Carta IEDI
O Estado Empreendedor: As Intervenções Estatais Por Trás das Principais Inovações Tecnológicas Recentes
Mariana Mazzucato, professora da Universidade de Sussex (Reino Unido) e especialista em inovação1, reconstitui em detalhes, em seu livro “The Entrepreneurial State: debunking public vs. private sector myths", o percurso histórico das principais inovações tecnológicas das últimas décadas, identificando a importância da intervenção estatal. Porque é o Estado que investe nas etapas iniciais do processo de inovação tecnológico – quando existe incerteza radical – ela lhe confere um papel empreendedor.
Suas conclusões - sintetizadas a seguir - são de grande valor para o Brasil que vem tentando desenvolver uma política industrial e de inovação que apresenta muitos méritos e avanços, mas ainda precisa identificar rumos que as tornem instrumentos de mudança da estrutura industrial e da capacidade da indústria de protagonizar a maior inovação e o aumento de produtividade da economia.
Desde meados dos anos 1950, a teoria econômica confere à inovação tecnológica o papel de principal motor do crescimento econômico, levando os governos a concentrarem esforços para impulsionar investimentos em tecnologia e em capital humano, dando origem a políticas innovation-led growth. A compreensão do papel estatal na inovação foi mais bem abordada pela teoria evolucionista – alinhada à tradição schumpeteriana – em oposição aos esquemas teóricos baseados em funções de produção, como os modelos de crescimento exógeno e endógeno. Os evolucionistas veem a inovação, sujeita a elevada incerteza, como produto de especificidades das empresas que, por sua vez, estão imersas no processo concorrencial, gerando “sistemas de inovação”. Sistemas de inovação são definidos como a rede de instituições nos setores público e privado cujas atividades e interações iniciam, importam, modificam e difundem novas tecnologias. O papel do Estado nos sistemas nacionais de inovação não se resume à criação de conhecimento a partir da pesquisa básica, realizada em laboratórios e universidades (o que compensaria uma falha de mercado), mas também compreende mobilizar recursos que permitam que conhecimentos e inovações se difundam amplamente entre os setores da economia.
Esse papel facilitador não é, contudo, suficiente para compreender a importância que os investimentos públicos tiveram para o desenvolvimento das principais inovações tecnológicas ao longo da história. As evidências de sucesso de estratégias de desenvolvimento lideradas pelo Estado levam a considerar uma função mais ativa e central das intervenções estatais no processo de inovação. O sucesso de uma inovação está baseado em estratégias estatais de longo prazo e na orientação dos investimentos. A reconstituição das trajetórias das principais inovações tecnológicas recentes, como a Internet, nanotecnologia e biotecnologia, mostram que o Estado tem mais predisposição do que o setor privado em enfrentar o ambiente de incertezas radicais, investindo nos estágios iniciais do desenvolvimento de novas tecnologias. Por essa razão, Mazzucato confere ao Estado um papel empreendedor.
O caso dos EUA ilustra o empreendedorismo estatal, uma vez que seu Estado, segundo a autora, tem se comprometido massivamente com a redução de incertezas, assumindo riscos para induzir a inovação. O governo federal dos EUA configura-se como o principal player do sistema americano de inovação, não apenas fornecendo subsídios de longo prazo a determinadas empresas (nesse sentido, de alguma forma facilitando o surgimento de campeões nacionais), mas também funcionando como o principal gerador e disseminador de conhecimentos. Por meio de várias agências e laboratórios públicos, faz uso de encomendas e compras governamentais, bem como de seu poder regulatório, para moldar mercados e dirigir o avanço tecnológico.
Se o papel empreendedor do Estado foi tão importante para garantir a dianteira da revolução das tecnologias de informação e comunicação aos EUA, restrições contemporâneas a esse papel estão na origem do relativo atraso americano no desenvolvimento de tecnologias limpas, responsáveis pela “revolução verde” da indústria. Países como Alemanha e, mais recentemente, a China têm demonstrado um comprometimento maior com o avanço dessas tecnologias. Entretanto, outros, como o Reino Unido, estão em situação ainda pior do que os EUA, ao rejeitar o papel empreendedor do Estado.
Em parte, as dificuldades atuais em fazer do Estado um agente empreendedor, de forma a impulsionar a inovação e o crescimento econômico, deve-se à disseminação de uma ideologia que caracteriza o Estado como burocrático, inerte e ineficiente; cujas intervenções no sistema econômico seriam responsáveis por bloquear o livre mercado, inibindo o espírito empreendedor dos empresários e a introdução de inovações tecnológicas e comprometendo, assim, o crescimento econômico. Seria visto, então, como inimigo dos empresários. Essa ideologia, que o livro de Mariana Mazzucato busca combater, além de carecer de fundamentação histórica, funciona como instrumento de cristalização de desigualdades sociais. Segundo a autora, a distorção da relação risco-retorno que caracteriza o processo de inovação está na base do aumento da desigualdade social depois dos anos 1980.
Se em finanças é amplamente aceita a ideia de que maiores riscos vêm acompanhados de maiores retornos, isso não é, contudo, verdade no caso da inovação. É o Estado empreendedor quem enfrenta a incerteza radical própria das primeiras etapas do surgimento de uma nova tecnologia – isto é, os riscos do processo de inovação são amplamente socializados. Já o retorno é, na sua maior parte, capturado pelo setor privado, ao investir em etapas posteriores do processo de inovação, quando os riscos já são identificáveis e gerenciáveis.
Isso ocorre porque o processo de inovação tem caráter fortemente cumulativo. Dependendo de quando um agente específico entra na cadeia de inovação, ele é capaz não apenas de se apropriar de retornos compatíveis com sua contribuição (isto é, a parcela de riscos que assumiu), mas de toda a área sob a curva cumulativa de inovação. Assim, à medida que o setor privado participa do processo de inovação em etapas mais próximas do lançamento no mercado de produtos finais ou de abertura de capital nos mercados financeiros (no caso do venture capital), ele é capaz de capturar retornos desproporcionais aos riscos por ele assumidos.
As condições de a sociedade obter retornos indiretos, como o aumento do emprego e a geração de receitas fiscais para o Estado, tem sido, em muito, dificultadas pela globalização financeira. Diante da liberdade dos fluxos de capitais, nada impede que as empresas que se beneficiaram do papel empreendedor de um Estado vão gerar empregos em outras partes do mundo, como parte de suas estratégias de redução dos custos de produção, nem que façam uso de paraísos fiscais para evitar o pagamento de impostos devidos.
É necessário, então, que as intervenções estatais no sentido de apoiar as inovações venham acompanhadas de mecanismos que garantam a captura de parte dos retornos gerados por ela. Mazzucato sugere a adoção de golden shares sobre patentes, criação de um fundo nacional para inovação, empréstimos reembolsáveis em função do rendimento das empresas, participações acionárias e apoio à inovação por meio de bancos de desenvolvimento.
Estado, Inovação Tecnológica e Crescimento Econômico. Tornou-se senso comum, nas últimas décadas, caracterizar o Estado como burocrático, inerte e ineficiente. Suas intervenções no sistema econômico seriam responsáveis por bloquear o livre mercado, inibindo o espírito empreendedor dos empresários e a introdução de inovações tecnológicas e comprometendo, assim, o crescimento econômico. Visto como inimigo dos empresários, o Estado deveria, então, abrir mão de qualquer iniciativa condutora do desenvolvimento econômico. Segundo Mariana Mazzucato, essa visão, tão difundida na imprensa especializada, é fruto simplesmente de ideologia, não encontrando evidências empíricas que a comprovem. Em seu livro “The Entrepreneurial State: debunking public vs. private sector myths”, Mazzucato analisa a trajetória de desenvolvimento de importantes inovações tecnológicas, ressaltando o papel fundamental do apoio estatal. Dessa forma, a autora dá uma contribuição não apenas à teoria econômica sobre a inovação, mas também oferece um contraponto a essa ideologia anti-Estado.
Mesmo a teoria econômica convencional, ao reconhecer a existência de falhas de mercado, admite que o Estado tem um papel importante a desempenhar. Mercados imperfeitos são vistos como exceção e suas falhas podem surgir por diferentes razões: a baixa disposição de empresas investirem em determinadas áreas (como em pesquisa básica) devido à impossibilidade de se apropriarem da integralidade dos retornos (externalidades positivas), a não contabilização da poluição como custo de produção na precificação dos produtos das empresas privadas (externalidades negativas) ou o fato de que os riscos de certos investimentos são excessivamente elevados para que alguma empresa os suporte sozinha (mercados incompletos). Diante dessas situações, espera-se que o Estado assuma funções tais como financiar pesquisa básica, cobrar impostos adicionais de empresas poluidoras e financiar projetos de infraestrutura.
As intervenções estatais ganham, ainda, um papel estabilizador na matriz teórica keynesiana. A natureza instável do sistema capitalista, derivada especialmente da precariedade das avaliações dos empresários a respeito de suas decisões de investir, exige intervenções do Estado, cujos gastos são capazes de compensar as oscilações do dispêndio privado, de forma a estabilizar a demanda agregada e evitar crises econômicas. Como a análise se desenvolve a partir de uma perspectiva macroeconômica, o tipo de gasto público é deixado para segundo plano, daí a defesa de que em períodos de crise o Estado deveria ampliar seus gastos nem se fosse para abrir buracos em via pública para fechá-los em seguida.
Economistas formados na tradição schumpeteriana, por sua vez, defendem que os gastos públicos devem privilegiar áreas que ampliem a capacidade de inovação do país, tais como investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e infraestrutura, educação e treinamento da força de trabalho e apoio direto e indireto a tecnologias e empresas específicas. As contribuições de Keynes e Schumpeter, se combinadas, são capazes, então, de conferir ao Estado um papel muito mais importante ao desenvolvimento econômico do que a abordagem das falhas de mercado; não apenas estabilizando as flutuações econômicas de curto prazo – de maneira a evitar o aprofundamento de crises e a elevação do desemprego – mas também favorecendo uma trajetória de crescimento de longo prazo.
O problema, segundo Mazzucato, é que frequentemente essas contribuições aparecem dissociadas, dificultando uma abordagem analítica que contemple o curto e o longo prazo e a integração dos níveis micro e macroeconômico da análise. Para que isso seja feito é necessário compreender o papel do Estado no processo de inovação tecnológica e a relação dela com o crescimento econômico.
A identificação dos fatores que condicionam o crescimento econômico continua incitando acalorados debates entre economistas; porém, desde a “teoria de crescimento” de Robert Solow (1956) reforçou-se a ideia de que mudanças tecnológicas encontram-se no centro da explicação do crescimento. Segundo esse modelo, as quantidades de capital e trabalho aplicados à produção explicam muito pouco o crescimento econômico. O fator principal, então, recai sobre o crescimento da produtividade desses fatores decorrente de mudanças tecnológicas (resíduo de Solow), que, no caso dos EUA, explicava cerca de 90% das variações do produto nacional.
Porque não buscou explicar as origens das mudanças tecnológicas, o modelo de Solow deu início a uma série de modelos que compõem a teoria do crescimento exógeno. A incorporação da tecnologia aos modelos econômicos ocorreu posteriormente, como resultado de investimentos em P&D e em formação de capital humano, dando origem aos modelos de crescimento endógeno2.
Esses modelos não estabelecem, entretanto, uma função explícita para os investimentos públicos. As novas tecnologias seriam, nesse caso, produzidas no interior das empresas e não pela interação de diferentes agentes em um determinado ambiente institucional. Todavia, a ênfase sobre a importância do progresso tecnológico para o crescimento econômico levou os governos a concentrarem esforços para impulsionar investimentos em tecnologia e em capital humano, dando origem a políticas innovation-led growth.
A compreensão do papel estatal na inovação é mais bem abordada pela teoria evolucionista, que decorre da tradição schumpeteriana, em oposição aos esquemas teóricos baseados em funções de produção, como os modelos de crescimento exógeno e endógeno. Os evolucionistas buscam nas competências e rotinas internas às empresas as condições para o surgimento de inovações, afetando a concorrência e o crescimento econômico. Ao invés de empresas “representativas”, os mercados são formados por empresas com competências e culturas internas diferentes e, por isso, capazes de criar inovações específicas que lhes propiciam retornos de escala crescentes (devido a dinâmicas do tipo learning-by-doing ou path-dependence). Desse ponto de vista, a concorrência não homogeneíza as empresas. Tampouco garante a sobrevivência da mais apta, seja porque existem retornos crescentes (que conferem vantagens às “first-movers”), seja porque políticas governamentais podem favorecer certos tipos de empresas.
O mais importante na opinião de Mazzucato, é que a abordagem evolucionista vê a inovação, sujeita a elevada incerteza, como produto de especificidades das empresas que, por sua vez, estão imersas no processo concorrencial, gerando “sistemas de inovação”. Sistemas de inovação são definidos como “a rede de instituições nos setores público e privado cujas atividades e interações iniciam, importam, modificam e difundem novas tecnologias” ou “os elementos e relações que interagem na produção, difusão e uso de novos, e economicamente úteis, conhecimentos”. Desse ponto de vista, a ênfase não está, por exemplo, sobre o volume de investimentos em P&D, mas na circulação de conhecimentos e na sua difusão para o conjunto da economia. As competências necessárias para a geração de inovação são parte da atividade coletiva, ocorrendo por meio de uma rede de agentes e de suas relações.
O papel do Estado nos sistemas nacionais de inovação não se resume, então, à criação de conhecimento a partir da pesquisa básica, realizada em laboratórios e universidades (o que compensaria uma falha de mercado), mas também compreende mobilizar recursos que permitam que conhecimentos e inovações se difundam amplamente entre os setores da economia. Isso é feito por meio do estreitamento de laços entre redes de inovação já existentes ou por meio do auxílio ao desenvolvimento de novas redes, associando diferentes tipos de participantes (empresas de diversos setores, universidades, laboratórios públicos e privados, etc).
De acordo com Mazzucato, esse papel facilitador da inovação, conferido ao Estado pela abordagem dos sistemas de inovação, não é, contudo, suficiente para compreender a importância que os investimentos públicos tiveram para o desenvolvimento das principais inovações tecnológicas3 ao longo da história. É preciso levar em conta a liderança do Estado no processo de desenvolvimento industrial (Developmental State), desenvolvendo estratégias para o avanço tecnológico em áreas prioritárias. Vasta literatura reconhece a importância das intervenções estatais na trajetória de catch up tecnológico em inúmeras economias, fazendo referência especialmente aos países do Leste Asiático, bem como ao Japão.
As evidências de sucesso de estratégias de desenvolvimento lideradas pelo Estado levam a considerar uma função mais ativa e central das intervenções estatais no processo de inovação. Mudanças tecnológicas estão envoltas em incerteza4 radical. Investimentos em P&D que contribuem para mudanças tecnológicas não apenas levam vários anos para materializarem novos produtos, como a maior parte dos produtos desenvolvidos não é capaz de se viabilizar comercialmente, fazendo com que os retornos de tais investimentos sejam fortemente incertos. O sucesso de uma inovação está, assim, baseado em estratégias de longo prazo e na orientação dos investimentos. A reconstituição das trajetórias das principais inovações tecnológicas recentes, como a Internet, nanotecnologia e biotecnologia, mostram que o Estado tem mais condições de enfrentar o ambiente de incertezas radicais, investindo nos estágios iniciais do desenvolvimento de novas tecnologias. Por essa razão, Mazzucato confere ao Estado um papel empreendedor5.
O Estado empreendedor não se limita a investir em pesquisa básica, relegada por empresas privadas devido à dificuldade de maximizar o lucro privado dessas atividades, nem a assumir riscos indesejados por outros agentes envolvidos na inovação, que capturam os retornos gerados. O Estado empreendedor de Mazzucato tem a capacidade de visionar novos produtos e novas tecnologias necessários para o cumprimento de “missões” previamente estabelecidas. De fato, mais de 60% dos investimentos públicos em P&D, nos EUA, Coreia do Sul, França, Canadá, Japão e Alemanha, constituem investimentos “mission-oriented”, isto é, projetos ou agências financiadas com o propósito de cumprir determinadas metas em áreas como agricultura, defesa, energia, saúde ou tecnologia industrial.
Dessa maneira o Estado influencia a criação de produtos e de mercados a eles correlacionados. A concepção de Estado empreendedor de Mazzucato aproxima-se da tese de Polanyi (1944), negando a dicotomia Estado versus mercado. O não reconhecimento do empreendedorismo estatal levou à constituição de mitos em relação ao processo de inovação tecnológica que vêm pautando as políticas de inovação de muitos países, o que explica, em parte, sua baixa eficácia em vários casos6.
Mito 1: Existe uma relação direta entre investimentos em P&D e inovação
A abordagem dos sistemas de inovação rejeita enfaticamente a existência de processo linear de inovação que se desenvolve da pesquisa básica, passando por investimentos em larga escala em P&D e em aplicações práticas, até chegar à difusão da inovação. Ao contrário, o processo de inovação é caracterizado por inúmeras idas e vindas entre os avanços da tecnologia, realizados nos laboratórios, e a viabilidade comercial dos produtos nos mercados, entre a agenda de pesquisa aplicada e os avanços da ciência. Em outros termos, as vias são sempre de mão dupla entre P&D e mercado e entre pesquisa aplicada e pesquisa básica. Assim, os papéis na inovação desempenhados pela educação, treinamento, design, controle de qualidade e demanda efetiva são tão importantes quanto os investimentos em P&D.
Ademais, existem muito poucos estudos empíricos que mostram a importância dos investimentos em P&D para o desempenho de crescimento das empresas. Isto é, existem poucas evidências empíricas que microfundamentam os modelos macroeconômicos que relacionam inovação e crescimento econômico. Enquanto alguns estudos mostram um impacto positivo da P&D no desempenho das empresas, alguns não encontram nenhuma relação significativa e outros, uma relação negativa. A relação negativa entre investimentos em P&D e desempenho das empresas não deve ser vista com surpresa, defende Mazzucato, uma vez que, na ausência de ativos complementares, P&D torna-se apenas um componente de custo.
Apesar disso, a atenção da política de inovação da maior parte dos países continua fortemente concentrada nos gastos em P&D no nível das empresas, dos setores e do país. O problema é que ao focar esse indicador, a política de inovação relega a segundo plano o que é mais importante: a existência de ativos complementares (infraestrutura e recursos de marketing, por exemplo) no nível das empresas, que fazem com que os investimentos em P&D levem a inovações tecnológicas que atinjam o mercado. O fundamental é identificar as condições específicas de cada empresa que devem estar presentes para permitir que os investimentos em P&D afetem positivamente o crescimento econômico. Tais condições, dificilmente serão as mesmas para todos os setores econômicos. No caso da indústria farmacêutica, por exemplo, Mazzucato concluiu que apenas aquelas empresas que registram patentes ao longo de 5 anos consecutivos e que estabelecem alianças com outras empresas são capazes de obter expansão a partir de seus investimentos em P&D.
É verdade, entretanto, que muitos países com baixo desempenho econômico nos últimos anos, como os da Europa meridional, também apresentam baixos gastos com P&D em relação ao PIB. Mas esse quociente pode variar amplamente de país para país em função dos setores em que são especializados. Setores tais como serviços financeiros, construção e mídias (em que o Reino Unido se especializou) exigem baixos investimentos em pesquisa básica, enquanto setores de serviços são capazes de empregar trabalhadores altamente qualificados, capazes de gerar, absorver e analisar grande conjunto de informações, praticamente sem despender recursos em P&D. Dito de outra forma, baixa relação P&D/PIB não implica o comprometimento do crescimento econômico, dependendo da composição setorial da economia.
Mito 2: Pequenas empresas são inovadoras
As evidências mais robustas indicam que para o desempenho do conjunto da economia (quanto à inovação, emprego, dinamismo, etc) a contribuição de empresas jovem e de crescimento acelerado é mais importante do que aquela de pequenas empresas, contrariando argumento amplamente aceito atualmente pelos governos. Enquanto muitas empresas de crescimento acelerado são pequenas, não é verdade que todas as empresas pequenas cresçam rapidamente. No que diz respeito à geração de empregos, estudos não encontram uma relação sistemática entre tamanho da empresa e crescimento da geração de emprego. A maior parte do efeito é decorrente da idade das empresas: as jovens (e business start-ups) contribuem substancialmente para a criação bruta e líquida de empregos.
O foco do suporte público deveria, então, ser a produtividade e não o tamanho das empresas. As pequenas empresas são menos produtivas devido à gestão não profissionalizada que as caracteriza na maior parte dos casos, bem como ao emprego de trabalhadores menos qualificados, salários médios mais baixos, pouco treinamento e elevada probabilidade de falência. Chang-Tai Hsieh e Peter Klenow, por sua vez, sugerem que entre 40% e 60% do diferencial da produtividade total dos fatores entre os EUA e a Índia devem-se à má alocação de recursos provocada pela política de favorecimento de pequenas e pouco produtivas empresas pelo governo indiano.
A implicação para a política econômica, segundo Mazzucato, é que ao invés de transferir recursos ao conjunto de pequenas empresas, sob a forma de isenções ou subsídios fiscais e de empréstimos subsidiados, na esperança de que elas cresçam, gerando empregos e inovações, seria mais eficaz firmar contratos com empresas jovens que já tenham demonstrado ambição de se expandir. Em um período de constantes restrições ao orçamento público, uma postura mais assertiva do Estado diante de algumas empresas seria mais eficiente do que a distribuição de recursos ao conjunto de pequenas empresas.
Mito 3. Venture Capital é propenso ao risco
Venture capital é um tipo de private equity especializado em investimentos nas primeiras etapas de existência de empresas de alto potencial de crescimento. O financiamento tenderia a vir como seed funding (financiamento do estágio embrionário da empresa) ou mesmo em estágios posteriores de crescimento da empresa, sendo que o objetivo do fundo de venture capital seria obter um retorno elevado com a abertura de capital da empresa (IPO), sua venda ou fusão com outra empresa. Esse tipo de financiamento seria importante para empresas baseadas em novos conhecimentos que tentam entrar em setores já existentes ou formar um novo, uma vez que, devidos aos riscos envolvidos em seus negócios, encontram baixa disposição de financiamento dos canais tradicionais, como os bancos.
O capital de risco é, entretanto, escasso no estágio embrionário (seed stage) da firma inovadora, pois os riscos são excessivos, decorrentes da completa incerteza em relação ao potencial da nova ideia e das condições tecnológicas e de demanda. A presença do venture capital torna-se, então, mais importante no estágio de processo de inovação-invenção (segundo e terceiro estágios da tabela). Esse estágio, que compreende a transição entre a nova descoberta científica ou de engenharia e o desenvolvimento de sua aplicação comercial, é frequentemente marcado por falências (valley of death), justamente porque o percurso da inovação não é linear.
Cabe ao Estado, então, prover financiamento às empresas em seus estágios iniciais, assumindo uma postura muito mais propensa ao risco do que o venture capital. Mazzucato mostra que, no caso dos EUA, os recursos públicos fluem por meio de programas de agências específicas, como a Small Business Innovation Research (SBIR) e o Advanced Technology Program (ATP) do US Department of Commerce, representando entre 20% e 25% do total do financiamento das empresas de tecnologia em seus primeiros estágios – participação equivalente àquela dos business angels e de 2 a 8 vezes maior que a do venture capital. Além disso, as políticas estatais também são essenciais nos estágios de viabilização comercial dos produtos criados por novas tecnologias, reduzindo a probabilidade de falência das empresas.
O financiamento provido pelo venture capital concentra-se, então, em áreas com elevado potencial de crescimento, baixa complexidade tecnológica e pouco intensivas em capital. Apesar de os fundos de venture capital serem estruturados para existir por 10 anos, verificam-se prazos muito menores devido às taxas de administração e aos bônus auferidos ao se atingir elevada taxa de retorno. A saída antecipada de alguns investimentos tem o objetivo de privilegiar a trajetória tecnológica que tem se mostrado mais rentável. Esse comportamento dá ao venture capital um viés em direção a projetos cuja viabilidade comercial está projetada para um período de 3 a 5 anos. Ainda que isso seja possível (como no caso do Google), não é o que frequentemente ocorre, a exemplo da biotecnologia. A presença do venture capital no desenvolvimento da biotecnologia tem levado a uma progressiva (e excessiva) comercialização da ciência (patentes), gerando alguns poucos produtos que não estão inseridos em uma linha geral de desenvolvimento, prejudicando, assim a obtenção de resultados de longo prazo. Aberturas de capital, fusões e aquisições de empresas do setor têm deslocado equipes de pesquisa, comprometendo a continuidade das descobertas.
Assim como os investimentos em P&D, o papel do venture capital aparece, então, superestimado no debate público, bem como nas diretrizes de políticas de inovação dos países. Longe de considerá-lo inútil, Mazzucato defende que é importante, contudo, ter consciência de suas limitações.
Mito 4. O número de patentes indica o ritmo da inovação
É comum avaliar o desempenho inovador de uma empresa, setor ou economia nacional a partir do número de patentes registradas. Quanto mais patentes, mais inovador. Entretanto, existe um conjunto de outros fatores que explica o aumento recente de registros de patentes, associados a mudanças de legislação e de estratégias setoriais.
No caso do setor de tecnologias de informação e de comunicação, o desenvolvimento de tecnologias feito integralmente no interior de uma empresa perde espaço para um mercado de tecnologias, por meio do qual uma empresa pode ter acesso a um avanço tecnológico produzido por outra empresa. A constituição desse mercado obrigou o patenteamento das etapas intermediárias das tecnologias desenvolvidas. É por isso que a IBM apresentou elevação do número de patentes registradas, ainda que seu orçamento de P&D tenha se reduzido.
Ademais, os tipos de invenções que podem ser patenteadas também foram ampliados, passando a incluir ferramentas de pesquisa (e não apenas produtos finais e processos), descobertas (em oposição a invenções) de objetos de estudo já existentes (tais como genes) e resultados de pesquisas financiadas com recursos públicos. Mazzucato lembra que nos EUA, o Bayh-Dole Act de 1980 autorizou o patenteamento de descobertas viabilizadas com financiamento público, que de outra forma permaneceriam em domínio público, fazendo com que as patentes dos setores farmacêutico e de biotecnologia crescessem expressivamente.
Deve-se ainda ter em mente que, diante dessa ampliação do que se pode patentear, muitos dos registros de patente não configuram uma inovação de fato. O caso da indústria farmacêutica é exemplar, ao aumentar seu portfólio de produtos promovendo pequenas variações de remédios já existentes (“me too” drugs). Por essa razão, dos 1.072 medicamentos aprovados pela Food and Drugs Administration (FDA), entre 1993 e 2004, apenas 357 (33,3%) consistiam em novos princípios ativos.
A possibilidade de patentear ferramentas de pesquisa tem ainda um efeito contraproducente sobre o ritmo de inovação, pois bloqueia a possibilidade de a ciência avançar de forma livre, prejudicando especialmente os países emergentes.
Mito 5: O problema europeu é comercialização
Argumenta-se, frequentemente, que a principal desvantagem em inovação da Europa, em comparação com os EUA, é sua falta de capacidade para viabilizar comercialmente suas inovações, o que remeteria a problemas com a transferência de conhecimento. Na visão de Mazzucato, os problemas europeus não decorrem do baixo fluxo de conhecimento proveniente de pesquisa, mas do pequeno estoque de conhecimento das empresas europeias, o que se expressa em menores investimentos em P&D (públicos e privados) em porcentagem do PIB. Enquanto os EUA gastam cerca de 2,6% do PIB em P&D, o Reino Unido chega a apenas 1,3%. O caso de alguns países da Europa meridional (Itália, Grécia e Portugal) é ainda pior: cerca de 0,5% do PIB.
Assim, para a autora, se os EUA são melhores em inovação, não é devido a melhores relações entre universidades e empresas nem porque as universidades americanas produzem mais spinouts, mas simplesmente porque pesquisas são feitas em um maior número de instituições, o que gera melhores habilidades técnicas da força de trabalho. Ademais, o financiamento à inovação nos EUA atende às pesquisas nas Universidades e as empresas em estágio inicial de desenvolvimento tecnológico. Ao encarregar as universidades europeias de também realizar o desenvolvimento tecnológico, que nos EUA é realizado por empresas, corre-se o risco de gerar tecnologias inadequadas ao mercado.
Assim, ainda que a qualidade da pesquisa na Europa e nos EUA seja equivalente, que a colaboração entre universidades e empresas seja inclusive maior em alguns países europeus (Reino Unido) e que as universidades europeias deem origem a empresas mais frequentemente que suas congêneres americanas, as empresas do velho continente carecem de habilidade para inovar. Isso faz com que a política de inovação europeia tenha sua eficácia reduzida. De forma semelhante, Dosi et al. (2006) argumentam que os problemas europeus do domínio da inovação não tem origem na falta de avanço científico ou de interações entre educação e indústria, mas devido à presença de um fraco sistema de pesquisa cientifica e de empresas mais frágeis e menos inovadoras.
As implicações para a política de inovação europeia são a menor ênfase na criação de redes (networking) e mais medidas que definam melhor os papéis a serem desempenhados, isto é, uma melhor divisão do trabalho entre universidades, cujo foco deve ser pesquisas de ponta, e empresas, cujo papel é promover o desenvolvimento tecnológico.
Mito 6. Os investimentos privados exigem menos impostos e menos burocracia
A despeito do senso comum, não existe nenhuma evidência de que subsídios às atividades de P&D das empresas sejam acompanhados de elevação de seus investimentos na área. Ao contrário, pesquisas qualitativas sugerem que a concessão de créditos tributários a pequenas ou grandes empresas para incentivar seus investimentos em P&D não tem maior eficácia do uma simples doação de recursos para empresas que já façam esses investimentos.
Recentemente, a Holanda introduziu crédito tributário aos gastos em P&D não associados aos retornos obtidos, mas sim ao número de trabalhadores empregados nessas atividades, o que tem mostrado uma eficácia superior.
Diante de gestores públicos conscientes do papel empreendedor do Estado, Mazzucato afirma que esses recursos dispendidos como créditos tributários à P&D seriam mais bem gastos diretamente com o comissionamento do desenvolvimento de certa tecnologia a algumas empresas capazes de assumir essa responsabilidade. Apesar das pressões das categorias empresariais no sentido de obter isenções fiscais, verifica-se, na prática, que elas tendem a realizar investimentos em países cujos governos preferem atuar de forma a reduzir as incertezas em relação às possibilidades futuras de crescimento, em detrimento de áreas com regulamentação flexível e intervenções estatais quase que exclusivamente por meio de subsídios7.
De fato, como já havia enfatizado Keynes, o investimento privado (em especial em inovação) é função do “animal spirit” dos empresários, isto é, de sua confiança em relação às perspectivas futuras de crescimento de seus mercados e da economia como um todo, o que não é amplamente influenciado pela tributação, mas sim pelo fortalecimento da ciência de base do país, seu sistema de crédito, qualidade da educação e do capital humano. Não é à toa que os cortes de impostos nos anos 1980 não implicaram a elevação dos investimentos em inovação. Diante disso, a concessão de subsídios gera apenas transferência de recursos para as empresas beneficiadas, ampliando a desigualdade de distribuição de renda.
Em síntese, Mazzucato argumenta que enquanto o volume de inovação tecnológica é essencial para o crescimento econômico, não existe uma relação linear entre investimentos em P&D, o tamanho das empresas ou o número de patentes e o nível de inovação de uma economia. O que parece claro, entretanto, para que ocorra inovação é a existência de uma economia em rede, bastante integrada e com contínuos feedback loops entre seus diferentes integrantes, de maneira a possibilitar o compartilhamento de conhecimentos e o avanço de sua fronteira.
O Estado Empreendedor Americano. Ainda que o ritmo de crescimento da economia americana seja frequentemente associado à maior liberdade da iniciativa privada, a verdade é que o Estado tem se comprometido massivamente com a redução de incertezas, assumindo riscos empresariais para induzir a inovação. O caso dos EUA fornece, então, um importante exemplo de atuação do empreendedorismo estatal, indicando que a simples existência do sistema nacional de inovação não é suficiente para explicar a trajetória da economia americana. O Estado configura-se como o principal player desse sistema, não apenas fornecendo subsídios de longo prazo a determinadas empresas (escolhendo campeões nacionais), mas funcionando como o principal gerador e disseminador de conhecimentos. Mazzucato mostra que, por meio de várias agências e laboratórios públicos, o Estado americano faz uso de encomendas e compras governamentais bem como de seu poder regulatório para moldar mercados e dirigir o avanço tecnológico.
DARPA – Defense Advanced Research Projects Agency
Criada pelo Pentágono, em 1958, a DARPA consistia na resposta americana ao avanço técnico-militar da União Soviética, que havia posto em órbita o primeiro satélite do programa Sputnik, em 1957. A partir de então, parte dos gastos militares dos EUA em P&D passaram a ser canalizados para agendas de pesquisa de base (blue-sky thinking), cujas ideias desenvolvidas poderiam não produzir nenhum resultado por dez ou vinte anos sem pôr em risco o apoio estatal. Como consequência, a DARPA estava livre para focar esforços no desenvolvimento de avançadas tecnologias inovadoras por meio de novas estratégias.
A DARPA materializou as recomendações do Relatório Vannevar Bush de 1945, que defendiam o apoio estatal tanto para a pesquisa básica como para a pesquisa aplicada, e institucionalizou a aprendizagem obtida com o Manhattan Project, que integrou cientistas, militares e policymakers dando origem à bomba atômica. Desse momento em diante, o governo federal assumiu a responsabilidade de compreender quais tecnologias poderiam atender aos seus propósitos militares bem como gerar aplicações comerciais. A DARPA tornou-se, então, a ponte entre a pesquisa acadêmica stricto sensu, que trabalha com horizontes de longo prazo, e o desenvolvimento tecnológico mais incremental.
Além de seu orçamento expressivo, atualmente da ordem de US$ 3 bilhões anuais, isso só foi possível graças a seu modelo de atuação, baseado em quatro características principais:
1. Reúne um conjunto de pequenos escritórios, geralmente dirigidos por cientistas e engenheiros de alta qualificação, dotados de considerável autonomia orçamentária para apoiar ideias promissoras. Esses escritórios são proativos e não reativos no que diz respeito à constituição de uma agenda de pesquisa. Seu objetivo é criar uma comunidade científica presente em universidades, empresas privadas e setor público que foque os desafios de desenvolvimento de determinada tecnologia.
2. Os financiamentos são concedidos a diferentes grupos de pesquisadores de Universidades, a empresas já consolidadas ou a start-ups e a consórcios setoriais. Não há linha divisória entre pesquisa aplicada e pesquisa básica e os escritórios da DARPA estão autorizados a cortar o financiamento daqueles grupos que não tem conseguido fazer progressos.
3. À medida que tem como objetivo produzir tecnologias com uso prático, a agência tem mandato para apoiar as empresas a levar ao mercado seus produtos inovadores. O suporte da DARPA estende-se, então, do financiamento à pesquisa à comercialização dos produtos dela resultantes.
4. A DARPA usa seu papel de supervisão dos projetos para criar sinergias entre eles, associando ideias, pessoas e linhas de pesquisa.
O desenvolvimento dos computadores pessoais, por exemplo, deve muito aos esforços da DARPA ao longo dos anos 1960 e 1970. Por meio de seu Information Preccessing Techniques Office, a DARPA financiou start-ups, contribuiu para a pesquisa de semicondutores e da interface homem-computador. Ademais, a agência também orientou o início da criação da internet. O papel proativo de sua rede de escritórios permitiu acelerar o processo o desenvolvimento de computadores pessoais, não apenas estreitando os laços dos grupos por eles financiados, mas também buscando novos pesquisadores cuja linha de atuação pudesse promover avanços. Em relação à fabricação de chips de computadores, a DARPA assumiu os custos da obtenção de um design de um protótipo, financiando um laboratório filiado à University of Southern California. Qualquer um que possuísse um design superior para um novo microchip poderia ter acesso aos chips fabricados por esse laboratório, expandindo, assim, o conjunto de participantes, acelerando o design e melhorando os microchips.
SBIR – The Small Business Innovation Research Programme
A partir do sucesso da DARPA, o governo de Ronald Reagan criou o Small Business Innovation Research Programme (SBIR), em 1982, como um consórcio entre a Small Business Administration, Department of Defense, Department of Energy e Environmental Protection Agency – organismos públicos com expressivas dotações orçamentárias, das quais deveriam, a partir de então, alocar originalmente 1,25% para apoiar empresas pequenas, independentes e lucrativas.
Como consequência, expandiram-se as relações entre governo federal e as instâncias estaduais e municipais, garantindo que muitas start-ups8 fortemente inovadoras pudessem obter suporte financeiro em seus primeiros anos de existência. Esse apoio torna-se tão mais importante à medida que o horizonte temporal do venture capital foi encurtando-se. O SBIR tem concedido mais de US$ 2 bilhões em suporte direto a empresas de alta tecnologia anualmente, fomentando o desenvolvimento de novas empresas e conduzindo a comercialização de centenas de novas tecnologias, dos laboratórios ao mercado.
ODA – Orphan Drug Act
Um ano após a criação do SBIR, o Orphan Drug Act (1983) foi instituído para impulsionar a inovação do setor privado na área de biotecnologia, permitindo que pequenas empresas do setor pudessem se apropriar de alguma parcela do mercado de medicamentos. O ODA previa a adoção de incentivos fiscais, subsídios à P&D bem como a procedimentos clínicos, processos mais rápidos de aprovação de medicamentos, juntamente com fortes garantias de direitos intelectuais e de comercialização para produtos desenvolvidos para o tratamento de doenças raras.
Definem-se doenças raras como aquelas patologias que não acometem mais de 200 mil pessoas e, por essa razão, não fosse o apoio estatal, o tamanho potencial do seu mercado não justificaria nem o desenvolvimento nem a produção de medicamentos – daí a nomenclatura “orphan”. Protegidas e apoiadas pelo Estado, as empresas que se lançam no desenvolvimento de medicamentos para doenças raras podem melhorar suas plataformas tecnológicas e ampliar a escala de suas operações, de forma a assumir posições de destaque no setor biofarmacêutico.
Desde a implementação do ODA, 2.364 produtos foram classificados como orphan drugs, sendo que 370 deles tiveram a comercialização aprovada pela FDA. Mazzucato destaca que é possível, todavia, que muitas variações de um mesmo medicamento sejam classificadas como orphan drugs. A Novartis, em 2001, por exemplo, recebeu aprovação para comercializar seu Gleevec, medicamento para tratamento de leucemia mielóide crônica, apoiado pelo ODA. Em 2005, em um período de cinco meses, Novartis submeteu e obteve a designação orphan drug para cinco diferentes indicações do mesmo medicamento. Segundo o relatório anual da empresa, em 2010 as vendas globais do Gleevec chegaram a US$ 4,3 bilhões; isto é, mesmo que o tamanho do mercado possa ser pequeno, a receita obtida com ele pode ser considerável.
Entretanto, não são apenas pequenas empresas que se beneficiam do ODA; ao contrário, gigantes do setor farmacêutico, como Roche, Pfizer, Johnson & Johnson, GlaxoSmithKline, entre outros, também têm submetido produtos à classificação orphan drug. A história das grandes empresas do setor biofarmacêutico mostra que sua liderança atual foi construída sobre receitas importantes de medicamento com essa classificação. Em 2008, a participação de medicamentos apoiados pelo ODA na receita total do setor biofarmacêutico chegou a 59% e a 61% no caso das seis maiores empresas. Quando são levados em conta os produtos derivados de orphan drugs, essa participação sobe para 64%, tanto para o setor como para as seis maiores. A comparação entre orphan drugs e os demais medicamentos mostra, ainda, que os primeiros são mais numerosos, sua receita cresce de início mais rapidamente e muitos deles tiveram vendas superiores, em 2007, do que os medicamentos do segundo grupo.
NNI – National Nanotechnology Initiative
Segundo Mazzucato, existe, atualmente, quase um consenso de que a nanotecnologia será a próxima tecnologia a possibilitar uma nova onda de elevação de produtividade entre diferentes setores da economia (general purpose technology). Esse não era o caso, entretanto, no início dos anos 1990, quando o governo americano decidiu investir no seu desenvolvimento.
A nanotecnologia consiste, então, em um exemplo da capacidade visionária do Estado empreendedor americano. Visão essa que coordena suas intervenções, elevando sua possibilidade de sucesso, em algo parecido a uma “profecia autorrealizável”. O próprio termo “nanotecnologia” foi, inclusive, cunhado pelo Estado.
A National Nanotechnology Initiative (NNI) foi criada em 2000, resultante dos esforços de grupos de cientistas e engenheiros da National Science Foundation e da administração Clinton para identificar um “substituto” à Internet, capaz de revolucionar o sistema produtivo e, consequentemente, garantir uma trajetória de crescimento econômico. Para Mazzucato, a criação da NNI significa que o Estado não só elegeu a nanotecnologia como o setor mais promissor, como também criou instrumentos para impulsioná-lo. Por meio dela, o Estado realizou os primeiros investimentos na área, formou explicitamente uma rede dinâmica de agentes públicos, pesquisadores vindos de universidades, laboratórios nacionais e agências do governo, e de agentes privados, quando esses se mostraram dispostos.
A atuação estatal no setor mostrou-se dinâmica e flexível na compreensão das conexões entre diferentes disciplinas relevantes para a revolução da nanotecnologia (física, química, engenharia de materiais, biologia, medicina, engenharia e computação) e, apesar da defesa de uma abordagem bottom-up, com o permanente diálogo com pesquisadores e com empresários da área, é inegável que o impulso e as diretrizes gerais tenham vindo de altos escalões do Estado.
O setor privado, devido às exigências de performance a que está sujeita e a suas estratégias que privilegiam o curto prazo, tem tipo uma participação menos importante que a do Estado. A falta de investimentos em comercialização, o principal motivo pelo qual a “revolução nanotecnológica” ainda não tenha começado, explica-se pela timidez do setor privado e exige investimentos adicionais do Estado.
O Estado Empreendedor Por Trás da Apple. A imagem da Apple é comumente associada à sua capacidade de inovação e ao seu sucesso comercial, baseados, em boa medida, na genialidade de seu fundador, Steve Jobs. Ela incarna, então, o mito do Vale do Silício onde uma ideia revolucionária pode dar origem a uma corporação global. A história de sucesso de empresas de alta tecnologia, como a Apple, tende, contudo, a não mencionar a contribuição fundamental do Estado.
Mariana Mazzucato mostra, entretanto, que praticamente todas as tecnologias em estado-da-arte que integram a família de produtos da Apple (computadores pessoais, iPod, iPhone e iPad) são resultados de esforços de pesquisa e suporte financeiro do Estado americano, desenvolvidos por suas redes de inovação coordenadas por instituições semelhantes à DARPA. A excelência da Apple, ou ainda, a genialidade de Steve Jobs, consiste, para a autora, na capacidade de identificar tecnologias com grande potencial e de integrá-las sob um design de apelo comercial. Em outros termos, a habilidade da Apple tem menos a ver com o desenvolvimento de novas tecnologias do que com integração delas em uma arquitetura inovadora.
Essa constatação ajuda a explicar como a Apple continua dinâmica no lançamento de novos produtos e em versões melhoradas dos já existentes ao mesmo tempo em que a parcela de recursos gastos com P&D não só é baixa em comparação com outras empresas do setor, como vem se reduzindo ano após ano.
Mazzucato identifica três formas gerais de suporte estatal recebido pela Apple:
1. Investimentos diretos nos primeiros anos da empresa. Antes de abrir capital, em 1980, a Apple garantiu um investimento de meio milhão de dólares da Continental Illinois Venture Corp., uma companhia de investimentos em pequenos negócios licenciada pela agência federal Small Business Administration.
2. Acesso a tecnologias amplamente financiadas com recursos públicos. Antes que fosse comercializado o Apple I, em 1976, o Estado americano, especialmente por meio da DARPA, como visto anteriormente, já havia apoiado, ao longo dos anos 1960 e 1970, as tecnologias que permitiram a criação dos computadores pessoais. Ademais, a introdução do silício revolucionou a indústria de semicondutores e anunciou a era de consumo de massa de computadores pessoais. Novamente, essa revolução só foi possível devido à rede de parcerias entre laboratórios e agentes públicos e privados, como DARPA, AT&T Bell Labs, Xerox PARC, Shockley e Fairchild, entre outros.
As doze principais tecnologias integradas pela Apple em seus iPods, iPhones e iPads, que os fazem “smart” e que os diferenciam de produtos similares concorrentes, resultam de suporte de instituições públicas e de suas redes de inovação: microprocessadores (desenvolvidos com apoio da DARPA), micro hard driver storage – microHD (apoiado pela DARPA e pelo Department of Energy), telas de cristal líquido – LCD (National Science Foundation, Department of Defense e National Institutes of Health), baterias de lítio (Department of Energy), processador digital de sinais (Army Research Office), Internet (DARPA), Hypertext Transfer Protocol – HTTP e Hypertext Markup Language – HTML (ambos desenvolvidos na Europa, pela European Organization for Nuclear Research) e tecnologia de telefonia celular (Forças Armadas dos EUA). Adicionalmente, podem ser citadas outras três tecnologias que mudaram profundamente as expectativas dos consumidores e ampliaram os usos dos produtos da Apple: global positioning system – GPS (Department of Defense e Marinha dos EUA), sistemas de navegação click-wheel (devido a esforços da britânica Royal Radar Establishment e da European Organization for Nuclear Research) e multi-touch screens (Department of Defense, Department of Energy, National Science Foundation e Central Intelligence Agency – CIA) e, por fim, programa de inteligência artificial com comando de voz, também conhecido como SIRI9 (desenvolvido com apoio da DARPA).
3. Proteção por meio de medidas fiscais, política de comércio exterior e política tecnológica. O governo americano tem ativamente agido de forma a garantir às empresas americanas, como a Apple, o acesso ao mercado internacional, ao mesmo tempo em que cria formas de lhes garantir uma participação importante no mercado doméstico. O endurecimento das leis referentes à propriedade intelectual e o papel de policiamento desempenhado pelos EUA nos mercados internacionais são essenciais para empresas de tecnologia, tais como a Apple. As empresas americanas, apesar da ideologia liberal reinante nos EUA, não hesitam, ainda, em pedir às autoridades públicas rodadas de revisão ou melhor supervisão do cumprimento das leis de direitos intelectuais, quando se veem pressionadas pela concorrência internacional. O apelo à ajuda do Estado também ocorre quando encontram dificuldades de penetrar em algum mercado estrangeiro, tal como fez a Apple em 1980 face à dificuldade de conquistar o mercado japonês.
Por sua vez, compras governamentais são um instrumento importante para apoiar as empresas nacionais, alavancando suas atividades no mercado doméstico. As escolas públicas americanas consistem em clientes fiéis aos produtos da Apple, comprando seus computadores desde a década de 1990. Em 1994, 58% dos computadores de escolas primárias e secundárias eram fornecidos pela Apple. Igualmente, essas escolas receberam bem a iniciativa da Apple de substituir livros em papel por e-books, o que deve reduzir seus custos com esse material, mas o que exige a compra de iPads.
Além disso, o governo americano também tem cedido à pressão das empresas por redução de impostos. Em 2008, a concessão de créditos tributários relacionados a gastos com pesquisa chegou a US$ 8,3 bilhões, segundo o Tesouro dos EUA. A esses valores, somam-se as isenções fiscais concedidas pelo estado da Califórnia, que favorecem especialmente as empresas dos setores de computação e de eletrônicos. Desde 1996, a Apple declara ter recebido US$ 412 milhões em créditos tributários vinculados a P&D.
Em resumo, para Mazzucato só é possível compreender a trajetória de sucesso de empresas americanas como a Apple levando em consideração a existência de um Estado que assuma um papel central no desenvolvimento de tecnologias envoltas em incerteza radical, faça os investimentos iniciais, de maior monta e, consequentemente, de maior risco e que garanta as condições necessárias para a sua sobrevivência até o ponto de poderem caminhar com suas próprias pernas.
A “Revolução Verde” da Indústria. A análise das raízes do sucesso da Apple exemplifica o engajamento passado do Estado empreendedor no desenvolvimento de tecnologias que possibilitaram o surgimento de produtos inovadores no presente. Já a evolução das tecnologias que ensejam a transformação da atual infraestrutura energética, no sentido de torná-la menos poluente, evidenciam os esforços presentes do Estado empreendedor. As assim chamadas clean energy technologies associam-se a outros fatores, como métodos avançados de gestão de resíduos, tecnologias para a reciclagem de materiais, melhores práticas agrícolas, medidas setoriais para aumentar a eficiência energética, infraestrutura para dessalinização da água etc, de forma a construir um sistema industrial ambientalmente sustentável, ou seja, promover a “revolução verde” da indústria (green industrial revolution).
Para isso é necessário políticas tanto de demanda como de oferta, influenciando a emergência de tecnologias limpas, empresas inovadoras na área e a transformação dos mercados de energia. Em geral, políticas de demanda compreendem regulamentações ambientais que impactam o padrão de consumo de energia (metas para redução da emissão de gás estufa, novos padrões para construção civil, metas para eficiência energética etc), enquanto políticas de oferta focam em como a energia é gerada e distribuída e influenciam a inovação tecnológica do setor energético e sua rápida adoção (subsídios, isenções fiscais e empréstimos que favoreçam tecnologias energéticas específicas, esquemas favoráveis de precificação de energias – feed-in tariffs, etc). Ambas são fundamentais por estabelecer uma finalidade às novas tecnologias e por apoiar seu surgimento.
Convencidos dos efeitos adversos das mudanças climáticas, os governos de muitos países têm buscado, de uma forma ou de outra, apoiar a green revolution compondo políticas de demanda e de oferta, especialmente após a crise econômica global de 2008. Mazzucato destaca, contudo, que as estratégias mostram-se bastante diferentes. Países como China e Alemanha têm adotado uma postura mais assertiva, cujas intervenções estatais seguem a linha de um Estado empreendedor. No outro extremo, está o Reino Unido, cujo orçamento público para programas de desenvolvimento de tecnologias limpas tem sido reduzido depois de 2010, que tem apostado excessivamente na capacidade de o setor privado liderar a revolução verde no país. Entre esses casos, encontram-se os EUA que, apesar de investimentos importantes na área, tem sofrido de “falta de visão”, segundo a análise de Mazzucato, ao deixar de estabelecer metas claras e de mostrar comprometimento de longo prazo em apoiar certas tecnologias-chave.
O pacote de estímulos econômicos adotado pelos EUA (American Recovery and Reinvestment Act), em 2009, dedicava 11,5% dos recursos a investimento em tecnologia limpa, menos do que a China (34,3%), França (21%) ou Coreia do Sul (80,5%), mas bastante superior do que o Reino Unido direcionou para a área (6,9% do seu pacote de estímulos). Em julho de 2010, o governo sul-coreano anunciou que seus investimentos em pesquisas relacionadas à sustentabilidade seriam dobrados até 2013, levando-os ao patamar de 2% do PIB (o que significa que entre 2009 e 2013 gastaria £ 59 bilhões nessas pesquisas). EUA, China e Europa, sobretudo Alemanha, são responsáveis pela maior parte dos investimentos em energia renovável.
China
Devido à repercussão contrária ao sucesso de sua nascente indústria de painéis solares nos EUA e na Europa, o governo chinês decidiu rever sua meta doméstica de desenvolvimento de energia solar para 20 gigawatts (GW) até 2015, um salto relevante diante da capacidade atual de apenas 3 GW. Caso consiga atingir a meta, é provável que a China se torne o segundo maior mercado de energia solar do mundo. Além disso, governos regionais têm praticado tarifas feed-in, fixando preços em termos mais favoráveis para a energia solar e eólica. Em relação à energia eólica, mas metas chinesas apontam para uma produção de 100 GW até 2015 e de 1.000 GW até 2050. A título de comparação, 1.000 GW equivalem à totalidade da capacidade das redes elétricas dos EUA ou da Europa. Essas metas, revistas sempre para cima, demonstram uma clara indicação ao setor privado de que as perspectivas para o futuro desses mercados serão positivas. Os incentivos chineses garantem aos desenvolvedores que os investimentos atuais no avanço tecnológico sejam recuperados em cerca de 7 anos, gerando retornos positivos ao longo das próximas décadas, o que estimula as empresas a continuar investindo em inovações.
O 12º Plano Quinquenal da China (2011-2015) incorporou formalmente, pela primeira vez, o objetivo de mitigação das mudanças climáticas, colocando-o no centro de sua estratégia de desenvolvimento econômico. O cumprimento das metas prevê investimentos de US$ 1,5 trilhão (5% do PIB) em diferentes setores associados à sustentabilidade: tecnologias que elevem a eficiência energética do país, biotecnologia, desenvolvimento de novos materiais, de combustíveis alternativos, de carros elétricos, nova geração de tecnologias de informação, etc. Entretanto, datam de muito antes os primeiros incentivos chineses para a redução da poluição e aumento de sua eficiência energética.
A estratégia chinesa baseia-se, então, na hipótese de complementaridade entre crescimento econômico e o surgimento de novas fontes energéticas mais sustentáveis. Como resultado, a China se mantém como um mercado importante para placas de aquecimento solar de água, energia eólica e, cada vez mais, para painéis solares – cuja participação na produção também é expressiva.
Reino Unido
A despeito das declarações, em 2010, do primeiro ministro britânico sobre o comprometimento do governo com a emersão da economia verde no Reino Unido, o que se verificou, desde então, foi a redução de suporte financeiro a setores e atividades ambientalmente sustentáveis. Entre 2010 e 2011, foram cortados £ 85 milhões do orçamento do Department of Energy and Climate Change, inclusive £ 34 milhões de programas de apoio a energias renováveis. Adicionalmente, o orçamento do Carbon Trust de 2011 foi reduzido em 40% e o corte chegou a 50% no caso do Energy Saving Trust. Quando combinados à relutância de garantir apoio de longo prazo ao desenvolvimento de tecnologias “verdes” – incluindo a incapacidade de garantir financiamentos a carros elétricos de mais de um ano e de rever a estrutura de tarifas feed-in – esses cortes sugerem que o Reino Unido não tem sido capaz de criar um ambiente propício para investimentos “verdes”.
Mazzucato sugere que mesmo a eficácia de medidas anteriores é questionável. A tentativa de acelerar a adoção de tecnologia de captura e armazenamento de gás carbônico (CCS – carbon capture and storage) pelas novas termoelétricas movidas a carvão, presente no orçamento de 2009, podem ter simplesmente incentivado a geração de energia por meio da queima de gás natural, sem impactos positivos sobre a tecnologia CCS.
O fato de que o setor privado só decide investir quando há sinais claros sobre retornos futuros significa que aqueles países, como o Reino Unido, que alteram sistematicamente a direção desses sinais desencorajam ou deixam escapar os investimentos privados. A ausência desses sinais no Reino Unido é indicada como a principal razão para o cancelamento de investimentos em energia eólica no país pela dinamarquesa Vestas e a americana General Electric (GE).
A principal iniciativa do Reino Unido tem sido, então, a criação de um banco de investimento para prover financiamentos seedcorn para o desenvolvimento de tecnologias limpas. Na interpretação de Mazzucato, isso demonstra o diagnóstico reinante no país de que as ações do setor privado são suficientes para pôr em marcha a “revolução verde”, cabendo ao Estado apenas um pequeno “empurrão”. Além de esse diagnóstico ser equivocado, uma vez que nenhuma outra revolução tecnológica tenha ocorrido sem uma intensiva participação estatal, a autora lembra que os volumes financeiros envolvidos são insuficientes.
EUA
Baseando-se em sua experiência histórica com o desenvolvimento de outras tecnologias, os EUA têm apresentado condições de integrar e estimular o envolvimento de universidades e empresas no desenvolvimento de tecnologias limpas a partir de seus investimentos estatais, especialmente por meio do Department of Energy e da DARPA – Energy, ou apenas DARPA-E. Segundo Mazzucato, os resultados obtidos, entretanto, mostram-se insatisfatórios, devido, sobretudo, ao recente excesso de confiança no papel a ser desempenhado pelos fundos de venture capital.
Os EUA foram um dos primeiros países a realizar investimentos no campo de energia eólica e solar nos anos 1980, sendo que as células solares de silício cristalino foram, inclusive, inventadas já nos anos 1950. Mas os EUA falharam, contudo, em apoiar os desenvolvimentos posteriores na área e foram ultrapassados pelos europeus e japoneses e, mais recentemente, pelos chineses. Um exemplo das dificuldades enfrentadas pelas energias renováveis nos EUA é dado pelo recorrente risco de extinção do crédito fiscal concedido à indústria de energia eólica, criado em 1992, o que provoca um comportamento fortemente cíclico do investimento no setor, pouco contribuindo, então, para sinalizar um comprometimento de longo prazo do Estado com seu desenvolvimento.
Em 2011, fundos de venture capital investiram US$ 7 bilhões no desenvolvimento de tecnologias limpas nos EUA, cerca de 78% do que investiram mundialmente no setor. Em 2012, o Jumpstart Our Business Act (JOBS Act) buscou favorecer os investimentos desses fundos por meio do relaxamento de exigências de transparência financeira para investimentos em pequenas empresas (aquelas com receita anual de menos de US$ 1 bilhão). Além disso, legalizou o crowd funding, implicando a possibilidade de fundos de venture capital atraírem um conjunto mais amplo de investidores (e indivíduos) ao abrirem o capital das empresas em que investiram. Essas medidas parecem, contudo, favorecer mais os fundos de venture capital do que as empresas financiadas, que são quem efetivamente promove o avanço tecnológico. Menos disclosure sobre os investimentos dos fundos pode simplesmente indicar menor capacidade de avaliação, pelo público, das reais condições financeiras das empresas em seu portfólio. A ampliação do universo de investidores passíveis de participação do IPO das empresas significa, por sua vez, maior flexibilidade de o venture capital se desfazer de seus investimentos; isto é, permite um encurtamento adicional do horizonte temporal do venture capital.
Como visto anteriormente, os investimentos dos fundos de venture capital têm características específicas: têm prazo relativamente curto (impatient capital)10, evitam setores intensivos em capital e as etapas iniciais de desenvolvimento tecnológico, quando existem fortes incertezas acerca dos retornos. Essas características vão na contramão do atual estágio de desenvolvimento e das especificidades das tecnologias limpas. À semelhança da biotecnologia, as tecnologias limpas também enfrentam desafios maiores do que os setores de tecnologia da informação na passagem dos resultados da P&D para a produção comercial. Por exemplo, o montante de capital exigido para se obterem economias de escala que viabilizem sua comercialização é bastante expressivo.
Por essas razões, os investimentos do venture capital têm sido atraídos para as tecnologias limpas como resultado do suporte estatal e tem se concentrado nas tecnologias mais estabelecidas, produto de décadas de investimento público. Como forma de tentar contrabalancear a timidez do venture capital, o governo americano tem canalizado recursos às tecnologias limpas especialmente por meio do Department of Energy (DoE) e pela Defense Advanced Research Projects Agency – Energy (DARPA-E).
Formado por várias agências públicas e 17 laboratórios, o DoE institucionalizou a inovação energética como uma busca permanente do governo americano em resposta às frequentes crises energéticas mundiais. Entre 1992 e 2012 foram direcionados US$ 3,4 bilhões e US$ 1,2 bilhão para P&D em energia solar e eólica, respectivamente. Por meio do American Recovery and Reinvestment Act (ARRA) de 2009, o orçamento do DoE para o desenvolvimento de tecnologias limpas atingiu a marca de US$ 13 bilhões. Ademais, também foram criados 46 novos Energy Frontier Research Centers, localizados em universidades, laboratórios nacionais, organizações sem fins lucrativos e empresas privadas. Essas iniciativas recentes demonstram uma intensificação do comprometimento estatal com a área.
A DARPA-E foi criada em 2007 pelo America Competes Act, sendo capitalizada dois anos depois pelo ARRA. Se objetivo é financiar ideias completamente inovadoras (out of the box ideas) associadas ao setor energético, o que não poderia ser feito pelo setor privado em função dos elevados riscos envolvidos, ainda que os desdobramentos em caso de sucesso possam ser vitais à economia do país. Seu funcionamento se dá à semelhança da DARPA, isto é, estabelece parcerias com diferentes agentes (universidades, setor público, setor privado, grandes e pequenas empresas), opera essas redes de forma descentralizada, incentivando pesquisadores a apresentar propostas de linhas de pesquisa sem nenhuma exigência prévia de sucesso. Por estar sob a bandeira da “segurança nacional” a DARPA-E não precisa atingir nenhuma “performance econômica”, tornando-a propensa a assumir riscos elevados.
A abordagem americana tem sido, então, muito mais de financiar “o quer que seja” do que de apontar a direção que deve ser seguida, na esperança de que mais cedo ou mais tarde uma tecnologia inovadora e economicamente viável emerja. Mazzucato conclui que, ao relegar ao mercado a função diretiva, a única certeza é que a transição da matriz energética será adiada até que o preço dos combustíveis fósseis atinja patamares tão elevados que comprometam o funcionamento da economia.
A Socialização dos Riscos e a Privatização dos Retornos da Inovação. Em finanças, é amplamente aceita a ideia de que maiores riscos vêm acompanhados de maiores retornos. Isso não é, contudo, verdade no caso da inovação. Como argumentado por Mazzucato, é o Estado quem enfrenta a incerteza radical própria das primeiras etapas do surgimento de uma nova tecnologia. Os riscos do processo de inovação são, então, amplamente socializados. Já o retorno é, na sua maior parte, capturado pelo setor privado, ao investir em etapas posteriores do processo de inovação, quando os riscos já são identificáveis e gerenciáveis.
Porque o processo de inovação tem caráter fortemente cumulativo, dependendo de quando um agente específico entra na cadeia de inovação, ele é capaz não apenas de se apropriar de retornos compatíveis com sua contribuição (isto é, a parcela de riscos que assumiu), mas de toda a área sob a curva cumulativa de inovação. Assim, à medida que o setor privado participa do processo de inovação em etapas mais próximas do lançamento no mercado de produtos finais ou de abertura de capital nos mercados financeiros (no caso do venture capital), ele é capaz de capturar retornos desproporcionais aos riscos por ele assumidos.
Poder-se-ia argumentar que os investimentos realizados pela coletividade seriam recuperados de forma indireta, seja por meio da elevação da receita fiscal do Estado, seja por meio da geração de emprego, ambas resultantes do maior dinamismo econômico propiciado pela inovação tecnológica. Na opinião de Mazzucato, esse argumento, entretanto, não se sustenta, especialmente diante da globalização.
Na realidade, os sistemas tributários são cheios de lacunas que possibilitam estratégias de elisão fiscal por parte das empresas e, mais grave do que isso, não refletem precisamente as fontes de ganhos (renda x ganho de capital, por exemplo), dificultando a capacidade de o Estado recuperar seus investimentos em inovação. O fato é que os sistemas tributários não foram concebidos para apoiar os sistemas de inovação, que são desproporcionalmente dirigidos por agentes que se dispõem a investir décadas antes de surgir no horizonte qualquer possibilidade de retorno.
Esse quadro é agravado pela maior liberdade dos fluxos de capitais que caracteriza a economia contemporânea. Assim, aquelas empresas que tenham se beneficiado dos investimentos estatais, realizados no passado para desenvolver uma nova tecnologia, podem muito bem transferir suas bases produtivas para outros países, evitando o pagamento de impostos. A Apple fornece, novamente, um caso exemplar: apesar de ter se beneficiado de investimentos e incentivos do governo federal dos EUA e do estado da Califórnia, a produção dos componentes de seus aparelhos acontece, sobretudo, no Japão, Coreia do Sul e Taiwan, e a montagem, na China. Do valor total que é criado por aparelho, a Apple recebe 58,5% como lucro e 2,4% representam lucros de outras empresas americanas. A parcela de valor total que é capturada por agentes estrangeiros é de 30%. As estimativas específicas para aparelhos iPad e iPod chegam a 53% e 49% de seus valores que são apropriados por outros mercados que não o americano.
Ademais, a Apple tem usado diferentes estratégias para evitar pagamento de impostos. Possui, por exemplo, uma subsidiária chamada Braeburn Capital em Reno, pois não existem, no estado de Nevada, cobrança de imposto de renda corporativo nem tributação sobre ganhos de capital. Dessa forma, evita os impostos estaduais da Califórnia. Desde 2006, a empresa obteve US$ 2,5 bilhões referentes a receitas de juros e dividendos, contabilizados em sua subsidiária de Nevada. Assim como toda grande corporação, a Apple também tem subsidiárias em diversos paraísos fiscais ou países que lhe permitem pagar menos impostos (Luxemburgo, Irlanda, Ilhas Virgens Britânicas, Holanda). Como o código tributário americano permite que empresas dos EUA registrem direitos de propriedade intelectual sobre produtos e serviços em filiais no exterior, o braço irlandês da Apple (bem como a subsidiária das Ilhas Virgens Britânicas) possui direitos sobre muitos produtos da empresa. Dessa maneira, a Apple americana deve enviar parte de sua receita à Irlanda como pagamento de royalties, reduzindo o montante de impostos pagos nos EUA. Assim, em 2011, apenas 30% dos lucros da empresa foram declarados nos EUA.
Como se não fosse suficiente, empresas como Apple, Google, Amazon e Microsoft têm exercido forte pressão sobre o poder legislativo americano para obter isenção fiscal sobre os lucros estrangeiros repatriados. Não existe, todavia, nenhuma garantia que esses recursos serão investidos no desenvolvimento de novas tecnologias ou em melhorias das tecnologias atuais, e não na simples distribuição de dividendos ou recompra de ações.
A expansão internacional dessas empresas não se justifica apenas como forma de evitar pagamento de impostos. Refere-se, na verdade, à reorganização global de suas cadeias produtivas na busca de vantagens, tais como o baixo custo de mão de obra. As relações trabalhistas atualmente vigentes (New Economy Business Model11) implicam disparidades salariais abissais. Calcula-se que os 9 principais executivos da Apple receberam (US$ 440,8 milhões), em 2011, o equivalente ao que receberam 95 mil trabalhadores da taiwanesa Foxconn, uma das principais responsáveis pela montagem de aparelhos da Apple.
A diferença salarial em relação a trabalhadores americanos foi um pouco melhor, mais ainda assim elevada: os mesmos 9 executivos receberam o mesmo que 17,6 mil funcionários das lojas de varejo da Apple.
Segundo relatório de 2012, encomendado pela Apple, a empresa foi responsável pela criação de 304 mil empregos ao longo de sua história, sendo 47 mil deles empregos diretos. Não identifica, entretanto, quantas dessas vagas foram criadas fora dos EUA. Somados aos 27 mil empregos das 246 Apple Stores, distribuídas em 44 estados americanos, o total de empregos diretos chega a 74 mil, perfazendo 514 mil postos direta e indiretamente criados. A parcela de empregos indiretos deve ser vista com cuidado, pois pode incluir empregos das mais diversas áreas e empresas, como FedEx, planos de assistência médica, etc.
A geração de empregos a resultar das ações do Estado empreendedor vaza, então, para o exterior, ao menos em parte. A relação trabalhista empregada pelas empresas que se beneficiaram dessas ações gera diferenças salariais expressivas e bloqueia o processo de distribuição dos benefícios obtidos com a inovação tecnológica, redundando em uma massa de recursos que é distribuída como dividendos a uma pequena parcela da sociedade que possui ações ou utilizada em planos de recompra de ações, que geram ganhos de capital para os acionistas12.
A inadequada relação risco-retorno apresenta dois efeitos deletérios. Em primeiro lugar, à medida que o Estado não é capaz de se apropriar dos retornos gerados por aquelas tecnologias que apoiou no passado e que obtiveram sucesso comercial no presente, torna-se cada vez mais difícil conseguir apoiar o desenvolvimento de novas tecnologias, especialmente diante do montante de investimentos irrecuperáveis (sunk costs) que caracterizam suas intervenções. Em segundo lugar, os retornos capturados pelo setor privado não são redistribuídos para o conjunto da sociedade devido ao estabelecimento de cadeias de produção globais, possíveis graças à mobilidade de capitais, às relações de trabalho, geradoras de fortes disparidades salariais, e às elevadas margens de lucro das empresas13. Resulta, assim, da socialização dos riscos e da privatização dos retornos das inovações uma maior desigualdade social. Ambas as consequências tem impactos negativos sobre o crescimento econômico.
Mazzucato argumenta que, com o intuito de preservar essa assimetria, os grupos sociais beneficiados colocam em funcionamento uma engrenagem ideológica, geralmente com raízes intelectuais nas ideias de eficiência da economia neoclássica, em especial na teoria do shareholder value. Dessa forma, justificam-se as desigualdades sociais em função das diferenças de qualificação profissional – uma vez que a economia baseada nas tecnologias da informação tendeu a beneficiar os mais qualificados – e restringe-se o papel do Estado, reduzindo, em tese, sua necessidade de obtenção de recursos (o que abre espaço para as pressões em favor à redução dos impostos).
O problema, para a autora, é que, ao se fazer isso, ignora-se o papel empreendedor do Estado. Convencido por essa ideologia de sua ineficiência, o Estado perde sua capacidade de visionar o futuro e pode relutar em pôr em prática políticas que acelerem o desenvolvimento de novas tecnologias, necessárias ao crescimento e desenvolvimento econômico. É por esse motivo que, ao recuperar o papel histórico do Estado no processo de inovação, Mazzucato busca não apenas contribuir para o avanço da teoria econômica a respeito da inovação, mas também constituir um instrumento de combate à ideologia dominante. Dessa forma, conscientes desse papel, os policymakers podem restaurar a integralidade das capacidades do Estado empreendedor.
Como, então, reduzir a distorção risco-retorno que caracteriza o processo de inovação? Mazzucato defende formas diretas de recuperação dos investimentos públicos e sugere três mecanismos:
1. Golden share sobre direitos de propriedade intelectual e criação de um “fundo nacional para inovação”.
Quando um avanço tecnológico financiado diretamente pelo setor público encontra aplicação comercial, o Estado deve poder, em troca, receber uma parte das receitas desse mercado sob a forma de royalties. Esses recursos, obtidos de diferentes setores econômicos que tenham se beneficiado dessa tecnologia, devem ser alocados em um fundo nacional de inovação, cuja função seria financiar futuras inovações.
A recuperação dos investimentos estatais não pode, contudo, bloquear a disseminação das novas tecnologias por todo o sistema econômico, nem desincentivar o setor privado a assumir sua parcela de riscos no processo de inovação. Ao contrário, sua função é fazer da política de gasto de recursos públicos um catalizador mais estável de inovações radicais, permitindo que parte dos retornos financeiros seja reciclada, voltando diretamente para o processo de inovação. Para que isso ocorra, em primeiro lugar, é necessário transparência em relação aos investimentos estatais, tornando mais fácil rastrear os recursos públicos dispendidos para apoiar a indústria, bem como mensurar a participação das empresas nas parcerias público-privadas firmadas ao longo do processo de inovação.
Em seguida, do ponto de vista da governança do conhecimento gerado pelo investimento público, é conveniente que o Estado retenha golden shares sobre as patentes registradas pelas empresas, de maneira a assegurar um comportamento cooperativo por parte delas, importante para a ampla disseminação da inovação tecnológica após um período inicial de proteção. As first-movers devem ser capazes de recuperar seus custos, mas não podem impedir outros agentes de se beneficiar das inovações. Essa estratégia tem o objetivo de proteger o direito das empresas inovadoras de extrair lucros schumpeterianos, mas impedir que eles se transformem em simples rent-seeking.
2. Empréstimos reembolsáveis em função do rendimento futuro (income-contingente loans) e participações acionárias
Outra forma de garantir um retorno compatível ao esforço estatal é fazer com que os empréstimos e subsídios concedidos pelo Estado às empresas venham acompanhados de amarras. Nesse sentido, um mecanismo seria a concessão de empréstimos reembolsáveis em função do rendimento futuro obtido pela empresa beneficiada, à semelhança de um empréstimo estudantil. Se e quando uma empresa, que tivesse recebido empréstimos os subsídios estatais, obtivesse lucros acima de determinado patamar, ela estaria obrigada a reembolsar uma parcela dos benefícios recebidos. Depois de auferir lucro de bilhões de dólares a partir de um algoritmo financiado por uma agência pública, Mazzucato se pergunta se não seria justo que a Google pagasse uma pequena porcentagem disso ao Estado.
Além desse tipo de empréstimo, existe ainda a possibilidade de o Estado reter uma participação acionária minoritária de empresas que tenham obtido sucesso a partir de uma inovação tecnológica financiada com recursos públicos. Enquanto isso é um tabu em países como EUA e Reino Unido, outros, como a Finlândia, não encontram nenhum problema em adotar essa estratégia. A agência pública SITRA detém participação na Nokia, resultado de seus investimentos das etapas iniciais de desenvolvimento da companhia.
3. Bancos de Desenvolvimento
Além de contrabalancear a tendência pró-cíclica do crédito privado, os bancos de desenvolvimento também consistem em um mecanismo mais direto de garantir a reapropriação do suporte estatal às inovações. Enquanto os bancos privados têm enfrentando fortes perdas com a crise global, o banco de desenvolvimento alemão KfW reportou lucro de US$ 3 bilhões em 2011. O BNDES, por sua vez, atingiu 21% de retorno sobre o patrimônio (ROE – return on equity). O BNDES representa, inclusive, um bom exemplo do uso dos bancos de desenvolvimento como forma de apoiar a inovação tecnológica, investindo tanto em tecnologias limpas como em biotecnologia. O foco do banco refere-se justamente ao estágio de maior mortalidade das empresas (valley of death), em que não existe interesse dos fundos de venture capital.
O papel dos bancos de desenvolvimento pode, ainda, ir além, como ilustra o caso do China Development Bank. O CDB não apenas compensou a ausência do financiamento privado, excessivamente risco-adverso, no suporte aos produtores de painéis solares e turbinas eólicas, como também criou oportunidades de mercado. O banco, por exemplo, dispendeu US$ 3 bilhões em financiamento de grandes projetos de geração de energia eólica na Argentina com uso de turbinas chinesas.
Notas
1 - Mais informações sobre as atividades acadêmicas e de consultoria à Comissão Europeia da autora encontram-se em < http://www.marianamazzucato.com >.
2 - Nesses modelos consideram-se retornos de escala crescentes, ao invés de se considerar retornos marginais constantes ou decrescentes dos fatores de produção tal como no modelo de Solow.
3 - Não se trata, aqui, de qualquer inovação tecnológica, mas de um tipo específico: inovações capazes de produzir general purpose technologies (GPT), isto é, de criar novos produtos ou processos que tenham impactos sobre um conjunto variado de setores, de maneira a produzir o crescimento da economia como um todo. A eletricidade e os computadores são exemplos de GPT.
4 - Vale lembrar que incerteza não se confunde com risco, como defendem Knight (1921) e Keynes (1937). Risco existe quando é possível estabelecer uma distribuição de probabilidades para um conjunto de ocorrências, enquanto no caso da incerteza é impossível saber quais as possíveis ocorrências devido à singularidade da situação.
5 - Empreendedorismo decorre da capacidade de o agente assumir riscos ou, no caso da inovação, enfrentar incertezas. É por essa razão que o Estado ganha o caráter empreendedor.
6 - Explica também o aumento da distorção da relação risco-retorno no processo de inovação, promovendo desigualdade social e baixo crescimento econômico, como será discutido mais a frente.
7 - Mazzucato argumenta que é pouco provável, por exemplo, que a Pfizer tenha trocado Sandwich, no Reino Unido, por Boston (EUA) em busca de isenções fiscais e regulamentação mais flexível. O que está em jogo são os US$ 30,9 bilhões gastos anualmente pela agência governamental National Institutes of Health para financiar as empresas farmacêuticas privadas na geração de conhecimentos.
8 - É importante considerar o novo ambiente de inovação que emergiu após o rompimento de um grupo de engenheiros e cientistas com o Shockley Semiconductor Laboratory, em 1957. Conhecidos como os “oito traidores”, formaram a Fairchild Semiconductor, uma nova empresa de alta tecnologia na área de semicondutores. Esse evento deu início à cultura de spinoff, que passou a caracterizar o Vale do Silício nos EUA. Spinoff é o termo que se usa para descrever a formação de empresas de tecnologia derivadas de grupos de pesquisa de outras empresas, universidades ou do setor público. Esse movimento só foi possível e só se tornou comum devido ao apoio estatal, por meio especialmente da DARPA e do SBIR, fazendo do Estado financiador e consumidor das tecnologias desenvolvidas por essas empresas.
9 - SIRI consiste em um programa de inteligência artificial compreendendo um sistema de aprendizagem, processamento de linguagem natural e um algoritmo de busca na internet. Foi desenvolvido pelo Stanford Research Institute (SRI) a pedido da DARPA, que o encarregou, em 2000, de desenvolver um tipo de assistente de escritório virtual para auxiliar os militares. Ao SRI foi dada, assim, a coordenação do projeto CALO (Cognitive Assistant that Learns and Organizes), que reunia 20 universidades em todo território nacional. Quando o iPhone foi lançado, em 2007, o SRI viu uma oportunidade para o CALO como aplicativo de smartphones, cuja tecnologia foi comercializada por meio de uma start-up nomeada SIRI. Em 2010, a Apple adquiriu a SIRI por um montante não divulgado pelas partes.
10 - Mazzucato aponta a “impaciência” dos fundos de venture capital como a principal razão de empresas americanas de painéis solares estarem perdendo espaço para seus concorrentes chineses.
11 - O New Economy Business Model, amplamente adotado pelas empresas de tecnologia da informação, representa pouco ou nenhum comprometimento do lado da empresa com a estabilidade do emprego, formação de habilidades e carreiras previsíveis e recompensadoras. Esse modelo contrasta com o Old Economy Business Model, característico do período fordista de industrialização, caracterizado por oportunidades estáveis de emprego em corporações hierarquizadas, salários generosos e mais igualitários, cobertura médica subsidiada, esquemas de pensão com benefícios preestabelecidos, etc..
12 - Em fevereiro de 2012, o presidente da Apple, Tim Cook, declarou haver mais recursos em caixa da Apple (US$ 98 bilhões) do que era necessário para sustentar suas operações. Na ausência de Steve Jobs, a solução do que fazer com esses recursos foi a distribuição de dividendos e um plano de recompra de ações, totalizando US$ 45 bilhões.
13 - A indústria farmacêutica ilustra bem isso. O medicamento Taxol, por exemplo, utilizado em tratamento de câncer, foi descoberto com o apoio dos National Institutes of Health (NIH), mas é vendido pela Bristol-Myers Squibb por US$ 20 mil por doses anuais, isto é, 20 vezes seu custo de produção. Apesar disso, a empresa paga apenas 0,5% disso em royalties. Em muitos outros exemplos, não é pago nenhum royalty ao setor público.