Entrevista de Ivoncy Ioschpe ao Diário do Comércio
Entrevista de Ivoncy Ioschpe
Diário do Comércio
Cláudia Marques
O gaúcho Ivoncy loschpe, presidente do IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), é um daqueles empresários que, desde a primeira metade do governo Fernando Henrique, vem alertando para o risco do déficit externo. Aos 62 anos, o presidente do conselho da Ioschpe-Maxxion, um dos maiores conglomerados metalúrgicos do País, faz parte de um grupo de industriais que defende a criação de barreiras comerciais para proteger o produto nacional e de uma política para a substituição competitiva das importações. Veja abaixo o que o empresário fala sobre a economia brasileira.
Por que o Brasil precisa criar barreiras comerciais
“Precisamos criar defesas para os produtos brasileiros. A indústria nacional pode fabricar com qualidade e preços competitivos muitas mercadorias que hoje são importadas. O governo precisa defender setores como o eletrônico, que sofreu com a abertura econômica.
Eu defendo a substituição competitiva das importações. Não quero que a sociedade pague pela falta de competitividade de algumas empresas. Mas não quero o outro extremo. Não precisamos importar tudo de qualquer lugar do mundo. Se isso acontecer, como fica o desemprego? O Brasil precisa de políticas que atraiam novos investimentos para que se produza aqui o que hoje é importado. O primeiro passo é criar critérios para a entrada de produtos estrangeiros."
O exemplo dos norte-americanos
"O presidente dos Estados Unidos George W. Bush teve uma atitude certa na questão do aço brasileiro. Ele está protegendo uma indústria pouco competitiva e defasada. A ação soou como uma injustiça para nós. A indústria de aço nacional é mais moderna que a norte-americana. Porém, a intenção de Bush é proteger a economia do país. Ele quer tornar o segmento competitivo."
Sobre a importância de ser um país continental
"O Brasil é um país continental. Alguns dizem que o Brasil só deve produzir aquilo que é competitivo. Mas um país continental não deve ter especialização. É como os Estados Unidos e o Canadá. Nós temos um mercado interno que pode dar sustentação ao desenvolvimento de várias indústrias. O governo tem de criar condições para que todos os setores tenham condições competitivas."
Sobre a abertura econômica
"A abertura feita no Brasil foi muito diferente do que se fez no resto do mundo. Em outros lugares, a liberalização tinha o objetivo de conquista de comércio e equilíbrio das contas externas. No Brasil, predominou uma visão de estabilização. O que aconteceu? A abertura foi um choque de ofertas de produtos estrangeiros sem nada em troca. Resolvemos a inflação, mas passamos a conviver com o risco do estrangulamento da área externa, que tem relação direta com os juros altos e vem emperrando o crescimento econômico."
O que fazer para não ser a bola da vez
"O endividamento externo no Brasil se tornou tão alto que só pode ser coberto com mais empréstimos, que tornam o País refém do sistema financeiro, mais investimentos, que também geram remessas de dividendos, ou grandes saldos positivos na balança comercial. Esta última é a melhor alternativa."
Os erros de FHC devem ser corrigidos pelo próximo presidente
"O governo FHC cometeu vários equívocos. O próximo presidente terá de resolvê-los. Um deles foi o congelamento das exportações durante o primeiro mandato do presidente. As exportações brasileiras ficaram em segundo plano no governo FHC durante um período muito longo, que gerou o acumulo de déficit externo.
A política agressiva de taxas de juros ampliou, substancialmente, o déficit do setor público. A dívida pública é algo difícil de ser operado."
Sobre o motivo do aumento do risco Brasil
"Há muitos componentes para avaliar o risco Brasil. O Lula à frente das pesquisas eleitorais não faz o investidor desistir de investir no Brasil. Os investidores temem as contas externas do País.
Nas análises que usam dados como PIB (Produto-Interno Bruto) e balança comercial e exportação sobre PIB, o Brasil está entre os últimos colocados. O investidor pensa: aquele país que já tem contas ruins vai mudar de presidente.
Nos oito anos do governo FHC, problemas primordiais não foram resolvidos. O Brasil tinha uma tuberculose e uma gripe. FHC cuidou de, resfriado."
O Brasil perdeu o lugar no ranking dos países em crescimento
"Nó governo FHC, o Brasil teve um crescimento econômico muito pequeno. O País está mais distante dos países com os quais ele competia. Há oito anos, estávamos à frente da economia mexicana. Agora, o México nos superou. O País tinha uma participação maior no comércio internacional do que hoje."
Como tem de ser o novo presidente da República
"O novo presidente deverá ter bom senso para avaliar os erros do governo FHC e não cometê--los. Como já disse, precisamos de políticas sérias para o desenvolvimento industrial e a substituição das importações.
O novo presidente tem de manter as coisas boas do governo FHC. Fernando Henrique assumiu um País com inflação alta e carente de conceitos na área econômica. Ele implantou idéias como a de responsabilidade fiscal na cabeça das pessoas."
O que precisamos melhorar para aumentar as exportações
"Por falta de uma política industrial firme, o Brasil perdeu espaço, principalmente na produção e exportação de produtos de maior valor agregado. Hoje, ao contrário do que existia na década de 90, a indústria brasileira está mais voltada para mercadoria de baixo valor agregado. Nós vamos ter de construir políticas setoriais, específicas para determinados segmentos. Cada setor tem de ser estudado. As estratégias internas e externas têm de ser traçadas em conjunto."
Como lidar com as empresas que precisam de subsídio
"O governo precisa ser transparente nas operações de subsídio. O que gerava preocupação era a forma como o recurso era concedido. Muitas ações eram feitas no escuro. O mercado não sabia que determinado setor ou determinada empresa estava recebendo subsídio. Isso causava mal-estar entre os empresários nacionais e os parceiros estrangeiros.
Se todos os participantes numa negociação sabem que uma empresa recebe recurso do governo, não há motivos para desconfiança."
Sobre a importância de uma reforma fiscal
"Uma economia que não cresce não consegue resolver os problemas de desequilíbrio social. No Brasil, se não há crescimento, o governo aumenta a carga fiscal.
O aumento das exportações depende da reforma fiscal e tributária. Enquanto o imposto incidir na produção e não no consumo, alimentamos a barreira invertida.
A capacidade competitiva é distorcida. O empresário acaba tendo de exportar impostos. Nas economias que funcionam, o imposto é pago quando se consome o produto e não quando se produz."
Seguir as regras nem sempre dá certo
"A Argentina fez tudo o que lhe foi pedido. Seguiu todas as regras. Privatizou, praticamente, todas as empresas estatais. Incentivou a especialização de produtos. O resultado foi desastroso.
O povo argentino está sofrendo as conseqüências de um país que, internamente, foi desvalorizando a moeda. Os argentinos respiravam em dólar. Eles esqueceram que essa atitude dificultaria as exportações.
O engraçado é que as pessoas só se dão conta do erro muito tarde. O país estava empobrecendo há anos, mas isso foi escondido dos argentinos. A Argentina tinha financiamentos estrangeiros que encobriam esse empobrecimento. Quando os financiadores cortaram o dinheiro, a população foi surpreendida por uma situação que desconhecia. O povo ficou sem dinheiro e sem ter de onde tirá-lo. O governo tinha sucateado as indústrias que poderiam gerar empregos."
Porque temos de ajudar a Argentina
"A Argentina é um projeto importante para os empresários brasileiros. Temos de ter paciência e apoiar inclusive a reconstrução argentina. Com a recuperação do mercado argentino, poderemos aumentar as exportações."
A expressão "exportar ou morrer" tinha de ter sido dita antes
"Uma pena FHC ter falado esta frase somente no ano passado. Nós estávamos esperando por isso desde o início do governo. A frase podia ser complementada com a expressão: importar menos. Há uma conta a ser paga e a única moeda é o crescimento econômico e o saldo positivo na balança comercial.
O importante é compreender que, quando se vai para uma negociação, os interesses dos dois países têm de ser levados em conta. Se somente um país for beneficiado, não vale a pena negociar. No caso, é melhor não ter parceiros."
Sobre a violência no País
"Acho que a Palestina é aqui. O número de seqüestro no Brasil é parecido ao da Colômbia, que vive uma guerra civil. Estamos chegando no limite. Eu tenho medo de sair as ruas, de ir a restaurantes. Temos de gerar mais emprego para tirar as pessoas da rua. Também é necessário investir no sistema carcerário e equipar melhor os policiais."
O empresário brasileiro precisa ter fé
"Antes de abrir uma empresa, o empreendedor precisa planejar o investimento. Em geral, o retorno vem no longo prazo. É preciso ter paciência, principalmente, durante este ano. O processo eleitoral dificulta a abertura de negócios e investimentos.
O empresário tem de descobrir as vantagens competitivas da mercadoria. Para ter sucesso, é necessário agregar valor ao produto.
O empreendedor também deve evitar o endividamento. Com as altas taxas de juros, tomar empréstimos bancários não é uma boa opção."