IEDI na Imprensa - O Crédito, Visto Pelo Ângulo da Vida Real
O Crédito, Visto Pelo Ângulo da Vida Real
Valor Econômico - 26/11/2009
Raquel Balarin
A empresa de terraplenagem que João de Souza (nome fictício para preservar a fonte) gerencia em Belo Horizonte, Minas Gerais, existe há 13 anos. Há pouco mais de dois anos, depois de um bem estruturado plano de gestão, a companhia triplicou seu faturamento. Comprou quatro novas máquinas e chegou a ter pouco mais de 20 funcionários fixos. Sempre pagou rigorosamente todas as contas e impostos em dia, um caso típico de cadastro positivo sem restrições, no jargão bancário.
No fim do ano passado e início deste, a "marolinha" começou a provocar estragos na vida da empresa. "Foi um efeito cascata. As mineradoras, algumas até precipitadamente, demitiram gente, paralisaram projetos e cancelaram serviços de fornecedores. As máquinas usadas na extração de minério, como as escavadeiras hidráulicas de médio porte, acabaram sendo desviadas para a construção civil. Com a maior oferta e com gente topando trabalhar abaixo do preço de custo, os contratantes de serviço de terraplenagem começaram a pagar menos pelo serviço e a pedir mais prazo", explica Souza, sogro do dono da empresa. O capital de giro começou a ficar apertado e a companhia pediu uma linha ao Banco do Brasil, instituição com a qual trabalhava havia dois anos. Conseguiu crédito, mas de financiamento à exportação. "É surreal. Somos prestadores de serviço de terraplenagem, sem nenhum foco em exportação."
No fim do primeiro trimestre, a vida continuava difícil quando um banco de porte médio bateu à porta da empresa. Depois de avaliar seu cadastro e considerá-lo "muito bom", ofereceu uma linha de capital de giro com variação pela taxa DI (Depósito Interfinanceiro) mais 1,5% ao mês. Os recursos seriam liberados em dez dias. "Como eu tinha caixa para mais 40 dias, achei que o problema tinha sido resolvido", diz Souza. Começaram a vir as exigências, mais cadastros, novas necessidades de aprovação. Sem capital de giro, a empresa começou a atrasar pagamentos. E 60 dias depois o banco finalmente aprovou uma linha de crédito: uma conta garantida, de um terço do valor inicialmente pedido e com juro de 6,5% ao mês. Mais: tentou atrelar o crédito ao seguro de duas máquinas, em uma apólice que fugia das necessidades da companhia.
Sem ter de onde tirar dinheiro para manter as atividades, Souza acabou cedendo ao que ele chama de "chantagem", embora tenha conseguido se esquivar das apólices de seguro. Desde então, Souza, a filha e o genro mudaram a estratégia da empresa. Demitiram 10% do quadro fixo de pessoal e venderam um imóvel para colocar o dinheiro no caixa. "Deixamos de ser cadastro positivo e, Justiça seja feita, conseguimos renegociar com alguns bancos privados um alongamento dos prazos, alguns com manutenção das taxas. Mas é uma piada quando se lê por aí que a gente tem que fazer pesquisa entre os bancos, procurar aquele que oferece as melhores condições", diz Souza, afirmando que tem hoje à disposição uma conta de capital de giro garantida, com juro entre 5% e 6% ao mês. E um outro banco lhe ofereceu um cheque especial de R$ 50 mil.
No negócio de terraplenagem, a situação lentamente começa a melhorar. Ainda há ociosidade de máquinas (excesso de oferta) e Souza foi obrigado a deixar os pequenos clientes, muitos deles inadimplentes, e substitui-los pelos médios, que apertam o preço do serviço e exigem mais prazo de pagamento. Mas, devagar, de um jeito bem mineiro, os serviços estão voltando.
E o que poderia ser feito, na questão do crédito, para resolver a situação? Souza não titubeia: "Precisaria que o governo fizesse um esforço para melhorar essas estatísticas do Banco Central. Não adianta olhar o macro. É preciso ver segmento a segmento, aprofundar os dados, mostrar um retrato fiel do que acontece. O crédito aumentou porque grandes empresas, como a Petrobras, pararam de tomar dinheiro lá fora e vieram buscar financiamento nos bancos. Subiu porque todo mundo teve que ir pra conta garantida. Mas a vida do pequeno e médio empresário, que é o grande empregador do país, ficou muito difícil."
É por causa de relatos como o desse gestor de Minas que os números divulgados ontem pelo Banco Central devem ser olhados com cautela. De fato, a trajetória mostra uma melhora na qualidade do crédito. Para as pessoas jurídicas, a média por dia útil das concessões de crédito bancário (recursos livres), excluindo as operações de conta garantida, subiu 1,1% em outubro, na comparação com outubro de 2008. Em setembro, houve queda de 5,2% em comparação ao mesmo mês do ano anterior. "Outubro foi o primeiro mês desde janeiro com crescimento nas concessões de crédito para pessoa jurídica", ressalta relatório da equipe de economia do Credit Suisse, liderada por Nilson Teixeira. Mas o time ressalta em seguida: "No nosso entender, a menor base de comparação, em função da forte contração nas concessões de crédito no quarto trimestre de 2008, é fator importante para explicar a aceleração desses indicadores em outubro". Ou seja: o crescimento se deve, em parte, porque o número nos últimos meses do ano passado já havia sido afetado pela crise.
Para as pessoas jurídicas, o saldo de crédito com recursos livres (aqueles que não têm um carimbo de onde devem ser aplicados) subiu apenas 13,1% em 12 meses, para R$ 329,7 bilhões, considerando-se somente as operações com recursos domésticos. No período, o CDI (Certificado de Depósito Interfinanceiro, padrão de correção dos contratos de financiamento), acumula variação de 10,67%. Isso quer dizer, na prática, que o crescimento "real" do saldo, se for descontada a correção e o juro do contrato de financiamento, foi negativo.
Em nota, o Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), que reúne os empresários, informou que os dados de estoque de crédito à indústria não deve ser motivo de pessimismo porque, em síntese, a análise da trajetória indica melhoras e mostra que a piora esteve concentrada nos bancos estrangeiros. Souza, lá de Minas, também crê que o pior já está passando. Mas a vida dele continua muito difícil.