2004, O Pior Ano do Setor Externo
2004, O Pior Ano do Setor Externo
Gazeta Mercantil - 23/08/2002
Maria Clara R. M. do Prado
23 de Agosto de 2002 - Superávit comercial de no mínimo US$25 bilhões em 2004. Requer um esforço cavalar, mas é isso que o País terá de gerar na balança comercial, em dois anos, caso a síndrome da aversão ao risco que assola o mercado internacional não seja um modismo passageiro mas tome a forma de novo paradigma a ditar o comportamento do setor financeiro.
Vai depender do maior ou menor grau de interdependência entre a crise de confiança que afeta as empresas norte-americanas, do aperto dos bancos centrais nas posições de risco dos bancos internacionais e, ainda, da postura do FMI quanto à idéia defendida por Anne Krueger, vice-diretora gerente do organismo, e do secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Paul O’Neill, de viabilizar o processo de "concordata dos países".
Nele, os credores e devedores do tipo "emergentes" acertam suas diferenças entre si, independentemente do aval ou da ajuda do Fundo.
Cada uma daquelas três condições reforçam uma a outra. O chamado "moral hazard", que levava o setor financeiro internacional a não se importar tanto com o risco de crédito na confiança de que seria indiretamente acudido pelos pacotes de ajuda externa, já não pressupõe hoje a mesma garantia do passado.
Nesse ponto, aliás, o financiamento recentemente acertado pelo Brasil com o FMI vem revestido da característica de grande teste. Pode reafirmar ou derrubar as pretensões da dupla Krueger e O’Neill.
Bem, isso tudo para dizer que não é nada tranqüilo o quadro das contas externas para os próximos três anos.
Aquela projeção que aponta para a necessidade de superávit comercial de US$ 25 bilhões em 2004 é, obviamente, impossível de ser atingida. É, propositadamente, a projeção mais drástica do quadro apresentado na segunda-feira, na reunião que costumeiramente acontece na sede do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), em São Paulo, entre os principais empresários do País.
O trabalho "Um cenário de restrição de financiamento externo", elaborado pelo economista e diretor executivo do Iedi, Julio Sergio Gomes de Almeida, pressupõe a consolidação do princípio da aversão ao risco nos próximos anos.
Ou seja, o mundo financeiro internacional teria irremediavelmente mudado.
Nesta hipótese, apenas 60% das amortizações da dívida de médio e longo prazos conseguiriam ser roladas no mercado internacional no período entre 2003 e 2005.
Julio Sergio lembra que a rolagem foi praticamente total em 2001 (98,5% dos vencimentos) e já em 2002, entre janeiro e julho, representou 76% das amortizações.
Deve ser menor, na média, até o final do ano.
Bem, na hipótese de a retração externa perdurar por mais três anos, o pior ano de todos será 2004. É para isso que Julio Sergio quer chamar a atenção.
Por quê? Porque o financiamento recentemente negociado em temos técnicos com o FMI traz um certo alívio às contas externas em 2003. Mesmo que o fluxo líquido do investimento estrangeiro direto não passe de US$15 bilhões no ano que vem, conforme imagina Julio Sergio, haveria maior tranqüilidade externa não só com os desembolsos, embora condicionados, do FMI como também pelo reforço das linhas de empréstimo do Banco Mundial e do BID.
Assim, a geração de um saldo positivo em torno de US$ 8,5 bilhões na balança comercial e um déficit equivalente de US$18,7 bilhões nas transações correntes resultariam no ajuste apropriado à retração do capital externo em 2003.
Mas o que se requer em termos de ajuste para 2004 é muito maior, ainda que o fluxo de capital de investimento chegue ali a um pouco mais, cerca de US$ 18 bilhões, como imagina Julio Sergio.
Será um ano mais pesado em termos de amortizações externas e uma eventual continuidade do princípio da aversão ao risco no mercado internacional tende a agravar o quadro. Isso, é claro, sem contar com a perspectiva de novo financiamento do FMI e nem com a possibilidade de reescalonamento das dívidas que o País tem com aquele organismo.
O País poderá ficar em maus lençóis se mantido o déficit em conta corrente na faixa dos US$ 18,5 bilhões em 2004.
As restrições externas exigiriam um ajuste muito mais brutal na conta de transações correntes. Algo que Julio Sergio vislumbra em torno de zero. É aqui que entra o superávit comercial de US$25 bilhões.
É uma projeção, como já se disse, extremada. Pressupõe que nenhuma gota de financiamento novo entre no País e que apenas 60% das amortizações vincendas sejam refinanciadas. O objetivo desses exercícios não é alarmar, mas reforçar a importância que um crescente superávit comercial passa a ter no financiamento externo na aversão ao risco.
É importante não esquecer que o ajuste na parte superior do balanço de pagamentos (conta de transações correntes) se faz automaticamente sempre que se reduz a entrada de dólares na conta de capital.
É sinal de que o Brasil precisará contar com o investimento doméstico para crescer. Resta saber como será feito. Pode tomar o caminho do aumento das exportações ou da queda das importações. Passa pela discussão não só dos juros e do câmbio, mas pelo grau de abertura da economia.