IEDI:
A importância do setor químico
e petroquímico para o desenvolvimento
do país é inequívoca
– integra várias cadeias produtivas
e dá sustentação à
oferta de matérias-primas para setores
econômicos de peso, como automotivo,
alimentos, agronegócio e construção
civil, dentre outros. As projeções
da Abiquim realizadas em 2010 indicavam que
o déficit comercial do setor químico
poderia atingir US$ 41 bilhões em 2020.
Em sua opinião, a indústria
química está preparada para
enfrentar a concorrência global que
deve se intensificar nos próximos anos?
Carlos Fadigas: A indústria
petroquímica e química brasileira
sofre dos mesmos males que afetam a produção
brasileira de manufaturas de um modo geral.
Temos, porém, um processo de industrialização
mais denso do que a média da indústria,
assim como cadeias mais longas. Além
de intensivo em capital, o setor consome nafta
e gás natural, insumos que estão
muito caros no Brasil. Portanto, de certa
forma, somos o ponto mais agudo da dificuldade
de industrialização no cenário
brasileiro. Por outro lado, temos um mercado
significativo, boa perspectiva de oferta de
matéria-prima a partir do pré-sal
e, ainda, a possibilidade de desenvolver a
química verde de forma competitiva
globalmente. Vivemos, portanto, um paradoxo
entre as dificuldades estruturais brasileiras
e a vocação para ser um player
global na indústria química.
IEDI: A exploração
do pré-sal reforçaria, inclusive,
essa vocação, certo?
Carlos Fadigas: Recentemente,
o Brasil produziu 3 milhões de barris
equivalentes de petróleo, uma marca
histórica. Apenas o pré-sal
contribuiu com 700 mil barris. É uma
realidade, não uma promessa. Reunimos
todas as condições para o desenvolvimento
de uma indústria química forte.
O Japão, por exemplo, tem mercado,
mas não tem matéria-prima. O
Oriente Médio tem matéria-prima,
mas não tem mercado. Mas há
outros países que estão fazendo
a ligação dos pontos entre o
mercado e a matéria-prima, como o México,
cuja indústria química não
é tão desenvolvida. Quando eles
quiseram industrializar uma parte da matéria-prima
para atender a própria demanda interna,
fizeram uma concorrência internacional
vencida pela Braskem, que está concluindo
com um parceiro local um projeto de US$ 5
bilhões de investimento. É um
projeto que eu gostaria de estar fazendo no
Brasil também.
IEDI: Quais fatores limitam
a capacidade de crescimento do setor químico
e petroquímico?
Carlos Fadigas: Para responder
esta pergunta acho importante olhar um pouco
para trás e comparar a evolução
de alguns indicadores brasileiros com, por
exemplo, México e EUA. De 2004 a 2014
o México desvalorizou sua moeda em
mais de 10%, enquanto o Brasil teve uma valorização
do real de 20%, sem levar em consideração
a inflação do período.
No Brasil o salário cresceu 100% nesse
período, o que é muito bom pelo
lado da renda e poder de compra dos brasileiros.
No entanto, a produtividade brasileira evoluiu
apenas 3%. Os EUA, por exemplo, tiveram 27%
de aumento dos salários, mas sua produtividade
avançou 19%. O México teve algo
similar: alta de 67% nos salários e
aumento de 53% em sua produtividade. Esse
descompasso brasileiro aconteceu também
no custo da energia elétrica, no aumento
dos juros, na burocracia para fazer negócios,
entre outros fatores que inibem a industrialização
no Brasil. Por isso, a indústria petroquímica
está em uma situação
em que a sua taxa de operação
varia entre 75% e 80%, uma das mais baixas
de sua história. Há um estudo
elaborado pela Boston Consulting Group (BCG)
que mostra que a indústria de manufatura
americana, depois de ter migrado em direção
à China, está agora começando
a voltar para os EUA, por conta do gás
de xisto (shale gas), altamente competitivo.
IEDI: Do ponto de vista de
política industrial, como tem sido
o suporte do governo ao setor?
Carlos Fadigas: Durante muito
tempo nosso modelo econômico foi baseado
no estímulo ao consumo e ao crédito.
Em paralelo a isso, o governo adotou medidas
pontuais de incentivo a alguns setores industriais,
que foram importantes para evitar um quadro
pior de desindustrialização,
mas foram insuficientes. É preciso
um trabalho estruturado, consistente e persistente
atacando cada um dos fatores que retira competitividade
da indústria brasileira.
IEDI: E como os empresários
do setor têm se posicionado frente a
esse cenário?
Carlos Fadigas: A Abiquim
(associação que reúne
as indústrias do setor químico)
e a Braskem trabalham em duas agendas paralelas.
A primeira é a agenda de longo prazo.
São iniciativas que buscam, por exemplo,
melhorar a competitividade do setor elétrico
– que nos fornece um insumo importante
–, ou remover os principais gargalos
logísticos que elevam o custo de transporte
da indústria química. Esses
são apenas dois exemplos da agenda
de longo prazo, visando à criação
de um ambiente que permita à indústria
brasileira ser competitiva e poder concorrer
globalmente. A segunda agenda é aquela
que nos permita sobreviver até que
esse novo ambiente de negócios seja
criado. Ela passa, por exemplo, por
manter e ampliar o Reintegra, que devolve
ao produtor parte dos tributos sobre exportações,
enquanto se revê a carga tributária
brasileira. Também é importante
a atenção com medidas de defesa
comercial contra práticas desleais
que prejudicam a indústria nacional,
como os mecanismos de antidumping. Quando
o IEDI estava recolhendo propostas para uma
nova política industrial, mandamos
as nossas contribuições. Precisamos
trabalhar nos pilares de competitividade da
indústria brasileira. Quais são
os pilares? Mão-de-obra, energia, logística,
matéria-prima e carga tributária,
entre outros. Existem, ainda, fatores mais
difíceis como o custo do dinheiro e
câmbio.
IEDI: As dificuldades do
setor são, então, de natureza
geral, isto é, da indústria
como um todo.
Carlos Fadigas: No setor
químico temos indicações
interessantes de que o problema principal
de competitividade está fora das empresas.
Como se trata de um setor globalizado, com
diversas multinacionais atuando no Brasil
e também empresas brasileiras com atuação
no exterior, é muito fácil a
comparação do desempenho da
mesma empresa em países diferentes.
Por exemplo, nós sabemos no detalhe
do centavo quanto foi consumido de energia
por tonelada de produto e, nesse quesito,
estamos bem; mas, quando se olha o quanto
é gasto em reais para comprar essa
energia, aí estamos mal porque o custo
no Brasil é muito alto.
IEDI: O embate sobre matéria-prima
entre a Braskem e a Petrobras caminha para
uma solução?
Carlos Fadigas: Trata-se
de uma negociação complexa.
Há uma incerteza enorme sobre o preço
da nafta e o problema ainda não está
resolvido. A nafta, que é a principal
matéria-prima usada na indústria
petroquímica brasileira, e a gasolina,
utilizada como combustíveis dos veículos,
são basicamente a mesma coisa. A nafta
é uma gasolina um pouco mais pobre.
Durante os últimos 15 anos, o consumo
de nafta permaneceu estável no país
e a Petrobras destinava sua produção
para a petroquímica. Essa foi a lógica
pela qual a indústria petroquímica
se desenvolveu, inclusive instalando-se ao
lado das refinarias a fim de agregar valor
à matéria-prima nacional. No
entanto, esse quadro mudou completamente quando
o governo congelou o preço da gasolina
e o consumo do combustível disparou.
Para atender ao mercado, a Petrobras passou
a usar a nafta petroquímica na produção
de mais gasolina, reduzindo a oferta da nafta
nacional à indústria química.
Essa é a origem do problema, que nasceu
fora do setor petroquímico e agora
ameaça o setor.
IEDI: Existem alguns setores
que talvez não mais tenham solução,
ou seja, a desindustrialização
já aconteceu e não tem mais
o que fazer. Na área petroquímica
e química ainda é possível
recuperar?
Carlos Fadigas: Sim, porque
mesmo com toda essa dificuldade ainda somos
a 6ª maior indústria química
no mundo. Fechou muita coisa, algumas plantas
estão rodando abaixo de sua capacidade,
mas o parque industrial está aí,
rodando e pronto para expansão.
IEDI: Voltando às
potencialidades do pré-sal, existe
um projeto de fazer um polo industrial a gás
em Santos. Seria importante para a indústria
ter essa rota de matéria-prima garantida?
Carlos Fadigas: O gás
do pré-sal pode ser muito útil
e deve permitir a expansão da indústria
petroquímica, melhorando sua competitividade.
Nessa questão, especificamente, já
existe um núcleo industrial em Duque
de Caxias, no Rio de Janeiro, que opera com
gás vindo da bacia de Campos. Por isso,
penso que, por uma questão logística,
seria melhor inicialmente fazer essa planta
no Rio de Janeiro. Isso porque os dutos que
levarão o gás chegarão
majoritariamente ao litoral fluminense. Se
o pré-sal avançar com a velocidade
necessária, existirão mais empresas
explorando e produzindo e provavelmente alguém
vai desenvolver uma rota de escoamento de
gás que amplie a oferta em São
Paulo.
IEDI: Existe algum gargalo
em relação à mão-de-obra?
Carlos Fadigas: O que temos
visto é que a indústria química
não desempregou. Mas houve uma migração
da mão de obra da área de manufatura
para a área comercial das indústrias,
porque tem muita gente importando para vender
no mercado interno. O emprego na produção
cai, mas o emprego total se sustenta por conta
da área comercial.
IEDI: A oportunidade potencial
do comércio internacional de produtos
químicos com base em matérias-primas
renováveis demandará investimentos
na implantação de capacidade
produtiva e, principalmente, em inovação,
ainda que de natureza incremental. A política
industrial está ajudando no desenvolvimento
de novos produtos com base em matérias-primas
renováveis? Que impacto isso tem na
cadeia? Eleva o custo da indústria?
Carlos Fadigas: A química
renovável, isto é, a química
a partir de biomassa, será o futuro
da indústria no longo prazo. Veio para
ficar e vai ser relevante. Embora ainda não
tenha muita relevância econômica,
poderia e deveria ser incentivada. Mas isso
ainda não acontece.
IEDI: E como poderiam ser
feitos esses incentivos?
Carlos Fadigas: Quem puxa
hoje a produção de plástico
verde, feito a partir do etanol, é
o consumidor, que aceita, inclusive, pagar
um prêmio para isso em benefício
do meio ambiente. A compra governamental poderia
ser uma forma de incentivar essa indústria,
além de atuar na questão da
alta carga tributária. Quando se olha
para os esforços de inovação
e tecnologia nessa área, na qual há
um risco tecnológico grande, fica evidente
que o Brasil tem pouca infraestrutura de plantas-piloto,
de teste dessas novas rotas, além dos
riscos de mercados novos. Essa questão
do encadeamento entre desenvolvimento tecnológico
e desenvolvimento de mercado traz um risco
grande para a indústria.
IEDI: Você acha que
faltam equipes técnicas para cuidar
da área industrial e de política
industrial no Brasil?
Carlos Fadigas: Sim, o próprio
governo reconhece isso. Há bons técnicos,
só não sei se na quantidade
necessária. Em nossos diálogos
com o governo, eles são muito claros
em dizer que é preciso que a indústria
diga quais são as necessidades, já
que os especialistas somos nós e que
estamos mergulhados nesses problemas. Essa
abertura do governo é boa. Mas a questão
não é de mapeamento dos problemas,
e sim de priorização da solução
e sua articulação no governo
como um todo, bem como com o setor industrial.

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