Áreas Cruciais Ficam Fora da Substituição de Importações
Áreas Cruciais Ficam Fora da Substituição de Importações
Valor Econômico - 16/09/2002
Comércio exterior
Tendência não chegou à química e eletroeletrônica
Cláudia Trevisan, De São Paulo
A valorização de 35,28% do dólar neste ano intensificou a substituição de importações em determinados setores, mas o processo está longe de reduzir a dependência do país em duas áreas cruciais, que respondem por cerca de 30% das compras externas: química e componentes eletroeletrônicos de alta tecnologia.
A fabricação desses produtos exige investimentos pesados, o controle de patentes e o domínio de tecnologia, condições que na maior parte das vezes só são atendidas por grandes grupos internacionais. "Nessas áreas críticas, a dependência externa será reduzida apenas com uma política de atração de investimentos", afirma Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
"Não é fácil nem rápido substituir importações nesses setores e o único caminho é atrair investimentos ou fazer parcerias com grandes 'players' globais", acrescenta Fábio Silveira, economista da consultoria MB Associados. Para ele, a situação é mais preocupante diante do alto grau de penetração dos produtos químicos e eletroeletrônicos em diversas cadeias produtivas, como informática, telefônica, automobilística, têxtil e construção civil.
A dependência química é evidente. O setor vem apresentando déficits crescentes na balança comercial desde o início da década de 90 e suas importações em 2002 caíram menos que a média global. Enquanto o total de compras externas diminuiu 19% entre janeiro e julho, a de produtos químicos teve redução de 6,53%.
As importações de eletroeletrônicos despencaram 29%, mas o movimento foi provocado principalmente pelo fim do ciclo de investimentos em telefonia no ano passado. Dados da Associação Brasileira da Indústria Eletroeletrônica (Abinee) mostram que as compras externas do setor de telefonia passaram de US$ 1,7 bilhão nos primeiros sete meses de 2001 para US$ 460 milhões em igual período de 2002 (com queda de 73%).
A dependência de componentes importados, como semicondutores e circuitos integrados, continua. "Perdemos a onda da inovação tecnológica e por isso é tão difícil substituir importações nesse setor", diz Silveira. Segundo a Abinee, não há no país empresas que dominem a fase completa de produção de chips e semicondutores. Na visão do setor, o problema só se resolve com a atração de uma grande indústria de componentes para o país.
Na área química, o déficit saltou de US$ 1,48 bilhão em 1991 para US$ 7,23 bilhões no ano passado. "Isso é preocupante, porque não sabemos se vamos gerar recursos no futuro para suportar esse desequilíbrio", observa Guilherme Duque Estrada, presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). Em sua opinião, o impasse será superado mais pelo aumento de exportações do que pela substituição de importações - o que também exige atração de investimentos pesados. Se a economia crescer a um ritmo superior a 3%, esses dois setores voltarão a pressionar a balança comercial, afirmam Silveira e Duque Estrada.
A intensidade com que a substituição de importações está ocorrendo nos demais setores da economia ainda não está clara. Os analistas que sustentam a tese de que o processo é generalizado se baseiam no fato de que as importações tiveram queda muito mais acentuada do que a produção industrial neste ano. No período, a quantidade de bens comprados no exterior (não o valor) caiu 16,9%, enquanto a produção industrial diminui apenas 1,5%. Para os defensores da tese, esse "buraco" estaria sendo preenchido por bens nacionais.
Mas a maioria dos analistas ouvidos pelo Valor prefere atribuir a queda das importações a outros fatores. Entre janeiro e agosto, as compras externas brasileiras caíram 19%, para US$ 31,6 bilhões. A maior parte dessa redução se explica por uma conjunção de fatores, dizem os analistas: desaceleração econômica, fim do ciclo de investimentos em telefonia e queda do preço internacional do petróleo.
Jorge Simino, diretor-executivo do Unibanco Asset Management, afirma que esses movimentos contribuíram com pelo menos US$ 3,7 bilhões para a queda das importações no período. "Temos de ter um prazo mais longo para saber se está havendo um processo de substituição de importações", destaca Simino, para quem a diferença entre compras externas e produção industrial também pode ser explicada pelo consumo de estoques.
Silveira, da MB Associados, Fernando Ribeiro, economista da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), e Flávio Castelo Branco, coordenador de política econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), também acreditam que a queda de importações se deve mais à retração da demanda interna. "Minha impressão é de que a substituição de importações é limitada a alguns setores. Quando a economia se reativar, as importações voltarão a pressionar a balança comercial" , diz Ribeiro.
A ampliação da troca de bens importados por nacionais é clara na indústria automobilística, incluindo a produção de tratores e máquinas agrícolas. O movimento também se intensificou na indústria eletroeletrônica em razão da entrada em vigor da Lei de Informática, em janeiro deste ano (ver textos abaixo).
Gomes de Almeida, do Iedi, acredita que o país está no início de um novo ciclo de substituição de importações, que será mais evidente a partir do próximo ano e atingirá as áreas de bens de capital e de consumo. Por enquanto, tudo indica que os setores que ele chama de "críticos" (química e parte do eletroeletrônico) continuarão excluídos desse processo.