Carta IEDI
Desafios da Inovação no Brasil na Era das Cadeias Globais de Valor
A necessidade de acessar tecnologia estrangeira tem impulsionado inúmeros países em desenvolvimento a criar políticas de atração de empresas multinacionais (EMN), garantindo acesso aos seus mercados internos ou aos seus recursos naturais em troca de tecnologia.
Embora essas políticas sejam críticas para acelerar o processo de catching up, raramente são formatadas de modo a considerar as tendências na estrutura industrial global, o que limita sua efetividade. Esse seria o caso das políticas industrial e de inovação adotadas no Brasil na avaliação dos pesquisadores do MIT nos Estados Unidos Ezaquiel Zilberberg e Timothy Sturgeon, autores do capítulo “Accelerating innovation in Brazil in the age of global value chains” no recente livro intitulado “Innovation in Brazil: Advancing development in the 21 st century”.
Neste trabalho, que é objeto da Carta IEDI de hoje, os pesquisadores do MIT examinam a política de conteúdo local no Brasil para setores intensivos em tecnologia, onde as empresas multinacionais desempenham papel fundamental, como automotivo e eletrônico, bem como a política de transferência de tecnologia baseada em requerimentos de gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D).
As empresas estrangeiras atuantes no país podem evitar tarifas de importação de componentes e bens finais e receber crédito tributário dos governos federal e estaduais se produzem (e fornecem) domesticamente atendendo requerimentos de conteúdo local e se investem em P&D local em seus próprios centros e/ou em parceira com institutos de pesquisas e universidades brasileiras.
Embora ressaltem que o foco das políticas seja apropriado, os autores consideram as políticas voltadas para o mercado de tecnologia têm promovido apenas um envolvimento limitado das empresas multinacionais com a base de suprimento local e com o sistema nacional de inovação. Essa limitação que o Brasil compartilha com outros países em desenvolvimento é resultado das estratégias destas empresas em um contexto de separação espacial da produção e do P&D.
As empresas multinacionais que lideram as cadeias globais de valor (CGVs), em geral sediadas nas economias desenvolvidas, tendem a dividir suas atividades de P&D de maneira a dificultar seu envolvimento significativo com o ecossistema de inovação dos países em desenvolvimento, conduzindo localmente atividades de P&D periféricas às suas estratégias globais de tecnologia. Desse modo, cumprem os requerimentos estabelecidos pela política sem, contudo, gerar significativos transbordamentos tecnológicos.
Na avaliação dos pesquisadores do MIT, as políticas voltadas ao mercado de comércio de tecnologias são limitadas pela natureza das próprias funções de P&D, bem como pela capacidade limitada do governo anfitrião de definir políticas que se ajustem às prioridades e estratégias das EMNs.
Para os autores do estudo, políticas industriais que atraem empresas para setores onde as estratégias tecnológicas coincidem com as áreas de vantagens comparativas do país e que têm como foco funções de engenharia e P&D que estão prestes a ser externalizadas têm melhor chance de sucesso. Esse foi o caso, por exemplo, dos motores flex desenvolvidos no Brasil.
Uma questão política importante para o Brasil é como acelerar a inovação no contexto das CGVs e garantir que o P&D incentivado crie repercussões robustas na economia doméstica na forma de engenheiros treinados, patentes e spin-offs e desenvolvimento da base de suprimentos.
Para os autores, o desafio do Brasil reside em encontrar maneiras mais eficazes de articular com clusters de inovação estabelecidos e ecossistemas globais de tecnologia. Isso exigirá a mudança de uma abordagem de substituição de importações voltada para dentro, que caracterizou a política industrial do Brasil por mais de meio século, para uma abordagem orientada para o exterior, focada na construção de uma base industrial mais especializada, produtiva e competitiva.
Segundo Zilberberg e Sturgeon, contudo, é provável que esta abordagem não seja eficaz ou desejável em todos os setores, já que externalidades positivas são geradas naturalmente em indústrias domésticas nas quais o Brasil lidera a agenda da inovação, como é o caso da indústria de bioetanol.
Já nas indústrias dominadas por empresas multinacionais, o locus da inovação está no exterior e, com a base de suprimentos agora também constituída por empresas estrangeiras em todos os níveis da cadeia de valor agregado, os gastos locais com P&D podem não criar as externalidades previstas. A menos que haja uma razão clara de aumento de competência, essas empresas globais dificilmente decidem realizar localmente investimentos significativos em P&D não periférico.
Introdução
A necessidade de acessar tecnologia estrangeira tem impulsionado inúmeros países em desenvolvimento a criar políticas de atração de empresas multinacionais (EMN), garantindo acesso aos seus mercados internos ou aos seus recursos naturais em troca de tecnologia. Embora essas políticas sejam críticas para acelerar o processo de catching up, raramente são formatadas de modo a considerar as tendências na estrutura industrial global, o que limita sua efetividade. Em particular, essas políticas falham em considerar a habilidade das empresas multinacionais em segmentar, de modo hierárquico, as atividades de P&D em centrais e periféricas.
A Carta IEDI de hoje explora esse tema, sumarizando os pontos principais do artigo “Accelerating innovation in Brazil in the age of global value chains”, de autoria dos pesquisadores do Centro de Desempenho Industrial do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (IPC/MIT), Ezaquiel Zilberberg e Timothy Sturgeon, que integra a coletânea organizado por Elisabeth Reynolds e outros, recém-publicada no livro Innovation in Brazil: Advancing development in the 21st century, Routledge, 2019.
Nesse artigo, os autores procuram mostrar como a efetividade das políticas adotadas para acelerar a inovação no Brasil é limitada, à semelhança do que ocorre em outros países em desenvolvimento, pelas estratégias das multinacionais que lideram as cadeias globais de valor nos setores intensivos em tecnologia.
No caso brasileiro, essa situação é agravada pela abordagem de substituição de importação, que permanece até os dias atuais como um importante pilar da política industrial, e por metas de políticas pouco vinculadas às capacidades existentes no país.
Políticas industrial e de inovação no Brasil
Segundo os pesquisadores do MIT, diferentemente dos países do Leste da Ásia que se industrializaram, de forma rápida e bem-sucedida, na segunda metade do século XX, o Brasil não migrou para o modelo de industrialização orientada às exportações. Introduzida inicialmente na década de 1930, a política de substituição de importação permanece até os dias atuais como um importante pilar da política industrial brasileira.
Na atração de investimento estrangeiro direto (IED) para os setores intensivos em tecnologia, o Brasil utiliza requisitos de conteúdo local. As empresas estrangeiras podem evitar tarifas de importação de componentes e bens finais e receber crédito tributário dos governos federal e estaduais se produzem e fornecem domesticamente.
Na avaliação dos autores, as exigências de conteúdo local em vigor no Brasil, com incentivos detalhados e crescentes para a produção doméstica, não levam em consideração os requisitos industriais em matéria de produção, estrutura global da indústria ou adequação à base industrial ou de habilidades existente no Brasil.
Embora admitam que provavelmente essas políticas de substituição de importações e promoção de investimentos conduziram a maiores níveis de industrialização e maior emprego industrial do que seria possível de outra forma, os autores ressaltam que certamente tiveram um alto custo para os brasileiros ao longo dos anos, tanto como contribuintes como consumidores, no fomento de impostos industriais, preços mais altos e, em alguns casos, baixa qualidade do produto.
Devido ao foco no mercado doméstico, a base industrial opera em uma escala abaixo do ideal. Segundo os autores, isso é exacerbado pelos desafios horizontais, que se escondem sob o guarda-chuva do denominado “Custo Brasil”: alto custo de observância tributária e má infraestrutura de transporte, entre outros. Preços mais altos e baixa qualidade do produto explicam porque a competitividade das exportações das empresas brasileiras e afiliadas brasileiras de multinacionais permaneceu baixa.
Na avaliação de Zilberberg e Sturgeon, o surgimento das cadeias globais de valor (CGVs) para produtos complexos, intensivos em tecnologia, prejudicaram ainda mais a competitividade internacional do Brasil em indústrias intensivas em tecnologia. Um indicador é que as exportações brasileiras se tornaram cada vez mais dominadas por commodities primárias e manufaturados baseados em recursos naturais.
Os autores sublinham que, apesar das políticas de substituição de importações de longa data, o Brasil continua a depender de insumos e capital estrangeiro nas indústrias de alta e média tecnologia para produzir bens e serviços para o mercado brasileiro. Em suma, o papel do Brasil nas CVGs é principalmente como exportador de commodities e destinatário de IED que buscam o amplo mercado doméstico.
Em 1990 e início dos anos 2000, os formuladores de políticas começaram a reconhecer que os requisitos de conteúdo local estavam aumentando a produção doméstica e o emprego industrial, mas poucos benefícios estavam sendo gerados no aumento da capacidade de inovação. Ainda que o Brasil tenha conseguido capturar investimentos significativos na indústria por meio de tarifas de importação e requisitos de conteúdo local, o país não conseguiu capturar atividades relacionadas à inovação, que permaneceram nos países de origem dessas empresas ou em outros países do mundo.
A solução encontrada pelos formuladores de política foi, como destacam os autores, adicionar uma camada de incentivos para gastos em P&D para motivar as empresas que se beneficiam do mercado protegido e incentivos fiscais para introduzir atividades de maior valor agregado no país na forma de P&D.
Na maioria dos casos, essas políticas foram voltadas para indústrias nas quais o Brasil dependia de firmas estrangeiras, como as indústrias automotiva e eletrônica, bem como aquelas nas quais o Brasil contava com uma forte base industrial doméstica, mas ainda dependia fortemente de fornecedores globais, como petróleo e gás. Tabela a seguir traz os detalhes das exigências de gastos com P&D do Inovar Auto para a indústria automotiva, da Agência Nacional de Petróleo (ANP) para o setor de petróleo e gás e da Lei de Informática para a indústria eletrônica.
Para avaliar a necessidade de políticas e programas direcionados para incentivar o investimento em P&D e o envolvimento com o sistema brasileiro de inovação, os autores analisam oito setores industriais brasileiros, classificados em três grupos.
• O primeiro grupo inclui os setores de bioetanol e vestuário, nos quais as empresas-líderes e a maioria de seus fornecedores são brasileiras.
• O segundo grupo inclui as indústrias biofarmacêuticas, de aeronaves comerciais e de petróleo e gás, nas quais as empresas-líderes são predominantemente domésticas, mas os principais insumos são importados ou produzidos internamente por fornecedores estrangeiros.
• O terceiro grupo inclui os setores automotivo, eletrônico e de equipamento hospitalar, indústrias nas quais as empresas líderes e os fornecedores são estrangeiros, o que significa que todos os locais de inovação estão fora do Brasil.
O grau em que esses requisitos de gastos em P&D são necessários varia de um grupo para o outro. Tais políticas são menos necessárias em indústrias dominadas por empresas brasileiras, como as de etanol e vestuário. Em contraste, as políticas de incentivo à inovação são importantes nos setores industriais dominados por fornecedores e produtores estrangeiros. Nesses setores, o lócus da inovação ou é misto, como no caso das indústrias classificadas no segundo grupo, ou está completamente fora do país, como no caso das indústrias globais, que compõem o terceiro grupo.
Nos dois setores de bioetanol e vestuário, as empresas domésticas são capazes de criar localmente novos conhecimentos e se apropriar dos ganhos associados à sua rede de implantação no mercado. Segundo os pesquisadores do MIT, o aprendizado com P&D e as oportunidades subsequentes de comercialização tendem a acumular-se naturalmente na indústria nacional. Isso não quer dizer que o Estado não tenha um papel importante no apoio a essas indústrias, mas a necessidade de elaborar medidas específicas para impulsionar os gastos em P&D e incentivar spillovers nessas indústrias é atenuada.
Nas indústrias biofarmacêutica, de aeronaves comerciais e de petróleo e gás, as empresas-líderes realizam as atividades de P&D no Brasil, enquanto o P&D a montante é realizado em grande parte por fornecedores globais com as atividades centrais de P&D localizadas fora do Brasil. Na avaliação dos autores, embora uma grande parte dos gastos em P&D ocorra no Brasil, é necessário um programa específico para direcionar as repercussões ao ecossistema de base de inovação. Essa necessidade é um pouco mais acentuada nos produtos biofarmacêuticos e nas aeronaves comerciais, onde os componentes mais críticos são importados.
Já em petróleo e gás, os autores salientam que há uma clara razão de aumento de competência para os fornecedores estrangeiros investirem em P&D no país: os desafios técnicos associados à descoberta e exploração de recursos de petróleo em águas ultraprofundas, que tendem a ocorrer no Brasil, Noruega e em poucos outros países. A dificuldade de acessar petróleo e gás na costa brasileira levou os fornecedores a se instalarem no Brasil para que eles possam desenvolver soluções para a Petrobras e outras empresas líderes no país.
Nos casos das indústrias de eletrônicos, veículos automotivos e dispositivos médicos, empresas-líderes e fornecedores-chave no Brasil são todos mundiais. Quando essas empresas são obrigadas a gastar uma parte de suas receitas com P&D no país, há pouca garantia que os projetos resultantes aceleram a inovação no Brasil no longo prazo sem intervenções específicas voltadas a criar o transbordamento do conhecimento.
A indústrias de eletrônicos é dominada pelas EMNs desde o fim da reserva de mercado para microcomputadores em 1991. Em observância à Lei de Informática, essas empresas são requeridas a investir localmente em P&D internamente ou através de laboratórios de pesquisa e departamentos de universidades certificados. Em 2014, havia no Brasil 510 empresas com pelo menos um produto registrado sob a Lei de Informática, dentre as quais grandes empresas multinacionais, como Samsung, HP, Felxtronics, Foxconn, e inúmeras empresas brasileiras, de menor porte.
Segundo os autores, essa lei teve impactos positivos para o ecossistema brasileiro de inovações. Em 2014, havia 125 parceiros certificados, empregando em conjunto mais de 15 mil engenheiros e pesquisadores. Porém, a despeito de seu sucesso em gerar empregos e gastos de P&D, os institutos de pesquisa vinculados a companhias específicas, como o Instituto Samsung para o Desenvolvimento da Informática (SIDI), o Instituto Eldorado, o Flextronic Instituto de Tecnologia (FIT), entre outros, permanecem com os principais recipientes do funding de P&D sob a Lei de Informática, gerando externalidades positivas limitadas.
No que se refere ao setor automotivo, os resultados do programa Inovar Auto que visa encorajar as empresas automotivas a investirem em P&D também são mistos, de acordo com Zilberberg e Sturgeon. Os fabricantes de automóveis investiram menos em P&D do que fizeram antes dele, porém a percentagem de gastos internos com P&D subiu relativamente aos gastos realizados em parceria. Isso ocorreu a despeito do fato da produção de veículos ter permanecido relativamente estável. Já os fabricantes de autopeças aumentaram seus gastos com P&D em termos absolutos, talvez em resultado da estipulação de que parte do funding fosse aplicado ao desenvolvimento de fornecedores.
Em relação à indústria de dispositivos médicos, os autores ressaltam que, embora não esteja sujeita aos requerimentos de gasto com P&D, o governo usa o programa de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) com o propósito de garantir transferência de tecnologia. Por meio desse programa, as políticas de compras públicas preferenciais encorajaram empresas a produzir localmente e a ampliar o conteúdo local. Porém, inúmeras empresas nos segmentos de alto valor agregado, como diagnóstico por imagem, dispositivos de ultrassom e equipamento hospitalar estão debilmente articuladas com o ecossistema nacional de inovação, e se apoiam pesadamente em seus fornecedores mundiais para tecnologia ou insumos intensivos em capital.
Na avaliação dos pesquisadores do MIT, independentemente do fato de serem brasileiras ou não, as empresas-líderes inovadoras que atuam no Brasil provavelmente geram transbordamento de conhecimento no país. Contudo, nas indústrias dominadas por empresas líderes estrangeiras que se apoiam em fornecedores mundiais, o local de inovação será inteiramente fora do país. Essas indústrias requerem, portanto, medidas adicionais de política para capturar as funções de maior valor agregado como o P&D, bem como para encorajar externalidades positivas na forma de pesquisadores treinados e engajados, propriedade intelectual e companhias spin-off.
Porém, ainda que algumas dessas iniciativas de política tenham, em alguns casos, conduzido a um maior gasto com P&D, uma avaliação mais qualitativa dos resultados das políticas de incentivo à inovação revela que seus êxitos têm sido limitados porque as empresas relutam conduzir P&D no Brasil quando não há motivação de aumento de competência. Fenômeno que não é exclusivo do Brasil, como será visto a seguir.
Políticas domésticas versus estratégias das Empresas Multinacionais
Em indústrias intensivas em tecnologia e conhecimento, as fontes de inovação são concentradas em clusters tecnológicos interdependentes dispersos entre vários países ao redor do mundo. Os ecossistemas tecnológicos incluem uma miríade de empresas e atores individuais, tanto como produtores como consumidores, todos gerando dados, produtos e serviços que podem ser valiosos para inovação. Esse caráter incorporado da inovação reforça a dependência dos países em desenvolvimento em áreas tecnológicas. Embora existam oportunidades de envolvimento desses países nas redes globais de P&D das empresas, elas geralmente se limitam a atividades periféricas à estratégia tecnológica geral da empresa.
A ação lógica para países em desenvolvimento com grandes mercados internos, como o Brasil, foi tentar capturar o máximo possível de P&D, negociando mercados de tecnologia, incentivando P&D no país e gastos de engenharia por afiliadas locais de empresas multinacionais em troca por acesso ao mercado. Estratégia semelhante foi adotada por vários países em desenvolvimento, como China, Vietnã e outros, os quais, no que pode ser melhor caracterizado como um esforço para induzir a atualização funcional dos investidores estrangeiros, adicionaram igualmente requisitos de investimento em P&D às regras de conteúdo local existentes, aumentando os requisitos básicos para investidores interessados em manter ou aprimorar ainda mais o acesso preferencial ao mercado ou a competitividade de exportação.
No entanto, os resultados desse esforço foram variados até o momento. Apesar da constatação de maiores gastos em pesquisa e desenvolvimento em avaliação agregada, avaliação qualitativa dos autores indica que as multinacionais têm sido resistentes ao apoio às metas do governo anfitrião. Segundo Zilberberg e Sturgeon, há diversas razões para isso.
Do ponto de vista operacional, as EMNs acham difícil separar atividades significativas de P&D e engenharia dos clusters de tecnologia estabelecidos, devido à interação interpessoal necessária para criar e trocar conhecimentos tácitos. Para tentar lidar com esses desafios operacionais, as empresas podem executar projetos e competências no exterior que sejam periféricos ao roteiro de tecnologia principal da empresa e identificar pontos de interrupção que criam módulos de trabalho distintos no processo de P&D que são separáveis, mas servem para apoiar ou isolar engenheiros remotos do contexto mais amplo da inovação da empresa.
Do ponto de vista estratégico, as EMNs temem perder ativos intangíveis críticos para competidores atuais e potenciais. Além da perda engenheiros e gerentes, há o temor de perder informações valiosas, riscos que aumentam nos dias atuais com a possibilidade de vazamento de grandes quantidades de documentos importantes e de milhões de linhas de código de computador em um pen drive ou por meio online. Em locais com fraca proteção aos direitos de propriedade intelectual, essas preocupações são ainda mais fundamentais, e as empresas podem tomar medidas elaboradas para desmembrar o P&D nos nós centrais e periféricos.
Como o ônus de cumprir as políticas industriais recai sobre as afiliadas das multinacionais, a atividade P&D incentivada pode ser ainda mais divorciada do principal impulso dos programas de P&D de uma multinacional. Isso ocorre porque, na maioria das vezes, as subsidiárias dependem mais das empresas-mães do que do governo anfitrião. Elas tentam cumprir a legislação, estabelecendo fábricas locais e investindo os montantes exigidos em P&D para obter acesso a mercados e receber proteção valiosa da concorrência de importação e incentivos monetários, enquanto suas ações contrariam o espírito da política.
Na esfera da produção, de acordo com os autores, as empresas podem responder aos requisitos de conteúdo local montando kits de veículos completos de conhecimento (CDK) ou trazer fornecedores globais que não se envolvem com empresas domésticas. Na área de P&D, as empresas multinacionais podem apresentar a engenharia de localização como atividade de P&D, terceirizar trabalhos de desenvolvimento relativamente superficiais para afiliadas locais de fornecedores globais ou universidades e organizações de pesquisa locais, ou conduzir P&D periférico às suas estratégias globais de tecnologia de modo a cumprir os requerimentos estabelecidos pela política.
Os requisitos de P&D podem, igualmente, ser evitados ou manipulados se forem excessivamente complexos ou ambíguos e, caso contrário, não estiverem de acordo com o interesse das empresas. Em alguns casos, as EMNs podem tentar alterar ou eliminar as demandas do governo anfitrião, como a Samsung fez no Vietnã, que estipulava que 1% da receita da empresa fosse investido em P&D no país. Ante a baixa capacidade de absorção do país, a empresa obteve dispensa da exigência.
Em resumo, na avaliação dos pesquisadores do MIT, as políticas voltadas ao mercado de comércio de tecnologias são limitadas pela natureza das próprias funções de P&D, bem como pela baixa capacidade do governo anfitrião de definir políticas que se ajustem às prioridades e estratégias das EMNs. Políticas industriais que atraem empresas e indústrias para setores onde as estratégias tecnológicas coincidem com as áreas de vantagens comparativas do país e que tem como foco funções de engenharia e P&D que estão prestes a ser externalizadas têm melhor chance de sucesso. Esse foi o caso dos motores flex desenvolvido no Brasil.
Recomendações
Para os autores, uma questão política importante para o Brasil é como acelerar a inovação no contexto das CGVs e garantir que a P&D incentivada crie repercussões robustas na economia doméstica na forma de engenheiros treinados, patentes e spin-offs e desenvolvimento da base de suprimentos.
Segundo eles, o desafio do Brasil em avançar neste caminho reside em encontrar maneiras mais eficazes de articular com clusters de inovação estabelecidos e ecossistemas globais de tecnologia. Isso exigirá a mudança de uma abordagem de substituição de importações voltada para dentro, que caracteriza a política industrial do Brasil, para uma abordagem orientada para o exterior, focada na construção de uma base industrial mais especializada, produtiva e competitiva.
De acordo com Zilberberg e Sturgeon, é provável que essa abordagem não seja eficaz ou desejável em todos os setores, já que externalidades positivas são geradas naturalmente em indústrias domésticas nas quais o Brasil lidera a agenda da inovação, como é o caso da indústria de bioetanol.
Já nas indústrias globais, o local de inovação está no exterior e, com a base de suprimentos agora é constituída por empresas multinacionais em todos os níveis da cadeia de valor agregado, os gastos locais com P&D podem não criar as externalidades previstas. A menos que haja uma razão clara de aumento de competência, essas empresas globais dificilmente decidem investir em P&D local significativo, não periférico.