Análise IEDI
Regressão industrial à maneira latino-americana
Em estudo recente (Desindustrialização prematura na América Latina), a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) procura mostrar que a Argentina, o Brasil, o Chile e, em menor grau, o México passaram por processos de desindustrialização prematura, aumentando a especialização em commodities, manufaturas baseadas em recursos naturais e serviços de baixa produtividade em detrimento da indústria de transformação.
A Argentina passou pelo pico da participação da indústria na economia antes mesmo da Segunda Guerra Mundial. Em termos de emprego, a parcela da indústria de transformação sobre o total caiu constantemente de 1950 a 2010, de 27% a 12%. Nos outros três países as parcelas da indústria tanto no valor adicionado como no emprego tiveram uma trajetória em U invertido ao longo do tempo, com pico ao final dos anos 1960 no Chile (20%), em meados dos anos 1980 no México (20%) e no Brasil (13,5%). Em 2010, a participação da indústria de transformação alcançou, respectivamente, 10%, 15% e 12% nesses países.
A desindustrialização dessas economias latino-americanas pode ser considerada “prematura” por diferentes razões. Primeiramente, porque as rendas per capita permaneceram baixas em relação aos países desenvolvidos. Como o estudo demonstra, os países desenvolvidos começaram a dar sinais de desindustrialização só após terem atingido patamares elevados de renda per capita, entre US$ 10 mil e US$ 15 mil; já os países latino-americanos em questão sofrem esse processo com rendas per capitais muito abaixo desse patamar: US$ 4,4 mil no caso do Chile, US$ 5,2 mil no caso do Brasil, US$5,4 mil na Argentina e US$7,2 mil no México.
Em segundo lugar, a Cepal mostra que os países analisados se especializam em setores menos produtivos e menos intensos em tecnologia, baseados em recursos naturais – em detrimento dos setores industriais abundantes em trabalho ou engenharia. Como os setores intensivos em tecnologia são capazes de gerar conhecimentos para o conjunto da economia, seu fraco crescimento é um dos motivos para que a produtividade dos demais setores não se eleve substancialmente, impedindo um dos mecanismos essenciais do desenvolvimento.
Em terceiro lugar, é preciso discernir quais tipos de serviços estão substituindo a indústria. Seria positivo para o desenvolvimento econômico se tais serviços fossem aqueles de alta tecnologia, como os TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação), associados às atividades que adicionam maior valor nas cadeias produtivas globais. Entretanto, diferentemente das experiências dos países desenvolvidos, não é isso que ocorre na América Latina, que testemunha uma diversificação produtiva em direção a serviços de baixa produtividade.
Assim, a desindustrialização prematura das últimas décadas, com mudança estrutural para serviços e para os setores produtores de recursos naturais, impactou negativamente o crescimento da produtividade dos países latino-americanos, especialmente na Argentina, Brasil e México. Por essa razão, pode-se atribuir a esse processo uma das causas principais da estagnação do desenvolvimento econômico latino-americano.
Em recente estudo, Mario Castillo (chefe da Unidade de Inovação e Novas Tecnologias da Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL/ ONU) e Antonio Martins Neto (consultor da CEPAL) afirmam que a Argentina, o Brasil e o Chile passaram por processos de desindustrialização prematura, com o aumento da especialização em commodities, manufaturas baseadas em recursos naturais e serviços de baixa produtividade.
A mudança estrutural de atividades de baixa produtividade, como a agricultura de subsistência e serviços informais, para outras de maior produtividade permanece sendo um desafio nos países da América Latina. Entretanto, na maioria deles, a industrialização avançou no pós-guerra associada à urbanização, atingindo seu pico, mas desacelerando antes da hora.
Em outros termos, o que tem ocorrido é que a parcela do setor de serviços no valor adicionado total e também no emprego da América Latina tem aumentado nas últimas décadas, em substituição à indústria. Há evidências de que esse movimento é mais forte no Brasil e na Argentina do que no México e no Chile. Hoje, nestas nações as taxas de emprego e de valor adicionado da transformação industrial em relação ao total são parecidas com as dos países desenvolvidos.
No caso da Argentina, os autores afirmam que o país passou pelo pico da participação da indústria na economia nos anos 30. Em termos de emprego, a parcela da indústria de transformação sobre o total caiu constantemente de 1950 a 2010, de 27% a 12%. Nos outros três países a parcela da indústria no valor adicionado e do emprego do país teve uma trajetória de U invertido ao longo do tempo, com pico ao final dos anos 1960 no Chile (20%) e em meados dos anos 1980 no México (20%) e no Brasil (13,5%). Em 2010, a participação da indústria de transformação alcançou, respectivamente, 10%, 15% e 12% nesses países.
Durante o período de substituição de importações (1950-1975), o Brasil e o México assinalaram acelerado crescimento da produtividade do trabalho, como resultado da mudança estrutural – já que deixavam de ser economias agrícolas. Mas nas décadas seguintes, a mudança estrutural desacelerou, bem como o crescimento da produtividade. Castillo e Martins Neto, apontam, ademais, que de 2000 a 2011 a produtividade da indústria de extração mineral no Brasil foi cinco vezes maior do que a da indústria de transformação.
A Argentina, em contraste, já tinha uma parcela elevada da indústria no emprego e no valor adicionado nos anos 1950, mas se reduziu ao longo das décadas seguintes, apresentando queda da produtividade dos anos 1970 aos 1990. No Chile, em especial, a agricultura também perdeu importância relativa entre os anos 1950 e 1970; porém, é preciso levar em conta que a indústria extrativa absorveu parte de sua parcela no emprego e no valor adicionado, com uma produtividade bem mais elevada do que a dos outros setores da economia.
Vista como uma tendência natural, pela qual já passaram diversos países desenvolvidos, a desindustrialização pode ser interpretada como a etapa seguinte à industrialização ao longo da trajetória de desenvolvimento econômico de um país. Isto é, em um primeiro momento, durante a industrialização, ocorre a transferência dos trabalhadores da agricultura para a indústria. Em seguida, durante a desindustrialização, essa transferência dos trabalhadores ocorre da indústria para os serviços.
Contudo Castillo e Martins Neto argumentam que essa sequencialidade de etapas é uma simplificação extrema do processo de desenvolvimento, já que existem especificidades diversas em cada economia ou regiões que alteram suas trajetórias de desenvolvimento. Exemplo disso é que existem evidências que mostram que em alguns países a trajetória dos indicadores desindustrialização não se parece uma curva de U invertido, como se é esperado. Diante da realidade das cadeias globais de valor, que implicam a fragmentação das atividades produtivas em diversos países, mudou-se a dinâmica da industrialização dos países.
A desindustrialização desse conjunto de países latino-americanos analisados pelos autores pode ser considerada “prematura” por diversas razões.
- Primeiramente, porque suas rendas per capita permaneceram abaixo daquelas dos países desenvolvidos quando também passaram por uma desindustrialização. Como o estudo demonstra, os países desenvolvidos começaram a dar sinais de desindustrialização só após terem atingido patamares elevados de renda per capita, entre US$ 10 mil e US$ 15 mil; já os países latino-americanos em questão sofrem esse processo com rendas per capitais muito abaixo desse patamar: US$ 4,4 mil no caso do Chile, US$ 5,2% no caso do Brasil, US$5,4 mil na Argentina e US$7,2mil no México.
- Em segundo lugar, estes países se especializam em setores menos produtivos e menos intensos em tecnologia, baseados em recursos naturais – em detrimento dos setores industriais abundantes em trabalho ou engenharia. Como os setores intensivos em tecnologia são capazes de gerar efeitos de transbordamento de conhecimento, seu fraco crescimento é um dos motivos para que a produtividade dos demais setores da economia não se eleve substancialmente, impedindo um dos mecanismos essenciais do desenvolvimento.
- Terceiro, é preciso discernir quais tipos de serviços estão substituindo a indústria. Seria positivo para o desenvolvimento econômico se tais serviços fossem aqueles de alta tecnologia, como os TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação), associados a atividades que adicionam maior valor nas cadeias produtivas globais. Entretanto, diferentemente das experiências dos países desenvolvidos, não é isso que ocorre na América Latina, que testemunha uma diversificação produtiva em direção a serviços de baixa produtividade.
De fato, as estimativas dos autores apontam para uma parcela média de 3,2% da indústria digital no PIB de Argentina, Brasil, Chile e México. Vale observar que nos países europeus essa parcela é de 5%, enquanto nos EUA é de 6,4% e no Japão, de 6,8% (em 2007). Mais além, os ativos das empresas de TIC, na média de 1995 a 2008, representaram 14% do crescimento do PIB do Brasil e 7% nos casos da Argentina, Chile e México. Já nos EUA, essa fração foi de 27% e na União Europeia de 18%.
Assim, a desindustrialização das economias latino-americanas teve como contraparte, sobretudo, o crescimento da participação dos serviços de baixa produtividade tanto no valor adicionado como no emprego totais da economia. Exemplos desses serviços são as atividades do comércio de atacado e de varejo, restaurantes, etc., associados ao ciclo de crescimento do consumo interno nos anos 2000. Além de perder espaço no PIB e no emprego, a indústria da Argentina, Brasil e Chile também ficou menos diversificada, já que passou por um processo de especialização em setores intensivos em recursos naturais.
Esses dois movimentos guardaram estreita relação com o comportamento do setor externo no Brasil e no Chile. Diante do aumento da demanda e do preço das commodities, a participação dos bens primários nas exportações brasileiras aumentou de 28% para 50% entre 1990 e 2014, enquanto as parcelas dos bens de baixa e média tecnologia regrediram de 25% a 18% e de 14% a 5%, respectivamente. O Chile, por sua vez, ficou preso às exportações primárias durante todo o período, dado que tanto em 1990 como em 2014 os bens primários e os baseados em recursos naturais correspondiam por cerca de 90% de sua pauta.
Todavia, não se pode dizer o mesmo da Argentina e do México, pois passaram por alterações em seus perfis de exportação, aumentando a parcela de bens manufaturados. No caso argentino, entre 1990 e 2014, a parcela de bens primários nas exportações se elevou de 44% para 48%, mas a de recursos naturais caiu de 31% para 18% e a das indústrias de média tecnologia cresceu de 10% para 22%. No caso mexicano, os produtos primários respondiam por 46% das exportações totais em 1990, caindo para 14% em 2014. Bens de média e alta tecnologia somaram 32% da pauta nos anos 1990 e passaram a representar 66% das exportações em 2014. Essa evolução favorável das exportações de bens mais intensivos tecnologicamente é explicada pelas indústrias maquiladoras.
Como conclusão geral, os autores afirmam que a desindustrialização prematura com mudança estrutural para serviços e para os setores produtores de recursos naturais nas últimas décadas impactou negativamente o crescimento da produtividade nos países latino-americanos, especialmente na Argentina, Brasil e México. Assim, pode-se atribuir a essa ineficiência alocativa uma das causas principais da estagnação do desenvolvimento econômico da América Latina nas últimas décadas.