IEDI na Imprensa - Resultado Deve Ser Melhor que em 2012
Resultado Deve Ser Melhor que em 2012
Valor Econômico - 19/12/2012
José Roberto Ermírio de Moraes: é preciso acelerar as minirreformas, para criar um ambiente de negócios atraente no Brasil, ampliar a eficiência da gestão pública e elevar a qualidade da educação
Ivo Ribeiro
A retomada e o aumento da competitividade da indústria de transformação, que enfrenta um déficit de mais de US$ 100 bilhões, é palavra-chave para o Brasil manter-se em condições de crescer, diz o empresário José Roberto Ermírio de Moraes, que comanda a Votorantim, um dos maiores conglomerados industriais do país. Ele considera que o governo da presidente Dilma Rousseff está no caminho certo, atacando questões antigas e cruciais - como os juros elevados, a desoneração da folha salarial até gargalos de infraestrutura. Mas precisa fazer mais. "Tem de acelerar as minirreformas, para criar um ambiente de negócios mais atrativo no Brasil, ampliar a eficiência da gestão pública e elevar a qualidade da educação em nosso país".
Engenheiro metalúrgico, José Roberto trabalha no grupo desde 1980, tendo passado por diversas posições. Desde o ano passado é presidente da Votorantim Participações, holding que controla os dois segmentos de negócios - industrial e financeiro - com vendas de R$ 34 bilhões em 2011. O "coração industrial" da Votorantim, que completa 95 anos em 2013, abrange negócios como cimento, fabricação de aço, alumínio, zinco e níquel, produção de celulose e suco de laranja e geração de energia.
Atualmente, o empresário integra os quadros de duas importantes entidades industriais do país: o Iedi e a Fiesp, na qual também é vice-presidente. Apesar de ver um cenário econômico global difícil pela frente, ele diz que a Votorantim quer continuar investindo de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões por ano. "Gostaria de fazer mais, mas infelizmente as condições não nos permitem". Eis a íntegra da entrevista.
Valor: Na sua visão, o que vai acontecer na indústria brasileira no próximo ano?
José Roberto Ermírio de Moraes: Na média, terá desempenho melhor do que o de 2012. Tem empresas que terão ritmo de crescimento menor, caso das que obtiveram incentivos fiscais. Como o cenário americano e o europeu nada mostram que será pior que hoje, com uma certa melhora dos EUA, isso traz para o Brasil uma boa perspectiva. Estamos trabalhando com crescimento do PIB de 3%. O governo está falando em 4%. Somos um pouco conservadores em nosso orçamento do plano de negócios. Mas isso varia de setor para setor. Por exemplo, o de cimento, que cresceu 7% neste ano. A resposta para este crescimento ainda forte da construção civil é que continuamos com plano robusto de investimentos. Foram R$ 3 bilhões nos últimos três anos, fizemos sete novas fábricas, aumentamos a oferta em 10 milhões de toneladas, o que significou 43% de aumento. Estou há 30 anos na Votorantim e só vi níveis de crescimento assim, de dois dígitos, na década de 70.
Valor: O setor industrial teve uma forte retração neste ano...
Ermírio de Moraes: No segundo semestre, sentimos uma queda, tanto em consumo de aço quanto de cimento, mas agora já sinaliza uma recuperação de novo. Por isso, na média, trabalhamos com 3% no crescimento da economia do país em 2013. Há oportunidades de investimentos em infraestrutura, Copa do Mundo, Olimpíada... Nesse setor, estamos bem otimistas.
Valor: O senhor vê a necessidade de medidas mais amplas para o setor industrial?
Ermírio de Moraes: Queremos fazer com que o PIB cresça mais e que a indústria contribua. O governo está atuando de maneira muito positiva para melhorar a competitividade da indústria de transformação. O setor está com um déficit enorme em seu balanço de pagamentos. Ou seja, o consumo cresceu e as cadeias de negócios do varejo e serviços obtiveram as vantagens, mas a indústria, infelizmente, não viu sua produção acompanhar o mesmo ritmo da demanda.
Valor: É a desindustrialização? Não exige medidas urgentes?
Ermírio de Moraes: Se perguntar para os setores de varejo, financeiro, de combustíveis, estão muito bem. Mas a indústria de transformação, construída por várias gerações do Brasil, agora merece um carinho especial. O que já foi feito? A desoneração da folha de salários, importante para as empresa de capital intensivo em mão de obra, o Reintegra, muito importante, a redução do custo de energia, assunto em que o governo atuou com muito pragmatismo. A indústria de transformação passou de um superávit de US$ 20 bilhões a US$ 30 bilhões para um déficit de US$ 100 bilhões.
Valor: E a medidas tomadas neste ano, como o senhor avalia?
Ermírio de Moraes: Aqui temos um momento bem particular: é a primeira vez que vejo um alinhamento muito forte de todos na busca da retomada da competitividade da indústria brasileira. Um diagnóstico desse, alinhado entre todas as partes - governo, sociedade e empresários - considero um grande avanço. O governo Dilma fez coisas muitas importantes neste ano. A redução dos juros, taxa de câmbio, lei dos portos, há agora as medidas do ministro Mantega de equalizar o ICMS entre os Estados em 4% para evitar futuras guerras fiscais. Na crise 2008, todo o estímulo foi direcionado à ponta da indústria, incentivando o consumo. Agora, vemos que está voltado para investimento.
"O governo está com a postura de olhar o país como um todo e não só interesses particulares"
Valor: Mas como está o Brasil?
Ermírio de Moraes: Vamos pegar o exemplo de países que fizeram a lição de casa. A Alemanha é um caso. Está no furacão da crise da Europa, mas como fez reformas em aumento da competitividade mostra crescimento diferente da média dos países da União Europeia. Na América Latina, temos o Chile, que já faz isso há um longo tempo e cresce bem acima do Brasil. Recentemente, temos Colômbia e Peru. Esses países promovem uma agenda para melhorar o ambiente de negócios. É um caminho possível, para manter crescimento sustentável, do tamanho do desafio do Brasil: atender 200 milhões de habitantes e gerar 5 milhões de empregos por ano.
Valor: Mas que pontos precisam ser atacados?
Ermírio de Moraes: São questões ainda não bem equacionadas: a flexibilização da lei trabalhista (modelo ainda bastante antigo e não condizente com os dias de hoje), a carga tributária, que o governo está desonerando, mas não dá para fazer tudo de um dia para o outro. Por isso, está parcelando para fazer o que é possível. Temos de unificar a alíquota do ICMS nos Estados, pois essa guerra fiscal, no longo prazo, quem pagará por ela é a sociedade. O governo está com a postura de olhar o país como um todo e não só os interesses particulares.
Valor: E a infraestrutura...?
Ermírio de Moraes: A infraestrutura é outro ponto-chave. Temos uma grande fronteira agrícola, mas enfrentamos dificuldades para escoar a produção, com filas nos portos, custos estupendos de armazenagem e de espera dos navios, o que reduz a competitividade. O governo Dilma se mostrou preocupado com a questão dos portos e trouxe essas mudanças que flexibilizam a legislação e vão visar a qualidade e a redução do custo. Como executar tudo isso? Será preciso capital privado, capital público e deve ser bem endereçado para poder entregar serviços de qualidade a custos compatíveis.
Valor: A redução dos juros já resolve a questão da taxa de investimentos no país, que se retraiu?
Ermírio de Moraes: É uma revolução que está mudando muito a base da sociedade brasileira e os resultados benéficos serão vistos no médio prazo. Muda completamente a forma como as decisões são tomadas. Antes, era muito cômodo ficar atrelado a um tipo de modelo sem correr risco, com juros acima de 12% ou 13%, que desestimulvam investimentos nos meio produtivos e geravam um vício de pensamento que não era nada bom para o país.
Valor: A forma como o governo está forçando os bancos a reduzir juros, para baratear o crédito, usando banco estatais, é correta?
Ermírio de Moraes: Não sou do ramo para dizer nem quero julgar se o setor acha se essa foi a melhor maneira. Mas ela vem funcionando. Se não é tecnicamente a forma correta, temos de admitir que, de forma prática, os resultados vêm ocorrendo. Como fica no longo prazo? A inflação não pode voltar, pois caso isso ocorra os juros terão de subir de novo. É uma pilotagem bem delicada entre juros, inflação, gasto público, política fiscal e monetária... O governo terá de ser um maestro de grande habilidade. Acho que a direção é certa.
Valor: O Brasil vem perdendo atração para investimentos?
Ermírio de Moraes: O Brasil tem de atacar problemas no seu ambiente de negócios. A burocracia, a lentidão do Judiciário, demora na concessão de licenças, longo tempo para se abrir uma empresa... Isso cria um ambiente jurídico de incerteza. Enfim, são as microrreformas, muito importantes no dia a dia da vida empresarial.
"Continuamos a investir de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões por ano. Essa é a nossa política nos últimos oito a dez anos"
Valor: A questão da educação: você tem mencionado sempre...
Ermírio de Moraes: Esse é um ponto que gostaria de ressaltar: a qualidade de educação no país. Os orçamentos feitos nos governos Lula e Dilma têm sido bem generosos, mas o Brasil, nos testes de avaliação internacional, ainda deixa muito a desejar. É esse salto qualitativo que precisamos dar para uma economia moderna, visando fabricar produtos de maior valor agregado. É o passo que a China vem dando há 30 anos: atacou a questão de infraestrutura. Daqui a pouco vai concorrer com os coreanos, os japoneses, alemães com produtos de alta tecnologia, qualidade e custo competitivo. O Brasil tem de caminhar nessa direção. Não podemos continuar um país produtor só de matérias-primas e produtos semimanufaturados. Não vai levar a uma renda per capita de US$ 40 mil em 30 anos. Vai continuar em US$ 15 mil.
Valor: Câmbio: considera que já é suficiente o nível atual para indústria se tornar competitiva?
Ermírio de Moraes: Varia de setor para setor. Podemos dizer que já estamos em um nível satisfatório. Ainda não é o ideal, pois depende da estrutura de custos de cada um, da inflação interna. O governo está pilotando com muita propriedade, por causa da inflação, desvalorizando gradualmente. Há quem diga que o ponto de equilíbrio seria na faixa de R$ 2,40 ou R$ 2,50. Nos setores em que a Votorantim atua, ele tem ajudado, mas não o suficiente para voltar à competitividade de dez anos atrás. O Brasil tinha o menor custo de produção mundial de suco de laranja, aço, celulose. Não tem mais.
Valor: Como vê a política que o governo vem adotando, de escolher alguns setores para receber benefícios fiscais, como automotivo, de bens eletrodomésticos e outros?
Ermírio de Moraes: Estamos saindo da UTI e começando a respirar. Estamos no caminho que pode levar a um nível de investimento maior. Não é isso que precisamos? O governo está pedindo, mas precisa dar condições. E no setor de transformação é maior competitividade, a palavra-chave.
Valor: A política deve continuar?
Ermírio de Moraes: Acho que deve fazer o que é possível. Se ouvir os economistas, vão apontar medidas horizontais, com regras do jogo válidas para todo mundo. Mas é possível uma desoneração completa, de toda a cadeia industrial? Creio que o governo não tem condições de fazer isso de maneira responsável, buscando resolver questões mais urgentes e visando, no tempo, atender a todos elos da indústria. É a responsabilidade da gestão fiscal. Vivemos em uma crise internacional sem precedentes.
Valor: Como vê a gestão pública?
Ermírio de Moraes: O governo tem procurado fazer isso com mais eficiência. Mais nomeações técnicas do que políticas, o que é bastante positivo. Está buscando incorporar as melhores práticas de gestão do setor privado, por meio da Câmera de Gestão, coordenada pelo Jorge Gerdau [dono do grupo siderúrgico Gerdau ]. Isso tudo é um avanço para o equilíbrio das contas e para o aumento do superávit fiscal. O nível de investimento do setor público é pouco no Brasil - 2% do PIB. O privado, 17%. O país precisa pelo menos de 23%.
Valor: Como vê a concorrência chinesa no Brasil? Isso afeta os negócios da indústria como um todo e os da Votorantim, especificamente?
Ermírio de Moraes: No caso da Votorantim, menos, porque estamos em uma indústria de commodities, que o Brasil ainda tem uma competitividade boa. Já as indústrias de bens intermediários e manufaturados, nos últimos anos, sofreram uma concorrência de maneira intensa. O resultado é que o PIB industrial não cresceu. Ficou estagnado nesses três anos.
Valor: Nos setores onde o grupo está presente, como cimento e aço, celulose, metais e agronegócio o senhor já vê reação de demanda?
Ermírio de Moraes: Nos mercados para exportação as coisas estão iguais, sem melhora nem piora. Os preços das commodities estão estabilizados num patamar de ciclo de baixa. Vai continuar dessa forma para os próximos três anos. Não há nenhuma expectativa de voltar a 2007 e começo de 2008. Já o consumo interno está indo bem. Nossa fábrica praticamente não exporta mais alumínio. O grupo sempre teve essa felicidade de ter um equilíbrio de negócios entre mercado interno e externo e sempre que algo não está bem em uma conjuntura a outra está mais favorável. Gostaríamos de fazer mais, mas infelizmente o cenário internacional não nos permite.
Valor: Como está a disposição do grupo para investir nesse cenário?
Ermírio de Moraes: Continuamos no mesmo ritmo: de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões por ano. Essa é a nossa política nos últimos oito a dez anos. Para atender crescimento da demanda e continuar tendo competitividade.
Valor: Há mais espaço para redução da taxa Selic em 2013?
Ermírio de Moraes: Nem o ministro [Guido Mantega] fala, vou eu falar? Se considerar que estamos com um spread de 2% sobre a inflação, acho que está razoável. Não vemos nenhuma inflação de demanda à frente. E a de custo está contida. O governo está atuando, como no caso da tarifa de energia elétrica. A inflação de serviços está mais alta. É o que conta para nós.
Valor: Que avaliação o senhor faz do governo da presidente Dilma nestes dois anos. E quais são as perspectivas para os dois últimos?
Ermírio de Moraes: É muito do que falamos aqui e que é positivo. Foco na competitividade, aumento de investimento, gestão pública, qualidade de ensino. A presidente Dilma tem se mostrado uma grande sábia, atuando em interesses do país em detrimento de interesses particulares. Tem se mostrado uma surpresa como gestora, atacando problemas que vinham se acumulando. No governo FHC, a questão da inflação e ordem econômica; o governo Lula fez um trabalho excepcional no lado social, com a inclusão das classes menos privilegiadas ao consumo; e agora a Dilma, com esse foco na competitividade para aumento do investimento e crescimento do país. A direção é muito positiva e nos deixa bastante otimistas com o futuro do Brasil. Gostaríamos de ter mais. O empresário é eterno insatisfeito e questionador, pois vivemos em um ambiente competitivo diário.
Valor: A renovação das concessões elétricas: o senhor é a favor da forma como o governo fez?
Ermírio de Moraes: Para o país, as medidas são corretas. Vai afetar interesses específicos? Sempre. Mas temos de atuar no custo-Brasil: redução de juros, custos de energia e do gás natural... O governo está atuando de maneira bem pragmática. Vai afetar interesses, mas temos de pensar no Brasil. E se é assim tem de ter nosso apoio. Como pode o país ter a energia mais cara do mundo? É preciso atuar na carga do ICMS, a que mais pesa. Os Estados têm de abrir mão dessa receita. É um segundo round, mais complexo e que terá ser atacado.