Carta IEDI
Mais do mesmo
Passadas as perturbações de maio e junho, devido à paralisação dos caminhoneiros, e uma entrada no segundo semestre com sinais dissonantes, o nível de atividade econômica parece ter recobrado parte de suas forças em agosto. O quadro, porém, exige cautela não apenas porque a indústria, por dois meses seguidos, não tem reagido, mas também porque resultados bastante positivos, como o do comércio varejista, podem ter sido ajudados por fatores localizados.
Em agosto de 2018, dentre os grandes setores da economia, quem melhor se saiu foi o varejo, cujas vendas reais em seu conceito restrito atingiram um avanço de 1,3% frente a julho, já descontados os efeitos sazonais. Esta foi a maior alta do ano nesta comparação e resultou do crescimento da grande maioria de seus segmentos, dado que apenas um deles ficou no vermelho. No conceito agregado, que inclui veículos, autopeças e material de construção, a variação foi de +4,2%.
Inflação baixa, crédito menos restringido e alguma melhora do emprego têm contribuído, mas é preciso também lembrar que agosto trouxe a ampliação da liberação extraordinária de recursos das contas PIS-PASEP. Este último, sendo um aspecto isolado, pode ter impulsionado o resultado mais robusto do varejo no mês em questão, algo que pode muito bem não se repetir no momento seguinte.
Serviços, cujos mercados são mais aderentes à renda corrente da população e ao nível geral da atividade econômica, também mostraram desempenho positivo em agosto, de +1,2% ante julho, sem efeitos sazonais. A trajetória do setor, contudo, tem sido marcada por forte alternância entre altas e quedas, sobretudo após a greve dos caminhoneiros. Isso tem se verificado, inclusive, na maior parte de seus diferentes segmentos.
Além disso, agosto não foi um mês favorável de forma unânime para os serviços. Dois de seus cinco segmentos tiveram perda de faturamento real frente a julho. Foram os casos de serviços de informação e comunicação, para quem a crise ainda é muito presente, e aqueles prestados às famílias, fortemente restringidos pelo baixo crescimento da renda e do emprego. Os demais três segmentos cresceram em agosto apenas para compensar as quedas do mês anterior, de modo meramente parcial, exceto para os serviços profissionais, administrativos e complementares.
Se o varejo e os serviços avançaram em agosto, de forma mais disseminada no primeiro do que no segundo, o mesmo não pode ser dito da indústria, cuja produção variou para baixo mais uma vez. As quedas de -0,1% em junho e de -0,3% em agosto são pequenas, mas são mais do que suficientes para indicar que o setor começou praticamente estagnado a segunda metade de 2018. E assim foi para seu agregado bem como para a grande parte de seus ramos: 14 dos 26 acompanhados pelo IBGE ficaram no vermelho, o que relativiza o peso do impacto negativo da paralisação técnica de uma refinaria paulista no agregado do setor.
Também do ponto de vista geográfico, o recuo da indústria se mostrou relativamente amplo, atingindo 6 das 15 localidades pesquisadas pelo IBGE, inclusive e sobretudo os principais estados da região Sudeste. O destaque recai sobre São Paulo, que possui a indústria mais densa e diversificada do país, com retrações também em julho e agosto, mas com o agravante de terem sido mais intensas do que para o total Brasil: -1,2% e -0,9%, respectivamente, na série com ajuste.
Deste modo, se o PIB vier a mostrar crescimento em agosto, como sugere o indicador IBC-Br do Banco Central, não terá sido graças ao setor industrial. Segundo este indicador, que funciona como uma proxy do PIB, o nível de atividade da economia aumentou +0,47% em relação a julho, já descontados os efeitos sazonais, consistindo na terceira alta consecutiva.
O quadro geral destes oito meses de 2018 sugere a continuidade da reativação da economia, mas sem que se tenha ganhado velocidade adicional. Este aspecto fica nítido se compararmos o ritmo de crescimento interanual do acumulado de jan-ago/18 com aquele de 2017 como um todo. No caso da indústria, temos exatamente o mesmo dinamismo de +2,5% em ambos os períodos, e algo muito semelhante no caso do varejo: +2,6% e +2,1%, respectivamente. Os serviços, por sua vez, ainda nem saíram da recessão, com queda de 0,5% em jan-ago/18, embora já tenham regredido mais no ano anterior (-2,8% em 2017).
Não por outro motivo, as expectativas para o crescimento do PIB neste ano foram sendo progressivamente reduzidas de forma a se aproximar do resultado de 2017. Segundo as projeções da pesquisa Focus do Banco Central, a economia deve crescer algo como 1,3%, não muito diferente do 1% de 2017, o que significa, em outras palavras, apenas mais do mesmo.
Indústria
A indústria não começou nada bem a segunda metade de 2018. Embora pouco intenso, houve recuo tanto em julho (-0,1%) como em agosto (-0,3%) na série com ajuste sazonal, representando mais um capítulo de uma série de resultados que vem desidratando a recuperação do setor em 2018.
Das 15 localidades acompanhadas pelo IBGE, 6 registraram variações negativas na passagem de julho para agosto, já descontados os efeitos sazonais, o que sugere uma razoável disseminação do mau desempenho no mês, assim como já havia indicado a proporção de ramos no vermelho (14 dos 26). Isso claramente relativiza o papel desfavorável de alguns impactos pontuais em agosto, tal como a paralisação técnica de uma refinaria paulista.
Outro aspecto que dá a entender que a perda de dinamismo pode ser mais sistêmica do que resultado de eventos isolados é que ela vem ocorrendo desde a entrada do ano de modo relativamente persistente. Vale lembrar que o nível de produção em agosto de 2018 está 1,1% abaixo daquele de dezembro de 2017 e que o ritmo de expansão em 2018, pelo menos até agora, não avançou em nada em relação ao de 2017 como um todo, mantendo-se em +2,5%.
Os bens de consumo avançaram pouco até abril e ainda não conseguiram recompor seus níveis de produção para níveis anteriores à paralisação de maio. No caso de bens de consumo duráveis, o saldo total do período todo de dez/17 a ago/18 é negativo, isto é, o nível de produção em agosto de 2018 encontrava-se 0,7% abaixo daquele de dezembro de 2017. Já no caso dos bens de consumo semi e não duráveis, o resultado final ago18/dez17 permaneceu positivo em 0,4%, devido ao menor retrocesso entre abril e agosto (-0,2% apenas).
Bens intermediários, por sua vez, retomaram em agosto o nível de produção de abril (+0,1% para ago18/abr18), mas tinham registrado um declínio importante no começo do ano, decorrente de quedas sucessivas de janeiro a março. Desta maneira, seu nível de produção em agosto encontrava-se 2,4% abaixo daquele de dezembro de 2017. A única exceção neste quadro geral da indústria foi o seu macrossetor de bens de capital, que conseguiu crescer 5,3% em agosto frente a julho.
Do ponto de vista regional, a evolução da indústria de São Paulo, que é a mais diversificada do país, tem sido uma das principais responsáveis pelo comportamento de perda de dinamismo na entrada do segundo semestre do ano. Assim como o total Brasil, São Paulo também ficou no vermelho em julho e agosto na comparação com ajuste sazonal. Neste caso, porém, as quedas foram mais intensas: -1,2% e -0,9%, respectivamente. Seu nível de produção em agosto estava 3% abaixo daquele de dez/17, isto é, três vezes pior que o total Brasil.
Com isso, no acumulado do ano a indústria paulista parou de melhorar. O ritmo de crescimento em 2018 até agosto, de +3,7%, permanece no mesmo patamar de 2017, que foi de +3,5%. Muito disso, se deve a uma piora em vários ramos bastante distintos, como alimentos; têxteis; vestuário e acessórios; produtos de limpeza, perfumaria e cosméticos; bebidas; papel e celulose; informática e eletrônicos etc. Como alento, ao menos, o estado continua crescendo mais que o total Brasil em 2018.
Mas não é só São Paulo que não vê sua recuperação progredir. Este é um mal que afeta outros importantes parques industriais da região Sudeste. A indústria do Rio de Janeiro ficou igualmente no vermelho em julho (-0,5%) e agosto (-0,3%) na série com ajuste e seu nível de produção no oitavo mês de 2018 encontrava-se 3,7% abaixo daquele de dez/17. E do mesmo modo que São Paulo e o total Brasil, o corrente ano pouco adicionou dinamismo à sua recuperação: +4,1% em 2017 e +4,5% em 2018 até agosto, frente a igual período do ano anterior.
No caso de Minais Gerais, houve alta em agosto, mas de apenas 0,5% frente ao mês anterior, o que não foi suficiente para recompor a retração de 1,2% em julho, na série com ajuste. Devido a meses de razoável crescimento, como abril e junho, a indústria mineira encontra-se em um patamar um pouco acima (+0,5%) de produção acima daquele de dez/17. Contudo o resultado geral de 2018, por ora, não é favorável: -1,3% no acumulado até agosto contra +1,2 em 2017 como um todo.
Do lado daqueles que têm conseguido se sair melhor, destacam-se o Rio Grande do Sul, a despeito de uma trajetória cheia de altos e baixos, com crescimento de 3,7% em jan-ago/18 contra mero +0,5% em jan-dez/17, e a região Nordeste, devido a uma aceleração muito recente, mas que foi capaz de tirar sua indústria do campo negativo: +0,7% no acumulado jan-ago/18 versus -0,4% em jan-dez/17 frente a iguais períodos do ano anterior.
Comércio
Diferentemente da indústria, cuja produção ficou no vermelho em agosto, o comércio varejista registrou não apenas aumento de suas vendas reais, como atingiu a melhor marca de 2018 na série com ajuste sazonal. A alta foi de 1,3%, depois de uma sequência de três meses de declínio iniciada com as perturbações decorrentes da paralisação dos caminhoneiros no final de maio. Em seu conceito ampliado, que inclui veículos, autopeças e material de construção, o resultado foi de +4,2%.
Assim, o desempenho de agosto funcionou como uma recomposição tardia e parcial da perda acumulada de vendas entre maio e julho, da ordem de -1,5% no conceito restrito e de -2,7% no conceito ampliado, mas fatores pontuais também podem ter contribuído para o crescimento no mês, como a liberação extraordinária de recursos das contas PIS-PASEP. Isso em um ambiente de baixa inflação e de condições de crédito e de emprego um pouco menos prejudiciais às decisões de consumo.
O avanço das vendas foi também disseminado entre os segmentos do varejo. Apenas um dos dez acompanhados pelo IBGE, o de livros, jornais, revistas e papelaria, que passa por transformações estruturais em seus mercados, ficou no negativo. O principal destaque positivo do mês ficou por conta do segmento de tecidos, vestuário e calçados, com crescimento de 5,6% ante julho, com ajuste sazonal, o que reforça a hipótese do papel favorável da liberação das contas PIS-PASEP.
Outro destaque foram as vendas reais de material de construção, que obteve o melhor resultado de 2018 (+4,6% frente a julho, com ajuste), se excluirmos os solavancos derivados da greve de maio. Neste caso, a melhora das condições de financiamento à habitação da Caixa Econômica Federal pode ter conferido estímulo adicional às vendas deste segmento.
De todo modo, a despeito de agosto ter sido um mês de avanços, o quadro geral de 2018 não parece se distinguir muito daquele da indústria. Em outras palavras, o comércio varejista também enfrenta dificuldades para obter uma recuperação mais robusta. O que, por enquanto, tem evitado uma performance inferior é o fato de os primeiros meses do ano não terem sido ruins. Isso vale igualmente para a maioria dos segmentos do varejo.
O nível de vendas reais do varejo como um todo em agosto encontrava-se 2,7% acima daquele de dez/17 (+5,6% no conceito ampliado), mas não em função da evolução após a paralisação dos caminhoneiros, que, a apesar do bom resultado de agosto, permanece negativa: -0,2% (só +1,4% no caso do varejo ampliado).
Em alguns segmentos, a perda neste período mais recente foi tão forte que os manteve no vermelho, como nos casos de combustíveis e lubrificantes (-0,4% ago18/dez17) e móveis e eletrodomésticos (-1,5%). Já para tecidos, vestuário e calçados e para material de construção, o quadro se inverte, com o período entre abril e agosto implicando reforço no resultado em 2018 (+4,1% e +2,5%, respectivamente).
A comparação no acumulado do ano indica igualmente a dificuldade de dar passos à frente na trajetória de reativação do varejo. De janeiro a agosto, o setor em seu conceito restrito cresceu 2,6% frente a igual período do ano anterior, não muito diferente do resultado de 2017 como um todo (+2,1%). A alta de apenas +1,6% no 2º trim/18 e no bimestre de julho-agosto, se vier a se configurar como um novo padrão de dinamismo, deve aproximar ainda mais 2018 de 2017.
A situação é melhor no varejo ampliado, devido a veículos e autopeças, com expansão das vendas reais de +5,6% em jan-ago/18 contra +4,0% em jan-dez/17. Há, contudo, uma mesma tendência de perda de dinamismo em 2018, com taxas de +4,7% no 2º trim/18 e +4,9% em julho-agosto, depois de ter ficado em torno de 7% até os primeiros meses do presente ano.
Serviços
O setor de serviços ainda mostra, em 2018, muita hesitação para dar início à sua trajetória de recuperação, o que tem se traduzido, na série com ajuste sazonal, a uma clara alternância de resultados favoráveis e desfavoráveis. Por ora, continua em recessão, à diferença do comércio varejista e da indústria que, a despeito das dificuldades em ganhar velocidade, já voltaram a crescer. Corre-se o risco, então, de os serviços terem seu quarto ano seguido de perda.
Em 2018, dos oito meses conhecidos, foram cinco de queda ou estabilidade e três de aumento do faturamento real do total dos serviços. Em agosto, o setor conseguiu crescer 1,2%, conferindo certo alento já que este ritmo não é nada desprezível para os padrões recentes do setor. Há poucos sinais, contudo, de que este resultado um pouco mais robusto vá dar início a uma sequência de altas sucessivas. Isso seria importante para começar a mudar para melhor o quadro do setor.
A grande maioria dos segmentos dos serviços identificados pelo IBGE também têm vivido entre altos e baixos, inclusive aqueles que melhor se saíram em agosto, como os serviços profissionais, administrativos e complementares, que são demandados pelas empresas, transportes e correios, que refletiram diretamente a paralisação dos caminhoneiros em maio, e outros serviços, que congregam um conjunto diversificado de atividades.
Já os serviços de informação e comunicação e aqueles prestados às famílias continuam fortemente restringidos pelo baixo crescimento da renda e do emprego. No primeiro caso, a série com ajuste sazonal é majoritariamente negativa desde o começo de 2018 e no segundo caso a partir de maio. Agora em agosto, caíram 0,8% e 0,6%, respectivamente.
O saldo final dessas evoluções oscilantes geralmente não é dos melhores. Para o setor como um todo, o nível de faturamento real em agosto de 2018 é exatamente o mesmo de dezembro de 2017, ainda que tenha ocorrido avanço depois das perturbações da greve em maio. Em alguns casos o saldo é negativo.
Encontravam-se em ago/18 com um nível de faturamento real inferior àquele de dez/17 o segmento de informação e comunicação (-1,1%), que entrou em crise só a partir de 2016 e que não esboça nenhuma reação para superá-la, e os dois segmentos que estão mais distantes de retomar os picos anteriores de faturamento: serviços profissionais, adm. e complementares (-0,4% para ago18/dez17 e 18% abaixo de out/14) e outros serviços (-0,1% para ago18/dez17 e 24% abaixo de ago/11). Inclusive, a base muito baixa de comparação do segmento de outros serviços vem ajudando seu resultado no acumulado até ago/18 a ficar no positivo (+2,3% ante jan-ago/17), depois de quedas sucessivas pelo menos desde 2013.
Já dentre aqueles que obtiveram um avanço de faturamento entre dez/17 e ago/18, estão os serviços prestados às famílias (+3,2%), mas isso graças apenas aos primeiros meses de 2018 (+4,0% para abr18/dez17), quando pareciam caminhar para dias melhores, e os serviços de transporte, seus auxiliares e correios (+2,8%), que conseguiram restabelecer uma trajetória com resultado final positivo depois da greve dos caminhoneiros (+2,8% para ago18/abr18). Vale lembrar que este último segmento foi o único a crescer tanto em 2017 (+2,3%) como no acumulado até ago/18 (+1,3%) frente a igual período do ano anterior.
À exceção de transportes e correios e de outros serviços, bem como do grupamento especial de atividades turísticas, todos os demais segmentos permanecem no vermelho em 2018. Para alguns, o ano tampouco tem trazido quedas menos intensas, como para os serviços prestados às famílias (-1,1% em jan-dez/17 e -0,9% em jan-ago/18 ante mesmo período do ano anterior) e informação e comunicação (-2,0% e -1,7%, respectivamente). Serviços profissionais, administrativos e complementares recuaram 2% em jan-ago/18, o que não é pouco depois de já ter levado um tombo de 7,3% em jan-dez/17.