Análise IEDI
Produtividade x salário
Artigo reproduzido abaixo e publicado na edição de hoje do jornal Valor Econômico, assinado por Paulo Francini (Diretor do Departamento de Economia da Fiesp) e Rogério César de Souza (Economista-chefe do IEDI), esclarece uma questão relevante para o entendimento da crise que a indústria brasileira atravessa nos últimos anos. O ponto central é que no período mais recente, entre 2010 e 2013, os salários subiram muitíssimo e descolaram-se completamente da produtividade.
Alguns estudos vêm sustentando que os salários não descolaram-se da produtividade, mas que essa última cresceu muito pouco. Problema dessa última tese: ela encontra respaldo em números se o período selecionado for anterior a 2010 (ano em que os salários começaram a explodir) e se é considerada a indústria como um todo (que incluiria construção, utilidade pública, indústria extrativa, além da indústria de transformação) e não somente a indústria de transformação.
A abordagem alternativa coloca mais adequadamente o tema:
1) Não há dúvida que a produtividade na indústria evolui muito pouco (em alguns períodos, negativamente), sendo essa uma variável decisiva – ou mesmo imprescindível – para que o Brasil supere a crise industrial.
2) A tese de que não houve descolamento entre salários e produtividade se justifica para períodos anteriores a 2010 e se for considerada a indústria como um todo.
3) O descolamento se dá de 2010 em diante e é atinente à indústria de transformação, o segmento que é o núcleo da crise industrial, um fator que contribuiu para a redução das margens das empresas da indústria, consequente retraimento dos investimentos do setor e realimentação do processo através da baixa produtividade.
Produtividade, Salários e a Crise da Indústria. Um dos principais temas do debate econômico brasileiro atual diz respeito à crise que a indústria enfrenta. O crescimento dos salários acima da produtividade do trabalho seria um dos fatores explicativos do fraco desempenho do setor. Dado o cenário de acirrada concorrência externa, a indústria de transformação não teria conseguido repassar os aumentos de custos para os preços, resultando na compressão das suas margens, redução do seu nível de produção e de investimentos. Os dados, quando analisados com o devido cuidado, corroboram esse diagnóstico.
Em primeiro lugar, cabe destacar que o segmento industrial no qual se desenvolveram essas dificuldades é a indústria de transformação, responsável por aproximadamente 50% do PIB da indústria total. Em segundo lugar, é preciso ter presente uma decisiva questão temporal no diagnóstico do descolamento da expansão da produtividade e dos salários. A atividade na indústria de transformação está praticamente estagnada desde 2010 até os dias atuais, período em que é válido o diagnóstico do hiato entre o crescimento da produtividade e dos salários, e seus efeitos negativos sobre o setor e a economia como um todo. Cabe ainda reconhecer desde já que a produtividade física do trabalho da indústria brasileira tem evoluído a taxas pouco significativas nos últimos anos, o que é, também, parte relevante do problema.
Há evidências que no período entre os anos de 2009 e 2012 os salários acusaram aumento significativamente superior ao da produtividade da mão de obra na indústria. Ao se considerar os rendimentos e benefícios pagos na atividade industrial de transformação deflacionados pelo IPCA, observa-se que, enquanto a produtividade do trabalho neste período cresceu 10%, o rendimento real teve alta de 13%. O mesmo exercício, utilizando agora o deflator da própria indústria de transformação e não o índice de preços ao consumidor (o que é o mais adequado para a discussão em tela), mostra que o rendimento real teve elevação de 40% entre 2009 e 2012. Ou seja, o aumento dos salários pagos na indústria de transformação foi muito maior quando deflacionado pelo deflator do próprio setor, e não pelo IPCA.
A Pesquisa Industrial Mensal de Emprego e Salário (Pimes) do IBGE traz evidências adicionais sobre o descolamento entre o crescimento da produtividade do trabalho e dos salários pagos na indústria de transformação. No período como um todo compreendido entre o 1º trimestre de 2010 e o 2º trimestre de 2014, a produtividade do trabalho cresceu muito pouco: 2,8%. Já a folha de pagamento real por trabalhador, deflacionada pelo IPCA, apontou elevação de 17,9%. Considerando o deflator da indústria de transformação, o acréscimo da folha real por trabalhador chega a 46,9% no mesmo período.
Pressionada pela elevada concorrência externa, a indústria de transformação não conseguiu repassar para os preços a forte pressão de custos derivada do maior aumento dos salários em relação à produtividade do trabalho. Uma maneira de constatar a compressão relativa dos preços dos produtos da indústria de transformação é a partir da evolução dos preços dos bens comercializáveis, os quais compreendem, entre outros, produtos do setor industrial, em comparação com os preços dos bens não comercializáveis contidos no IPCA. De fato, enquanto a inflação dos bens comercializáveis registrou aumento de 28% entre janeiro de 2010 e junho de 2014, a inflação de não comercializáveis apontou alta de 43,4% no mesmo período.
Em suma, as evidências são muito fortes no sentido do descolamento entre a produtividade do trabalho e os salários pagos na indústria. Levando em conta a correta agregação setorial, ou seja, apoiando a análise na indústria de transformação, e não na indústria como um todo (a qual incluiria construção, extrativa e serviços industriais de utilidade pública), e sendo considerado um intervalo temporal apropriado, tendo como início o ano de 2010, verifica-se que a tese de descompasso entre o crescimento dos salários pagos e o aumento da produtividade não se trata apenas de um alerta de economistas e empresários industriais; em verdade, trata-se de um alerta respaldado na análise atenta dos dados, procedimento que mostra a abertura do hiato entre os salários e a produtividade da mão de obra. Em conjunto com outros fatores, disto resultou a letargia da indústria de transformação, arrastando consigo os investimentos e a atividade econômica do país como um todo.