Análise IEDI
Importância da política industrial - passado e presente
A política industrial tem relevância na promoção do desenvolvimento econômico. Foi assim na história e continua assim no presente. É o que sustenta Justin Yifu Lin, ex-economista-chefe e vice-presidente sênior do Banco Mundial, em seu trabalho “Política industrial revisitada”, publicado no final de 2016 como capítulo do livro “Efficiency, Finance, and Varieties of Industrial Policy”, organizado pelo prêmio nobel Joseph Stiglitz em parceria com Akbar Noman.
Segundo ele, todas as economias que conseguiram deixar de ser agrícolas e se industrializaram, tornando-se estruturalmente avançadas e com elevada renda per capita, “tiveram governos que desempenharam um papel proativo ao auxiliar firmas individuais a superar problemas inevitáveis de coordenação e externalidades”. E mais: nessas economias, dentre as quais as potências europeias, da América do Norte e da Ásia, os governos continuam, ainda hoje, a promover políticas deste teor.
Justin Yifu Lin não é um economista que se poderia chamar de “heterodoxo”. Foi formado pela Universidade de Chicago e acumulou experiência em instituições que lhe permitiram formar convicções sobre o papel dos governos em facilitar o florescimento de atividades competitivas nas economias. Sua opinião, em suma, é que, a partir da aposta em setores onde são latentes as vantagens comparativas, os governos podem desencadear o desenvolvimento econômico.
Sua abordagem tem como foco a inovação, a tecnologia e a atuação em políticas para ativar segmentos de maior valor adicionado, elevando assim a produtividade e a renda per capita. A depender da dotação inicial de trabalho, capital e recursos naturais, defende que as políticas industriais tenham como foco as vantagens comparativas de uma forma dinâmica, evoluindo conforme mudarem os preços relativos, creditando ao mercado o papel de alocador de recursos.
Para que a sofisticação industrial ocorra, devem ser superados os desafios que as empresas enfrentam quanto à informação e ao acesso a novas tecnologias e mercados. Além disso, são necessários altos investimentos em infraestrutura educacional, financeira, legal, logística etc, o que demanda coordenação do setor público. Assumindo que os mercados constituem mecanismo elementar para a alocação eficiente dos recursos econômicos, o Estado deve exercer um papel ativo e facilitador, buscando aprimorar as instituições que asseguram a concorrência efetiva nos mercados de produtos e fatores.
O autor propõe seis passos para a formulação de políticas industriais:
- identificar produtos e indústrias em que o país apresenta vantagens comparativas;
- ações para superar barreiras à entrada e outros obstáculos à sofisticação ou ao aumento da qualidade destes produtos;
- encorajar empresas estrangeiras a realizar investimentos nestes setores e criar incubadoras tecnológicas para o setor privado doméstico;
- atentar para os novos nichos de atuação encontrados pelo setor privado interno, apoiando seu empreendimento e aumento de escala;
- investir em parques industriais, zonas de exportações e outras melhorias para o setor privado em geral;
- conceder incentivos fiscais durante um certo número limitado de anos, financiamento e acesso à importação de equipamentos – tendo o cuidado de não alimentar comportamentos rentistas.
Segundo Lin, desde que seja correta a política industrial, todo país em desenvolvimento pode potencialmente se tornar uma economia de renda-média ou até de renda alta em uma ou duas gerações.
Os desafios da política industrial na atualidade. Justin Yifu Lin – ex-economista-chefe e vice-presidente sênior do Banco Mundial entre 2008 e 2012 –, em seu trabalho “Política industrial revisitada”, publicado no final de 2016 como capítulo do livro “Efficiency, Finance, and Varieties of Industrial Policy”, organizado pelo prêmio nobel Joseph Stiglitz em parceria com Akbar Noman, propôs uma abordagem da Nova Economia Estrutural (NEE) para superar as dificuldades metodológicas e os desafios de se identificar políticas industriais para o desenvolvimento econômico, tarefa esta ainda mais difícil diante dos novos desdobramentos tecnológicos da indústria 4.0.
Historicamente, a política industrial foi um instrumento fundamental em todas economias que conseguiram deixar de ser agrícolas e se industrializaram, tornando-se estruturalmente avançadas e com alta renda per capita. Mais do que isso, os governos desses países, ainda hoje, continuam promovendo políticas desta natureza. Os casos notáveis de sucesso, especialmente desde os anos setenta, foram Japão, os chamados Tigres Asiáticos – Taiwan, Hong Kong, Coreia do Sul e Singapura – e China. Índia e Brasil também podem ser citados como economias que se tornaram polos de crescimento mundial e que conseguiram reduzir bastante a extrema pobreza.
Entretanto, diversos países em desenvolvimento não obtiveram o mesmo sucesso. Como esclarece o autor, nos anos cinquenta e sessenta, os governos de vários Estados socialistas e/ou em desenvolvimento adotaram uma visão estruturalista de fortalecimento da indústria capital-intensiva, agindo muitas vezes de forma a criar vantagens comparativas – ao invés de apostar somente nas preexistentes. A política industrial estabelecia, em geral, medidas para garantir mercado às grandes empresas nacionais, redução de taxas de juros, controle de preço de matérias-primas e contenção de custos de investimento e operações. Segundo Lin, em diversas situações essas políticas geraram distorções e acabaram falhando em seus objetivos últimos de desenvolvimento econômico.
No contexto recente de crise financeira internacional – tal qual nos anos trinta – voltaram a efervescer novas teorias de desenvolvimento, trazendo mais uma vez à tona o papel do Estado na promoção de políticas industriais. A abordagem de Justin Lin integra a chamada Nova Economia Estrutural (NEE), que confere à inovação tecnológica, sofisticação industrial e diversificação econômica destacada importância para elevação da produtividade e da renda per capita dos países.
Partindo da dotação inicial dos fatores trabalho, capital e recursos naturais, o autor defende investir nas vantagens comparativas endogenamente disponíveis, aproveitando de sua competitividade no exterior para elevar a escala de produção para, então, utilizar o excedente gerado para agregar valor em suas atividades econômicas.
De maneira geral, segundo Lin, a NEE defende que as políticas industriais tenham como foco as vantagens comparativas de uma forma dinâmica, creditando ao mercado o papel de alocador de recursos, mas reconhecendo o papel facilitador do Estado no processo de sofisticação industrial.
Nesse sentido, as empresas de países em desenvolvimento devem adquirir inovações tecnológicas e industriais alinhadas com suas vantagens comparativas aprendendo com os países desenvolvidos. Aliás, de acordo com o autor, o desafio maior é manter o crescimento econômico consistente com as vantagens comparativas, já que no decorrer do tempo ocorrerão alterações nos preços relativos e as firmas terão dificuldades de aumentar a intensidade do capital e da tecnologia na produção.
Primeiro, porque as empresas necessitam de informações sobre novas tecnologias e mercados, o que implica custos de transação que elas não necessariamente têm como capitanear. Segundo, porque a tecnologia, em si, para a sofisticação produtiva é cara e exige investimentos diversos em infraestrutura educacional, financeira, legal, logística, que geralmente necessitam de coordenação além da decisão das firmas.
Na realidade, o sistema de preços relativos não se dá em mercados perfeitamente competitivos como muitos modelos teóricos pressupõem, mas, ao contrário, se dão em mercados concentrados e oligopolizados. Por isso, mesmo assumindo que os mercados constituem o mecanismo básico de alocação eficiente dos recursos econômicos em cada um dos estágios do desenvolvimento, o governo deve exercer um papel proativo e facilitador na superação das externalidades e problemas de coordenação, buscando aprimorar as instituições que asseguram a concorrência efetiva nos mercados de produtos e fatores.
Assim, para Lin o governo pode exercer esse papel de quatro formas principais:
- prover informação sobe novas indústrias conforme evoluem os preços relativos dos fatores;
- coordenar investimentos em infraestrutura para as indústrias relacionadas;
- subsidiando atividades com externalidades durante o período inicial de introdução de novas tecnologias e mercados;
- possibilitar incubadoras para o desenvolvimento de novas tecnologias ou atraindo investimentos em áreas com restrições de capital ou estruturais.
Melhorando a eficácia da atuação do governo para promover o desenvolvimento econômico. Lin propõe os seguintes passos básicos para a formulação de políticas industriais de sucesso para um país em desenvolvimento:
- Identificar uma lista de bens e serviços transacionáveis dos últimos 20 anos exportados por países com dotações de fatores semelhantes, mas com renda per capita ao menos duas vezes superior (ou que há 20 anos tinham renda per capita no mesmo patamar do país atualmente);
- Dentre os setores desta lista, o governo deveria implementar políticas, priorizando algumas firmas domésticas que já atuam nesses mercados, para superar barreiras à entrada, notadamente os obstáculos à sofisticação ou ao aumento da qualidade dos seus produtos;
- Caso não existam ou sejam poucas as empresas domésticas nos setores da lista, o governo pode encorajar empresas estrangeiras a realizar investimentos no país. Pode também criar incubadoras tecnológicas para catalisar a entrada de firmas privadas, ou outras formas de gerar o conhecimento tecnológico necessário para o estabelecimento dessa produção interna;
- Além dos setores que compõem a lista inicial, o governo também deve atentar para os novos nichos de atuação encontrados pelo setor privado nacional, apoiando seu empreendimento e aumento de escala, promovendo o desenvolvimento local de novas tecnologias e vantagens comparativas;
- No caso de o país possuir uma infraestrutura deficiente e um ambiente ruim de negócios, o governo pode investir em parques industriais, zonas de exportações e outras melhorias para o setor privado em geral – o que depende inicialmente da sua capacidade de financiamento desses investimentos, mas que, uma vez realizados, incentivam o investimento privado ao reduzir custos de transação e melhorar a coordenação dos negócios;
- Promover incentivos para que firmas pioneiras domésticas ou investidores externos operem com os produtos identificados nas listas, na medida em que seus investimentos gerem conhecimento público não-rival. Tais medidas incluiriam, por exemplo, isenções fiscais durante um número limitado de anos, crédito direto para financiamento, acesso prioritário às reservas externas para importar equipamentos fundamentais etc. Todavia, não é aconselhável que os incentivos se deem sob a forma de renda de monopólio, tarifas elevadas ou outros expedientes rentistas.
O que se propõe, então, é que o governo facilite o desenvolvimento das vantagens comparativas, restringindo-se a prover informação, coordenação, infraestrutura e compensação de externalidades.
Em resumo, para Lin, não há dúvida da contribuição positiva da política industrial no desenvolvimento econômico dos países. A questão recai sobre qual desenho de política industrial é capaz de obter sucesso. Segundo ele, “todo país em desenvolvimento tem o potencial de crescer dinamicamente por décadas, e se tornar um país de renda-média ou até de renda alta em uma ou duas gerações, se o governo tiver a correta política industrial de facilitar o desenvolvimento do setor privado ao longo dos traços de suas vantagens comparativas”.