Carta IEDI
Internacionalização de Empresas Brasileiras e a Nova Lei de Tributação de Lucros no Exterior
Com base em parecer elaborado para o IEDI pelo Prof. Luiz Gonzaga Belluzzo (“Internacionalização de Empresas e Tributação de Lucros no Exterior”, IEDI, setembro de 2013) e um amplo estudo realizado pela LCA Consultores (“Impactos Econômicos do Modelo de Tributação do Lucro Auferido no Exterior por Subsidiárias de Empresas Brasileiras”, IEDI, outubro de 2012), o IEDI divulga as suas conclusões acerca do tema da tributação de lucros das empresas brasileiras no exterior, tendo em vista o projeto Tributação em Bases Universais (TBU) que o governo vem desenvolvendo.
O tema é desenvolvido em uma introdução e três itens, além de um anexo especificamente dedicado a resumir como o tema da consolidação vertical é tratado a nível internacional. O primeiro item, “Consequências da Internacionalização para os Países e Empresas”, procura mostrar que na moderna era da globalização, as políticas de desenvolvimento dos países que pretendem uma maior participação nas cadeias de geração de valor, como é o caso do Brasil, devem contemplar: a) novas formas de integração comercial – importar para exportar; e b) o incentivo à internacionalização da empresa nacional.
No segundo, “Relevância para o Brasil da Internacionalização de suas Empresas”, é mostrado que o país ficou fora do jogo da nova globalização e não conseguiu acompanhar a reconfiguração espacial e tecnológica dos núcleos manufatureiros globais. Suas empresas, no entanto, tiveram marcantes experiências de internacionalização e várias delas ganharam status de empresas internacionais importantes.
Isso não afasta a constatação que o processo de internacionalização das empresas brasileiras não corresponde à importância do Brasil no cenário econômico global, o que sugere uma readaptação das políticas de desenvolvimento domésticas que não podem deixar de lado a necessidade de promover a internacionalização da empresa brasileira. A integração dos mercados levou a alterações profundas nas relações interno-externas das economias. Manter as empresas nacionais relativamente afastadas desse processo pode ser ruinoso para elas e para o país, sobretudo em termos da alavancagem do progresso tecnológico e das inovações.
O terceiro e último item, “Incentivos à Internacionalização das Empresas Brasileiras” procura mostrar que é possível combinar o estímulo à internacionalização das empresas e a preservação da base tributária nacional. É observado nesse item que na nova legislação que o governo brasileiro se dispõe a construir para a tributação dos lucros das empresas no exterior, o destaque é o propósito de defender a base tributária do país. Mas, o que se espera de uma nova legislação sobre a tributação de lucros no exterior das empresas de um país, como o Brasil, onde o atraso no processo de internacionalização é significativo comparativamente a outros países, é uma normatização que não o afaste ainda mais das novas configurações produtivas e comerciais que se desenham no âmbito da economia mundial. Assim, a nova legislação deveria contribuir decisivamente para fechar a lacuna que separa a nossa experiência de internacionalização da de outros países desenvolvidos e emergentes.
Nesse sentido, as limitações impostas à compensação vertical (vale dizer, a compensação de prejuízos e lucros de controladas e coligadas em países distintos) são defendidas pelo governo como forma de bloquear a utilização de planejamento tributário a partir da geração de prejuízos em outros países. Mas ao ganhar maior controle sobre o resultado das empresas internacionalizadas, o governo terminará por inibir uma integração mais rápida e adequada das nossas empresas às transformações da economia global, com prejuízos para a graduação produtiva e tecnológica da economia brasileira.
A solução não está em proibir, senão em regulamentar prudentemente as condições de acesso ao benefício da consolidação vertical que deve estar sujeita a condições, tais como: a) Restringir a prerrogativa da consolidação aos resultados operacionais, ou seja, estão excluídos os prejuízos decorrentes de transações financeiras e não operacionais; b) A consolidação só será admitida com países que mantenham acordos de intercâmbio de informações com a Receita Federal; c) Abertura completa das contas das empresas brasileiras no exterior.
O padrão atual de concorrência à escala global exige, pelo menos, que as empresas nacionais não sejam submetidas a regimes tributários que as coloquem em posição de desvantagem diante de seus competidores. Assim, as regras de compensação vertical devem ser constituídas a partir de prazos que permitam às empresas brasileiras se aproximarem de um padrão competitivo compatível com o novo ambiente internacional. Respeitadas as salvaguardas mencionadas acima, isto significa permitir a consolidação ao longo de um período razoavelmente longo, como, por exemplo, 15 anos, durante o qual se espera o catching up das empresas brasileiras.
Introdução: A Nova Etapa da Internacionalização de Empresas. As transformações financeiras e organizacionais ocorridas nos últimos 30 anos deram origem às novas formas de concorrência entre as empresas dominantes da tríade desenvolvida, Estados Unidos, Europa e Japão.
Os caminhos da nova concorrência responderam às politicas liberalizantes dos anos 80. E, em sua resposta, o movimento da grande empresa realizou o projeto de reconfiguração do ambiente internacional. A metástase do sistema empresarial da tríade desenvolvida - particularmente dos Estados Unidos, Alemanha e do Japão - determinaram uma impressionante mutação nos fluxos de comércio. Não se trata apenas de reafirmar a importância crescente do comércio intra-firmas, mas de destacar o papel decisivo do "global sourcing”, fenômeno que está presente, sobretudo, nas estratégias de deslocalização e de investimento que, desde a década dos 1990, beneficiaram as economias asiáticas, a China em particular.
A nova concorrência global engendrou simultaneamente: a) a centralização do controle, mediante as ondas de fusões e aquisições observadas desde os anos 1980; b) a nova distribuição espacial da produção, ou seja, a internacionalização das cadeias de geração de valor. O movimento de fusões e aquisições mais a diversificação das cadeias de valor foram naturalmente promovidos pela forte internacionalização das empresas.
Centralização do controle e descentralização da produção: esse movimento de dupla face afetou a natureza e a direção do investimento direto em nova capacidade, reconfigurou a divisão do trabalho entre produtores de peças e componentes e os “montadores” de bens finais e alterou as participações dos países nos fluxos de comércio. O propósito da competição entre as grandes empresas é o de assegurar simultaneamente a diversificação espacial adequada da base de operação com ganhos de produtividade expressivos e o “livre” acesso a mercados.
A chamada globalização das últimas três décadas significou, portanto, a generalização e a intensificação da concorrência protagonizada pela grande empresa transnacional. As estratégias de localização da corporação transnacional moderna foram acompanhadas de significativas mutações morfológicas: constituição de empresas-rede, com concentração das funções de decisão e de inovação na cúspide empresarial e, simultaneamente, com terceirização das operações comerciais, industriais e de serviços em geral.
As mudanças nas formas de concorrência promoveram a “contestação” das estruturas oligopolistas ‘’estabilizadas’’ que regularam a concorrência entre os anos 1950 e 1980, na era do “fordismo”. Entre as décadas dos 1940 e dos 1970 do século passado, o padrão de concorrência estava fundado na estabilidade das estruturas de mercado oligopolizadas e caracterizado pela produção padronizada, tecnologia codificada, busca da integração vertical, aversão à cooperação.
Os oligopólios eram “concentrados”, no caso de produtos homogêneos como os insumos básicos, ou diferenciados, no caso de bens duráveis de consumo. Essas estruturas oligopolistas estavam “defendidas” por fortes barreiras tecnológicas, financeiras e comercias que dificultavam a entrada de novos concorrentes. A esse modelo de concorrência correspondia uma estrutura organizacional burocrática, rigidamente hierárquica, fruto da separação entre propriedade e controle, fenômeno que começa a ocorrer nas três últimas décadas do século XIX.
É preciso insistir que as transformações ocorridas nas últimas décadas deram origem a fenômenos correlacionados e aparentemente contraditórios: a) uma nova etapa de “centralização” da propriedade e do controle por parte da grande empresa, mediante a escalada dos negócios de fusões e aquisições alentados pela forte capitalização das bolsas de valores nos anos 1980, 1990 e 2000, a despeito de episódios de “ajustamento” de preços; b) a “terceirização” das funções não essenciais à operação do core business, o que aprofundou a divisão social do trabalho e propiciou a especialização e os ganhos de produtividade.
A grande empresa que se lança às incertezas da concorrência global necessita cada vez mais do apoio de condições institucionais e legais que a habilitem para a disputa com os rivais em seu próprio mercado e em outras regiões. Elas dependem do apoio e da influência política de seus Estados Nacionais para penetrar em terceiros mercados (acordos de garantia de investimentos, patentes, etc.), não podem prescindir do financiamento público para suas exportações nos setores mais dinâmicos, não devem ser oneradas com encargos tributários excessivos e correm o risco de serem deslocadas pela concorrência sem o benefício dos sistemas nacionais de educação e de ciência e tecnologia.
O novo paradigma empresarial acentua sobremaneira a importância destas vantagens. Entre elas devemos destacar: a) processos cumulativos de aprendizado (learning by doing na produção flexível, no desenvolvimento de produtos); b) economias de escala dinâmicas (ganhos de volume associados ao tempo e ao aprendizado); c) estruturação de redes eletrônicas de intercâmbio de dados que maximizam a eficiência ao longo das cadeias de agregação de valor (economia de capital de giro – sobretudo minimização de estoques, de custos de transporte e armazenagem); d) novas economias de aglomeração (centros de compras e de assistência técnica e formação de polos de conhecimentos técnicos e gerenciais); e) economias derivadas da cooperação tecnológica e do co-desenvolvimento de produtos e processos.
Esta concepção de políticas de competitividade coloca no centro das preocupações a indução das sinergias baseadas no conhecimento e na capacidade de resposta à informação. O novo papel das políticas estruturais deve estar concentrado na indução da cooperação, na coordenação dos atores Não se trata de “escolher vencedores”, mas de criar condições para que os vencedores apareçam.
As transformações financeiras e organizacionais recentes acompanharam as mudanças na estratégia de localização espacial das grandes empresas transnacionais. Particularmente significativas são as reorientações na direção do investimento direto estrangeiro e suas consequências sobre a divisão internacional do trabalho.
A abertura da economia ao investimento estrangeiro - tais como absorção de tecnologia, adensamento de cadeias industriais, crescimento das exportações – dependeram fundamentalmente das políticas nacionais. Dentre os emergentes, cresceu mais e exportou ainda melhor quem conseguiu administrar uma combinação favorável entre câmbio real competitivo e juros baixos, acompanhada da formação de redes domésticas entre as empresas integradoras e os fornecedores de peças, componentes, equipamentos, sistemas de logística.
Como já foi dito, a mudança na configuração espacial da indústria foi marcada por um intenso processo de centralização do capital produtivo manufatureiro à escala mundial e acompanhada de um grande esforço das corporações transnacionais para concentrar suas estratégias na “atividade principal” (core business).
Consequências da Internacionalização para os Países e Empresas. As consequências dessas transformações não são triviais. A centralização do controle na grande corporação deu lugar à “exteriorização” dos segmentos produtores de peças, componentes e bens finais sob o comando “inteligente” da chamada “empresa integradora”, responsável pelas concepções estratégicas. Esse movimento barateou enormemente os custos e aumentou a eficiência dos sistemas da produção manufatureira. É importante sublinhar que a “economia industrial da globalização” não teria avançado sem as inovações nas tecnologias de informação e de comunicações e sem as importantes transformações na logística, sobretudo na generalização dos conteiners. Esses fatores foram decisivos para encurtar os tempos de rotação e de circulação do capital produtivo.
O mundo presencia um cataclismo na divisão internacional do trabalho. A Ásia se torna formidável produtora e processadora de peças e componentes baratos (sem exclusão dos bens finais de consumo e de capital). Conforma-se uma mancha manufatureira, grande importadora de matérias primas, que pulsa em torno da China, reintegrada ao circuito capitalista desde as reformas do final dos anos 1970.
Há quase três décadas a China executa políticas nacionais de industrialização ajustadas ao movimento de expansão da economia global. As lideranças chinesas perceberam que a constituição da “nova” economia mundial passava pelo movimento da grande empresa transnacional em busca de vantagens competitivas, com implicações para a mudança de rota dos fluxos do comércio. Os chineses ajustaram sua estratégia nacional de industrialização acelerada às novas realidades da concorrência global.
A experiência da China revela que, diante das novas realidades engendradas pelo processo de internacionalização produtiva e financeira dos últimos 30 anos, as políticas de desenvolvimento não podem repetir as estratégias que prevaleceram no período em que o investimento direto estrangeiro buscava simplesmente a ocupação dos mercados nacionais.
Na moderna era da globalização, as políticas de desenvolvimento que pretendam uma maior participação nas cadeias de geração de valor devem contemplar: a) novas formas de integração comercial – importar para exportar; e b) o incentivo à internacionalização da empresa nacional.
Importar para exportar significa manter proximidade com a estrutura de custos internacionais e, mais importante, criar um canal importante de atualização tecnológica. A internacionalização da empresa é imprescindível para aquisição de padrões de qualidade, governança e de inovação impostos pela concorrência global. Um programa de desenvolvimento não deve apenas cuidar da atração do investimento estrangeiro. Para promover de fato a integração às cadeias globais é preciso estimular a internacionalização das empresas nacionais. Não por acaso, os países em desenvolvimento de melhor desempenho no comércio mundial, são os que conseguiram construir suas próprias transnacionais, como é o caso da Coréia, de Taiwan e agora da China.
Como já se viu, é insensato imaginar que o desempenho das empresas na arena global possa prescindir do apoio decisivo dos respectivos Estados Nacionais. A ação dos Estados Nacionais na defesa da “competitividade” de suas empresas tornou-se de tal modo predominante, que os governos não hesitam em distribuir incentivos com o propósito de flexionar a musculatura das empresas nacionais e torná-las capazes de dar combate dentro e fora do território nacional.
A reestruturação empresarial no mundo emergente deve buscar a constituição de complexos industriais e financeiros de porte, induzindo a gestão profissional, estimulando a conglomeração e aumentando a capacidade de incorporação e de geração de progresso técnico. Esta é a modalidade empresarial que corresponde às formas mais avançadas de organização. Se nos distanciarmos delas, os temas de competitividade, integração ao mercado internacional e outros do mesmo teor, não passarão de divagações.
Em suma, é um equívoco imaginar que um programa de desenvolvimento possa prescindir da internacionalização da empresa nacional. Os ganhos de qualidade, eficiência, inovação e produtividade da empresa internacionalizada vão se disseminar pela economia territorial dos países, tal como acontece na Coreia e na China. A intensidade desses ganhos vai depender dos avanços na produtividade geral da economia, o que significa a melhoria da infraestrutura, dos sistemas de comunicação, dos sistemas tributários e da educação.
Relevância para o Brasil da Internacionalização de suas Empresas. O Brasil, protagonista das décadas anteriores, ficou fora do jogo da nova globalização, golpeado pela crise da dívida externa dos anos 1980 e depois paralisado pela política cambial e de abertura sem estratégia na posteridade da estabilização dos anos 1990. O país não conseguiu acompanhar a reconfiguração espacial e tecnológica dos núcleos manufatureiros globais.
Na primeira década do terceiro milênio, o Brasil valeu-se da dotação de recursos naturais - água, energia, terras agriculturáveis, base mineral – e do dinamismo do agronegócio para assumir uma posição defensiva no comércio mundial. A situação benigna das commodities provocou o descuido com a persistência dos fatores que determinaram o encolhimento e a perda de dinamismo da indústria, dentre eles, câmbio valorizado e carga tributária onerosa.
O Brasil está em condições de restabelecer uma macroeconomia da reindustrialização usando de forma inteligente as vantagens que possui e as promessas que se revelaram recentemente nas áreas de petróleo e gás. Não basta concentrar os esforços na manutenção de um câmbio real competitivo ou esperar que a queda dos juros produza automaticamente a recuperação do investimento industrial.
A experiência internacional, sobretudo a dos países asiáticos, parece demonstrar a existência de interações virtuosas entre a expansão internacional de suas empresas, emprego, inovação e crescimento. Esses países não executaram apenas programas de export led growth com câmbio competitivo, mas as empresas contaram com fortes incentivos para absorver, adaptar e produzir novas tecnologias, ao mesmo tempo em que eram obrigadas a cumprir as duras exigências de desempenho impostas pelo Estado. A conjugação entre os esforços do setor público e do setor privado permitiu durante muitas décadas a manutenção de taxas agregadas de investimento muito elevadas, altas taxas de crescimento e ganhos de market share em terceiros mercados. O economista Ajit Singh, em seus trabalhos sobre o desenvolvimento da Ásia, não hesitou em escolher, como fator crucial do sucesso do catching up, a capacidade revelada pelas economias asiáticas de transformar continuamente os ganhos de produtividade decorrentes do esforço inovador em investimentos, os investimentos em lucros e lucros retidos em investimento durante um longo período.
As condições atuais da economia mundial provavelmente não permitirão novas experiências de crescimento que passem ao largo de uma maior participação nas cadeias globais de formação de valor. Essa integração às cadeias globais vai certamente exigir políticas comerciais distintas daquelas executadas nos anos do nacional-desenvolvimentismo. A ênfase, agora, deve ser colocada na busca de construção de nichos que acentuem nossas vantagens dinâmicas apoiadas em programas de inovação, sobretudo as articuladas ao agronegócio e às novas fontes de energia renovável e não renovável.
Ainda assim, mesmo tendo o país se afastado das cadeias globais de agregação de valor, muitas empresas brasileiras empreenderam um esforço de internacionalização. Esse movimento foi determinado por diversos fatores, como por exemplo, acumulação de competência tecnológica, modelo de gestão e capacidade de acompanhar a evolução de alguns mercados.
Não cabe nomear casos de sucesso, até porque eles são conhecidos pela opinião especializada. Mas cabe, sim, afirmar que muitas empresas brasileiras já ganharam status de empresas internacionais importantes. Isso não afasta a constatação que o processo de internacionalização das empresas brasileiras está distante de corresponder à importância do Brasil no cenário econômico global.
Isso sugere uma readaptação das políticas de desenvolvimento que, diante das transformações mencionadas acima, não podem transcurar a necessidade de promover a internacionalização da empresa brasileira. A integração dos mercados promoveu alterações profundas nas relações interno-externas das economias. Manter as empresas nacionais relativamente afastadas desse processo pode ser ruinoso para elas e para o país, sobretudo em termos da alavancagem do progresso tecnológico e das inovações.
Incentivos à Internacionalização das Empresas Brasileiras. Os itens anteriores mostraram que as vantagens da internacionalização para a economia global, para os países de origem das empresas e, sobretudo, para os países emergentes que usaram a transnacionalização de suas empresas para aprofundar progresso tecnológico, em sua estratégia de aproximação com os países mais desenvolvidos.
No entanto, há que se registar em muitos casos a deterioração da base fiscal dos Estados Nacionais, como decorrência do planejamento tributário ensejado pela globalização. Na verdade, a transnacionalização das empresas e sua localização em multimercados não foram acompanhadas de uma regulação internacional compatível com a “desterritorialização” da produção e com a desregulamentação e integração dos mercados financeiros.
Neste ambiente, proliferaram os paraísos ou quase paraísos fiscais, o que agravou sobremaneira a erosão da base fiscal dos países-sede das empresas internacionalizadas. Os vários regimes tributários nacionais hoje existentes são um obstáculo para a defesa da capacidade de arrecadação de todos os governos do mundo. O anexo a este Parecer é retrata a variedade de regimes internacionais de tributação do lucro no exterior.
É possível combinar o estímulo à internacionalização das empresas e a preservação da base tributária nacional, de modo a não prejudicar os efeitos do novo desenvolvimento da internacionalização de empresas sobre o desempenho da economia territorial brasileira.
O governo brasileiro se dispõe a construir uma nova legislação para a tributação dos lucros das empresas brasileiras no exterior (consultar o Anexo para mais detalhes). As novas regras têm o propósito de defender a base tributária do país. Mas o que se espera de uma nova legislação sobre a tributação de lucros no exterior das empresas de um país, como o Brasil, onde o atraso no processo de internacionalização é significativo comparativamente a outros países, é uma normatização que não o afaste ainda mais das novas configurações produtivas e comerciais que se desenham no âmbito da economia mundial. Pelo contrário, o que se espera é que a nova legislação contribua decisivamente para fechar a lacuna que separa a nossa experiência de internacionalização de empresas de outras experiências de países desenvolvidos e emergentes.
Assim, devem ser adotadas medidas que favoreçam a recuperação do relativo distanciamento do sistema empresarial brasileiro no que respeita à participação nas cadeias globais de produção de valor. Segundo o noticiário da imprensa, o governo não está disposto a aceitar a consolidação vertical de resultados, vale dizer, a compensação entre resultados positivos e negativos em mais de um país. Isto significa que caso a empresa tenha lucro no país A e prejuízo no país B, ela terá que pagar imposto de renda sobre o lucro do país A, sem direito a deduzir o prejuízo no país B. É, sim, permitida a consolidação horizontal, ou seja, se o lucro e o prejuízo forem produzidos em operações em um mesmo país. É permitida também a compensação de prejuízos em lucros futuros no prazo fixado em cinco anos, isto é, se a empresa tem prejuízos no mesmo país, ela poderá compensar estes prejuízos nos lucros obtidos em exercícios futuros.
As limitações impostas à compensação vertical são defendidas pelo governo como forma de bloquear a utilização de planejamento tributário a partir da geração de prejuízos em muitos países, uma prática que, a nível internacional, vem sendo de destacada importância na erosão tributária. Mas, ao ganhar maior controle sobre o resultado das empresas internacionalizadas, o governo terminará por inibir uma integração mais rápida e adequada às transformações da economia global, com prejuízos para a graduação produtiva e tecnológica da economia brasileira. A nosso ver a solução não está em proibir, senão em regulamentar prudentemente as condições de acesso ao benefício da consolidação vertical que deve estar sujeita a condições, tais como:
a) Restringir a prerrogativa da consolidação aos resultados operacionais, ou seja, estão excluídos os prejuízos decorrentes de transações financeiras ou não operacionais;
b) A consolidação só será admitida com países que mantenham acordos de intercâmbio de informações com a Receita Federal;
c) Abertura completa das contas das empresas brasileiras no exterior.
Há que se considerar que as condições de financiamento para as empresas brasileiras que operam no exterior são ainda mais restritas do que aquelas vigentes no âmbito doméstico. Nossas empresas estão praticamente constrangidas a financiar o investimento fora do Brasil com recursos próprios. Ademais, é normal a realização de prejuízos nos primeiros anos de operação da empresa em novos mercados. Neste sentido, ao permitir compensar de imediato uma parcela do prejuízo, ajuda o autofinanciamento e acelera a expansão no exterior.
Como é mostrado no Anexo, nos países seguidores do regime de tributação em bases universais, a restrição à compensação entre lucros e prejuízos tende a gerar distorções econômicas relevantes, na medida em que a inexistência de compensação pode levar a uma sobretributação do lucro global das corporações. Por este motivo, quanto mais o sistema de tributação de um país se aproxima do regime de tributação em bases universais, maior importância passa a ter a compensação vertical de lucros e prejuízos.
O padrão atual de concorrência à escala global exige, pelo menos, que as empresas nacionais não sejam submetidas a regimes tributários que as coloquem em posição de desvantagem diante de seus competidores. Assim, as regras de compensação vertical devem ser constituídas a partir de prazos que permitam às empresas brasileiras se aproximarem de um padrão competitivo compatível com o novo ambiente internacional. Isto significa, respeitadas as salvaguardas mencionadas acima, permitir a consolidação ao longo de um período razoavelmente longo, como, por exemplo, 15 anos, durante o qual se espera o catching up das empresas brasileiras.
Anexo: Consolidação de Resultados nos Regimes Internacionais de Tributação do Lucro no Exterior. Como referência para o resumo feito a seguir sobre o tema da consolidação de resultados nas experiências internacionais foi utilizado o estudo da LCA, “Impactos Econômicos do Modelo de Tributação do Lucro Auferido no Exterior por Subsidiárias de Empresas Brasileiras”. Segundo a literatura internacional, os regimes de tributação da renda auferida no exterior usualmente são classificados em duas categorias: a) tributação em bases territoriais; e b) tributação em bases universais. Na primeira, os lucros auferidos no exterior são tributados apenas no país em que são auferidos, estando isentos de imposto no país de origem da empresa controladora. Na segunda, vale dizer, na tributação em bases universais o lucro das subsidiárias no exterior é acrescido, para fins de tributação, à renda auferida no país de origem pela empresa controladora, permitindo-se a dedução do imposto pago no exterior do imposto devido no país de origem.
Embora não exista país que adote um regime puro de tributação em bases territoriais ou universais, os sistemas efetivamente adotados pendem mais para um lado ou para o outro. O posicionamento dos países neste espectro é relevante para avaliar o impacto causado pela permissão ou pela restrição à consolidação vertical, ou seja, a compensação entre lucros e prejuízos auferidos em diferentes países.
No caso dos países mais próximos da tributação em bases territoriais, a compensação entre lucros e prejuízos é pouco relevante, uma vez que os lucros auferidos no exterior não são tributados no país de origem. Este é o caso, por exemplo, do Reino Unido, da Alemanha, da França, do Japão e da Austrália, que isentam total ou quase totalmente o lucro auferido nas operações ativas das subsidiárias estrangeiras. Embora estes países restrinjam a compensação entre lucros e prejuízos em diferentes países, esta restrição não gera distorções relevantes no que diz respeito a suas operações ativas (industriais e comerciais), uma vez que estas são tributadas apenas no país em que estão localizadas as subsidiárias.
No caso do Reino Unido e da Austrália, o lucro relativo a operações ativas auferido pelas subsidiárias localizadas em países cuja tributação não é favorecida é totalmente isento. No caso da Alemanha, da França e do Japão, o imposto incide sobre apenas 5% dos dividendos recebidos, relativos a estas operações. Para evitar a transferência indevida de renda para países de tributação favorecida, estes países adotam regimes CFC (controled foreign corporation), voltados a tributar em bases correntes a renda passiva, especialmente quando esta é auferida em países de tributação favorecida.
Nos países que adotam um regime de tributação mais próximo da tributação em bases universais, uma restrição à compensação entre lucros e prejuízos auferidos em diversas jurisdições tende a gerar distorções econômicas relevantes, na medida em que a inexistência de compensação pode levar a uma sobretributação do lucro global das corporações. É por este motivo que a recomendação internacional é de que, quanto mais próximo o sistema de tributação for de um regime puro de tributação em bases universais, mais importante tende a ser a compensação entre lucros e prejuízos auferidos em diferentes países.
No caso dos Estados Unidos, que adotam um regime de tributação em bases universais, o sistema de compensação de lucros e prejuízos auferidos no exterior é bastante abrangente. Nele, os dividendos distribuídos pelas subsidiárias estrangeiras das empresas nacionais são adicionados à base tributária doméstica. Toda a renda auferida no exterior é alocada em duas “cestas”: uma de rendas passivas e a outra para as demais categorias de renda (inclusive o lucro resultante de operações ativas das subsidiárias estrangeiras). Dentro de cada cesta há a possibilidade de compensação integral de lucros e prejuízos auferidos no exterior. O lucro líquido apurado em cada cesta é então acrescido à renda tributável nos EUA e o correspondente imposto pago no exterior deduzido do imposto devido nos EUA, observados alguns limites.
Notar que o montante de crédito tributário passível de aproveitamento nos EUA é função do lucro líquido auferido em cada cesta. O objetivo da separação em dois compartimentos é impedir que os créditos tributários relativos à renda ativa gerada em países de alta tributação sejam utilizados para reduzir a tributação, nos EUA, de renda passiva gerada em países de baixa tributação. Caso uma das cestas apresente prejuízo no agregado, este pode ser utilizado para abater o lucro líquido apurado na outra cesta; caso no agregado das duas cestas haja prejuízo, este pode ser utilizado para abater o lucro tributável auferido nos EUA. Neste caso, nenhuma parcela de crédito tributário pago no exterior no ano pode ser aproveitada para reduzir o imposto devido nos EUA no ano, ainda que possa ser “carregado” para anos subsequentes.
Ou seja, o regime norte-americano é bastante abrangente quanto à compensação de lucros e prejuízos em diversos países no exterior, permitindo até mesmo a compensação com a renda auferida nos próprios EUA.
Outro país relevante que adota um sistema de tributação mais próximo do regime de tributação em bases universais é a China. Embora este país restrinja a compensação entre lucros e prejuízos auferidos no exterior (permitindo a compensação por país, mas não entre países), há algumas características do seu regime tributário que limitam as distorções provocadas por esta restrição. A principal delas é que somente é tributado o lucro distribuído (regime de “caixa”) pelas subsidiárias estrangeiras. Ou seja, enquanto o lucro auferido no exterior não é distribuído não há tributação, o que permite às empresas diferirem a distribuição de lucros, criando uma reserva que pode ser utilizada para absorver eventuais prejuízos.
Comparado ao padrão internacional, o regime adotado no novo projeto brasileiro – que impede qualquer compensação de lucros e prejuízos entre países – certamente é mais oneroso para as empresas, pois o lucro auferido no exterior é tributado em bases correntes (ou "por competência"). Isto significa que caso uma subsidiária estrangeira gere lucro e outra subsidiária em outro país tenha tido prejuízo, haverá uma sobretributação do lucro agregado auferido no exterior, pois o lucro de uma subsidiária será tributado e o prejuízo da outra subsidiária não reduzirá o imposto devido. Nesse caso não há sequer a possibilidade de diferimento da tributação, que é possível em países que tributam o lucro auferido no exterior apenas quando da distribuição dos dividendos, como é o caso da China.
Mesmo que o imposto devido venha a ser financiado por oito anos (acrescido de juros pela Libor), como está previsto no novo regime brasileiro, este seguirá sendo mais oneroso que o de outros países, uma vez que o montante devido de impostos será apurado em bases correntes, sendo apenas postergado o seu pagamento.
Em suma, as recomendações internacionais afirmam que quanto mais o sistema de tributação dos lucros auferidos no exterior de um país se aproxime do regime “puro” de tributação em bases universais, mais importante é a compensação entre lucros e prejuízos auferidos em diferentes países – para impedir que haja uma sobretributação da renda auferida globalmente.