do PIB. Enquanto os EUA gastam
cerca de 2,6% do PIB em P&D, o Reino Unido
chega a apenas 1,3%. O caso de alguns países
da Europa meridional (Itália, Grécia
e Portugal) é ainda pior: cerca de
0,5% do PIB.
Assim, para a autora, se os EUA são
melhores em inovação, não
é devido a melhores relações
entre universidades e empresas nem porque
as universidades americanas produzem mais
spinouts, mas simplesmente porque
pesquisas são feitas em um maior número
de instituições, o que gera
melhores habilidades técnicas da força
de trabalho. Ademais, o financiamento à
inovação nos EUA atende às
pesquisas nas Universidades e as empresas
em estágio inicial de desenvolvimento
tecnológico. Ao encarregar as universidades
europeias de também realizar o desenvolvimento
tecnológico, que nos EUA é realizado
por empresas, corre-se o risco de gerar tecnologias
inadequadas ao mercado.
Assim, ainda que a qualidade da pesquisa na
Europa e nos EUA seja equivalente, que a colaboração
entre universidades e empresas seja inclusive
maior em alguns países europeus (Reino
Unido) e que as universidades europeias deem
origem a empresas mais frequentemente que
suas congêneres americanas, as empresas
do velho continente carecem de habilidade
para inovar. Isso faz com que a política
de inovação europeia tenha sua
eficácia reduzida. De forma semelhante,
Dosi et al. (2006) argumentam que
os problemas europeus do domínio da
inovação não tem origem
na falta de avanço científico
ou de interações entre educação
e indústria, mas devido à presença
de um fraco sistema de pesquisa cientifica
e de empresas mais frágeis e menos
inovadoras.
As implicações para a política
de inovação europeia são
a menor ênfase na criação
de redes (networking) e mais medidas
que definam melhor os papéis a serem
desempenhados, isto é, uma melhor divisão
do trabalho entre universidades, cujo foco
deve ser pesquisas de ponta, e empresas, cujo
papel é promover o desenvolvimento
tecnológico.
Mito 6. Os investimentos privados exigem
menos impostos e menos burocracia
A despeito do senso comum, não existe
nenhuma evidência de que subsídios
às atividades de P&D das empresas
sejam acompanhados de elevação
de seus investimentos na área. Ao contrário,
pesquisas qualitativas sugerem que a concessão
de créditos tributários a pequenas
ou grandes empresas para incentivar seus investimentos
em P&D não tem maior eficácia
do uma simples doação de recursos
para empresas que já façam esses
investimentos.
Recentemente, a Holanda introduziu crédito
tributário aos gastos em P&D não
associados aos retornos obtidos, mas sim ao
número de trabalhadores empregados
nessas atividades, o que tem mostrado uma
eficácia superior.
Diante de gestores públicos conscientes
do papel empreendedor do Estado, Mazzucato
afirma que esses recursos dispendidos como
créditos tributários à
P&D seriam mais bem gastos diretamente
com o comissionamento do desenvolvimento de
certa tecnologia a algumas empresas capazes
de assumir essa responsabilidade. Apesar das
pressões das categorias empresariais
no sentido de obter isenções
fiscais, verifica-se, na prática, que
elas tendem a realizar investimentos em países
cujos governos preferem atuar de forma a reduzir
as incertezas em relação às
possibilidades futuras de crescimento, em
detrimento de áreas com regulamentação
flexível e intervenções
estatais quase que exclusivamente por meio
de subsídios7.
De fato, como já havia enfatizado Keynes,
o investimento privado (em especial em inovação)
é função do “animal
spirit” dos empresários,
isto é, de sua confiança em
relação às perspectivas
futuras de crescimento de seus mercados e
da economia como um todo, o que não
é amplamente influenciado pela tributação,
mas sim pelo fortalecimento da ciência
de base do país, seu sistema de crédito,
qualidade da educação e do capital
humano. Não é à toa que
os cortes de impostos nos anos 1980 não
implicaram a elevação dos investimentos
em inovação. Diante disso, a
concessão de subsídios gera
apenas transferência de recursos para
as empresas beneficiadas, ampliando a desigualdade
de distribuição de renda.
Em síntese, Mazzucato argumenta que
enquanto o volume de inovação
tecnológica é essencial para
o crescimento econômico, não
existe uma relação linear entre
investimentos em P&D, o tamanho das empresas
ou o número de patentes e o nível
de inovação de uma economia.
O que parece claro, entretanto, para que ocorra
inovação é a existência
de uma economia em rede, bastante integrada
e com contínuos feedback loops
entre seus diferentes integrantes, de maneira
a possibilitar o compartilhamento de conhecimentos
e o avanço de sua fronteira.
O Estado Empreendedor Americano.
Ainda que o ritmo de crescimento
da economia americana seja frequentemente
associado à maior liberdade da iniciativa
privada, a verdade é que o Estado tem
se comprometido massivamente com a redução
de incertezas, assumindo riscos empresariais
para induzir a inovação. O caso
dos EUA fornece, então, um importante
exemplo de atuação do empreendedorismo
estatal, indicando que a simples existência
do sistema nacional de inovação
não é suficiente para explicar
a trajetória da economia americana.
O Estado configura-se como o principal player
desse sistema, não apenas fornecendo
subsídios de longo prazo a determinadas
empresas (escolhendo campeões nacionais),
mas funcionando como o principal gerador e
disseminador de conhecimentos. Mazzucato mostra
que, por meio de várias agências
e laboratórios públicos, o Estado
americano faz uso de encomendas e compras
governamentais bem como de seu poder regulatório
para moldar mercados e dirigir o avanço
tecnológico.
DARPA – Defense Advanced Research
Projects Agency
Criada pelo Pentágono, em 1958, a DARPA
consistia na resposta americana ao avanço
técnico-militar da União Soviética,
que havia posto em órbita o primeiro
satélite do programa Sputnik, em 1957.
A partir de então, parte dos gastos
militares dos EUA em P&D passaram a ser
canalizados para agendas de pesquisa de base
(blue-sky thinking), cujas ideias
desenvolvidas poderiam não produzir
nenhum resultado por dez ou vinte anos sem
pôr em risco o apoio estatal. Como consequência,
a DARPA estava livre para focar esforços
no desenvolvimento de avançadas tecnologias
inovadoras por meio de novas estratégias.
A DARPA materializou as recomendações
do Relatório Vannevar Bush de 1945,
que defendiam o apoio estatal tanto para a
pesquisa básica como para a pesquisa
aplicada, e institucionalizou a aprendizagem
obtida com o Manhattan Project, que integrou
cientistas, militares e policymakers
dando origem à bomba atômica.
Desse momento em diante, o governo federal
assumiu a responsabilidade de compreender
quais tecnologias poderiam atender aos seus
propósitos militares bem como gerar
aplicações comerciais. A DARPA
tornou-se, então, a ponte entre a pesquisa
acadêmica stricto sensu, que
trabalha com horizontes de longo prazo, e
o desenvolvimento tecnológico mais
incremental.
Além de seu orçamento expressivo,
atualmente da ordem de US$ 3 bilhões
anuais, isso só foi possível
graças a seu modelo de atuação,
baseado em quatro características principais:
1. Reúne um conjunto
de pequenos escritórios, geralmente
dirigidos por cientistas e engenheiros de
alta qualificação, dotados de
considerável autonomia orçamentária
para apoiar ideias promissoras. Esses escritórios
são proativos e não reativos
no que diz respeito à constituição
de uma agenda de pesquisa. Seu objetivo é
criar uma comunidade científica presente
em universidades, empresas privadas e setor
público que foque os desafios de desenvolvimento
de determinada tecnologia.
2. Os financiamentos são
concedidos a diferentes grupos de pesquisadores
de Universidades, a empresas já consolidadas
ou a start-ups e a consórcios
setoriais. Não há linha divisória
entre pesquisa aplicada e pesquisa básica
e os escritórios da DARPA estão
autorizados a cortar o financiamento daqueles
grupos que não tem conseguido fazer
progressos.
3. À medida que tem
como objetivo produzir tecnologias com uso
prático, a agência tem mandato
para apoiar as empresas a levar ao mercado
seus produtos inovadores. O suporte da DARPA
estende-se, então, do financiamento
à pesquisa à comercialização
dos produtos dela resultantes.
4. A DARPA usa seu papel
de supervisão dos projetos para criar
sinergias entre eles, associando ideias, pessoas
e linhas de pesquisa.
O desenvolvimento dos computadores pessoais,
por exemplo, deve muito aos esforços
da DARPA ao longo dos anos 1960 e 1970. Por
meio de seu Information Preccessing Techniques
Office, a DARPA financiou start-ups,
contribuiu para a pesquisa de semicondutores
e da interface homem-computador. Ademais,
a agência também orientou o início
da criação da internet. O papel
proativo de sua rede de escritórios
permitiu acelerar o processo o desenvolvimento
de computadores pessoais, não apenas
estreitando os laços dos grupos por
eles financiados, mas também buscando
novos pesquisadores cuja linha de atuação
pudesse promover avanços. Em relação
à fabricação de chips
de computadores, a DARPA assumiu os custos
da obtenção de um design
de um protótipo, financiando um laboratório
filiado à University of Southern California.
Qualquer um que possuísse um design
superior para um novo microchip poderia
ter acesso aos chips fabricados por
esse laboratório, expandindo, assim,
o conjunto de participantes, acelerando o
design e melhorando os microchips.
SBIR – The Small Business Innovation
Research Programme
A partir do sucesso da DARPA, o governo de
Ronald Reagan criou o Small Business Innovation
Research Programme (SBIR), em 1982, como um
consórcio entre a Small Business Administration,
Department of Defense, Department of Energy
e Environmental Protection Agency –
organismos públicos com expressivas
dotações orçamentárias,
das quais deveriam, a partir de então,
alocar originalmente 1,25% para apoiar empresas
pequenas, independentes e lucrativas.
Como consequência, expandiram-se as
relações entre governo federal
e as instâncias estaduais e municipais,
garantindo que muitas start-ups8
fortemente inovadoras pudessem obter suporte
financeiro em seus primeiros anos de existência.
Esse apoio torna-se tão mais importante
à medida que o horizonte temporal do
venture capital foi encurtando-se.
O SBIR tem concedido mais de US$ 2 bilhões
em suporte direto a empresas de alta tecnologia
anualmente, fomentando o desenvolvimento de
novas empresas e conduzindo a comercialização
de centenas de novas tecnologias, dos laboratórios
ao mercado.
ODA – Orphan Drug Act
Um ano após a criação
do SBIR, o Orphan Drug Act (1983) foi instituído
para impulsionar a inovação
do setor privado na área de biotecnologia,
permitindo que pequenas empresas do setor
pudessem se apropriar de alguma parcela do
mercado de medicamentos. O ODA previa a adoção
de incentivos fiscais, subsídios à
P&D bem como a procedimentos clínicos,
processos mais rápidos de aprovação
de medicamentos, juntamente com fortes garantias
de direitos intelectuais e de comercialização
para produtos desenvolvidos para o tratamento
de doenças raras.
Definem-se doenças raras como aquelas
patologias que não acometem mais de
200 mil pessoas e, por essa razão,
não fosse o apoio estatal, o tamanho
potencial do seu mercado não justificaria
nem o desenvolvimento nem a produção
de medicamentos – daí a nomenclatura
“orphan”. Protegidas
e apoiadas pelo Estado, as empresas que se
lançam no desenvolvimento de medicamentos
para doenças raras podem melhorar suas
plataformas tecnológicas e ampliar
a escala de suas operações,
de forma a assumir posições
de destaque no setor biofarmacêutico.
Desde a implementação do ODA,
2.364 produtos foram classificados como orphan
drugs, sendo que 370 deles tiveram a
comercialização aprovada pela
FDA. Mazzucato destaca que é possível,
todavia, que muitas variações
de um mesmo medicamento sejam classificadas
como orphan drugs. A Novartis, em
2001, por exemplo, recebeu aprovação
para comercializar seu Gleevec, medicamento
para tratamento de leucemia mielóide
crônica, apoiado pelo ODA. Em 2005,
em um período de cinco meses, Novartis
submeteu e obteve a designação
orphan drug para cinco diferentes indicações
do mesmo medicamento. Segundo o relatório
anual da empresa, em 2010 as vendas globais
do Gleevec chegaram a US$ 4,3 bilhões;
isto é, mesmo que o tamanho do mercado
possa ser pequeno, a receita obtida com ele
pode ser considerável.
Entretanto, não são apenas pequenas
empresas que se beneficiam do ODA; ao contrário,
gigantes do setor farmacêutico, como
Roche, Pfizer, Johnson & Johnson, GlaxoSmithKline,
entre outros, também têm submetido
produtos à classificação
orphan drug. A história das grandes
empresas do setor biofarmacêutico mostra
que sua liderança atual foi construída
sobre receitas importantes de medicamento
com essa classificação. Em 2008,
a participação de medicamentos
apoiados pelo ODA na receita total do setor
biofarmacêutico chegou a 59% e a 61%
no caso das seis maiores empresas. Quando
são levados em conta os produtos derivados
de orphan drugs, essa participação
sobe para 64%, tanto para o setor como para
as seis maiores. A comparação
entre orphan drugs e os demais medicamentos
mostra, ainda, que os primeiros são
mais numerosos, sua receita cresce de início
mais rapidamente e muitos deles tiveram vendas
superiores, em 2007, do que os medicamentos
do segundo grupo.
NNI – National Nanotechnology Initiative
Segundo Mazzucato, existe, atualmente, quase
um consenso de que a nanotecnologia será
a próxima tecnologia a possibilitar
uma nova onda de elevação de
produtividade entre diferentes setores da
economia (general purpose technology).
Esse não era o caso, entretanto, no
início dos anos 1990, quando o governo
americano decidiu investir no seu desenvolvimento.
A nanotecnologia consiste, então, em
um exemplo da capacidade visionária
do Estado empreendedor americano. Visão
essa que coordena suas intervenções,
elevando sua possibilidade de sucesso, em
algo parecido a uma “profecia autorrealizável”.
O próprio termo “nanotecnologia”
foi, inclusive, cunhado pelo Estado.
A National Nanotechnology Initiative (NNI)
foi criada em 2000, resultante dos esforços
de grupos de cientistas e engenheiros da National
Science Foundation e da administração
Clinton para identificar um “substituto”
à Internet, capaz de revolucionar o
sistema produtivo e, consequentemente, garantir
uma trajetória de crescimento econômico.
Para Mazzucato, a criação da
NNI significa que o Estado não só
elegeu a nanotecnologia como o setor mais
promissor, como também criou instrumentos
para impulsioná-lo. Por meio dela,
o Estado realizou os primeiros investimentos
na área, formou explicitamente uma
rede dinâmica de agentes públicos,
pesquisadores vindos de universidades, laboratórios
nacionais e agências do governo, e de
agentes privados, quando esses se mostraram
dispostos.
A atuação estatal no setor mostrou-se
dinâmica e flexível na compreensão
das conexões entre diferentes disciplinas
relevantes para a revolução
da nanotecnologia (física, química,
engenharia de materiais, biologia, medicina,
engenharia e computação) e,
apesar da defesa de uma abordagem bottom-up,
com o permanente diálogo com pesquisadores
e com empresários da área, é
inegável que o impulso e as diretrizes
gerais tenham vindo de altos escalões
do Estado.
O setor privado, devido às exigências
de performance a que está sujeita e
a suas estratégias que privilegiam
o curto prazo, tem tipo uma participação
menos importante que a do Estado. A falta
de investimentos em comercialização,
o principal motivo pelo qual a “revolução
nanotecnológica” ainda não
tenha começado, explica-se pela timidez
do setor privado e exige investimentos adicionais
do Estado.
O Estado Empreendedor Por Trás
da Apple. A imagem da Apple
é comumente associada à sua
capacidade de inovação e ao
seu sucesso comercial, baseados, em boa medida,
na genialidade de seu fundador, Steve Jobs.
Ela incarna, então, o mito do Vale
do Silício onde uma ideia revolucionária
pode dar origem a uma corporação
global. A história de sucesso de empresas
de alta tecnologia, como a Apple, tende, contudo,
a não mencionar a contribuição
fundamental do Estado.
Mariana Mazzucato mostra, entretanto, que
praticamente todas as tecnologias em estado-da-arte
que integram a família de produtos
da Apple (computadores pessoais, iPod, iPhone
e iPad) são resultados de esforços
de pesquisa e suporte financeiro do Estado
americano, desenvolvidos por suas redes de
inovação coordenadas por instituições
semelhantes à DARPA. A excelência
da Apple, ou ainda, a genialidade de Steve
Jobs, consiste, para a autora, na capacidade
de identificar tecnologias com grande potencial
e de integrá-las sob um design
de apelo comercial. Em outros termos, a habilidade
da Apple tem menos a ver com o desenvolvimento
de novas tecnologias do que com integração
delas em uma arquitetura inovadora.
Essa constatação ajuda a explicar
como a Apple continua dinâmica no lançamento
de novos produtos e em versões melhoradas
dos já existentes ao mesmo tempo em
que a parcela de recursos gastos com P&D
não só é baixa em comparação
com outras empresas do setor, como vem se
reduzindo ano após ano.


Mazzucato identifica três formas gerais
de suporte estatal recebido pela Apple:
1. Investimentos diretos
nos primeiros anos da empresa. Antes de abrir
capital, em 1980, a Apple garantiu um investimento
de meio milhão de dólares da
Continental Illinois Venture Corp., uma companhia
de investimentos em pequenos negócios
licenciada pela agência federal Small
Business Administration.
2. Acesso a tecnologias
amplamente financiadas com recursos públicos.
Antes que fosse comercializado o Apple I,
em 1976, o Estado americano, especialmente
por meio da DARPA, como visto anteriormente,
já havia apoiado, ao longo dos anos
1960 e 1970, as tecnologias que permitiram
a criação dos computadores pessoais.
Ademais, a introdução do silício
revolucionou a indústria de semicondutores
e anunciou a era de consumo de massa de computadores
pessoais. Novamente, essa revolução
só foi possível devido à
rede de parcerias entre laboratórios
e agentes públicos e privados, como
DARPA, AT&T Bell Labs, Xerox PARC, Shockley
e Fairchild, entre outros.
As doze principais tecnologias integradas
pela Apple em seus iPods, iPhones e iPads,
que os fazem “smart”
e que os diferenciam de produtos similares
concorrentes, resultam de suporte de instituições
públicas e de suas redes de inovação:
microprocessadores (desenvolvidos com apoio
da DARPA), micro hard driver storage
– microHD (apoiado pela DARPA e pelo
Department of Energy), telas de cristal líquido
– LCD (National Science Foundation,
Department of Defense e National Institutes
of Health), baterias de lítio (Department
of Energy), processador digital de sinais
(Army Research Office), Internet (DARPA),
Hypertext Transfer Protocol – HTTP e
Hypertext Markup Language – HTML (ambos
desenvolvidos na Europa, pela European Organization
for Nuclear Research) e tecnologia de telefonia
celular (Forças Armadas dos EUA). Adicionalmente,
podem ser citadas outras três tecnologias
que mudaram profundamente as expectativas
dos consumidores e ampliaram os usos dos produtos
da Apple: global positioning system
– GPS (Department of Defense e Marinha
dos EUA), sistemas de navegação
click-wheel (devido a esforços
da britânica Royal Radar Establishment
e da European Organization for Nuclear Research)
e multi-touch screens (Department
of Defense, Department of Energy, National
Science Foundation e Central Intelligence
Agency – CIA) e, por fim, programa de
inteligência artificial com comando
de voz, também conhecido como SIRI9
(desenvolvido com apoio da DARPA).
3. Proteção
por meio de medidas fiscais, política
de comércio exterior e política
tecnológica. O governo americano tem
ativamente agido de forma a garantir às
empresas americanas, como a Apple, o acesso
ao mercado internacional, ao mesmo tempo em
que cria formas de lhes garantir uma participação
importante no mercado doméstico. O
endurecimento das leis referentes à
propriedade intelectual e o papel de policiamento
desempenhado pelos EUA nos mercados internacionais
são essenciais para empresas de tecnologia,
tais como a Apple. As empresas americanas,
apesar da ideologia liberal reinante nos EUA,
não hesitam, ainda, em pedir às
autoridades públicas rodadas de revisão
ou melhor supervisão do cumprimento
das leis de direitos intelectuais, quando
se veem pressionadas pela concorrência
internacional. O apelo à ajuda do Estado
também ocorre quando encontram dificuldades
de penetrar em algum mercado estrangeiro,
tal como fez a Apple em 1980 face à
dificuldade de conquistar o mercado japonês.
Por sua vez, compras governamentais são
um instrumento importante para apoiar as empresas
nacionais, alavancando suas atividades no
mercado doméstico. As escolas públicas
americanas consistem em clientes fiéis
aos produtos da Apple, comprando seus computadores
desde a década de 1990. Em 1994, 58%
dos computadores de escolas primárias
e secundárias eram fornecidos pela
Apple. Igualmente, essas escolas receberam
bem a iniciativa da Apple de substituir livros
em papel por e-books, o que deve
reduzir seus custos com esse material, mas
o que exige a compra de iPads.
Além disso, o governo americano também
tem cedido à pressão das empresas
por redução de impostos. Em
2008, a concessão de créditos
tributários relacionados a gastos com
pesquisa chegou a US$ 8,3 bilhões,
segundo o Tesouro dos EUA. A esses valores,
somam-se as isenções fiscais
concedidas pelo estado da Califórnia,
que favorecem especialmente as empresas dos
setores de computação e de eletrônicos.
Desde 1996, a Apple declara ter recebido US$
412 milhões em créditos tributários
vinculados a P&D.
Em resumo, para Mazzucato só é
possível compreender a trajetória
de sucesso de empresas americanas como a Apple
levando em consideração a existência
de um Estado que assuma um papel central no
desenvolvimento de tecnologias envoltas em
incerteza radical, faça os investimentos
iniciais, de maior monta e, consequentemente,
de maior risco e que garanta as condições
necessárias para a sua sobrevivência
até o ponto de poderem caminhar com
suas próprias pernas.
A “Revolução
Verde” da Indústria. A
análise das raízes do sucesso
da Apple exemplifica o engajamento passado
do Estado empreendedor no desenvolvimento
de tecnologias que possibilitaram o surgimento
de produtos inovadores no presente. Já
a evolução das tecnologias que
ensejam a transformação da atual
infraestrutura energética, no sentido
de torná-la menos poluente, evidenciam
os esforços presentes do Estado empreendedor.
As assim chamadas clean energy technologies
associam-se a outros fatores, como métodos
avançados de gestão de resíduos,
tecnologias para a reciclagem de materiais,
melhores práticas agrícolas,
medidas setoriais para aumentar a eficiência
energética, infraestrutura para dessalinização
da água etc, de forma a construir um
sistema industrial ambientalmente sustentável,
ou seja, promover a “revolução
verde” da indústria (green
industrial revolution).
Para isso é necessário políticas
tanto de demanda como de oferta, influenciando
a emergência de tecnologias limpas,
empresas inovadoras na área e a transformação
dos mercados de energia. Em geral, políticas
de demanda compreendem regulamentações
ambientais que impactam o padrão de
consumo de energia (metas para redução
da emissão de gás estufa, novos
padrões para construção
civil, metas para eficiência energética
etc), enquanto políticas de oferta
focam em como a energia é gerada e
distribuída e influenciam a inovação
tecnológica do setor energético
e sua rápida adoção (subsídios,
isenções fiscais e empréstimos
que favoreçam tecnologias energéticas
específicas, esquemas favoráveis
de precificação de energias
– feed-in tariffs, etc). Ambas
são fundamentais por estabelecer uma
finalidade às novas tecnologias e por
apoiar seu surgimento.
Convencidos dos efeitos adversos das mudanças
climáticas, os governos de muitos países
têm buscado, de uma forma ou de outra,
apoiar a green revolution compondo
políticas de demanda e de oferta, especialmente
após a crise econômica global
de 2008. Mazzucato destaca, contudo, que as
estratégias mostram-se bastante diferentes.
Países como China e Alemanha têm
adotado uma postura mais assertiva, cujas
intervenções estatais seguem
a linha de um Estado empreendedor. No outro
extremo, está o Reino Unido, cujo orçamento
público para programas de desenvolvimento
de tecnologias limpas tem sido reduzido depois
de 2010, que tem apostado excessivamente na
capacidade de o setor privado liderar a revolução
verde no país. Entre esses casos, encontram-se
os EUA que, apesar de investimentos importantes
na área, tem sofrido de “falta
de visão”, segundo a análise
de Mazzucato, ao deixar de estabelecer metas
claras e de mostrar comprometimento de longo
prazo em apoiar certas tecnologias-chave.
O pacote de estímulos econômicos
adotado pelos EUA (American Recovery and Reinvestment
Act), em 2009, dedicava 11,5% dos recursos
a investimento em tecnologia limpa, menos
do que a China (34,3%), França (21%)
ou Coreia do Sul (80,5%), mas bastante superior
do que o Reino Unido direcionou para a área
(6,9% do seu pacote de estímulos).
Em julho de 2010, o governo sul-coreano anunciou
que seus investimentos em pesquisas relacionadas
à sustentabilidade seriam dobrados
até 2013, levando-os ao patamar de
2% do PIB (o que significa que entre 2009
e 2013 gastaria £ 59 bilhões
nessas pesquisas). EUA, China e Europa, sobretudo
Alemanha, são responsáveis pela
maior parte dos investimentos em energia renovável.

China
Devido à repercussão contrária
ao sucesso de sua nascente indústria
de painéis solares nos EUA e na Europa,
o governo chinês decidiu rever sua meta
doméstica de desenvolvimento de energia
solar para 20 gigawatts (GW) até 2015,
um salto relevante diante da capacidade atual
de apenas 3 GW. Caso consiga atingir a meta,
é provável que a China se torne
o segundo maior mercado de energia solar do
mundo. Além disso, governos regionais
têm praticado tarifas feed-in,
fixando preços em termos mais favoráveis
para a energia solar e eólica. Em relação
à energia eólica, mas metas
chinesas apontam para uma produção
de 100 GW até 2015 e de 1.000 GW até
2050. A título de comparação,
1.000 GW equivalem à totalidade da
capacidade das redes elétricas dos
EUA ou da Europa. Essas metas, revistas sempre
para cima, demonstram uma clara indicação
ao setor privado de que as perspectivas para
o futuro desses mercados serão positivas.
Os incentivos chineses garantem aos desenvolvedores
que os investimentos atuais no avanço
tecnológico sejam recuperados em cerca
de 7 anos, gerando retornos positivos ao longo
das próximas décadas, o que
estimula as empresas a continuar investindo
em inovações.
O 12º Plano Quinquenal da China (2011-2015)
incorporou formalmente, pela primeira vez,
o objetivo de mitigação das
mudanças climáticas, colocando-o
no centro de sua estratégia de desenvolvimento
econômico. O cumprimento das metas prevê
investimentos de US$ 1,5 trilhão (5%
do PIB) em diferentes setores associados à
sustentabilidade: tecnologias que elevem a
eficiência energética do país,
biotecnologia, desenvolvimento de novos materiais,
de combustíveis alternativos, de carros
elétricos, nova geração
de tecnologias de informação,
etc. Entretanto, datam de muito antes os primeiros
incentivos chineses para a redução
da poluição e aumento de sua
eficiência energética.
A estratégia chinesa baseia-se, então,
na hipótese de complementaridade entre
crescimento econômico e o surgimento
de novas fontes energéticas mais sustentáveis.
Como resultado, a China se mantém como
um mercado importante para placas de aquecimento
solar de água, energia eólica
e, cada vez mais, para painéis solares
– cuja participação na
produção também é
expressiva.
Reino Unido
A despeito das declarações,
em 2010, do primeiro ministro britânico
sobre o comprometimento do governo com a emersão
da economia verde no Reino Unido, o que se
verificou, desde então, foi a redução
de suporte financeiro a setores e atividades
ambientalmente sustentáveis. Entre
2010 e 2011, foram cortados £ 85 milhões
do orçamento do Department of Energy
and Climate Change, inclusive £ 34 milhões
de programas de apoio a energias renováveis.
Adicionalmente, o orçamento do Carbon
Trust de 2011 foi reduzido em 40% e o corte
chegou a 50% no caso do Energy Saving Trust.
Quando combinados à relutância
de garantir apoio de longo prazo ao desenvolvimento
de tecnologias “verdes” –
incluindo a incapacidade de garantir financiamentos
a carros elétricos de mais de um ano
e de rever a estrutura de tarifas feed-in
– esses cortes sugerem que o Reino Unido
não tem sido capaz de criar um ambiente
propício para investimentos “verdes”.
Mazzucato sugere que mesmo a eficácia
de medidas anteriores é questionável.
A tentativa de acelerar a adoção
de tecnologia de captura e armazenamento de
gás carbônico (CCS – carbon
capture and storage) pelas novas termoelétricas
movidas a carvão, presente no orçamento
de 2009, podem ter simplesmente incentivado
a geração de energia por meio
da queima de gás natural, sem impactos
positivos sobre a tecnologia CCS.
O fato de que o setor privado só decide
investir quando há sinais claros sobre
retornos futuros significa que aqueles países,
como o Reino Unido, que alteram sistematicamente
a direção desses sinais desencorajam
ou deixam escapar os investimentos privados.
A ausência desses sinais no Reino Unido
é indicada como a principal razão
para o cancelamento de investimentos em energia
eólica no país pela dinamarquesa
Vestas e a americana General Electric (GE).
A principal iniciativa do Reino Unido tem
sido, então, a criação
de um banco de investimento para prover financiamentos
seedcorn para o desenvolvimento de
tecnologias limpas. Na interpretação
de Mazzucato, isso demonstra o diagnóstico
reinante no país de que as ações
do setor privado são suficientes para
pôr em marcha a “revolução
verde”, cabendo ao Estado apenas um
pequeno “empurrão”. Além
de esse diagnóstico ser equivocado,
uma vez que nenhuma outra revolução
tecnológica tenha ocorrido sem uma
intensiva participação estatal,
a autora lembra que os volumes financeiros
envolvidos são insuficientes.
EUA
Baseando-se em sua experiência histórica
com o desenvolvimento de outras tecnologias,
os EUA têm apresentado condições
de integrar e estimular o envolvimento de
universidades e empresas no desenvolvimento
de tecnologias limpas a partir de seus investimentos
estatais, especialmente por meio do Department
of Energy e da DARPA – Energy, ou apenas
DARPA-E. Segundo Mazzucato, os resultados
obtidos, entretanto, mostram-se insatisfatórios,
devido, sobretudo, ao recente excesso de confiança
no papel a ser desempenhado pelos fundos de
venture capital.
Os EUA foram um dos primeiros países
a realizar investimentos no campo de energia
eólica e solar nos anos 1980, sendo
que as células solares de silício
cristalino foram, inclusive, inventadas já
nos anos 1950. Mas os EUA falharam, contudo,
em apoiar os desenvolvimentos posteriores
na área e foram ultrapassados pelos
europeus e japoneses e, mais recentemente,
pelos chineses. Um exemplo das dificuldades
enfrentadas pelas energias renováveis
nos EUA é dado pelo recorrente risco
de extinção do crédito
fiscal concedido à indústria
de energia eólica, criado em 1992,
o que provoca um comportamento fortemente
cíclico do investimento no setor, pouco
contribuindo, então, para sinalizar
um comprometimento de longo prazo do Estado
com seu desenvolvimento.
Em 2011, fundos de venture capital
investiram US$ 7 bilhões no desenvolvimento
de tecnologias limpas nos EUA, cerca de 78%
do que investiram mundialmente no setor. Em
2012, o Jumpstart Our Business Act (JOBS Act)
buscou favorecer os investimentos desses fundos
por meio do relaxamento de exigências
de transparência financeira para investimentos
em pequenas empresas (aquelas com receita
anual de menos de US$ 1 bilhão). Além
disso, legalizou o crowd funding,
implicando a possibilidade de fundos de venture
capital atraírem um conjunto mais
amplo de investidores (e indivíduos)
ao abrirem o capital das empresas em que investiram.
Essas medidas parecem, contudo, favorecer
mais os fundos de venture capital
do que as empresas financiadas, que são
quem efetivamente promove o avanço
tecnológico. Menos disclosure
sobre os investimentos dos fundos pode simplesmente
indicar menor capacidade de avaliação,
pelo público, das reais condições
financeiras das empresas em seu portfólio.
A ampliação do universo de investidores
passíveis de participação
do IPO das empresas significa, por sua vez,
maior flexibilidade de o venture capital
se desfazer de seus investimentos; isto é,
permite um encurtamento adicional do horizonte
temporal do venture capital.
Como visto anteriormente, os investimentos
dos fundos de venture capital têm
características específicas:
têm prazo relativamente curto (impatient
capital)10, evitam setores
intensivos em capital e as etapas iniciais
de desenvolvimento tecnológico, quando
existem fortes incertezas acerca dos retornos.
Essas características vão na
contramão do atual estágio de
desenvolvimento e das especificidades das
tecnologias limpas. À semelhança
da biotecnologia, as tecnologias limpas também
enfrentam desafios maiores do que os setores
de tecnologia da informação
na passagem dos resultados da P&D para
a produção comercial. Por exemplo,
o montante de capital exigido para se obterem
economias de escala que viabilizem sua comercialização
é bastante expressivo.
Por essas razões, os investimentos
do venture capital têm sido
atraídos para as tecnologias limpas
como resultado do suporte estatal e tem se
concentrado nas tecnologias mais estabelecidas,
produto de décadas de investimento
público. Como forma de tentar contrabalancear
a timidez do venture capital, o governo
americano tem canalizado recursos às
tecnologias limpas especialmente por meio
do Department of Energy (DoE) e pela Defense
Advanced Research Projects Agency –
Energy (DARPA-E).
Formado por várias agências públicas
e 17 laboratórios, o DoE institucionalizou
a inovação energética
como uma busca permanente do governo americano
em resposta às frequentes crises energéticas
mundiais. Entre 1992 e 2012 foram direcionados
US$ 3,4 bilhões e US$ 1,2 bilhão
para P&D em energia solar e eólica,
respectivamente. Por meio do American Recovery
and Reinvestment Act (ARRA) de 2009, o orçamento
do DoE para o desenvolvimento de tecnologias
limpas atingiu a marca de US$ 13 bilhões.
Ademais, também foram criados 46 novos
Energy Frontier Research Centers, localizados
em universidades, laboratórios nacionais,
organizações sem fins lucrativos
e empresas privadas. Essas iniciativas recentes
demonstram uma intensificação
do comprometimento estatal com a área.
A DARPA-E foi criada em 2007 pelo America
Competes Act, sendo capitalizada dois anos
depois pelo ARRA. Se objetivo é financiar
ideias completamente inovadoras (out of
the box ideas) associadas ao setor energético,
o que não poderia ser feito pelo setor
privado em função dos elevados
riscos envolvidos, ainda que os desdobramentos
em caso de sucesso possam ser vitais à
economia do país. Seu funcionamento
se dá à semelhança da
DARPA, isto é, estabelece parcerias
com diferentes agentes (universidades, setor
público, setor privado, grandes e pequenas
empresas), opera essas redes de forma descentralizada,
incentivando pesquisadores a apresentar propostas
de linhas de pesquisa sem nenhuma exigência
prévia de sucesso. Por estar sob a
bandeira da “segurança nacional”
a DARPA-E não precisa atingir nenhuma
“performance econômica”,
tornando-a propensa a assumir riscos elevados.
A abordagem americana tem sido, então,
muito mais de financiar “o quer que
seja” do que de apontar a direção
que deve ser seguida, na esperança
de que mais cedo ou mais tarde uma tecnologia
inovadora e economicamente viável emerja.
Mazzucato conclui que, ao relegar ao mercado
a função diretiva, a única
certeza é que a transição
da matriz energética será adiada
até que o preço dos combustíveis
fósseis atinja patamares tão
elevados que comprometam o funcionamento da
economia.
A Socialização dos
Riscos e a Privatização dos
Retornos da Inovação. Em
finanças, é amplamente aceita
a ideia de que maiores riscos vêm acompanhados
de maiores retornos. Isso não é,
contudo, verdade no caso da inovação.
Como argumentado por Mazzucato, é o
Estado quem enfrenta a incerteza radical própria
das primeiras etapas do surgimento de uma
nova tecnologia. Os riscos do processo de
inovação são, então,
amplamente socializados. Já o retorno
é, na sua maior parte, capturado pelo
setor privado, ao investir em etapas posteriores
do processo de inovação, quando
os riscos já são identificáveis
e gerenciáveis.
Porque o processo de inovação
tem caráter fortemente cumulativo,
dependendo de quando um agente específico
entra na cadeia de inovação,
ele é capaz não apenas de se
apropriar de retornos compatíveis com
sua contribuição (isto é,
a parcela de riscos que assumiu), mas de toda
a área sob a curva cumulativa de inovação.
Assim, à medida que o setor privado
participa do processo de inovação
em etapas mais próximas do lançamento
no mercado de produtos finais ou de abertura
de capital nos mercados financeiros (no caso
do venture capital), ele é
capaz de capturar retornos desproporcionais
aos riscos por ele assumidos.
Poder-se-ia argumentar que os investimentos
realizados pela coletividade seriam recuperados
de forma indireta, seja por meio da elevação
da receita fiscal do Estado, seja por meio
da geração de emprego, ambas
resultantes do maior dinamismo econômico
propiciado pela inovação tecnológica.
Na opinião de Mazzucato, esse argumento,
entretanto, não se sustenta, especialmente
diante da globalização.
Na realidade, os sistemas tributários
são cheios de lacunas que possibilitam
estratégias de elisão fiscal
por parte das empresas e, mais grave do que
isso, não refletem precisamente as
fontes de ganhos (renda x ganho de capital,
por exemplo), dificultando a capacidade de
o Estado recuperar seus investimentos em inovação.
O fato é que os sistemas tributários
não foram concebidos para apoiar os
sistemas de inovação, que são
desproporcionalmente dirigidos por agentes
que se dispõem a investir décadas
antes de surgir no horizonte qualquer possibilidade
de retorno.
Esse quadro é agravado pela maior liberdade
dos fluxos de capitais que caracteriza a economia
contemporânea. Assim, aquelas empresas
que tenham se beneficiado dos investimentos
estatais, realizados no passado para desenvolver
uma nova tecnologia, podem muito bem transferir
suas bases produtivas para outros países,
evitando o pagamento de impostos. A Apple
fornece, novamente, um caso exemplar: apesar
de ter se beneficiado de investimentos e incentivos
do governo federal dos EUA e do estado da
Califórnia, a produção
dos componentes de seus aparelhos acontece,
sobretudo, no Japão, Coreia do Sul
e Taiwan, e a montagem, na China. Do valor
total que é criado por aparelho, a
Apple recebe 58,5% como lucro e 2,4% representam
lucros de outras empresas americanas. A parcela
de valor total que é capturada por
agentes estrangeiros é de 30%. As estimativas
específicas para aparelhos iPad e iPod
chegam a 53% e 49% de seus valores que são
apropriados por outros mercados que não
o americano.
Ademais, a Apple tem usado diferentes estratégias
para evitar pagamento de impostos. Possui,
por exemplo, uma subsidiária chamada
Braeburn Capital em Reno, pois não
existem, no estado de Nevada, cobrança
de imposto de renda corporativo nem tributação
sobre ganhos de capital. Dessa forma, evita
os impostos estaduais da Califórnia.
Desde 2006, a empresa obteve US$ 2,5 bilhões
referentes a receitas de juros e dividendos,
contabilizados em sua subsidiária de
Nevada. Assim como toda grande corporação,
a Apple também tem subsidiárias
em diversos paraísos fiscais ou países
que lhe permitem pagar menos impostos (Luxemburgo,
Irlanda, Ilhas Virgens Britânicas, Holanda).
Como o código tributário americano
permite que empresas dos EUA registrem direitos
de propriedade intelectual sobre produtos
e serviços em filiais no exterior,
o braço irlandês da Apple (bem
como a subsidiária das Ilhas Virgens
Britânicas) possui direitos sobre muitos
produtos da empresa. Dessa maneira, a Apple
americana deve enviar parte de sua receita
à Irlanda como pagamento de royalties,
reduzindo o montante de impostos pagos nos
EUA. Assim, em 2011, apenas 30% dos lucros
da empresa foram declarados nos EUA.
Como se não fosse suficiente, empresas
como Apple, Google, Amazon e Microsoft têm
exercido forte pressão sobre o poder
legislativo americano para obter isenção
fiscal sobre os lucros estrangeiros repatriados.
Não existe, todavia, nenhuma garantia
que esses recursos serão investidos
no desenvolvimento de novas tecnologias ou
em melhorias das tecnologias atuais, e não
na simples distribuição de dividendos
ou recompra de ações.
A expansão internacional dessas empresas
não se justifica apenas como forma
de evitar pagamento de impostos. Refere-se,
na verdade, à reorganização
global de suas cadeias produtivas na busca
de vantagens, tais como o baixo custo de mão
de obra. As relações trabalhistas
atualmente vigentes (New Economy Business
Model11) implicam disparidades
salariais abissais. Calcula-se que os 9 principais
executivos da Apple receberam (US$ 440,8 milhões),
em 2011, o equivalente ao que receberam 95
mil trabalhadores da taiwanesa Foxconn, uma
das principais responsáveis pela montagem
de aparelhos da Apple.
A diferença salarial em relação
a trabalhadores americanos foi um pouco melhor,
mais ainda assim elevada: os mesmos 9 executivos
receberam o mesmo que 17,6 mil funcionários
das lojas de varejo da Apple.
Segundo relatório de 2012, encomendado
pela Apple, a empresa foi responsável
pela criação de 304 mil empregos
ao longo de sua história, sendo 47
mil deles empregos diretos. Não identifica,
entretanto, quantas dessas vagas foram criadas
fora dos EUA. Somados aos 27 mil empregos
das 246 Apple Stores, distribuídas
em 44 estados americanos, o total de empregos
diretos chega a 74 mil, perfazendo 514 mil
postos direta e indiretamente criados. A parcela
de empregos indiretos deve ser vista com cuidado,
pois pode incluir empregos das mais diversas
áreas e empresas, como FedEx, planos
de assistência médica, etc.
A geração de empregos a resultar
das ações do Estado empreendedor
vaza, então, para o exterior, ao menos
em parte. A relação trabalhista
empregada pelas empresas que se beneficiaram
dessas ações gera diferenças
salariais expressivas e bloqueia o processo
de distribuição dos benefícios
obtidos com a inovação tecnológica,
redundando em uma massa de recursos que é
distribuída como dividendos a uma pequena
parcela da sociedade que possui ações
ou utilizada em planos de recompra de ações,
que geram ganhos de capital para os acionistas12.
A inadequada relação risco-retorno
apresenta dois efeitos deletérios.
Em primeiro lugar, à medida que o Estado
não é capaz de se apropriar
dos retornos gerados por aquelas tecnologias
que apoiou no passado e que obtiveram sucesso
comercial no presente, torna-se cada vez mais
difícil conseguir apoiar o desenvolvimento
de novas tecnologias, especialmente diante
do montante de investimentos irrecuperáveis
(sunk costs) que caracterizam suas
intervenções. Em segundo lugar,
os retornos capturados pelo setor privado
não são redistribuídos
para o conjunto da sociedade devido ao estabelecimento
de cadeias de produção globais,
possíveis graças à mobilidade
de capitais, às relações
de trabalho, geradoras de fortes disparidades
salariais, e às elevadas margens de
lucro das empresas13. Resulta,
assim, da socialização dos riscos
e da privatização dos retornos
das inovações uma maior desigualdade
social. Ambas as consequências tem impactos
negativos sobre o crescimento econômico.
Mazzucato argumenta que, com o intuito de
preservar essa assimetria, os grupos sociais
beneficiados colocam em funcionamento uma
engrenagem ideológica, geralmente com
raízes intelectuais nas ideias de eficiência
da economia neoclássica, em especial
na teoria do shareholder value. Dessa
forma, justificam-se as desigualdades sociais
em função das diferenças
de qualificação profissional
– uma vez que a economia baseada nas
tecnologias da informação tendeu
a beneficiar os mais qualificados –
e restringe-se o papel do Estado, reduzindo,
em tese, sua necessidade de obtenção
de recursos (o que abre espaço para
as pressões em favor à redução
dos impostos).
O problema, para a autora, é que, ao
se fazer isso, ignora-se o papel empreendedor
do Estado. Convencido por essa ideologia de
sua ineficiência, o Estado perde sua
capacidade de visionar o futuro e pode relutar
em pôr em prática políticas
que acelerem o desenvolvimento de novas tecnologias,
necessárias ao crescimento e desenvolvimento
econômico. É por esse motivo
que, ao recuperar o papel histórico
do Estado no processo de inovação,
Mazzucato busca não apenas contribuir
para o avanço da teoria econômica
a respeito da inovação, mas
também constituir um instrumento de
combate à ideologia dominante. Dessa
forma, conscientes desse papel, os policymakers
podem restaurar a integralidade das capacidades
do Estado empreendedor.
Como, então, reduzir a distorção
risco-retorno que caracteriza o processo de
inovação? Mazzucato defende
formas diretas de recuperação
dos investimentos públicos e sugere
três mecanismos:
1. Golden share sobre
direitos de propriedade intelectual e criação
de um “fundo nacional para inovação”.
Quando um avanço tecnológico
financiado diretamente pelo setor público
encontra aplicação comercial,
o Estado deve poder, em troca, receber uma
parte das receitas desse mercado sob a forma
de royalties. Esses recursos, obtidos
de diferentes setores econômicos que
tenham se beneficiado dessa tecnologia, devem
ser alocados em um fundo nacional de inovação,
cuja função seria financiar
futuras inovações.
A recuperação dos investimentos
estatais não pode, contudo, bloquear
a disseminação das novas tecnologias
por todo o sistema econômico, nem desincentivar
o setor privado a assumir sua parcela de riscos
no processo de inovação. Ao
contrário, sua função
é fazer da política de gasto
de recursos públicos um catalizador
mais estável de inovações
radicais, permitindo que parte dos retornos
financeiros seja reciclada, voltando diretamente
para o processo de inovação.
Para que isso ocorra, em primeiro lugar, é
necessário transparência em relação
aos investimentos estatais, tornando mais
fácil rastrear os recursos públicos
dispendidos para apoiar a indústria,
bem como mensurar a participação
das empresas nas parcerias público-privadas
firmadas ao longo do processo de inovação.
Em seguida, do ponto de vista da governança
do conhecimento gerado pelo investimento público,
é conveniente que o Estado retenha
golden shares sobre as patentes registradas
pelas empresas, de maneira a assegurar um
comportamento cooperativo por parte delas,
importante para a ampla disseminação
da inovação tecnológica
após um período inicial de proteção.
As first-movers devem ser capazes de recuperar
seus custos, mas não podem impedir
outros agentes de se beneficiar das inovações.
Essa estratégia tem o objetivo de proteger
o direito das empresas inovadoras de extrair
lucros schumpeterianos, mas impedir que eles
se transformem em simples rent-seeking.
2. Empréstimos
reembolsáveis em função
do rendimento futuro (income-contingente loans)
e participações acionárias
Outra forma de garantir um retorno compatível
ao esforço estatal é fazer com
que os empréstimos e subsídios
concedidos pelo Estado às empresas
venham acompanhados de amarras. Nesse sentido,
um mecanismo seria a concessão de empréstimos
reembolsáveis em função
do rendimento futuro obtido pela empresa beneficiada,
à semelhança de um empréstimo
estudantil. Se e quando uma empresa, que tivesse
recebido empréstimos os subsídios
estatais, obtivesse lucros acima de determinado
patamar, ela estaria obrigada a reembolsar
uma parcela dos benefícios recebidos.
Depois de auferir lucro de bilhões
de dólares a partir de um algoritmo
financiado por uma agência pública,
Mazzucato se pergunta se não seria
justo que a Google pagasse uma pequena porcentagem
disso ao Estado.
Além desse tipo de empréstimo,
existe ainda a possibilidade de o Estado reter
uma participação acionária
minoritária de empresas que tenham
obtido sucesso a partir de uma inovação
tecnológica financiada com recursos
públicos. Enquanto isso é um
tabu em países como EUA e Reino Unido,
outros, como a Finlândia, não
encontram nenhum problema em adotar essa estratégia.
A agência pública SITRA detém
participação na Nokia, resultado
de seus investimentos das etapas iniciais
de desenvolvimento da companhia.
3. Bancos de Desenvolvimento
Além de contrabalancear a tendência
pró-cíclica do crédito
privado, os bancos de desenvolvimento também
consistem em um mecanismo mais direto de garantir
a reapropriação do suporte estatal
às inovações. Enquanto
os bancos privados têm enfrentando fortes
perdas com a crise global, o banco de desenvolvimento
alemão KfW reportou lucro de US$ 3
bilhões em 2011. O BNDES, por sua vez,
atingiu 21% de retorno sobre o patrimônio
(ROE – return on equity). O BNDES representa,
inclusive, um bom exemplo do uso dos bancos
de desenvolvimento como forma de apoiar a
inovação tecnológica,
investindo tanto em tecnologias limpas como
em biotecnologia. O foco do banco refere-se
justamente ao estágio de maior mortalidade
das empresas (valley of death), em que não
existe interesse dos fundos de venture
capital.
O papel dos bancos de desenvolvimento pode,
ainda, ir além, como ilustra o caso
do China Development Bank. O CDB não
apenas compensou a ausência do financiamento
privado, excessivamente risco-adverso, no
suporte aos produtores de painéis solares
e turbinas eólicas, como também
criou oportunidades de mercado. O banco, por
exemplo, dispendeu US$ 3 bilhões em
financiamento de grandes projetos de geração
de energia eólica na Argentina com
uso de turbinas chinesas.
Notas
1 - Mais informações sobre as atividades acadêmicas e de consultoria à Comissão Europeia da autora encontram-se em < http://www.marianamazzucato.com >.
2 - Nesses modelos consideram-se retornos de escala crescentes, ao invés de se considerar retornos marginais constantes ou decrescentes dos fatores de produção tal como no modelo de Solow.
3 - Não se trata, aqui, de qualquer inovação tecnológica, mas de um tipo específico: inovações capazes de produzir general purpose technologies (GPT), isto é, de criar novos produtos ou processos que tenham impactos sobre um conjunto variado de setores, de maneira a produzir o crescimento da economia como um todo. A eletricidade e os computadores são exemplos de GPT.
4 - Vale lembrar que incerteza não se confunde com risco, como defendem Knight (1921) e Keynes (1937). Risco existe quando é possível estabelecer uma distribuição de probabilidades para um conjunto de ocorrências, enquanto no caso da incerteza é impossível saber quais as possíveis ocorrências devido à singularidade da situação.
5 - Empreendedorismo decorre da capacidade de o agente assumir riscos ou, no caso da inovação, enfrentar incertezas. É por essa razão que o Estado ganha o caráter empreendedor.
6 - Explica também o aumento da distorção da relação risco-retorno no processo de inovação, promovendo desigualdade social e baixo crescimento econômico, como será discutido mais a frente.
7 - Mazzucato argumenta que é pouco provável, por exemplo, que a Pfizer tenha trocado Sandwich, no Reino Unido, por Boston (EUA) em busca de isenções fiscais e regulamentação mais flexível. O que está em jogo são os US$ 30,9 bilhões gastos anualmente pela agência governamental National Institutes of Health para financiar as empresas farmacêuticas privadas na geração de conhecimentos.
8 - É importante considerar o novo ambiente de inovação que emergiu após o rompimento de um grupo de engenheiros e cientistas com o Shockley Semiconductor Laboratory, em 1957. Conhecidos como os “oito traidores”, formaram a Fairchild Semiconductor, uma nova empresa de alta tecnologia na área de semicondutores. Esse evento deu início à cultura de spinoff, que passou a caracterizar o Vale do Silício nos EUA. Spinoff é o termo que se usa para descrever a formação de empresas de tecnologia derivadas de grupos de pesquisa de outras empresas, universidades ou do setor público. Esse movimento só foi possível e só se tornou comum devido ao apoio estatal, por meio especialmente da DARPA e do SBIR, fazendo do Estado financiador e consumidor das tecnologias desenvolvidas por essas empresas.
9 - SIRI consiste em um programa de inteligência artificial compreendendo um sistema de aprendizagem, processamento de linguagem natural e um algoritmo de busca na internet. Foi desenvolvido pelo Stanford Research Institute (SRI) a pedido da DARPA, que o encarregou, em 2000, de desenvolver um tipo de assistente de escritório virtual para auxiliar os militares. Ao SRI foi dada, assim, a coordenação do projeto CALO (Cognitive Assistant that Learns and Organizes), que reunia 20 universidades em todo território nacional. Quando o iPhone foi lançado, em 2007, o SRI viu uma oportunidade para o CALO como aplicativo de smartphones, cuja tecnologia foi comercializada por meio de uma start-up nomeada SIRI. Em 2010, a Apple adquiriu a SIRI por um montante não divulgado pelas partes.
10 - Mazzucato aponta a “impaciência” dos fundos de venture capital como a principal razão de empresas americanas de painéis solares estarem perdendo espaço para seus concorrentes chineses.
11 - O New Economy Business Model, amplamente adotado pelas empresas de tecnologia da informação, representa pouco ou nenhum comprometimento do lado da empresa com a estabilidade do emprego, formação de habilidades e carreiras previsíveis e recompensadoras. Esse modelo contrasta com o Old Economy Business Model, característico do período fordista de industrialização, caracterizado por oportunidades estáveis de emprego em corporações hierarquizadas, salários generosos e mais igualitários, cobertura médica subsidiada, esquemas de pensão com benefícios preestabelecidos, etc..
12 - Em fevereiro de 2012, o presidente da Apple, Tim Cook, declarou haver mais recursos em caixa da Apple (US$ 98 bilhões) do que era necessário para sustentar suas operações. Na ausência de Steve Jobs, a solução do que fazer com esses recursos foi a distribuição de dividendos e um plano de recompra de ações, totalizando US$ 45 bilhões.
13 - A indústria farmacêutica ilustra bem isso. O medicamento Taxol, por exemplo, utilizado em tratamento de câncer, foi descoberto com o apoio dos National Institutes of Health (NIH), mas é vendido pela Bristol-Myers Squibb por US$ 20 mil por doses anuais, isto é, 20 vezes seu custo de produção. Apesar disso, a empresa paga apenas 0,5% disso em royalties. Em muitos outros exemplos, não é pago nenhum royalty ao setor público.
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