Carta IEDI
A estratégia industrial do IEDI para o Brasil
A Carta IEDI de hoje sumariza o documento “Indústria e o Brasil do Futuro”, resultante de discussões e reflexões dos Conselheiros do Instituto e da colaboração de reconhecidos especialistas de diferentes áreas, complementando os estudos realizados pela nossa equipe técnica. Nele apresenta-se a visão do IEDI sobre os principais desafios que o País deverá enfrentar para restabelecer a trajetória de crescimento sustentado e de desenvolvimento econômico e social. Também são abordadas as orientações fundamentais para superar tais desafios.
O documento, que está disponibilizado na íntegra no site do IEDI, mostra, por diversos ângulos, a relevância da indústria para o desenvolvimento econômico e social brasileiro, dado seu papel de liderança na inovação e sua destacada posição no emprego formal, na arrecadação de impostos, no investimento e na exportação. Por isso, cuidar bem do setor industrial faz bem à economia como um todo.
Além de enfatizar essas evidências sobre o papel da indústria, o IEDI procurou identificar as orientações e políticas necessárias para a remoção dos entraves ao bom funcionamento da economia e à promoção do desenvolvimento. O desajuste fiscal é o maior desses entraves e as iniciativas para reequilibrar as contas públicas são fundamentais. Nesse tema ainda estão por realizar as reformas Tributária e da Previdência.
É entendimento do IEDI, ainda, que a reforma Política é inadiável. Ela deve consistir na introdução de práticas que promovam a redução do número de partidos políticos e viabilizem coalizões programáticas capazes de dar sustentação à governabilidade e à execução das reformas.
O estudo recomenda vários pontos a serem seguidos para aumentar a competitividade e a produtividade da economia, envolvendo: a redução da insegurança jurídica, o desenvolvimento do mercado de capitais e o novo papel do BNDES, a diminuição do custo do crédito, a reformulação de nosso sistema tributário, com a introdução do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), os ajustes na regulação econômica e a melhora do ambiente de negócios e o incentivo aos investimentos privados em infraestrutura.
Nesta mesma direção, são recomendadas algumas linhas de políticas para ampliar e melhorar a inserção externa da economia brasileira, dentre as quais se destaca a política de acordos comerciais. O País deve abrir o maior número de frentes possíveis de negociações.
Na estratégia industrial, a exemplo do que fazem muitos outros países desenvolvidos e em desenvolvimento, são recomendadas cinco linhas de ação:
• Indústria 4.0 – o País deve criar condições para absorver as tecnologias emergentes na revolução industrial em curso a nível mundial e também assegurar certo protagonismo no desenvolvimento dessas inovações.
• Potencialização da inovação, por meio de medidas como fortalecer a educação básica e tecnológica, promover sua articulação com o setor produtivo e desenhar políticas orientadas a missões.
• Modernização do parque industrial, de modo a alavancar a produtividade e competitividade da indústria.
• Aumento da exportação de manufaturados, em especial de produtos mais complexos e intensivos em tecnologia.
• Agregação de valor a atividades em que o Brasil apresenta grande potencial de desenvolvimento ou desfruta de reconhecida vantagem competitiva, a exemplo da agropecuária.
Assim, para o IEDI, a contribuição das atividades industriais para a construção do futuro do Brasil será maximizada se forem respeitados os princípios e diretrizes abordados neste documento, pois coadunam com políticas macroeconômicas e de comércio exterior adequadas e estratégias industriais e tecnológicas consistentes.
Indústria e Desenvolvimento
Esta Carta IEDI sintetiza o documento “Indústria e o Brasil do Futuro” que apresenta a visão do IEDI sobre os principais desafios que o País deverá enfrentar para restabelecer a trajetória de crescimento sustentado e de desenvolvimento econômico e social. Também são abordadas as orientações fundamentais para superar tais desafios.
A indústria tem muito a contribuir nesse processo. A inovação industrial, ao criar novos bens, processos, tecnologias e equipamentos de produção para o conjunto da economia, promove o aumento da produtividade e da complexidade da estrutura produtiva. É isto que assegura a contínua elevação da renda e do bem-estar do conjunto da população.
Diversos aspectos ilustram a relevância do setor manufatureiro no dinamismo econômico, a começar pelo fato de que vem daí a maior parte dos gastos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Segundo dados da OCDE, a indústria de transformação nos países desenvolvidos responde por nada menos do que 70% dos gastos empresarias em P&D. No Brasil, de acordo com o IBGE, a indústria também aparece como o grande centro indutor das atividades empresariais em P&D, especialmente, a indústria de transformação, responsável por uma participação de 71% no total de dispêndios em 2014 (referente aos dados mais recentes do levantamento).
O dinamismo industrial apresenta, ademais, efeitos encadeados sobre o desempenho dos demais setores, devido às relações intersetoriais que é capaz de nutrir. A indústria, por exemplo, consome como insumo uma parcela superior a 40% da produção agropecuária. Mesmo no caso dos serviços, um setor mais fechado em si mesmo, a demanda industrial consome uma fatia não desprezível de 13%. Por isso, no Brasil, quando a indústria cresce mais, o PIB total também se expande mais. Assim, nos 15 anos em que o País cresceu acima de 3,5% a partir de 1980, a indústria de transformação avançou a taxas superiores a esse patamar em 12 desses anos.
Outra destacada razão pela qual a indústria é capaz de dinamizar a economia como um todo diz respeito aos seus investimentos. Não raras vezes, a taxa de investimento do setor industrial mostrou-se superior à taxa geral da economia brasileira. Em 2013, por exemplo, quando os investimentos totais chegaram à sua melhor marca, 20,9% do PIB, as inversões da indústria se situaram em um patamar bem superior: 24,1% do PIB setorial.
Além desses fatores, a indústria no Brasil também tem uma posição relevante na criação de empregos formais (15% do total) e na contribuição às receitas do setor público – o setor respondeu em 2016 por 27% da arrecadação, um índice que reflete a elevada carga tributária do setor: 45% do valor adicionado da indústria.
Vale mencionar, ainda, que no Brasil e no mundo a relação entre indústria e serviços vem se estreitando nos últimos anos. Por esta razão, a indústria crescentemente tem servido à exportação de serviços, em geral daqueles de maior qualidade. Segundo a OCDE/OMC, cerca de 35% do valor adicionado das exportações mundiais de manufaturados correspondem a serviços incorporados. No caso do Brasil, esta relação chega a 38%.
Assim, cuidar bem do setor industrial faz bem à economia como um todo. Manter em nível adequado o juro real, reduzir custos sistêmicos e executar políticas industriais e de inovação corretas são alguns dos instrumentos importantes para esse fim.
Paradoxalmente, não é o que o Brasil tem feito nas últimas décadas, e essa é a fonte da regressão industrial “prematura” que vem sofrendo. O País, porém, não é o único a apresentar um retrocesso da participação da manufatura na sua estrutura econômica. Outros se encontram na mesma situação, embora a maioria deles já tenha alcançado alto nível de renda média e grande avanço na automação e digitalização da produção. Mesmo assim, esses países vêm mobilizando instrumentos de política industrial para reerguer suas manufaturas e acelerar o desenvolvimento e difusão de inovações tecnológicas que estão na base da chamada indústria 4.0 ou manufatura avançada.
No caso do Brasil, o retrocesso foi acompanhado de uma especialização em ramos intensivos em recursos naturais, graças não apenas às vantagens comparativas e às dimensões continentais do Brasil, mas também ao fortalecimento do mercado interno e ao dinamismo da economia global, em um ambiente de acentuada e prolongada valorização dos preços de commodities. Em contrapartida, outros ramos da indústria mais sofisticados ou retroagiram, como os setores intensivos em escala, ou apenas lograram manter sua participação, a exemplo daqueles intensivos em engenharia e P&D, que têm uma expressão relativamente baixa na estrutura industrial do País.
A reconfiguração do perfil industrial brasileiro não teria implicações maiores para o desenvolvimento do País se não tivesse contribuído para uma evolução decepcionante de nossa produtividade. Como se sabe, é o avanço da produtividade na indústria e nos demais setores que pavimenta a trajetória de crescimento sustentado a taxas robustas.
O aumento da produtividade é resultado de um processo complexo de interações econômicas, tornando quase impossível definir apenas uma causa para sua anêmica evolução no Brasil. Mas deve-se considerar que, no caso da indústria, os ramos intensivos em recursos naturais, que ganharam projeção no setor, registraram declínio da produtividade média de 2% ao ano entre 2010 e 2015. O quadro teria sido muito melhor se os ramos mais intensivos em engenharia e P&D, cuja produtividade média cresceu 5% a.a. no mesmo período, tivessem uma expansão mais vigorosa. Não foi o que ocorreu, porque o País se descuidou de criar as condições necessárias para que as atividades industriais mais complexas e de maior conteúdo tecnológico pudessem prosperar.
De fato, o estudo realizado pelo IEDI sobre produtividade industrial revelou lacunas em políticas públicas no período que não podem ser repetidas. Faltou a execução de políticas para alavancar a produtividade industrial com foco em ações de desenvolvimento tecnológico e inovação. Em particular, seriam beneficiados os segmentos intensivos em recursos naturais, grupo este favorecido pelo contexto econômico do período, mas que reduziu sua produtividade.
Políticas com o mesmo teor poderiam ter contribuído também para um desempenho superior em outros segmentos industriais, principalmente no grupo intensivo em engenharia e P&D, que, como vimos, obteve um grande incremento na produtividade, mas cuja expressão na estrutura industrial brasileira manteve-se relativamente baixa.
Assim, a recuperação do crescimento econômico sustentado e a retomada do desenvolvimento no Brasil passam pelo reerguimento da indústria, o que pressupõe um avanço mais acentuado de sua produtividade e de sua competitividade. Isso, contudo, exige o respeito a certos padrões adequados na área macroeconômica, na tributação, na infraestrutura, na segurança jurídica, no financiamento e no custo do crédito, que são comuns nas economias desenvolvidas e nos países emergentes de maior estatura. Somente assim o País desfrutará plenamente do potencial que sua economia (e, em particular, o setor industrial) pode aportar ao desenvolvimento.
Os obstáculos à indústria e ao setor produtivo brasileiro
Recentemente, a política econômica procurou reconstituir o equilíbrio fiscal por meio do contingenciamento dos gastos públicos e de reformas estruturais, como a fixação de um teto ao crescimento real das despesas do Estado. Parte importante desta agenda, contudo, ainda está por realizar, notadamente a Reforma da Previdência – fundamental para assegurar a governança fiscal nos próximos anos – e a Reforma Tributária. Para o IEDI, o desajuste fiscal é grave e as iniciativas para reequilibrar as contas públicas são fundamentais e mandatórias. São essas as condições para destravarmos o crescimento potencial da economia e para encaminharmos solução para os demais temas que não são de natureza exclusivamente fiscal.
Entendemos que se faz inadiável no Brasil a Reforma Política, consistindo na introdução de práticas que promovam a redução do número de partidos políticos e viabilizem coalizões programáticas capazes de dar sustentação à governabilidade e à execução das reformas.
O encaminhamento dos temas relacionados ao “custo sistêmico” ou “Custo Brasil” é de suma importância para o desenvolvimento econômico e social do País. Também será relevante para conter o progressivo declínio industrial, permitindo, como consequência, o avanço em direção ao maior crescimento.
Por muito tempo, convivemos com juros básicos muito elevados em termos reais, que, quase sempre, situavam-se entre os maiores do mundo. Esta situação desencorajou a realização de investimentos e deprimiu o desempenho industrial, prejudicando a evolução da produtividade e da competitividade da produção nacional. Desde o final de 2016, contudo, o Banco Central promoveu reduções sistemáticas da taxa básica de juros (Selic), atingindo atualmente um de seus níveis mais baixos. Agora, é fundamental que esta nova realidade se perpetue, de modo a se alinhar aos patamares internacionais, seja no que diz respeito aos juros básicos, seja em relação aos juros efetivamente praticados no crédito.
Na redução dos juros cobrados dos tomadores finais dos empréstimos os esforços devem ter um foco todo adicional, visto que a redução destes têm sido proporcionalmente inferior à dos juros básicos. A resistência à baixa dos spreads praticados pelos credores no Brasil – dos mais elevados do mundo, segundo levantamento do Banco Mundial – é um fator importante para explicar essa disparidade.
Para isso deveríamos perseguir a redução de todos os custos incidentes sobre o crédito, em função da tributação, de deficiências de nosso ordenamento jurídico, referente a garantias e aos processos de falência empresarial, e de impedimentos à diversificação dos mecanismos de crédito.
Um cenário duradouro de juros baixos seria muito benéfico para o País, em especial para a indústria, devido à natureza dos bens que ela produz, que são em grande medida bens duráveis: casas e apartamentos, automóveis, eletrodomésticos e móveis adquiridos pelas famílias e, do lado das empresas, bens destinados à realização de investimentos. Em ambos os casos, a compra desses bens se dá, geralmente, por meio do crédito, envolvendo o pagamento de juros. Além disso, a aquisição de bens de inversão é condicionada a cálculos de rentabilidade futura diretamente influenciados pela taxa de juros.
Na prática, juros baixos sustentáveis retirariam ou minimizariam a enorme desvantagem imposta à aquisição de ativos reais (uma condição necessária ao investimento) em relação aos ativos financeiros, a exemplo dos títulos públicos, com rentabilidade e segurança superiores. Assim, deixaríamos de punir o que deve ser premiado: a orientação dos capitais para o investimento produtivo, pois é ele que gera renda, empregos e inovação e eleva a produtividade.
Juros domésticos sistematicamente em linha com padrões internacionais também é um pré-requisito para o desenvolvimento do mercado de capitais. Com isso, as empresas dependeriam menos de fontes oficiais de crédito para financiar seus investimentos. Ainda falta muito para que o País atinja esse estágio e algumas ações sugeridas pelo IEDI podem acelerar e aperfeiçoar funcionamento desse mercado, como a eliminação de obstáculos à colocação de títulos corporativos.
Os bancos oficiais, como o BNDES, teriam um papel importante a desempenhar nesse processo. Ao mesmo tempo, porém, isso permitiria que esses agentes se voltassem para fins mais estratégicos do que vem sendo feito. O IEDI defende que a atuação do BNDES priorize áreas com maior capacidade de alavancar o desenvolvimento econômico-social do País, a exemplo do financiamento da inovação, de programas de modernização produtiva com vistas ao aumento da produtividade, da infraestrutura, de micro e pequenas empresas, das exportações de produtos de maior complexidade, entre outras frentes.
Nesse sentido de aprimorar a ação estratégica do BNDES, algumas proposições podem ser de grande valia: reformulação e ampliação de escopo da Finame para privilegiar os instrumentos de difusão de produtividade; criação de uma Finame Produtividade com uma vertente para a indústria 4.0; estabelecimento de um fundo de investimento em empresas de base tecnológica e inovadoras; apoio à Economia de Baixo Carbono e à transição energética, entre outras sugestões.
Há também medidas operacionais específicas, como a diminuição do prazo de tramitação e das exigências relativas aos créditos para empresas de bom risco financeiro e a redução e agilização dos requerimentos das operações indiretas, tornando-as mais atrativas para os bancos agentes.
O Brasil ainda aparece na contramão da economia internacional em outros temas que também elevam os custos da produção doméstica se comparados aos de outros países. Isso confere aos produtos importados uma ampla vantagem competitiva. Por outro lado, como esses custos não são passíveis de compensação na venda ao exterior, eles encarecem a exportação, o que impacta negativamente a capacidade de o produto brasileiro concorrer no mercado internacional.
Trata-se do “custo Brasil” ou “custo sistêmico”, que pode alcançar níveis expressivos como proporção do custo total de produção, em função, entre outros fatores, da complexidade e da cumulatividade tributária – ou seja, de impostos retidos e não compensados ao longo da cadeia de produção. Neste campo, a pretensão do setor industrial deve ser alta, defendendo a instituição de um IVA nacional que reúna todos os impostos e contribuições indiretos das três esferas de governo, primando pela simplificação em sua estrutura e clareza na aplicação.
Dentre os princípios que devem nortear a criação do IVA brasileiro destacam-se: a incidência não-cumulativa sobre uma base ampla de bens e serviços, incluindo operações com direitos e intangíveis; desoneração completa das exportações com a devolução ágil dos créditos acumulados pelos exportadores; não incidência sobre investimentos, através da garantia de crédito integral e imediato para os bens e serviços incorporados ao ativo imobilizado; crédito amplo e devolução tempestiva de créditos acumulados; incidência sobre o preço líquido do próprio IVA (incidência por fora); poucos regimes especiais e ausência de benefícios fiscais.
A instituição do IVA contribuiria decisivamente para a redução tanto do custo administrativo das empresas no cumprimento das obrigações fiscais quanto da insegurança jurídica decorrente do atual emaranhado tributário do País. Vale ressaltar que não apenas no âmbito tributário, mas em vários pontos de interação entre empresas e governos ou agências regulatórias, há muito o que ser desburocratizado, assegurando processos com maior segurança jurídica. A simplicidade tributária e regulatória deve se tornar a norma para qualquer empresa de qualquer porte e de qualquer setor de nossa economia, reduzindo custos e atrasos que, hoje, ferem a competitividade do produto nacional.
A Complexidade Tributária
Para além das alíquotas dos impostos em si, a complexidade do próprio sistema tributário no Brasil gera custos expressivos para as empresas, que são obrigadas a manter grandes equipes integralmente dedicadas ao acompanhamento e entendimento da contínua metamorfose na estrutura de impostos e regras. Um indicador do desperdício de energia aparece no relatório Doing Business do Banco Mundial, que registra o tempo gasto pelas empresas para preparar e pagar seus impostos anualmente. Só em 2017 foram 1.958 horas de trabalho, estando muito acima da média da América Latina, que é de 331 horas, e a da OCDE, de 165 horas.
Outra grave consequência da complexidade tributária é a insegurança jurídica. No final de 2014, o valor do contencioso tributário registrado no balanço das 30 maiores empresas não financeiras de capital aberto do Brasil como tendo perda provável ou possível correspondia a 32% do valor de mercado dessas empresas. Mas a complexidade e o contencioso não afetam apenas as grandes empresas. Levantamento realizado no final de 2017 pela Endeavor constatou que 86% das empresas brasileiras possuem alguma pendência no pagamento de tributos ou no cumprimento de determinações de órgãos federais. Ou seja, nosso sistema tributário inibe não apenas investimentos de grandes grupos empresariais interessados em atuar no Brasil, como também a atuação de empreendedores que buscam transformar uma boa ideia em um negócio promissor.
Por isso, uma reforma tributária precisa privilegiar a redução da complexidade, buscando a simplicidade e a clareza, com a fusão de impostos e a redução ao mínimo necessário das exceções e dos regimes especiais.
Compõe ainda o “custo sistêmico” o ônus para o setor produtivo ditado pelo atraso dos investimentos em infraestrutura. Segundo o Banco Mundial, o investimento no setor chegou, no máximo, a 2,5% do PIB desde o ano 2000, o que sequer foi suficiente para compensar a depreciação da infraestrutura. Os investimentos privados na área precisam ser acelerados, por meio de concessões e parcerias público-privadas e do aprimoramento dos marcos regulatórios que leve em conta as especificidades dos entraves em cada segmento da infraestrutura. Deste modo, haverá uma melhora das condições para a oferta de bens e serviços na economia brasileira.
Em algumas áreas o quadro é dramático, como em portos, cujos contratos de concessão entre 1990-2016 asseguraram, segundo dados do Banco Mundial, o menor volume de investimentos no acumulado no período dentre as diferentes áreas de infraestrutura. Na energia elétrica, além de investimentos insuficientes, outro problema que subtrai competitividade à produção nacional é a ausência de uma política energética voltada à indústria, ou ao menos aos seus ramos eletro-intensivos, tal como é amplamente praticado em países desenvolvidos.
Os investimentos em infraestrutura podem ser estimulados ainda com a promoção do desenvolvimento do mercado de seguros garantia (especialmente performance bonds) para concessões de infraestrutura, além do apoio à repactuação ou à venda de contratos de concessão de forma a viabilizar projetos já concedidos.
Nesse tema, a atuação do BNDES e dos bancos de fomento também continuará importante, sobretudo, ao contemplar os seguintes aspectos: viabilizar financiamentos nos moldes de um project finance non recourse; flexibilizar as linhas de crédito com aumento dos desembolsos para capital de giro (prazo e taxas competitivas) e dos empréstimos ponte; criação/utilização de fundos garantidores; aceitação de diversos tipos de garantias; possibilidade de compartilhamento de garantias pelos bancos de fomento, especialmente em se tratando de debêntures incentivadas.
Quando o País se aproximar das condições vigentes no mundo nos temas aqui abordados, a indústria, assim como a produção nacional como um todo, estará em igualdade em sua competição com os similares estrangeiros, tornando-se também menos vulnerável às oscilações da taxa de câmbio. Terá, assim, maior ou menor sucesso na concorrência internacional de acordo com a produtividade e a geração de inovações. Este é o País que se espera construir nos próximos anos.
Entretanto, não parece adequado aguardar a solução dessas questões para então se promover a aproximação da economia com o exterior, dado o atraso em que o País se encontra neste tema. Os caminhos devem ser coincidentes e mutuamente mandatórios, de modo que um possa auxiliar e promover o outro.
É fundamental, então, elaborar e executar uma verdadeira política de comércio exterior, que garanta previsibilidade e tempo de adaptação a todos os atores, baseada em três principais vertentes: acordos comerciais, facilitação do comércio e financiamento às exportações. São exemplos de ações que poderiam ser adotadas: simplificação, racionalização e aperfeiçoamento da legislação que regula o comércio exterior; desobstrução dos canais de financiamento às exportações e participação em grandes acordos comerciais, pois este é o caminho mais rápido, efetivo e promissor para superar o isolacionismo que o País se impôs. Além disso, o País deve abrir o maior número de frentes possíveis de negociações e estabelecer uma nova dinâmica para o Mercosul, enfatizando o efetivo livre comércio, a harmonização de normas e a maior flexibilidade para seus membros, entre outras medidas.
Bem trilhados esses caminhos simultâneos, endereçaremos a remoção de outra grande distorção de nossa economia: a desproporcional presença brasileira no comércio de manufaturas (apenas 0,6% das exportações globais) em relação à participação da indústria brasileira no âmbito mundial (1,8% em 2016). As experiências históricas indicam que é impossível ignorar o papel da ampliação das exportações de manufaturados na evolução dos países que almejam o desenvolvimento.
Os benefícios que o comércio exterior proporciona ao elevar o acesso a insumos, a bens de capital e a tecnologias com custo menor e maior produtividade terão decisiva importância para a economia doméstica.
Estratégia Industrial, Inovação e Exportação de Manufaturados
O IEDI avalia que é imprescindível para o Brasil adotar instrumentos modernos de política industrial, a exemplo de outros países. Assim, potencializará as contribuições que o dinamismo do setor traz para o desenvolvimento, por meio da inovação, dos avanços na produtividade, da geração de renda e de emprego e do estreitamento dos laços com os mercados internacionais.
Estratégias industriais vêm sendo recomendadas por instituições globais como a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e têm sido aplicadas pelos governos de grandes potências econômicas, como EUA, Alemanha e Japão, e pelos principais emergentes, como a China e a Índia. As iniciativas visam fortalecer o setor industrial e tornar a indústria 4.0 uma realidade.
A política industrial ocupou espaço relevante nas agendas dos mais variados países no passado, continua ocupando agora e, certamente, ocupará no futuro. O Brasil não pode se dar ao luxo de não percorrer o mesmo caminho e assistir de braços cruzados o novo salto no progresso industrial, já em curso em outras regiões do planeta.
Por isso, se não priorizar o tema da indústria 4.0 e acelerar a formulação de um plano nacional robusto e coeso, articulando os agentes de seu sistema de inovação e os instrumentos de política industrial, sua posição no ranking global da manufatura, que já está em rota descendente, pode recuar ainda mais. Em 2016, o País encontrava-se na 9ª colocação, isto é, muito próximo de ser excluindo do grupo das dez maiores potências industriais.
O IEDI defende, assim, que o País crie condições para absorver as tecnologias emergentes da indústria 4.0, mas com certo protagonismo e ambição de também participar do desenvolvimento dessas inovações. Neste sentido, serão necessárias ações preparatórias que não se referem diretamente à indústria 4.0, embora permitam que a indústria de diversos segmentos e estratos de empresas se preparem para dar o salto em direção ao novo padrão industrial. Há também que se pensar na formação de recursos humanos e competências tecnológicas necessárias à indústria do futuro, bem como para a transformação do tecido industrial, seja o de empresas de todos os portes, sobretudo aquelas de base tecnológica, seja das cadeias industriais em que o Brasil possui posição de relevo global.
Dentre as ações que poderiam contribuir para estes objetivos podemos incluir: apoio financeiro público para soluções vinculadas à indústria 4.0, ações de encorajamento à contratação de serviços de consultoria em programas de melhoria de qualidade e produtividade; estímulos ao desenvolvimento de soluções tecnológicas baseadas em microeletrônica; constituição de protótipos de unidades de produção com elevados índices de automação a partir dos Institutos Senai de Inovação; atração de recursos humanos estrangeiros altamente capacitados; apoio financeiro à aquisição de ativos tecnológicos no exterior; estímulo à criação de empresas de base tecnológica para a indústria 4.0, entre outras medidas discutidas neste documento.
Em consonância com as experiências internacionais mais recentes e a premente necessidade de acompanhamento da próxima revolução tecnológica da indústria, o IEDI sugere a adoção de uma estratégia industrial organizada em torno de cinco eixos principais:
1. A adoção de uma política para a indústria 4.0, cujos contornos já foram indicados;
2. A potencialização da inovação empresarial, com particular atenção às tecnologias 4.0;
3. A ampliação e modernização do parque industrial, de modo a alavancar sua produtividade e competitividade;
4. O aumento da exportação de manufaturados, em especial de produtos mais complexos e intensivos em tecnologia;
5. A agregação de valor a atividades em que reconhecidamente o Brasil apresenta forte vantagem comparativa, a exemplo da agropecuária.
Quanto à potencialização da inovação, três iniciativas deveriam ser priorizadas: (i) acompanhar sistematicamente as necessidades tecnológicas das empresas e monitorar a difusão de inovações, o que exigirá infraestrutura tecnológica, redes de comunicação, internet das coisas, máquinas e equipamentos especializados, além de softwares e serviços tecnológicos que utilizem inteligência artificial; (ii) fortalecer a educação básica e tecnológica e promover sua articulação com o setor produtivo, por meio da criação de cursos específicos em nível técnico, graduação e pós-graduação, assim como fundos e linhas de financiamento à pesquisa universitária em áreas de interesse social e econômico – neste item, é importante prever a introdução de novas tecnologias na educação e inserção de pesquisadores na indústria, entre outras iniciativas –; (iii) desenhar políticas orientadas a missões, pois estas permitem considerar as interações dinâmicas entre políticas horizontais (por exemplo, educação, capacitação tecnológica, pesquisa e inovação) e verticais (saúde, meio ambiente, energia, etc.).
Além destas três diretrizes de ação, é de fundamental importância que o Estado brasileiro, assim como ocorre em outros países, alavanque cada vez mais a inovação. Para tanto, é necessário não apenas aumentar o volume de recursos federais destinados à Ciência, Tecnologia e Inovação, mas também modificar o padrão de dispêndio desses recursos. Neste sentido, a MEI – Mobilização Empresarial pela Inovação vem sugerindo um conjunto de princípios que o IEDI julga oportuno, tais como: interromper a tendência de queda do orçamento do MCTIC; instituir um fundo de fomento à inovação, com a estrutura e perenidade dos fundos constitucionais e autonomia operacional; aprimorar a execução dos Fundos Setoriais e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; ampliar o uso de outros instrumentos de fomento à inovação nas empresas; estimular a expansão do modelo EMBRAPII; dar continuidade ao programa Inova Empresa e fomentar o desenvolvimento do mercado de venture capital, entre outras medidas.
Para que a inovação garanta a competitividade da indústria no longo prazo, é necessária a execução de um programa de modernização, já que os desincentivos que a economia brasileira tem conferido ao investimento produtivo elevaram a idade média dos equipamentos industriais nos últimos anos, afastando-se da média internacional. Para a renovação e atualização do maquinário da indústria, seriam de grande valia ajustes em programas de financiamento do BNDES com o estabelecimento de parâmetros que reforçassem a adoção de tecnologias modernas.
Os objetivos principais desta iniciativa são reerguer a indústria de bens de capital, cuja perda de produção durante a crise de 2014-2016 foi da ordem de 40%, elevar a produtividade industrial e criar condições de integração à indústria 4.0.
Nesta direção, as políticas de conteúdo local são um instrumento poderoso, cujos efeitos positivos são mais ou menos efetivos em função da interação que estabelece com outras políticas, tanto de natureza industrial como macroeconômica. Seu sucesso, entretanto, depende que determinados parâmetros sejam respeitados, como, por exemplo, uma concepção de extrema seletividade, acompanhada de apoios suficientes para alcançar resultados que assegurem competitividade internacional. Assim, o setor beneficiário da política de conteúdo local passará rapidamente do rol dos portadores de deficiências ou insuficiências competitivas para o grupo dos competitivos. Ao se minimizar os custos da política, crescem as possibilidades de seu sucesso.
Deste modo, o IEDI julga inoportuno invalidar todo e qualquer desenho de política de conteúdo local, como muitos têm defendido no Brasil. É verdade que algumas de nossas experiências recentes nesse campo não tiveram os resultados almejados, seja por deficiências em sua concepção, seja por erros e desvios em sua implementação. Entretanto, ainda são necessárias avaliações mais robustas de todas essas experiências.
No caso das políticas de conteúdo local, bem como de qualquer outra política industrial, notadamente aquelas que envolvem algum subsídio ou isenção tributária, o IEDI, como tem feito desde sua constituição, em 1989, defende a fixação de prazos para o término de tais políticas, avaliações periódicas dos resultados e constante aperfeiçoamento.
Quanto à ampliação da exportação de manufaturados, é imperativo estreitar os laços entre as políticas industrial, de inovação e a de comércio exterior, que no Brasil, continuam sendo muito tênues. Em economias emergentes com trajetórias de sucesso industrial, a articulação entre essas políticas perpetuou nas empresas a capacidade de concorrência construída a partir de vantagens decorrentes da inovação e do aprendizado obtido com suas experiências nos mercados externos. Neste particular, o Brasil tem muito a evoluir.
Para seguir este caminho, o País precisa rapidamente encontrar soluções para os problemas de toda ordem que retiram competitividade de sua produção, como relatado anteriormente. Precisa ainda adotar uma política de comércio exterior firme e inteligente, garantir a manutenção do atual sistema de defesa comercial brasileiro e investir maciçamente em inovação e tecnologia, se quiser elevar a participação de produtos complexos e de maior intensidade tecnológica em sua pauta de exportações. Uma política moderna e adequada de apoio à inovação é condição crucial para o êxito da política de comércio exterior, sobretudo, em um ambiente de disrupção tecnológica que vem emergindo com a indústria 4.0.
Além disso, enquanto não é plenamente executada a Reforma Tributária, o dinamismo das exportações de manufaturados ganharia impulso relevante com o restabelecimento do REINTEGRA. Mas para que efeitos positivos deste instrumento sejam integralmente potencializados é importante que não passe por novos episódios de interrupção, garantindo assim uma previsibilidade de prazo longo o suficiente para encorajar nas empresas a adoção de estratégias mais ostensivas de conquista de mercados externos. Cabe ainda elucidar que o REINTEGRA não constitui um subsídio, mas sim um mecanismo de devolução de impostos pagos pelos exportadores e que não são passíveis de recuperação no momento da exportação.
Outro eixo de uma nova estratégia industrial no País refere-se ao desenvolvimento do complexo agroindustrial. O setor agropecuário apresenta hoje uma forte interação com o setor industrial, muito maior do que se imagina. Por essa razão, o dinamismo no campo tem tudo para estimular o avanço industrial, enquanto, por outro lado, o progresso da indústria, notadamente naquilo que diz respeito à incorporação de novas tecnologias em máquinas, equipamentos e insumos para o setor agrícola, constitui uma via importante para o avanço e a consolidação de uma agropecuária moderna.
Esta relação de mão dupla entre os dois setores deve se intensificar ainda mais no futuro próximo e incluir cada vez mais serviços conexos, pois novas fronteiras estão se abrindo com a aceleração de inovações tecnológicas recentes. Desta forma, será possível desenvolver uma manufatura de sucesso a partir de vantagens comparativas naturais e alavancadas pela tecnologia já disponível ou em fase final de desenvolvimento.