Política Industrial Renasce em 2003
Política Industrial Renasce em 2003
Valor Econômico - 30/09/2002
Desenvolvimento Estímulos à alta tecnologia e à substituição de importações devem tornar-se prioritários
Cláudia Trevisan, De São Paulo
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pagamentos se esses problemas
não forem resolvidos|left>>Relegada a um segundo plano em quase toda a década passada, a implementação de uma política industrial ganhou força na campanha eleitoral e está com presença garantida no próximo governo, seja quem for o presidente eleito. Os modelos antigos de proteção tarifária e altos subsídios parecem ter dado lugar a uma estratégia voltada ao aumento das exportações, à substituição competitiva de importações e ao desenvolvimento de setores de alta tecnologia.
"Política industrial é uma expressão que ficou tachada como absolutamente maldita, ela foi tratada como matéria religiosa nos últimos anos", diz o presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Horacio Lafer Piva, para quem o governo Fernando Henrique Cardoso foi omisso nessa área.
Os programas dos dois candidatos que lideram as pesquisas eleitorais defendem a adoção de políticas horizontais ao lado de políticas específicas para determinados setores. As horizontais são as medidas que beneficiam todas as empresas igualmente. Neste capítulo, entram a reforma tributária, a redução dos juros e melhora da infra-estrutura.
No capítulo de políticas setoriais, há o consenso entre seus defensores de que elas devem ser voltadas à redução da vulnerabilidade externa do país, com o aumento das exportações e a substituição competitiva de importações. Outra vertente é a atração de investimentos na área de alta tecnologia, na qual o Brasil tem grande dependência de componentes importados.
"Se a economia cresce, isso gera aumento da renda e o 'seu' Zé que mora na Vila Brasilândia vai comprar um aparelho eletrônico; isso vai aumentar a demanda de componentes importados", observa o professor da Unicamp (Universidade de Campinas) Luiz Gonzaga Belluzzo, para quem o crescimento da economia vai sempre bater no teto do balanço de pagamentos se esses problemas não forem resolvidos.
E para atrair investimentos de alta tecnologia, o Brasil vai ter de entrar na guerra fiscal que se instalou globalmente e oferecer altas isenções tributárias às empresas. Para o professor Luciano Coutinho, também da Unicamp, é essencial que o país amplie sua atuação nesse setor, "que tem capacidade de crescimento 2 a 3 vezes superior à média da indústria".
Mas como dar isenção tributária em um cenário de restrição fiscal como o atual? Para Coutinho, esse não é um problema no caso dos segmentos de alta tecnologia, já que o país estaria abrindo mão de uma receita de que não dispõem atualmente. "É um setor que não está pagando impostos porque não existe. O país teria um sacrifício tributário, mas conseguiria benefícios como o aumento da substituição de importações e a geração de empregos", diz.
Julio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) afirma que o investimento em alta tecnologia deve estar no centro da política industrial do próximo governo, ao lado de políticas de desenvolvimento regional e de geração de emprego.
A importância dessa estratégia pode ser medida pelo aumento da presença de produtos de alta tecnologia no comércio internacional. Produtos primários ou manufaturas de origem agropecuária representavam quase 50% do comércio global em 1984, segundo dados da Unctad (Conferência da Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento). Em 2000, esse percentual havia caído para 28%, com crescimento da presença de manufaturas de origem industrial e bens de alta tecnologia. Nesse período, os países que mais aumentaram sua presença no comércio internacional foram os que mais investiram em alta tecnologia.
Coutinho ressalta que existe convergência hoje entre política industrial e a política macroeconômica refletida em um câmbio competitivo. Aliados, os dois elementos permitiriam o aumento das exportações e a substituição de importações sem necessidade de proteção tarifária.
Piva defende o apoio direto a setores com alta capacidade exportadora, como siderurgia, papel e celulose, têxtil e calçados. O presidente da Fiesp diz estar "confortável" diante da crítica de que o Estado estaria de novo escolhendo setores "vencedores" e "perdedores" da economia, como nos anos 60 e 70.
"Os que combatiam essa idéia (de políticas setoriais) estão percebendo agora, em razão do nosso déficit externo, que alguma coisa precisa ser feita", afirma Piva. Para ele, o apoio a esses segmentos pode ser dado por instrumentos como financiamento, taxas de juros competitivas, promoção comercial e desburocratização dos processos de exportação.
Na opinião de Coutinho, um elemento crucial da política industrial em um mundo que disputa investimentos estrangeiros escassos é a negociação direta com multinacionais. "Uma agenda de entendimentos e de cooperação com as empresas transnacionais é ingrediente indispensável da política industrial e de comércio exterior", afirma. Essas negociações são relevantes nos "três macrosetores altamente deficitários", que são químico, eletrônico e bens de capital.
Gomes de Almeida, do Iedi, enquadra o investimento em alta tecnologia e o desenvolvimento regional com criação de emprego no que ele chama de política industrial com "P" maiúsculo, que deve ser encarada como uma política de todo o governo. O economista também defende políticas industriais com "p" minúsculo, que seriam de responsabilidade de um ministério. "A característica geral dessas políticas é que elas têm de ser datadas no tempo", ressalta. "Seriam tantas políticas quanto o governo achasse suficiente para mobilizar o setor privado e solucionar problemas específicos", afirma.
Apesar de ser entusiasta da política industrial, Belluzzo reconhece que não será fácil nem rápida sua implementação pelo próximo governo. Primeiro porque o processo de substituição de importações exige investimento e o aumento de importações em um primeiro momento -o que pressionaria a balança de pagamentos. E a condição para que a substituição de importações ocorra é o crescimento da economia, algo que também não está garantido.
Além disso, o país enfrentará um cenário hostil na disputa por investimentos externos, depois de ter perdido o 'boom' da alta tecnologia nos anos 90. "Não vamos nos enganar, será um processo lento."
Receita asiática é melhor referência
Os asiáticos ocupam os primeiros lugares na lista de países que aplicaram políticas industriais de sucesso nos últimos anos. A receita mescla forte atuação em setores de alta tecnologia e agressividade na conquista de fatias cada vez maiores do comércio internacional.
Fora da Ásia, a Irlanda é citada com mais freqüência como um modelo bem-sucedido. O país europeu decidiu investir na área de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e concedeu incentivos fiscais para atração desse segmento de empresas transnacionais.
"Os países emergentes que estão na crista da onda são os que fizeram política industrial na área de tecnologia de ponta", afirma Julio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial). Gomes de Almeida fez um levantamento dos benefícios concedidos por país.
A China, por exemplo, lidera a lista dos países que mais ganharam participação no comércio internacional entre 1985 e 2000, segundo o último relatório da Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento), divulgado há um mês. Nesse período, o país aumentou em 4,5% sua presença nas exportações globais, bem mais que os cerca de 1,5% obtidos pelos Estados Unidos.
O professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, afirma que a discussão sobre política industrial não pode ignorar o que foi feito no âmbito internacional. "Todos os países, inclusive os Estados Unidos, fizeram alguma forma de política industrial."
Para Gomes de Almeida, o Brasil tem de construir o seu próprio "coquetel" de medidas nessa área. Mas há um ponto que ele considera comum a todos os casos vistos como exemplares: "O segredo do sucesso é a articulação entre atração de investimentos externos e políticas de desenvolvimento de empresas nacionais ", sustenta. A China é um dos países que seguiram mais à risca essa filosofia, com sua política de exigir transferência de tecnologia para os parceiros nacionais de investidores externos.
A Índia é outro caso que Gomes de Almeida considera exemplar. O país apostou na produção de softwares e em produtos de tecnologia da informação. "A Índia exporta US$ 10 bilhões em softwares por ano e quer exportar US$ 25 bilhões dentro de cinco anos", diz Gomes de Almeida.
Todos os casos citados como bem-sucedidos envolvem o aumento expressivo de exportações, até porque os produtos de alta tecnologia exigem escala, que não é dada somente pelo mercado interno.
Lula: incentivo terá prazo
O programa de governo de Luiz Inácio Lula da Silva defende a implementação de políticas industriais setoriais, que estariam vinculadas a metas a serem atingidas pelas empresas beneficiadas. Para os petistas, os incentivos devem ser "transparentes" e limitados no tempo.
O texto prevê políticas setoriais de incentivo às exportações e à capacitação tecnológica, com aumento significativo dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). "As políticas governamentais deverão também intervir seletivamente na reestruturação dos setores de ponta, a começar do complexo eletroeletrônico, do setor de bens de capital e da indústria química", afirma o programa.
Os petistas defendem ainda a mudança da pauta de exportações, com o aumento da oferta de produtos e serviços de alto valor agregado. Para isso, seria necessária a atração de investimentos de empresas globais de microeletrônica e a mobilização da comunidade científica e empresarial nacional nesta direção.
Ao lado das políticas setoriais, o candidato do PT propõe medidas horizontais, como o fortalecimento do mercado interno e o desenvolvimento de infra-estrutura.
Serra: exportar tecnologia
O aumento da substituição de importações ocupa lugar de destaque na proposta de política industrial de José Serra. O documento propõe o aumento do superávit comercial, com o objetivo de reduzir o déficit no balanço de pagamentos a 2% do PIB.
À exemplo de Lula, também propõe políticas horizontais ao lado de medidas específicas para setores estratégicos. A política industrial teria como alvo a redução da vulnerabilidade externa, o que se reflete na proposta de criação do Ministério do Comércio Exterior e Desenvolvimento e do Instituto de Comércio Exterior.
O programa de Serra defende ainda o apoio à internacionalização de empresas brasileiras, com financiamento às que se instalarem no exterior. A substituição de importações seria centrada em bens de alto e médio conteúdo tecnológico, o que exigiria investimentos nessas áreas.
Para viabilizar o aumento de investimentos, a proposta prevê expansão da oferta de financiamento de longo prazo, com queda na taxa de juros. O texto defende a ampliação do volume de créditos ao setor privado dos atuais 28% do PIB para o equivalente a 40% do PIB. Serra também propõe uma política agressiva de acordos de redução tarifária.
No mundo
China
O país que lidera o ranking dos lugares mais atraentes para investimento estrangeiro direto tem política agressiva de atração de investimento externo. Tem uma série de regiões delimitadas, como zonas especiais e parques industriais, nas quais são concedidos incentivos à indústria. A área de desenvolvimento tecnológico da cidade de Tianjin, dá isenção de total de IR nos primeiros dois anos e de 50% nos três anos subseqüentes para projetos de produção com prazo superior a 10 anos. Para empresas de tecnologia avançada, a isenção de 50% dura mais três anos. Há incentivos adicionais às empresas que exportem ao menos 70% da produção. As que reinvestem lucros na empresa ou criem uma nova empresa na mesma área têm devolução de 40% do IR pago.
Coréia
Adota três tipos de modelo: 1) Zonas exclusivas para investimento estrangeiro, nas quais há isenção de imposto de renda de 100% nos primeiros sete anos e de 50% nos três anos seguintes. Exige investimento mínimo de US$ 100 milhões ou de US$ 50 milhões, se o projeto criar pelo menos 500 empregos. As áreas beneficiadas são indústria de transformação, alta tecnologia e serviços de apoio à indústria doméstica. Também dá isenção por 8 a 15 anos de impostos locais, como sobre propriedade. 2) Zonas francas comerciais: dá incentivos semelhantes aos das anteriores e exige investimento mínimo de US$ 30 milhões ou criação de no mínimo 300 empregos. 3) Zonas francas de exportação: há duas regiões desse tipo, nas quais são concedidas isenções tributárias por tempo determinado.
Taiwan
Dá incentivos de caráter geral para aquisição de tecnologia, projetos de pesquisa e desenvolvimento e treinamento de pessoal, além de adotar políticas setoriais. Entre os benefícios, está a concessão de crédito de 25% contra o impostos de renda a pagar no caso de desenvolvimento de novos produtos ou aperfeiçoamento de processo de produção. O incentivo vale também para treinamento de pessoal. Nas zonas de processamento de exportações, há isenção de impostos de importação e burocracia reduzida no procedimento aduaneiro. Isenções às empresas podem ser variáveis. Há exigência de investimento mínimo (US$ 200 milhões para indústria) e de produção por hectare ocupado. As principais áreas beneficiadas são tecnologia, eletrônicos de alto valor agregado, biotecnologia e aeroespacial. Há também os parques industriais intensivos em ciência, que incluem entre os benefícios isenção de IR por cinco anos.
Índia
Possui instituições oficiais destinadas à atração de investimento estrangeiro direto. A partir de 2000, fortaleceu a atuação na tecnologia da informação e softwares. Entre os benefícios, estão isenção total do IR por dez anos para empresas que realizem pesquisa e desenvolvimento científicos registrados na Índia. Também há dedução de lucros obtidos na exportação de mercadorias e software produzidos nas zonas francas comerciais, zonas de processamento de exportações, parques tecnológicos de hardware e software e zonas econômicas especiais ou nos empreendimentos totalmente destinados à exportação. Também concedeu nos últimos anos, a partir de 1995, isenção 100% do IR por cinco anos para projetos industriais localizados em regiões industrialmente atrasadas.
Irlanda
Privilegia a atração de investimentos na área de pesquisa e desenvolvimento. Além disso, isenta de IR o lucro de filiais de empresas estrangeiras para atrair headquarters regionais de empresas transnacionais. Os benefícios para P&D incluem a dedução do lucro tributável de 400% dos gastos em P&D que ultrapassem o nível de investimentos de um ano de referência. A Irlanda também dá isenção de IR sobre royalties recebidos na comercialização de patentes habilitadas no país. Isso significa que o trabalho de P&D para desenvolvimento da patente tem de ser realizado no país e o receptor do royalty tem de ser contribuinte local. O incentivo tem atraído empresas subsidiárias de pesquisa de multinacionais, que se beneficiam da isenção nas negociações de patentes realizadas em todos o mundo.
Costa Rica
A Costa Rica derrotou o Brasil e o México na disputa pela instalação de uma fábrica da Intel. Além da concessão de incentivos fiscais, o país foi rápido no atendimento de reivindicações apresentadas pela fabricante de microprocessadores, como preços mais competitivos de energia e aumento do número de vôos para Europa e Extremo Oriente. Os benefícios fiscais são concedidos a todas as empresas instaladas em zonas francas e incluem isenção total de imposto de importação na compra de matérias-primas, componentes e bens de capital; isenção total do impostos sobre lucro por 8 anos e isenção de 50% para os 4 anos seguintes; ausência de restrições para repatriação de lucros ou na gestão em moeda estrangeira; isenção de imposto de exportação. No caso da Intel (e determinadas zonas francas), os incentivos foram ainda maiores, com isenção total do imposto sobre lucro por 12 anos.
Foto: Rafael Jacinto/Valor