20 de Fevereiro de 2015 - nº 664

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O Paradoxo da Petroquímica: Entre as Dificuldades Estruturais Brasileiras e a Vocação Para Ser Um Player Global
 

Sumário

O presidente da Abiquim e da Braskem, Carlos Fadigas, concedeu entrevista à Carta IEDI onde aborda diversas questões de vulto da petroquímica, que é um dos segmentos mais importantes da indústria de base no Brasil.

Como o IEDI vem indagando de seus entrevistados, também fez a Fadigas a pergunta fundamental que se coloca na atualidade para a indústria brasileira: após tantos anos de descaso com temas centrais para a indústria – a exemplo do câmbio, tributos cumulativos e adversidades impostas pela logística deficiente – seria possível à petroquímica reverter a desindustrialização?

A resposta foi positiva: “Sim, porque mesmo com toda essa dificuldade ainda somos a 6ª maior indústria química no mundo. Fechou muita coisa, algumas plantas estão rodando abaixo de sua capacidade, mas o parque industrial está aí, rodando e pronto para expansão.”

“De certa forma, somos o ponto mais agudo da dificuldade de industrialização no cenário brasileiro.” Mas o setor também pode ser beneficiado se adotar as políticas corretas: “Temos um mercado significativo, boa perspectiva de oferta de matéria-prima a partir do pré-sal e, ainda, a possibilidade de desenvolver a química verde de forma competitiva globalmente. Vivemos, portanto, um paradoxo entre as dificuldades estruturais brasileiras e a vocação para ser um player global na indústria química.”

Sobre a decisiva questão do preço da nafta, explica, “trata-se de uma negociação complexa”. “Há uma incerteza enorme sobre o preço da nafta e o problema ainda não está resolvido. A nafta, que é a principal matéria-prima usada na indústria petroquímica brasileira, e a gasolina, utilizada como combustíveis dos veículos, são basicamente a mesma coisa. A nafta é uma gasolina um pouco mais pobre. Durante os últimos 15 anos, o consumo de nafta permaneceu estável no país e a Petrobras destinava sua produção para a petroquímica. Essa foi a lógica pela qual a indústria petroquímica se desenvolveu, inclusive instalando-se ao lado das refinarias a fim de agregar valor à matéria-prima nacional. No entanto, esse quadro mudou completamente quando o governo congelou o preço da gasolina e o consumo do combustível disparou. Para atender ao mercado, a Petrobras passou a usar a nafta petroquímica na produção de mais gasolina, reduzindo a oferta da nafta nacional à indústria química. Essa é a origem do problema, que nasceu fora do setor petroquímico e agora ameaça o setor.”  

Finalmente, sobre as políticas que devem ser seguidas para amparar a redinamização do setor, coloca a questão em dois planos: “A agenda de longo prazo reúne iniciativas que buscam, por exemplo, melhorar a competitividade do setor elétrico – que nos fornece um insumo importante –, ou remover os principais gargalos logísticos que elevam o custo de transporte da indústria química.”  

“A segunda agenda é aquela que nos permita sobreviver até que esse novo ambiente de negócios seja criado. Ela passa, por exemplo, por manter e ampliar o Reintegra, que devolve ao produtor parte dos tributos sobre exportações, enquanto se revê a carga tributária brasileira. Também é importante a atenção com medidas de defesa comercial contra práticas desleais que prejudicam a indústria nacional, como os mecanismos de antidumping. Precisamos trabalhar nos pilares de competitividade da indústria brasileira. Quais são os pilares? Mão-de-obra, energia, logística, matéria-prima e carga tributária, entre outros. Existem, ainda, fatores mais difíceis como o custo do dinheiro e câmbio.”

 
 

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IEDI: A importância do setor químico e petroquímico para o desenvolvimento do país é inequívoca – integra várias cadeias produtivas e dá sustentação à oferta de matérias-primas para setores econômicos de peso, como automotivo, alimentos, agronegócio e construção civil, dentre outros. As projeções da Abiquim realizadas em 2010 indicavam que o déficit comercial do setor químico poderia atingir US$ 41 bilhões em 2020. Em sua opinião, a indústria química está preparada para enfrentar a concorrência global que deve se intensificar nos próximos anos?

Carlos Fadigas: A indústria petroquímica e química brasileira sofre dos mesmos males que afetam a produção brasileira de manufaturas de um modo geral. Temos, porém, um processo de industrialização mais denso do que a média da indústria, assim como cadeias mais longas. Além de intensivo em capital, o setor consome nafta e gás natural, insumos que estão muito caros no Brasil. Portanto, de certa forma, somos o ponto mais agudo da dificuldade de industrialização no cenário brasileiro. Por outro lado, temos um mercado significativo, boa perspectiva de oferta de matéria-prima a partir do pré-sal e, ainda, a possibilidade de desenvolver a química verde de forma competitiva globalmente. Vivemos, portanto, um paradoxo entre as dificuldades estruturais brasileiras e a vocação para ser um player global na indústria química.

IEDI: A exploração do pré-sal reforçaria, inclusive, essa vocação, certo?

Carlos Fadigas: Recentemente, o Brasil produziu 3 milhões de barris equivalentes de petróleo, uma marca histórica. Apenas o pré-sal contribuiu com 700 mil barris. É uma realidade, não uma promessa. Reunimos todas as condições para o desenvolvimento de uma indústria química forte. O Japão, por exemplo, tem mercado, mas não tem matéria-prima. O Oriente Médio tem matéria-prima, mas não tem mercado. Mas há outros países que estão fazendo a ligação dos pontos entre o mercado e a matéria-prima, como o México, cuja indústria química não é tão desenvolvida. Quando eles quiseram industrializar uma parte da matéria-prima para atender a própria demanda interna, fizeram uma concorrência internacional vencida pela Braskem, que está concluindo com um parceiro local um projeto de US$ 5 bilhões de investimento. É um projeto que eu gostaria de estar fazendo no Brasil também.

IEDI: Quais fatores limitam a capacidade de crescimento do setor químico e petroquímico?

Carlos Fadigas: Para responder esta pergunta acho importante olhar um pouco para trás e comparar a evolução de alguns indicadores brasileiros com, por exemplo, México e EUA. De 2004 a 2014 o México desvalorizou sua moeda em mais de 10%, enquanto o Brasil teve uma valorização do real de 20%, sem levar em consideração a inflação do período. No Brasil o salário cresceu 100% nesse período, o que é muito bom pelo lado da renda e poder de compra dos brasileiros. No entanto, a produtividade brasileira evoluiu apenas 3%. Os EUA, por exemplo, tiveram 27% de aumento dos salários, mas sua produtividade avançou 19%. O México teve algo similar: alta de 67% nos salários e aumento de 53% em sua produtividade. Esse descompasso brasileiro aconteceu também no custo da energia elétrica, no aumento dos juros, na burocracia para fazer negócios, entre outros fatores que inibem a industrialização no Brasil. Por isso, a indústria petroquímica está em uma situação em que a sua taxa de operação varia entre 75% e 80%, uma das mais baixas de sua história. Há um estudo elaborado pela Boston Consulting Group (BCG) que mostra que a indústria de manufatura americana, depois de ter migrado em direção à China, está agora começando a voltar para os EUA, por conta do gás de xisto (shale gas), altamente competitivo.  

IEDI: Do ponto de vista de política industrial, como tem sido o suporte do governo ao setor?

Carlos Fadigas: Durante muito tempo nosso modelo econômico foi baseado no estímulo ao consumo e ao crédito. Em paralelo a isso, o governo adotou medidas pontuais de incentivo a alguns setores industriais, que foram importantes para evitar um quadro pior de desindustrialização, mas foram insuficientes. É preciso um trabalho estruturado, consistente e persistente atacando cada um dos fatores que retira competitividade da indústria brasileira.

IEDI: E como os empresários do setor têm se posicionado frente a esse cenário?

Carlos Fadigas: A Abiquim (associação que reúne as indústrias do setor químico) e a Braskem trabalham em duas agendas paralelas. A primeira é a agenda de longo prazo. São iniciativas que buscam, por exemplo, melhorar a competitividade do setor elétrico – que nos fornece um insumo importante –, ou remover os principais gargalos logísticos que elevam o custo de transporte da indústria química. Esses são apenas dois exemplos da agenda de longo prazo, visando à criação de um ambiente que permita à indústria brasileira ser competitiva e poder concorrer globalmente. A segunda agenda é aquela que nos permita sobreviver até que esse novo ambiente de negócios seja criado.  Ela passa, por exemplo, por manter e ampliar o Reintegra, que devolve ao produtor parte dos tributos sobre exportações, enquanto se revê a carga tributária brasileira. Também é importante a atenção com medidas de defesa comercial contra práticas desleais que prejudicam a indústria nacional, como os mecanismos de antidumping. Quando o IEDI estava recolhendo propostas para uma nova política industrial, mandamos as nossas contribuições. Precisamos trabalhar nos pilares de competitividade da indústria brasileira. Quais são os pilares? Mão-de-obra, energia, logística, matéria-prima e carga tributária, entre outros. Existem, ainda, fatores mais difíceis como o custo do dinheiro e câmbio.

IEDI: As dificuldades do setor são, então, de natureza geral, isto é, da indústria como um todo.

Carlos Fadigas: No setor químico temos indicações interessantes de que o problema principal de competitividade está fora das empresas. Como se trata de um setor globalizado, com diversas multinacionais atuando no Brasil e também empresas brasileiras com atuação no exterior, é muito fácil a comparação do desempenho da mesma empresa em países diferentes. Por exemplo, nós sabemos no detalhe do centavo quanto foi consumido de energia por tonelada de produto e, nesse quesito, estamos bem; mas, quando se olha o quanto é gasto em reais para comprar essa energia, aí estamos mal porque o custo no Brasil é muito alto.

IEDI: O embate sobre matéria-prima entre a Braskem e a Petrobras caminha para uma solução?

Carlos Fadigas: Trata-se de uma negociação complexa. Há uma incerteza enorme sobre o preço da nafta e o problema ainda não está resolvido. A nafta, que é a principal matéria-prima usada na indústria petroquímica brasileira, e a gasolina, utilizada como combustíveis dos veículos, são basicamente a mesma coisa. A nafta é uma gasolina um pouco mais pobre. Durante os últimos 15 anos, o consumo de nafta permaneceu estável no país e a Petrobras destinava sua produção para a petroquímica. Essa foi a lógica pela qual a indústria petroquímica se desenvolveu, inclusive instalando-se ao lado das refinarias a fim de agregar valor à matéria-prima nacional. No entanto, esse quadro mudou completamente quando o governo congelou o preço da gasolina e o consumo do combustível disparou. Para atender ao mercado, a Petrobras passou a usar a nafta petroquímica na produção de mais gasolina, reduzindo a oferta da nafta nacional à indústria química. Essa é a origem do problema, que nasceu fora do setor petroquímico e agora ameaça o setor.  

IEDI: Existem alguns setores que talvez não mais tenham solução, ou seja, a desindustrialização já aconteceu e não tem mais o que fazer. Na área petroquímica e química ainda é possível recuperar?

Carlos Fadigas: Sim, porque mesmo com toda essa dificuldade ainda somos a 6ª maior indústria química no mundo. Fechou muita coisa, algumas plantas estão rodando abaixo de sua capacidade, mas o parque industrial está aí, rodando e pronto para expansão.

IEDI: Voltando às potencialidades do pré-sal, existe um projeto de fazer um polo industrial a gás em Santos. Seria importante para a indústria ter essa rota de matéria-prima garantida?

Carlos Fadigas: O gás do pré-sal pode ser muito útil e deve permitir a expansão da indústria petroquímica, melhorando sua competitividade. Nessa questão, especificamente, já existe um núcleo industrial em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, que opera com gás vindo da bacia de Campos. Por isso, penso que, por uma questão logística, seria melhor inicialmente fazer essa planta no Rio de Janeiro. Isso porque os dutos que levarão o gás chegarão majoritariamente ao litoral fluminense. Se o pré-sal avançar com a velocidade necessária, existirão mais empresas explorando e produzindo e provavelmente alguém vai desenvolver uma rota de escoamento de gás que amplie a oferta em São Paulo.

IEDI: Existe algum gargalo em relação à mão-de-obra?

Carlos Fadigas: O que temos visto é que a indústria química não desempregou. Mas houve uma migração da mão de obra da área de manufatura para a área comercial das indústrias, porque tem muita gente importando para vender no mercado interno. O emprego na produção cai, mas o emprego total se sustenta por conta da área comercial.

IEDI: A oportunidade potencial do comércio internacional de produtos químicos com base em matérias-primas renováveis demandará investimentos na implantação de capacidade produtiva e, principalmente, em inovação, ainda que de natureza incremental. A política industrial está ajudando no desenvolvimento de novos produtos com base em matérias-primas renováveis? Que impacto isso tem na cadeia? Eleva o custo da indústria?

Carlos Fadigas: A química renovável, isto é, a química a partir de biomassa, será o futuro da indústria no longo prazo. Veio para ficar e vai ser relevante. Embora ainda não tenha muita relevância econômica, poderia e deveria ser incentivada. Mas isso ainda não acontece.

IEDI: E como poderiam ser feitos esses incentivos?

Carlos Fadigas: Quem puxa hoje a produção de plástico verde, feito a partir do etanol, é o consumidor, que aceita, inclusive, pagar um prêmio para isso em benefício do meio ambiente. A compra governamental poderia ser uma forma de incentivar essa indústria, além de atuar na questão da alta carga tributária. Quando se olha para os esforços de inovação e tecnologia nessa área, na qual há um risco tecnológico grande, fica evidente que o Brasil tem pouca infraestrutura de plantas-piloto, de teste dessas novas rotas, além dos riscos de mercados novos. Essa questão do encadeamento entre desenvolvimento tecnológico e desenvolvimento de mercado traz um risco grande para a indústria.

IEDI: Você acha que faltam equipes técnicas para cuidar da área industrial e de política industrial no Brasil?

Carlos Fadigas: Sim, o próprio governo reconhece isso. Há bons técnicos, só não sei se na quantidade necessária. Em nossos diálogos com o governo, eles são muito claros em dizer que é preciso que a indústria diga quais são as necessidades, já que os especialistas somos nós e que estamos mergulhados nesses problemas. Essa abertura do governo é boa. Mas a questão não é de mapeamento dos problemas, e sim de priorização da solução e sua articulação no governo como um todo, bem como com o setor industrial.