Carta IEDI
Um passo ao lado
Uma recuperação consistente é um processo que, por meio das interações entre os diferentes setores e atividades econômicas, vai se espalhando pelo sistema produtivo e dinamizando um número cada vez maior de mercados regionais, de modo a acelerar o crescimento do PIB e a ensejar firmes expectativas de um futuro mais favorável. É esta dinâmica que ajuda a impulsionar o investimento, o motor da economia de mercado. Infelizmente vimos pouco disso em 2018.
Indicadores de confiança até registraram, na virada do ano, um voto de confiança na nova condução da economia, indicando melhores perspectivas para o nível de atividade em um prazo mais longo. Os percalços se concentram é no presente, com sinais de desaceleração em importantes setores da economia, sobretudo na indústria, mas também no comércio varejista. A situação dos serviços progrediu, mas o suficiente apenas para estabilizar o setor.
Sem maior robustez do crescimento corrente, torna-se também maior o risco de revisões adversas do estado de confiança de empresários e consumidores, pois mais dependentes se tornam da efetiva implementação de intensões da agenda de governo, não integralmente detalhada.
Por ora, a contar pelo desempenho de 2018, a economia gira em baixa voltagem. O indicador IBC-Br do Banco Central, que funciona como uma proxy do PIB, aponta para um resultado de apenas 1,1% em 2018, ou seja, o mesmo dinamismo daquele efetivamente apurado pelo IBGE em 2017. Em outros termos, ao invés de darmos um passo à frente, demos um passo ao lado.
Diversos fatores mais ou menos pontuais concorreram para isso, como a greve dos caminhoneiros no mês de maio, as eleições no segundo semestre e a crise Argentina no final do ano. O fato é que se tivéssemos um processo de recuperação mais consolidado teríamos passado melhor por essas intempéries.
A indústria foi quem mais refletiu a perda de ímpeto ao longo de 2018. Depois de ter avançado +5% no 4º trim/17, seu resultado encolheu progressivamente até registrar novamente um trimestre recessivo no final do ano: -1,1% no 4º trim/18 frente ao mesmo período do ano anterior. Deste modo, sua recuperação foi cortada pela metade: de +2,5% em 2017 para +1,1% em 2018. Este é um retrocesso patente para um setor que ainda tem muito das perdas recentes para compensar.
Ainda que um ou outro ramo industrial tenha capitaneado esta involução, a profusão de sinais negativos no acumulado de 2018 não foi desprezível. Metade dos 26 ramos acompanhados pelo IBGE ficaram no vermelho e, segundo levantamento do IEDI com dados mais desagregados, o mesmo ocorreu com 46% de 93 segmentos industriais. Para 57% do total destes segmentos, 2018 foi pior do que 2017.
Regionalmente, o enfraquecimento industrial também foi bastante disseminado: para 10 das 15 localidades identificadas pelo IBGE, o desempenho de 2018 ficou aquém daquele de 2017, embora a maioria (11) tenha conseguido crescer no acumulado do ano. O preocupante neste caso é que parques industriais importantes, sobretudo São Paulo, lideraram a piora. A indústria paulista perdeu produção tanto no 3º trim/18 (-1%) como no 4º trim/18 (-3,7%) e se aproximou muito da estagnação no acumulado do ano: +0,8% contra +3,5% em 2017.
Se a indústria claramente deu um passo atrás em sua recuperação, o comércio varejista demonstrou maior resiliência. Isso, porém, só porque os sinais de desaceleração foram menos intensos e demoraram mais. De meados de 2017 ao 1º trim/18, as vendas reais do setor em seu conceito restrito cresceram a um ritmo superior a +4%, refluindo para +1,6% e +1,1% nos trimestres seguintes, mas se recompondo um pouco no 4º trim/18 (+2,2%), graças às promoções do mês de novembro. Em seu conceito ampliado, que inclui as vendas de veículos, autopeças e material de construção, o varejo manteve expansão da ordem de +4,5% em ¾ do ano.
Deste modo, o varejo repetiu o resultado de 2017 em 2018: +2,1% e +2,3%, respectivamente, e cresceu um pouco mais no conceito ampliado (de +4% para +5,1), devido às vendas de veículos e autopeças. Perderam dinamismo aqueles segmentos que tinham se saído bem em 2017, alavancados pela liberação de recursos do FGTS e pela melhora do crédito, como móveis e eletrodomésticos e vestuário e calçados. Avançaram mais em 2018 as vendas de supermercados, alimentos e bebidas, medicamentos e cosméticos e outros artigos de uso pessoal, ajudados pela melhora relativa no emprego e pela inflação baixa.
O único grande setor da economia a apresentar uma trajetória favorável em 2018 foram os serviços, que voltaram a crescer na segunda metade do ano (+0,7%). Mesmo assim, seu faturamento real não conseguiu ficar no azul, acumulando variação de -0,1% no total do ano, em grande medida devido a serviços demandados pelas empresas, como os profissionais, administrativos e complementares (-1,9%). Com isso, já são 4 anos seguidos de desempenhos anuais negativos para o total do setor. Não surpreende, então, a timidez com que o emprego no país se recompõe depois da forte destruição de vagas por que passamos.
Indústria
Em 2018, o resultado da indústria foi de apenas +1,1% contra +2,5% em 2017, com o agravante de que a indústria voltou à recessão no último trimestre do ano (-1,1%). Esta perda de dinamismo foi provocada por uma profusão de sinais negativos sobretudo do ponto de vista setorial, mas também do ponto de vista regional. Neste último recorte, o aspecto mais preocupante foi o fato de os principais polos industriais do país não terem se saído bem. Somados, estes resultados são um prenúncio nada favorável para a indústria neste início de 2019.
O IBGE assinala que metade dos 26 ramos identificados em sua pesquisa ficou no vermelho no acumulado de 2018, uma proporção duas vezes maior do que a registrada em 2017 (7 ramos no negativo). O levantamento do IEDI com 93 segmentos da indústria, realizado a partir de dados mais desagregados do IBGE, mostra que 43 registraram declínio no ano passado, ou seja, 46% do total, enquanto outros 50 conseguiram crescer (54% do total). Em 2017, tinham sido 58 segmentos em alta e 35 em queda.
Deste modo, praticamente todos os macrossetores da indústria encontraram dificuldades para manter seu nível de atividade. O movimento foi forte em bens de consumo duráveis, que passaram de +13,2% em 2017 para +7,6% em 2018, e em bens intermediários, de +1,7% para somente +0,4% respectivamente. Para bens de consumo semi e não duráveis, as implicações foram mais prejudiciais: saíram de +0,8% em 2017 para -0,3% em 2018. A única exceção se deu em bens de capital, com alta de +6,2% em 2017 e de +7,4% em 2018, embora a perda de ímpeto no 4º trim/18 tenha sido notável (+3,4%).
Geograficamente, apenas 4 das 15 localidades acompanhadas pelo IBGE não conseguiram crescer em 2018. Mesmo assim, houve enfraquecimento generalizado: 10 das 15 localidades se saíram pior do que em 2017. Em 2017, o saldo havia sido melhor: apenas 1 localidades em queda e todas com aceleração frente a 2016. Não bastasse, o quarto trimestre de 2018 foi negativo para metade dos parques regionais, ao atingir 7 das 15 localidades.
Foram os estados do Sudeste que capitanearam o retrocesso industrial, ainda que não tenham sido os únicos. Preocupa o fato de que a involução é particularmente evidente para São Paulo, que possui o parque mais diversificado e moderno do país, com dois trimestres seguidos de queda que se aprofundou rapidamente, passando de -1% no 3º trim/18 para -3,7% no 4º trim/18. Vale lembrar que no 4º trim/17 São Paulo avançava +8%. Ou seja, este estado tem sofrido uma notável deterioração.
Com isso, a indústria paulista vem puxando para baixo o resultado do total Brasil e só evitou o terreno negativo no acumulado de 2018 devido aos primeiros meses do ano. Ainda assim, aproximou-se muito da estagnação, ao registrar variação de apenas +0,8% frente a 2017.
É verdade que boa parte das dificuldades da indústria paulista deve-se ao ramo alimentício, sobretudo, ao sucroalcooleiro, em função de fatores climáticos desfavoráveis e de problemas financeiros das empresas, mas a piora em São Paulo é mais difundida do que isso: 61% dos ramos presentes no estado perderam ímpeto e 44% acumularam queda em 2018, incluindo confecção, têxteis, higiene e limpeza, informática e eletrônicos, além de alimentos e outros mais.
Parques importantes onde a recuperação industrial também regrediu incluem: Rio de Janeiro (de +4,3% em 2017 para +1,8% em 2018), devido ao mau desempenho em 57% de seus ramos, que ficaram estáveis ou no vermelho; Minas Gerais (de +1,2% para -1,0%, respectivamente), em que 54% de seus ramos registraram queda; Paraná (de +4,5% para +1,8%) em função de perdas concentradas em alimentos e borracha e plástico. Vieram na mesma toada Espírito Santo, Mato Grosso, Goiás e Ceará.
Em sentido oposto, isto é, localidades que apresentaram reforço em seu nível de atividade encontram-se alguns poucos casos, especialmente Rio Grande do Sul (de +0,6% em 2017 para +5,5% em 2018), alavancado por papel celulose e veículos; Amazonas (+4% para +5,2%), graças apenas à primeira metade de 2018; e a região Nordeste como um todo (de -0,3% para +0,2%), devido a alimentos, veículos e produtos de metal.
É importante notar, contudo, que, à exceção do Rio Grande do Sul, as demais localidades que tiveram avanço em 2018 como um todo trouxeram uma sinalização negativa no último trimestre. A indústria do Amazonas caiu -1,3% e a do Nordeste -1,6% frente ao 4º trim/17.
Por fim, há o reduzido grupo dos resistentes, isto é, localidades que mantiveram um patamar semelhante de dinamismo tanto em 2017 como em 2018. Foi o caso de Santa Catarina (+4,5% e +4,0%, respectivamente) e do Pará (+10,2% e +9,6%).
Comércio
Diferentemente da indústria, o comércio varejista conseguiu manter seu nível de atividade em 2018, chegando até mesmo avançar um pouco mais se considerarmos as vendas de veículos, autopeças e material de construção, isto é, em seu conceito ampliado. Isso, contudo, a despeito de dezembro ter sido um mês de fraco desempenho. Por isso, pode-se dizer que 2018 foi um ano de resiliência para o setor.
Como vem ocorrendo nos últimos anos, vimos se repetir em 2018 o padrão de deslocamento de uma fração das vendas reais de dezembro para novembro, devido às promoções neste mês. Assim, o resultado na série com ajuste sazonal foi o pior do ano: -2,2% frente ao mês anterior, anulando uma parte do avanço de +3,1% de novembro (-1,7% e +1,3% no conceito ampliado, respectivamente).
Os resultados vis-à-vis a dezembro de 2017 também mostram o baixo dinamismo do último mês de 2018: apenas +0,6% no conceito restrito e +1,8% no conceito ampliado. Neste último caso, a variação obtida foi a mais baixa do ano passado todo. Com isso, se houve alguma recomposição do crescimento das vendas no último trimestre de 2018, depois do descarrilhamento ocorrido com a greve dos caminhoneiros, isso se deve muito às promoções de novembro.
No 4º trim/18 houve alta de +2,2%, isto é, bem superior ao ritmo dos dois trimestres anteriores, mas, ainda assim, ficou aquém dos 4% que as vendas reais vinham registrando entre meados de 2017 e os primeiros meses de 2018. No varejo ampliado, ocorre este mesmo comportamento, embora a recomposição do 4º trim/18 tenha sido muito pequena.
Com um começo de ano mais aquecido e um final fraco, porém positivo, 2018 acumulou crescimento de +2,3% nas vendas reais, em linha com a alta de +2,1% de 2017. Em seu conceito ampliado, avançou +5,0% no ano passado frente a +4,0% no ano anterior.
O aspecto que diferencia estes dois anos de recuperação é a trajetória ao longo do tempo: em 2017 o varejo estava claramente em aceleração, em 2018 houve um processo de acomodação. Este movimento foi acompanhado por uma mudança dos segmentos na liderança da reativação das vendas.
Dos 10 ramos acompanhados pelo IBGE, 4 ficaram no vermelho em 2018, isto é, 1 a mais do que em 2017. Dois deles são reincidentes. É o caso das vendas de combustíveis e lubrificantes, que caem desde 2015, devido à elevação dos preços neste segmento. Em 2018, houve retração de -5%, mas a queda ficou mais amena no 4º trim. (-2,7%). O outro caso é o de livros, jornais, revistas e papelaria, que em função da digitalização de parte de seus produtos, acumula 5 anos de queda (-14,7% em 2018).
Aqueles que perderam a liderança do crescimento compreendem segmentos que se favoreceram bastante da liberação dos recursos do FGTS em 2017, como tecidos, vestuário e calçados (+7,6% em 2017 e -1,6% em 2018) e móveis e eletrodomésticos (+9,5% e -1,3%, respectivamente). Como este fator não esteve presente em 2018, perderam dinamismo. Em menor medida, encaixam-se neste mesmo padrão as vendas de material de construção (+9,2% e +3,5%), que puderam contar a continuidade da melhora das condições de crédito às famílias.
A progressiva normalização do crédito está igualmente na origem do avanço nas vendas de veículos e autopeças, que passaram a liderar a expansão do varejo em 2018: +15,1% contra apenas +2,7% em 2017. E também pode ter influenciado a aceleração do segmento de outros artigos de uso pessoal e doméstico – que inclui as lojas de departamento e que, não raramente, realiza vendas a crédito – bem como das vendas de equipamentos de informática e comunicação, que pararam de cair e ficaram estáveis em 2018.
Os demais ramos do varejo que reforçaram seu desempenho incluem aqueles mais dependentes da massa de rendimentos reais da população (+2%), que em 2018 foi favorecida pelo aumento da ocupação e pela baixa inflação. Assim, supermercados, alimentos, bebidas e fumo avançou +3,8 contra +1,5% em 2017 e artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e de perfumaria, +5,9% contra +2,5% em 2017. Neste último caso, reajuste menor no preço de medicamentos também foi um fator positivo.
Serviços
Assim como a indústria e o comércio varejista, os últimos meses de 2018 foram de fraco desempenho para o setor de serviços. Seu faturamento real pouco se moveu em dezembro, mas mesmo assim voltou à faixa negativa quando comparado com o mesmo mês do ano anterior. A taxa de -0,2% interrompeu uma sequência de quatro meses consecutivos de resultados positivos.
Tal quadro de virtual estagnação também reflete o resultado geral no acumulado de 2018. Isso, no caso do setor de serviços, que entrou mais tarde em crise e até pouco tempo atrás não havia saído dela, implica algum progresso relativo. Apesar de apontar na boa direção, o movimento não teve força suficiente para levar o setor ao azul. A variação de -0,1% em 2018 como um todo completou seu quarto ano de recessão.
A indicação para 2019, contudo, é favorável, já que a trajetória registrada ao longo do ano passado apontou reação no segundo semestre, ao crescer +0,7% tanto no 3º como no 4º trimestre de 2018. O que faltou foi um reforço nos últimos meses do ano.
Este reforço poderá vir em 2019 se forem retirados os obstáculos que prejudicaram o dinamismo em 2018. Ao que parece, a situação complicada das empresas, cujos mercados têm reagido pouco e o acesso ao crédito em melhores condições ainda é limitado, dificultando a gestão de passivos antigos, é o que tem freado a recuperação do setor de serviços.
Este aspecto fica evidente na evolução dos serviços profissionais, administrativos e complementares, que são geralmente demandados pelo setor empresarial. Este é o segmento de serviços que mais longe está do fim de sua crise. No acumulado de 2018 seu faturamento real recuou -1,9%, isto é, ao mesmo ritmo do último trimestre do ano, o que sugere que não há nenhuma melhora consistente em processo.
Dificuldades no cenário corporativo também ajudam a explicar porque outro importante segmento encerrou 2018 no vermelho: serviços de informação e comunicação acumularam queda de -0,5% frente a 2017. Ao menos neste caso a sequência trimestral de resultados aponta para dias melhores, muito provavelmente com contribuição relevante da demanda gerada pelas famílias. No 4ºtrim/18 houve crescimento de +1,4%.
De fato, são os serviços que compõem a cesta de consumo das famílias que têm reagido com mais firmeza e que, a contar pela trajetória recente, apresentam maiores chances de ganhar robustez em 2019. A alta em 2018 neste caso foi de apenas +0,2%, mas chegou a +2,8% no último trimestre do ano. Contribuem para isso o aumento registrado na ocupação e o crescimento dos rendimentos reais da população, ainda que em um ritmo muito modesto.
Por incluírem serviços igualmente demandados pelas famílias, além de um conjunto amplo de outras atividades, o segmento de outros serviços registrou a taxa de crescimento mais significativa de 2018: +1,9%, com direito a uma aceleração no último trimestre, emborra sem tendência muito clara. Cabe notar, porém, que a recessão neste segmento durou cinco anos, de 2013 a 2017 e seu nível de faturamento real permanece 23% abaixo do pico de jan/12.
Por fim, o segmento de transporte, seus auxiliares e correio, também encerrou 2018 em alta de +1,2% no acumulado de jan-dez, um desempenho que é a metade daquele de 2017 (+2,3%) e que foi produzido por uma trajetória de crescimento relativamente irregular ao longo deste período, para a qual a greve dos caminhoneiros foi fator importante. O baixo nível geral de atividade econômica no 4º trim/18 resultou em variação de apenas +0,9% neste segmento.