Carta IEDI
Indústria em retrocesso
Já era um relativo consenso que a superação da crise industrial do triênio 2014-2016 seria um processo lento, diferente de outras recuperações anteriores. O que tem ficado muito claro, recentemente, é que além de vagaroso trata-se também de um processo descontínuo.
Em 2018, a indústria foi progressivamente perdendo dinamismo desde o início do ano até voltar a um quadro recessivo no último trimestre, com variação de -1,1% frente ao mesmo período do ano anterior. Agora em janeiro de 2019, esta trajetória não só se manteve, como se aprofundou, com recuo de -2,6% ante jan/18. Frente a dez/18, o resultado foi de -0,8%, já descontados os efeitos sazonais.
Ainda que alguns ramos tenham contribuído mais para o retrocesso neste início de 2019, como a indústria farmacêutica e de máquina e equipamentos, a difusão de variações negativas foi expressiva em janeiro, qualquer que seja a comparação. Frente a dez/18, com ajuste, houve perda em 13 dos 26 ramos pesquisados pelo IBGE, enquanto na comparação frente a jan/18 o saldo foi ainda pior: 18 dos 26 ficaram no vermelho.
Os macrossetores industriais também registraram majoritariamente resultados negativos: apenas bens de consumo duráveis fugiram à regra e cresceram frente a dez/18, com ajuste, e todos os quatro macrossetores recuaram em relação a jan/18, notadamente bens de capital (-7,7%), condicionado pelos bens de capital para o próprio setor industrial (-9,5%), e bens de consumo duráveis (-5,5%), devido o mau desempenho de automóveis e eletrodomésticos da “linha marrom”.
Regionalmente, 10 das 15 localidades pesquisadas pelo IBGE registraram resultados negativos em jan/19 frente a jan/18. É o Sudeste, que consiste no maior polo industrial do país, que está no centro do retrocesso recente, notadamente São Paulo, que apresenta quedas sistemáticas desde setembro do ano passado. A força com que a indústria paulista pisou no freio em jan/19 não foi nada desprezível: -5,3% frente ao mesmo mês do ano passado.
Desde 2018, fatores específicos contribuíram para a interrupção do crescimento industrial que temos verificado, como a greve dos caminhoneiros e a crise da Argentina. O encolhimento dos resultados da indústria, porém, já vinha de antes e adentrou 2019. O que tem ocorrido é a explicitação da ausência de bases sólidas que suportem a recuperação da indústria, a despeito da melhora recente da confiança de empresários e consumidores.
Do lado das famílias, o desemprego em níveis muito elevados e um aumento modesto de seus rendimentos reais funcionaram como travas. Tanto é que o crescimento do consumo em 2018, segundo os dados do PIB, manteve-se praticamente no mesmo patamar de 2017. O crédito, importante para ampliar o mercado de bens de consumo duráveis, continua fluindo, mas a um custo ainda muito alto. Os juros médios dos empréstimos às famílias praticamente pararam de cair desde meados do ano passado.
Do lado corporativo, há pouco espaço para uma retomada substancial do investimento, dados os atuais níveis de ociosidade da capacidade instalada, o baixo crescimento da demanda e as condições adversas de financiamento. Os empréstimos do BNDES, tradicional fonte de recursos de longo prazo, permanecem em franca contração. A produção de bens de capital para a própria indústria, por exemplo, registrou queda no final de 2018 e agora em janeiro de 2019.
Quem poderia estar contribuindo mais para a reativação da indústria é o setor externo. As exportações brasileiras de manufaturados, porém, também têm crescido menos diante da crise argentina, com efeitos negativos sobre nossa indústria automobilística, e diante de um ambiente de comércio internacional cada vez mais complicado, sobretudo em função das tensões entre Estados Unidos e China.
Este quadro poderia ser outro se não tivéssemos descuidado tanto de nossa competitividade externa. A reforma tributária é uma necessidade de primeira ordem para colocar o produto nacional em pé de igualdade com o estrangeiro. Alavancar os investimentos em infraestrutura é outro elemento fundamental, não apenas porque melhoram as condições de oferta, como também geram demanda, contribuindo para acelerar a recuperação da indústria e da economia como um todo.
Resultados da Indústria
Em janeiro de 2019, a produção industrial variou -0,8% na comparação com o mês anterior, já descontados os efeitos sazonais, depois de ter ficado virtualmente estagnada nos três meses anteriores. Assim, o desempenho insatisfatório do setor na segunda metade de 2018 adentrou o início de 2019.
O resultado da indústria em comparação com o mesmo período do ano anterior, registrou retrocesso pelo terceiro mês consecutivo. Em janeiro de 2019, a taxa foi de -2,6% e a do trimestre móvel de nov/18 a jan/19, de -2,3%. Sendo assim, o quadro de recessão do último trimestre de 2019 (-1,1% ante 4º trim/17) teve continuidade na entrada do corrente ano.
Em relação aos macrossetores, na comparação com dezembro de 2018, descontados os efeitos sazonais, os resultados foram majoritariamente negativos. A única exceção foi o de bens de consumo duráveis, que variou +0,5% nesta comparação. A produção de bens de capital caiu -3,0% e a de bens de consumo semi e não duráveis -0,4%. Bens intermediários ficaram praticamente estagnados, ao registrar -0,1%.
Já na comparação de janeiro de 2019 com janeiro de 2018, todos os macrossetores registraram perdas. Bens de capital foi o macrossetor que mais declinou: -7,7%, tendo sido seguido por bens de consumo duráveis (-5,5%), bens de consumo semi e não duráveis (-2,9%) e por bens intermediários (-1,3%).
Em janeiro de 2019, o declínio interanual de -1,3% de bens intermediários foi o quinto resultado negativo consecutivo. As principais influências negativas couberam aos intermediários de produtos alimentícios (-10,5%), máquinas e equipamentos (-12,7%), metalurgia (-2,7%), celulose, papel e produtos de papel (-4,5%), produtos de borracha e de material plástico (-1,8%), entre outros. Pressões positivas vieram de coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (+4,0%), produtos de metal (+5,5%), indústrias extrativas (+1,0%), outros produtos químicos (+0,4%) e produtos de minerais não-metálicos (+0,2%).
O declínio de bens de consumo semi e não duráveis em janeiro de 20919, de -2,9%, foi o terceiro consecutivo e o mais intenso desta sequência. Dentre as influências negativas estão o grupamento de não-duráveis (-9,2%), pressionado, em grande parte, pela menor fabricação de medicamentos, os subsetores de carburantes (-8,1%) e de semiduráveis (-2,8%), influenciados, sobretudo, por calçados e vestuário. Em sentido oposto, o grupamento de alimentos e bebidas elaborados para consumo doméstico cresceu +1,0%.
Por sua vez, o macrossetor de bens de consumo duráveis, que caiu -5,5% ante janeiro de 2018, foi particularmente pressionado pela redução na fabricação de automóveis (-3,8%) e de eletrodomésticos da “linha marrom” (-13,6%). Também recuaram móveis (-5,1%) e outros eletrodomésticos (-9,6%). Os principais impactos positivos vieram de eletrodomésticos da “linha branca” (+1,1%) e motocicletas (+3,6%).
Já o macrossetor de bens de capital, que decresceu -7,7% em relação ao mesmo mês do ano passado, teve desempenho explicado pelos recuos verificados nos grupamentos de bens de capital para equipamentos de transporte (-6,9%), bens de capital para fins industriais (-9,5%), agrícolas (-6,9%), para construção (-3,9%), para energia elétrica (-0,9%) e de uso misto (-2,3%).
Por dentro da Indústria de Transformação
A variação de -0,8% da produção industrial geral em janeiro de 2019 foi acompanhada de retração (-0,2%) na indústria de transformação e de expansão de -1,0% no ramo extrativista, já realizado o ajuste sazonal. No primeiro caso, foi a última de uma série de sete taxas negativas consecutivas. Em relação a janeiro de 2018, os resultados da indústria geral e de transformação também foram negativos: de -2,6% e de -3,2%, respectivamente, enquanto o setor extrativista registrou +1,0%.
Frente a dezembro de 2018, na série com ajuste sazonal, o decréscimo de -0,8% da indústria geral foi acompanhado por 13 dos 26 ramos pesquisados. As principais influências negativas vieram de produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-10,3%), máquinas e equipamentos (-2,9%), celulose, papel e produtos de papel (-2,6%), coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (-0,8%), outros equipamentos de transporte (-5,1%), couro, artigos para viagem e calçados (-3,2%) e veículos automotores, reboques e carrocerias (-0,5%). Dos treze ramos em alta, destacaram-se produtos alimentícios (+1,5%), bebidas (+6,1%) e outros produtos químicos (+3,6%).
Na comparação com igual mês do ano anterior, em que a indústria geral apresentou queda de -2,6% na produção, variações negativas marcaram o desempenho de 18 dos 26 ramos, 50 dos 79 grupos e 58,5% dos 805 produtos pesquisados. Vale citar que janeiro de 2019 (22 dias) teve o mesmo número de dias úteis que igual mês do ano anterior (22). O destaque desfavorável ficou a cargo de produtos alimentícios (-4,0%), além de produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-22,5%), máquinas e equipamentos (-10,3%), veículos automotores, reboques e carrocerias (-3,7%), equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (-10,2%), entre outros.
Exportação
Segundo os dados da Funcex, divulgados pelo IBGE conjuntamente com os resultados da produção industrial, o quantum das exportações de manufaturados no mês de janeiro de 2019 avançou +17,5%, frente ao mesmo período do ano anterior. Por sua vez, as importações em quantum de matérias-primas para a indústria também cresceram, mas muito menos: +3,6% na comparação com janeiro de 2018.
Utilização de Capacidade
O nível de utilização da capacidade instalada da indústria de transformação, de acordo com a série da FGV com ajustes sazonais, foi de 74,3% em janeiro de 2019, 0,5 p.p. abaixo do patamar de dez/18, dando continuidade ao movimento de queda da utilização iniciado em set/18. Este nível de utilização continua muito inferior à média histórica do próprio indicador (80,2%), iniciado em janeiro de 2001.
Já o indicador da CNI, mostrou avanço do nível de utilização da capacidade, ao passar de 77,6% em dezembro de 2018 para 78,3% em janeiro de 2019, já descontados os efeitos sazonais. Assim como ocorre no caso do indicador da FGV, a utilização aferida pela CNI permanece, porém, razoavelmente abaixo da média histórica do indicador, iniciado em jan/03, e que é de 81%.
A permanência da utilização da capacidade em níveis historicamente baixos e sem uma trajetória inconteste de acentuada melhora não é um indício favorável para a evolução futura do investimento, isso porque máquinas e equipamentos atualmente ociosos deverão ser postos em funcionamento antes de os empresários pensarem em ampliar sua capacidade de produção. Em contrapartida, a existência de capacidade ociosa significa que existem plenas condições de oferta para garantir uma recuperação da atividade econômica sem pressões inflacionárias.
Estoques
De acordo com os dados da Sondagem Industrial da CNI, os estoques de produtos finais da indústria em janeiro de 2019 assinalaram índice de 48,9 pontos, voltando a ficar abaixo da marca dos 50 pontos, mas em nível superior ao de dez/18 (46,6 pontos). Vale lembrar que o indicador acima de 50 pontos indica aumento dos estoques e abaixo, redução deles. No caso do segmento da indústria de transformação, o indicador de estoques ficou em 49 pontos (+2,3 pontos frente a dez/18) e para a indústria extrativa em 45,8 pontos (+2,3 pontos frente a dez/18).
Na avaliação dos empresários, os estoques efetivos da indústria geral continuaram acima do nível planejado (isto é acima de 50 pontos), como tem ocorrido desde o mês de março, atingindo o patamar de 50,2 pontos em janeiro de 2019. Este tem sido o padrão desde março de 2018, à exceção de dezembro, quando ficou em 48,9 pontos. No caso do setor extrativo e no caso da indústria de transformação, o indicador de satisfação dos estoques ficou em 52,1 pontos e em 50,1 pontos, respectivamente. Em outras palavras, a queda da produção industrial em jan/19 foi acompanhada de excesso de estoques na avaliação dos empresários.
No grupo industrial da indústria de transformação, 19 dos 26 ramos acompanhados pela CNI tiveram estoques iguais ou menores do que o planejado (50 pontos) em janeiro de 2019, isto é, abaixo do número de ramos nesta posição em dez/18 (22). Dentre eles, estão os ramos de outros equipamentos de transporte (40,9 pontos), minerais não metálicos (45,5 pontos), biocombustíveis (45,6 pontos) e bebidas (45,9 pontos), entre outros. Em contraste, ficaram com estoques efetivos acima do planejado em janeiro os setores de couros (56,3 pontos), farmacêuticos (53,8 pontos), máquinas e equipamentos (53,3 pontos ) e têxteis (53,1 pontos), entre outros.
Confiança e Expectativas
Apesar da patente desaceleração do crescimento industrial sobretudo a partir do final de 2018, a evolução recente do Índice de Confiança do Empresário da Indústria de Transformação da CNI (ICEI) dá indicativo favorável para a evolução futura do setor, ao permanecer acima do patamar de 50 pontos. Em janeiro de 2019 havia ficado em 64,9, nível este repetido em fevereiro de 2019: 64,7 pontos. Com isso, 2019 começa com mais otimismo do que começou 2018 (59 pontos no 1º trim/18). Vale mencionar, contudo, que, por ora, o forte reforço da confiança em nada se refletiu em aumento efetivo da produção, tal como captada pela estatística oficial do IBGE. Por isso, cabe cautela sobre a evolução de fevereiro de 2019.
O desempenho da confiança em fevereiro do presente ano resultou principalmente de seu componente de expectativas para o futuro, que ficou na marca de 69,1 pontos neste mês, não sem registrar algum recuo em relação a jan/19 (70 pontos). Isto é, em relação ao futuro, os empresários da indústria de transformação se mostram claramente otimistas.
O componente de avaliação das condições atuais dos negócios também progrediu, mas de modo muito menos pronunciado do que as expectativas em relação ao futuro. Voltou a ficar acima da marca de 50 pontos sistematicamente a partir do mês de nov/18 (53,4 pontos), avançando para 56,1 pontos em fev/19.
Abre-se, então, a possibilidade de o quadro corrente dos negócios ir validando, pouco a pouco, as expectativas bem mais favoráveis em relação ao futuro, em uma dinâmica positiva para a criação de condições de uma reativação dos investimentos do setor. O descompasso da velocidade entre um e outro componente da confiança traz, porém, o risco de alguma correção nos próximos meses. O que se pode afirmar com certeza, por ora, é que as estatísticas oficiais do IBGE não captaram na evolução efetiva do setor uma melhora compatível com o reforço da confiança dos empresários do setor.
Por sua vez, o Índice de Confiança da Indústria de Transformação da FGV, deixou de indicar otimismo desde junho de 2018 (98,6 pontos) e já registra por 9 meses seguidos em patamares inferiores a 100 pontos, indicando pessimismo dos empresários. Em fevereiro, porém, voltou a se aproximar da marca de 100 pontos, ao registra 99 pontos. Este comportamento tem se mostrado mais coerente com a evolução captada pelas estatísticas oficiais do IBGE para o período recente.
Seu componente de avaliação das condições correntes também continuou abaixo da linha de 100 pontos, como tem sido a regra desde o mês de junho, mas foi ele o responsável pela melhora relativa do indicador na passagem de jan/19 para fev/19. Em janeiro registrou patamar de 97 pontos e em fevereiro, de 98,8 pontos. Seu componente expectacional, que também se encontra na região pessimista desde set/18, registrou 99,2 pontos em fev/19, isto é, inferior ao de jan/19 (99,5 pontos).
Outro indicador frequentemente utilizado para se avaliar a perspectiva do dinamismo da indústria é o Purchasing Managers’ Index – PMI Manufacturing, calculado pela consultoria Markit Financial Information Services. Seu nível vinha se mantendo, em média, em 52,7 pontos entre novembro de 2018 e janeiro de 2019, mas avançou para 53,9 pontos em fevereiro deste ano, sinalizando para um mês mais favorável. Vale mencionar que níveis acima de 50 pontos sugerem melhora das condições de negócio.
Os indicadores de confiança acima mencionados, notadamente seu componente referente às avaliações dos negócios correntes, sugerem que o desempenho industrial em fevereiro pode ser melhor que o de janeiro, mas dificilmente restabelecerá o mesmo dinamismo registrado na virada de 2017 para 2018.
Anexo Estatístico
Mais Informações
Tabela: Produção Física - Subsetores Industriais
Variação % em Relação ao Mesmo Mês do Ano Anterior (clique aqui)