Carta IEDI
O Segredo do Investimento - Entrevista com Carlos Sanchez da EMS e Conselheiro do IEDI
Para o empresário e Conselheiro do IEDI Carlos Sanchez, presidente da EMS, o segredo do crescimento e do sucesso empresarial reside no investimento:
“Eu acho que um dos grandes segredos da gente, e que eu critico um pouco no empresariado brasileiro, é que tem que investir no negócio. Tem empresário que reclama, reclama, mas não investe. Vai investir, vai ter problema, vai ter um plano x, tem o dólar, tem multinacional, mas você vai ganhando produção, escala e muita gente vai saindo e você vai aproveitando os momentos bons. Aí vieram os genéricos. Por que eu fui o primeiro a lançar genérico? Porque eu tinha acabado de fazer uma grande fábrica. E genérico precisava ter 3 coisas: o DMF (Drug Master File), que é documentação da matéria-prima, precisava ter estudo de equivalência e precisava ter fábrica nova porque a fábrica tinha que ser validada. E as outras empresas, até maiores que a minha na época, não tinham fábricas prontas.
Então, como a gente tinha fábrica, eu peguei o bonde. Se não tivesse investido, não tinha ocorrido isso. Então eu acho que é muito por conta disso. E agora estamos investindo em tecnologia. Eu tenho 300 pesquisadores aqui e invisto 7% do meu faturamento em P&D. O meu laboratório tem 8.000 m2. São 3 laboratórios. Tenho 2 laboratórios em Hortolândia, um que é para inovação incremental e um prédio, nos fundos, que é para genéricos. São grupos diferentes. E outro em São Bernardo do Campo.”
O empresário comenta ainda que “tenho um (laboratório) em Milão, com 40 pesquisadores. Também tenho um fundo de investimento nos EUA. Nesse caso, eu estou financiando o pesquisador. Eu estou pegando a pesquisa na fase 2 e fase 3, financiando, para depois ter uma participação no produto. E estou fazendo isso para o mercado americano. Eu quero os EUA porque representam 40% do mercado mundial, só que para inovação representam 60%. Então, se eu tiver uma droga nova e estiver nos EUA, eu tenho 60% do mercado.”
Para o empresário a inovação é crucial e sugere que a agência reguladora do setor, a Anvisa, promova adaptação mais rápida às necessidades de crescimento e inovação do setor:
“No governo a política industrial envolveu o BNDES, o Ministério da Saúde, o Ministério do Desenvolvimento, só que se esqueceu da Agência. E quem manda é a Agência. O Ministério da Saúde compra, o BNDES financia, mas quem aprova o medicamento é a Agência. Então, sem a Anvisa, não existe política.
Todo esse avanço visto ao longo dos anos, a gente está tentando fazer com que aconteça na Anvisa. Mas está difícil. Um passo para frente, dois para trás. Dois passos para frente, um para trás. Hoje continua demorando dois anos para estudar análise clínica. O recurso à Comissão Científica da Anvisa é opcional, quer dizer, o técnico pode chamar. A Comissão não está obrigada a analisar os pedidos de estudo. Quer dizer, não são médicos que analisam. A própria indústria, era uma indústria farmacêutica que não tinha médico, pois a exigência era outra. É somente quando se começa a fazer pesquisa, inovação, que se recorre ao médico. Antes se recorria ao farmacêutico. A Anvisa ainda é hoje como um corpo de classe, é uma Agência meio que dos farmacêuticos. Mas não é mais o farmacêutico o profissional central. Sua fase já ficou para trás. A qualidade do produto hoje já está dada. Não se discute mais isso. Discute-se, agora, o outro passo.”
IEDI: Antes de tudo, gostaríamos que você falasse um pouco da história da sua empresa, sua origem e como foi sua evolução?
Carlos Sanchez: Quem começou a empresa foi meu pai, um farmacêutico que começou trabalhando em uma farmácia no interior de São Paulo. Aos 16 anos ele mudou para São Paulo, aos 18 anos ele já tinha uma farmácia própria, que naquela época era farmácia de manipulação, então ele aprendeu a fazer remédio fazendo na farmácia. Em 1964, ele fundou a EMS, que significa Emiliano Manuel Sanchez, que é o nome dele e do meu avô. Começamos lá em Santo André, depois fomos para São Bernardo e aí a empresa foi crescendo. Mas, infelizmente, meu pai morreu cedo, com 59 anos de idade. Isso foi há 25 anos. Eu herdei a empresa com 26 anos.
Eu fiz Economia, tinha acabado de me formar na USP e vim trabalhar. Eu acho que um dos grandes segredos da gente, e que eu critico um pouco no empresariado brasileiro, é que tem que investir no negócio. Tem empresário que reclama, reclama, mas não investe. Vai investir, vai ter problema, vai ter um plano x, tem o dólar, tem multinacional, mas você vai ganhando produção, escala e muita gente vai saindo e você vai aproveitando os momentos bons.
Aí vieram os genéricos. Por que eu fui o primeiro a lançar genérico? Porque eu tinha acabado de fazer uma grande fábrica. E genérico precisava ter 3 coisas: o DMF [Drug Master File], que é documentação da matéria-prima, precisava ter estudo de equivalência e precisava ter fábrica nova porque a fábrica tinha que ser validada. E as outras empresas, até maiores que a minha na época, não tinham fábricas prontas.
Então, como a gente tinha fábrica, eu peguei o bonde. Se não tivesse investido, não tinha ocorrido isso. Então eu acho que é muito por conta disso. E agora estamos investindo em tecnologia. Eu tenho 300 pesquisadores aqui e invisto 7% do meu faturamento em P&D. O meu laboratório tem 8.000 m2. São 3 laboratórios. Tenho 2 laboratórios em Hortolândia, um que é para inovação incremental e um prédio, nos fundos, que é para genéricos. São grupos diferentes. E outro em São Bernardo do Campo. Além disso, também tenho um em Milão, com 40 pesquisadores. Também tenho um fundo de investimento, que não é bem um fundo, porque no final eu não vou vender a droga, não vou me desfazer, vou ficar com ela e o pesquisador vai ser meu sócio. Nesse caso, não estou comprando o pesquisador, eu o estou financiando. Eu estou pegando a pesquisa na fase 2 e fase 3, financiando, para depois ter uma participação no produto. E estou fazendo isso para o mercado americano. A América Latina não me interessa. Ele pode licenciar para quem ele quiser. Eu quero os EUA porque representam 40% do mercado mundial, só que para inovação representam 60%. Então, se eu tiver uma droga nova e estiver nos EUA, eu tenho 60% do mercado.
IEDI: O setor farmacêutico passou, depois da lei de genéricos em 1999, por um processo de forte expansão que vem sendo de um aumento da concentração do mercado. Como o senhor avalia o processo de reorganização das empresas do setor frente a esse novo ambiente regulatório? Ademais, sobre esse ambiente vem atuando uma política industrial para o setor, desenhada pelo governo federal e implementada, em grande medida pelo BNDES. Essas políticas estão na direção certa? Afetou realmente as decisões de investimento?
Carlos Sanchez: São duas coisas. Em primeiro lugar, existe um movimento mundial do setor. Em segundo lugar, com a lei de genéricos, houve um movimento particular do Brasil. O genérico já existia nos EUA, já existia na Europa, em países maduros. O genérico chegou atrasado no Brasil. O estabelecimento do genérico veio causar um fenômeno no Brasil que já tinha acontecido lá fora. O Brasil, até 1996, não respeitava lei de patente. Foi o governo Fernando Henrique Cardoso que fez o país respeitar as patentes. O outro lado da moeda da patente é o genérico. Quando ela expira, outras empresas podem lançar o genérico, um medicamento intercambiável, cientificamente comprovado. Isso significa que o médico pode prescrever uma droga com marca e o consumidor levar outra, o genérico, em que o efeito é o mesmo. Com isso, aumenta-se o acesso a medicamentos com um preço mais barato.
Até então, no Brasil, as multinacionais se defendiam com os brands, com os nomes antigos das drogas e com a má reputação das outras drogas que não eram aquelas prescritas pelos médicos. Em relação ao genérico, há provas técnicas de que a qualidade é igual; com isso teve uma revolução na Anvisa. A Anvisa é, hoje, uma agencia de ponta, ela colocou a qualidade da indústria farmacêutica no padrão internacional, comparável à qualidade obtida na Europa e nos EUA. Tanto é que nossos medicamentos foram aprovados pela EMA (European Medicines Agency). É muito mais fácil ser aprovado pela EMA do que pela Anvisa. Não é brincadeira não, é verdade. Então, hoje, nós da EMS exportamos para a Europa. Essa evolução dos genéricos no Brasil fez com que os medicamentos de marca, ou seja, as multinacionais perdessem um pouco do seu market share para os genéricos. As empresas nacionais foram ágeis em lançar os genéricos, conseguindo subtrair market share das multinacionais.
IEDI: E houve reação das empresas multinacionais?
Carlos Sanchez: Aliado a isso que vínhamos discutindo, veio uma segunda questão, um fenômeno mundial, que é o seguinte: as multinacionais entraram em uma crise de vacas magras, poucas drogas novas apareceram e, assim, poucas patentes novas são registradas. Então as multinacionais começaram a perder seus medicamentos mais importantes para os genéricos e não conseguiram repor essa perda com novas drogas. Isso ocorre, em grande medida, porque a base tecnológica da indústria farmacêutica está numa fase de transição, ela está mudando da síntese química para produtos biológicos. Hoje se você considerar as grandes multinacionais, o mercado mundial, muito do seu faturamento vem das drogas biológicas; o que, no Brasil, é uma venda para o governo porque são produtos de altíssimo custo, com tratamentos da ordem de R$ 100 mil, às vezes de R$ 1 milhão ou até mais. E é o governo quem paga. Lá fora, quem paga é o plano de saúde, ou o custo é dividido entre plano de saúde e o governo. Com isso, algumas empresas, por exemplo, a Roche, deram um salto. Ela simplesmente abandonou as drogas de síntese química e direcionou suas operações apenas para o mercado de drogas biológicas. Existe um mercado que não é captado pelas estatísticas da IMS Health, que estabelece o ranking dos laboratórios, que é a venda para o governo desses medicamentos biológicos de alto custo.
IEDI: E como fica a questão do genérico com esses medicamentos biológicos?
Carlos Sanchez: No segmento dos biológicos, existe uma grande guerra no mundo para se ter o “genérico do biológico”; que não vai ser um genérico, mas sim um biossimilar. Isso porque o biológico é uma droga que vem de células vivas e você não consegue produzir outro exatamente igual, mas consegue fazer com que tenha o mesmo efeito. Não vai ser biogenérico, vai ser biossimilar. E em alguns países isso está avançando, em outros ainda não. Por exemplo, a Europa já tem um biossimilar e o primeiro registro aconteceu no ano passado. Tem uma grande guerra no Brasil para que a gente consiga avançar. Muitos dos biológicos já perderam a patente também. Então tem biológicos sem patente, mas que não tem a regra para entrar no mercado. O governo brasileiro começou a criar uma certa regra e o mercado brasileiro começou a se movimentar para que se criem as empresas de biossimilares e para que se possa fazer o registro e produzir. Só que isso é um processo demorado, levando de 3 a 5 anos para fazer uma droga e para conseguir cumprir todo o processo burocrático. Nós estamos nesse trajeto, incorporando uma outra tecnologia, muito mais complexa e estamos aprendendo com isso. Começaram a surgir grupos para fazer esses medicamentos, só que com uma diferença: enquanto com o genérico você tem um mercado privado grande que são as farmácias, os biológicos só tem um cliente que é o governo. Então esse jogo tem que estar combinado com o governo porque senão você tem o produto e não tem o consumidor.
Em suma, houve um boom da indústria nacional com o advento do genérico, de síntese química, mas que virou um mercado normal. Esse mercado está aumentando agora porque a população aumentou a renda e está ficando mais idosa. Vive mais, toma mais remédio. O nosso consumidor alvo são os mais velhos, porque para eles terem uma melhor qualidade de vida precisam tomar medicamentos. Assim, o mercado naturalmente está se expandindo. Esse é o lado bom. O lado ruim é que poucas patentes estão expirando e não tem como repor, tanto nós quanto as multinacionais. Outro lado é o dos produtos de alto custo que já formam um mercado grande de governo; mas que não sei até onde o governo vai aguentar pagar. Se não houver o biossimilar, ele não vai conseguir fechar a conta no futuro, pois só virá remédio de alto custo.
IEDI: O desenvolvimento do setor farmacêutico tem sido preocupação da política industrial do governo federal desde a PITCE, em 2004. O foco da política, contudo, passou da reestruturação/modernização do setor para a inovação. Como o senhor avalia a política industrial para o setor?
Carlos Sanchez: Em um primeiro momento, o objetivo da política era consolidar o genérico. Para isso, o BNDES fez o Profarma I. Fazer genérico no Brasil, no início da década, era algo novo por exigir bioequivalência. Para você ter uma ideia, o primeiro a fazer no Brasil fui eu. Fiz três bioequivalências, três teses de doutorado: uma na USP, uma na Federal do Rio Grande do Sul, e outra em Santa Maria. Hoje, é o técnico quem faz; algo corriqueiro. Antes da Lei do Genérico, você fabricava remédio e não sabia como ele funcionava; você não o enxergava no organismo humano. Então, começou-se a fazer teste de bioequivalência. Você pega o seu medicamento e pega o medicamento de referência e faz testes com pessoas. Algumas tomam seu remédio e outras, o de referência. Então você compara, por meio de exames de sangue, como ambos agem no organismo humano para você fazer igual ao medicamento de referência. Depois que você aprendeu a fazer igual, que é o genérico, você diz “se eu posso fazer igual, posso fazer diferente”.
O Brasil está entrando em outra fase, hoje, que são inovações incrementais. Inovação incremental não é mais bioequivalência, é estudo clínico. Então, eu estou falando de princípios ativos antigos, com patentes já vencidas; mas você deve fazer com que ele funcione no organismo por mais tempo e com menos efeito colateral, deve aumentar sua eficiência. Por exemplo, existe o Zopidem, principio ativo do qual é feito o Stilnox, medicamento de referência, um remédio para dormir, cuja dosagem (máxima) é 10 mg, que leva meia hora para fazer efeito. Nós da EMS desenvolvemos um medicamento sublingual cuja dosagem é 5 mg, metade da dose do referência, e faz efeito em 7 minutos. Então, você tem metade do efeito colateral, o mesmo resultado final e mais rápido. E se o paciente tiver sono leve e acordar durante a noite, depois de 4 horas de sono, como já tomou 5 mg, pode tomar os outros 5 mg. E quando se dorme em 7 minutos, estende-se o sono, com o Stilnox você não consegue fazer isso. Então, é o exemplo de um novo medicamento. Para obtê-lo é preciso fazer estudo clínico e nós fizemos com o Instituto do Sono, comprovando que funciona.
IEDI: Nessa nova fase, as políticas do governo ainda não estão bem calibradas, não estão claras e não estão propiciando que a indústria farmacêutica dê um novo salto. Por que?
Carlos Sanchez: Em primeiro lugar, o preço do medicamento é controlado, temos a CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos). Quando há uma droga antiga, como o Stilnex, que tem 10 mg, e você chega com outra, como a minha, que tem 5 mg, a CMED fala: a de 5 é a metade do preço da de 10. E não é! Só em estudos clínicos, eu gastei US$ 3 milhões. Certo? Aí tem que começar a explicar que focinho de porco não é tomada...
Depois, a Anvisa está preparada para pegar o referência que vem da Europa e dos EUA e registrar. Todo o risco da análise ficou lá. Vou te dar um exemplo. Lembra do silicone francês que deu problema? Então, deu problema, mas era francês; não era brasileiro. Então, o cara fala, deu problema aqui, mas deu lá também. Digamos que o silicone não fosse francês, fosse brasileiro. Aí iriam falar que a Anvisa não sabe analisar, não tem os requisitos necessários. É preciso, então essa mudança cultural. Então, você vai fazer um pedido de estudo clínico, o laboratório desenha o protocolo de como é que eu vou fazer esse estudo. Em seguida, você vai à Anvisa. Na FDA (U. S. Food and Drug Administration) demora 28 dias para aprovar um estudo clínico; no Brasil, a Anvisa leva 2 anos.
IEDI: Existe, então, um problema na Anvisa?
Carlos Sanchez: A Anvisa tem dois lados, o sanitário e a inovação. O lado sanitário é o seguinte. Quando foi criada a Anvisa no final dos anos 1990, o Brasil tinha um problema de falsificação de medicamento, de qualidade, etc. Então, foi criada a Agência com uma função sanitária, que instituiu o genérico. E ela fez muito bem esse papel. Só que uma Agência como a Anvisa tem, como foi dito, dois papéis: o risco sanitário e a inovação. No Brasil, naquela época, não se fazia inovação, porque a indústria farmacêutica não estava pronta. Hoje você está pronta e a Agência não está! Por exemplo, o Ministro desde o ano passado (em agosto de 2013) criou uma Comissão Científica para a Anvisa. Os técnicos da Anvisa são concursados, têm formação diversa. Quando você vai mostrar um estudo clínico para ela, tem que ser um médico que analisa, não pode ser um farmacêutico, um técnico. Tem que ser médico. E ele tem que assumir risco porque inovação é risco. O técnico concursado não vai assumir risco nunca. Então, ficamos numa situação que, para o momento atual, precisa-se melhorar na parte institucional e na parte de preços. Financiamento para a indústria? Tem. Financiamento para pesquisa e desenvolvimento? Tem.
IEDI: Qual a importância desta “mudança de cultura” da Anvisa?
Carlos Sanchez: São três estágios de inovação: o genérico, a inovação incremental e a inovação radical. Inovação radical ainda não estamos prontos para fazer. Mesmo porque, nós temos que aprender com a incremental para chegar à radical. Nós e a Anvisa. Então, para eu fazer uma inovação radical, é mais fácil eu fazer lá com a FDA – que é isso que a EMS está fazendo mais lá nos EUA – do que aqui. Porque tem um problema. Inovação é patente, patente tem prazo. Existe um relógio contra você. Não pode demorar dois anos para fazer um estudo clínico quando existe patente, porque são perdidos dois anos.
Então, voltando à sua pergunta, o que aconteceu com a política do governo... No governo a política industrial envolveu o BNDES, o Ministério da Saúde, o Ministério do Desenvolvimento, só que se esqueceu da Agência. E quem manda é a Agência. O Ministério da Saúde compra, o BNDES financia, mas quem aprova o medicamento é a Agência. Então, sem a Anvisa, não existe política.
Todo esse avanço visto ao longo dos anos, a gente está tentando fazer com que aconteça na Anvisa. Mas está difícil. Um passo para frente, dois para trás. Dois passos para frente, um para trás. Hoje continua demorando dois anos para estudar análise clínica. O recurso à Comissão Científica da Anvisa é opcional, quer dizer, o técnico pode chamar. A Comissão não está obrigada a analisar os pedidos de estudo. Quer dizer, não são médicos que analisam. A própria indústria, era uma indústria farmacêutica que não tinha médico, pois a exigência era outra. É somente quando se começa a fazer pesquisa, inovação, que se recorre ao médico. Antes se recorria ao farmacêutico. A Anvisa ainda é hoje como um corpo de classe, é uma Agência meio que dos farmacêuticos. Mas não é mais o farmacêutico o profissional central. Sua fase já ficou para trás. A qualidade do produto hoje já está dada. Não se discute mais isso. Discute-se, agora, o outro passo.
IEDI: Você tem 300 funcionários de alto nível em P&D, você tem 7% do seu faturamento em gasto com P&D, 8.000 m2 de laboratório. O que disso depende de programas de incentivo do governo?
Carlos Sanchez: É importante. Nós temos a maior verba da Finep. Nós temos quase R$ 500 milhões de financiamento da Finep. O último projeto agora tem R$ 300 milhões aprovados, já liberaram para mim R$ 150 milhões e ainda tem 150 milhões a mais pela frente. E já tive um financiamento anterior de R$ 180 milhões. Eu tenho incentivo do BNDES. O dinheiro do governo para incentivo é importante. Só falta combinar com a Anvisa. O resto tem. Tem dinheiro, tem Ministério da Ciência e Tecnologia querendo desenvolver, mas não tem a Anvisa. Eu tenho dinheiro, mas não tenho aprovação do protocolo clínico para gastar o dinheiro. Então no nosso caso, não falta a presença do governo.
O que falta na Anvisa é fazer inovação, que não faz. Não é nem eficiência, é que não tem técnico preparado para isso. Como é que aprova um produto novo aqui? Como que você vai aprovar um produto para o coração? Vai ter que pegar os 3 ou 4 principais cardiologistas do Brasil e mandar eles assinarem embaixo. Um técnico que acabou de entrar na Anvisa, você acha que ele vai assinar embaixo? Não vai.
Esse é o mercado, por isso que no nosso setor o Ministro da Saúde é importante, a Anvisa é importante. Nos EUA, o Complexo Industrial da Saúde que não é só a indústria farmacêutica, corresponde a 30% do PIB, no Brasil a 8%. No Brasil, o próprio empresário não enxerga a saúde como um complexo.
IEDI: Como é a interação do setor com o governo nessas questões? São boas?
Carlos Sanchez: Com o Temporão a saúde começou a mudar, porque antes saúde era acesso. Do Temporão para cá, além de ser acesso é também complexo industrial da saúde. Então ele começou a ter a visão de complexo. Qual a maior verba do Brasil? É a do Ministério da Saúde. Nos EUA, depois do orçamento do Departamento Militar vem o da Saúde, indústria da defesa e indústria da saúde. Para muitos setores industriais o apoio está no Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC);no nosso caso, no Ministério da Saúde.
IEDI: Voltando aos genéricos, o senhor fala que lá fora a concorrência está muito forte e a tendência nos últimos anos é de queda do faturamento, a P&D do setor não tem a mesma produtividade, os custos de uma nova droga são, então, muito maiores. Como avalia o impacto desse ambiente externo sobre o mercado farmacêutico doméstico?
Carlos Sanchez: O Brasil tomou a decisão certa de estabelecer o genérico a partir do medicamento de referência brasileiro. Por isso, o genérico que se produz lá fora não vale para o Brasil; mesmo porque, há um problema que envolve o comércio exterior de remédios que é a zona climática. Nós estamos na zona climática 4 e Europa e EUA, na zona climática 2. O remédio que é feito lá, não vale aqui porque o Brasil tem umidade alta e temperatura alta. O desenvolvimento que ele tem lá não vale para cá. A tecnologia vale, como chegar lá vale, mas isso a gente já tem também. Eles teriam que “redesenvolver” aquele produto para cá. Então, como ele tem que desenvolver e eu tenho que desenvolver, a gente briga na mesma condição. Para a multinacional de genéricos entrar no Brasil só através de aquisição, para obter um market share relevante. Por isso, a Sanofi comprou a Medley, uma parte da Teuto foi vendida para Pfiser, a Sandoz comprou a Hexal, que tinha comprado outro laboratório no Brasil e assim vai. A Teva, que é internacional, não comprou ninguém, então não tem presença forte no Brasil. Você precisa de fusão e aquisição no Brasil para ter um market share relevante aqui. A Hypermarcas comprou um monte de gente para conseguir entrar no mercado de genérico, mesmo assim ela ainda é a 5ª no mercado. Primeiro sou eu (SEM), a segunda é a Medley, a terceira é a Eurofarma, a quarta é a Aché, a quinta é a Hypermarcas. O 5º e o 4º lugar agora estão brigando.
IEDI: Sobre a margem do setor, como se distribui? Pelos dados observados, nota-se o início de um movimento de concentração no varejo e no atacado. Você tem notado essa concentração?
Carlos Sanchez: A questão da margem tem 2 problemas. O primeiro é que medicamento tem preço controlado. E o nosso controle de preço leva em conta um tal de “deflator”. Não é um deflator, é um índice de produtividade. A produtividade no Brasil que funciona é a de remédio, que é de 5% ao ano... Por decreto! Então, se a inflação é 7%, o aumento do preço do medicamento a ser concedido será 2%, porque se considera que 5% foi ganho de produtividade. E faz uns 10 anos que a nossa produtividade é de 5% ao ano! Com o dólar caindo, a gente conseguia absorver esse impacto, mas daqui para frente acho que vai ser complicado. O segundo problema é a concentração nos canais de vendas e, nesse caso, a questão é a seguinte: se você tem patente, você não tem pressão do canal de vendas. Se você não tem patente, isto é, opera no segmento de genérico, você sofre a pressão do canal. E, hoje, a pressão é importante porque há 3 ou 4 grandes players no varejo. A Raia, Drogasil, Pacheco/Drogaria São Paulo, Pague Menos e mais duas ou três redes representam 60% do mercado de genérico. Não é como nos EUA, onde 3 redes representam 80% do mercado, mas aqui 5 já controlam 60% e já se começa a sentir a pressão.
IEDI: A pressão vem, então, mais do varejo e não tanto do atacado...
Carlos Sanchez: O atacado sempre foi concentrado no Brasil, mas o atacado não tem poder de preço porque ele distribui para todo mundo. Quem escolhe é o varejo e o varejo para escolher nos aperta a margem. Eles usam os genéricos para brigar entre eles dando um desconto maior ao consumidor; isso porque o remédio é o mesmo, o que vai variar é o preço. A rede de farmácia faz promoção de genérico para ganhar market share e aperta a cadeia para trás. Assim, quem vende mais é quem vende mais barato.
IEDI: Eu posso pensar o seguinte, que a idéia do genérico é construir um produto homogêneo, em que a concorrência se dá só via preço?
Carlos Sanchez: É mais ou menos isso, porque não é só preço. Você tem preço, tem tamanho do portfólio, pois há empresas com 20 genéricos e outras com 500 genéricos e isso faz toda a diferença. E há o fato de ser o primeiro a lançar o genérico, o que também é muito importante. Tecnicamente é muito difícil ser o primeiro porque existem várias patentes diferentes. Você tem patente do processo da matéria prima, a patente de formulação e às vezes tem patente de indicação da associação. No Brasil isso não é aceito, mas tem briga judicial. Você ganha, mas demora. E nós somos fortes em ser o primeiro a lançar, porque a gente consegue secundar a patente mais rapidamente do que as outras empresas.
IEDI: A despeito do importante crescimento das vendas de varejo das farmácias durante os últimos anos, pelo menos ano passado houve uma queda muito grande da produção física da indústria farmacêutica. Como avalia esse movimento recente?
Carlos Sanchez: As multinacionais, com duas exceções, desativaram a produção no Brasil. Multinacionais não produzem mais no Brasil. As únicas que ainda produzem no país são a Sanofi e a Novartis. A Novartis está vendendo a fábrica dela para uma empresa nacional, que não sou eu. Está vendendo e, assim, vai desativar sua produção no Brasil também. E só vai ficar a Sanofi, todas as outras já desativaram. A Roche, Merkel, Pfizer não fabricam no Brasil. Por isso que a nossa conta de importação foi lá para cima, porque o produto importado tem alíquota de 0 ou 3%. Além disso, eles produzem em paraísos fiscais como Porto Rico, Malta ou Irlanda, e mandam para o Brasil. Fizeram produção globalizada com 3 ou 4 plantas no mundo abastecendo e o Brasil perdeu esse bonde, perdeu a fábrica. E dos produtos de alta complexidade nenhum é fabricado no Brasil. Todos esses produtos novos, para o tratamento de câncer e outras doenças, estão vindo de fora.
IEDI: Essa base da nossa indústria criada pelos genéricos vai permitir que um dia nós iremos atuar no mercado internacional e depois migrar para outros segmentos do mercado de medicamentos?
Carlos Sanchez: Bom, aí cada empresa tem a sua política. Algumas empresas estão tentando se internacionalizar comprando empresas menores de genéricos. Eu já tentei esse modelo no passado e desisti. Não acredito muito. Porque no segmento de genéricos, pelas razões que já comentamos, para ser competitivo no mercado você tem que ser o 1º, 2º ou 3º do mercado, se for o 4º já está fora. E para você ser um dos primeiros, tem que fazer aquisições. Mas o mercado já está definido, a liderança é da Teva e da Novartis, e os demais ficam brigando pela terceira posição. Veja os indianos, de quem muito se falou... Não fizeram nada. A existência dos grandes players globais bloqueou o avanço deles. É preciso ter US$ 10 ou US$ 15 bilhões de dólares para aquisições, se não, não dá. Essa é uma política que o BNDES queria fazer no começo, financiar a fusão de empresas para criar escala suficiente para uma atuação internacional, ou seja, para fazer o que fez com o Friboi. Eu não acredito muito nesse modelo, porque exige uma alavancagem elevada das empresas. Mas existem empresas que estão tentando fazer isso. Eu acho que para crescer tem que ser através da inovação. Se você tiver uma droga nova, você tem uma indústria farmacêutica. Se você conseguir obter a cura da Aids, por exemplo, você já é maior que todo mundo. Tem uma empresa agora que lançou um produto que cura a Hepatite B. Ela comprou a inovação de alguém na fase 2 (desenvolvimento do medicamento), por US$ 12,5 bilhões, e desenvolveu a fase 3 (aprovação); submeteu, aprovou e lançou o medicamento em dezembro de 2013, nos EUA. Agora vale uns US$ 80 bilhões ou mais. Ainda não chegou aqui, mas vai ser um produto de alto custo. O tratamento custará de US$ 80 mil a US$ 120 mil. A patente cobre uns 20 anos, mas o que vale mesmo é um período de 8 a 12 anos. Isso porque esses 20 anos começam a contar do dia que você patenteou, mas depois tem o desenvolvimento, registro, etc. Então você tem uns 12 anos de efetividade da patente, mas esse é um produto que vai vender por volta de US$ 6 bilhões por ano. Em 12 anos, rende US$ 72 bilhões. É um produto que vai dar 60% de lucro tranquilo, se não der mais.
IEDI: Ou seja, a inovação é o “x” da questão. E a empresa brasileira tem chance?
Carlos Sanchez: Eu acho que a brasileira tem chance se a Anvisa acordar. Tecnicamente tem chance. Hoje a indústria farmacêutica reúne as condições, pois ela tem tamanho, tem conhecimento e vontade para isso, mas falta um marco regulatório para desenvolver no Brasil. Eu, por exemplo, criei um fundo para investir em desenvolvimento nos EUA. Coloquei US$ 300 milhões em investimentos na fase 1 e na fase 2. Fiz um comitê científico com um prêmio Nobel que desenvolveu esse produto, com o ex-presidente do NIH (National Intitute of Health), etc. O NIH é um órgão do governo para investir em inovação nos EUA, que conta com US$ 60 bilhões por ano para investir na área de saúde. Hoje, inovação de ponta é nos EUA. As europeias também estão em Boston ou na Califórnia.
IEDI: E a indiana, tem chance nesse processo?
Carlos Sanchez: De inovação radical? Eu acho que um pouquinho mais que a brasileira hoje. Por um lado, acho que ela tem algumas barreiras que a brasileira não tem. Mas pelo lado de políticas eles estão bem na nossa frente. A chinesa tem chance. A coreana já é uma realidade. A Samsung, por exemplo, quer faturar US$ 60 bilhões em produtos farmacêuticos nos próximos anos. A próxima plataforma dela é no segmento biológico
IEDI: Parece, então, que o ambiente institucional é fundamental para o desenvolvimento e comercialização de medicamentos.
Carlos Sanchez: Se você pegar a indústria americana você vai ver que foi isso que aconteceu. Como que ela começou? Ela era pequenininha como a brasileira. Quando chegou a 2ª Guerra Mundial eles inventaram a penicilina. Então o que foi a indústria farmacêutica? Foi uma indústria militar. O governo comprou penicilina de todo mundo. Assim, 50 indústrias surgiram fabricando penicilina nos EUA. Só que naquela época não tinha as barreiras de entrada para desenvolvimento de drogas, então a empresa fazia uma droga nova, aplicava nas pessoas e lançava no mercado.
Com o advento da talidomida, que teve como efeito colateral o nascimento de bebês com malformações, é que houve a regulação. Quando chegou a regulação nos EUA as indústrias já estavam grandes, eles conseguiram fazer uma regulação para a indústria deles. Hoje, a descoberta de um produto no setor deve vir acompanhada de inúmeros testes para provar que ele não causa problemas em outras áreas. Isso tira do jogo muitas empresas. Para essa regulação, que é necessária, a Anvisa não está pronta. Primeiro que ela não sabe fazer e segundo porque ela tem medo de fazer. Se der problema, alguém tem que se responsabilizar. É o que aconteceu, por exemplo, com o Viox, que depois de 5 anos descobriram que dava problema de pressão e risco de infarto. Aí retiraram o Viox de circulação. Então, tem que haver uma agência com essa bagagem. A Anvisa precisa mudar e ter coragem.
IEDI: Então precisa ter uma mudança institucional relevante para que esse setor possa pensar em ter uma fase mais avançada em inovação.
Carlos Sanchez: Então, qual é o gargalo do Brasil hoje em dia? É esse. Não é dinheiro porque tem dinheiro no BNDES que você não consegue sacar porque não consegue fazer o produto. Por exemplo, eu tenho um projeto aprovado pela Finep e pelo BNDES de R$ 10 milhões para usar a fundo perdido, mas eu não consigo sacar porque não consigo aprovar o estudo clínico na Anvisa.
IEDI: Nos últimos 5 ou 6 anos percebe-se uma certa desconcentração das unidades locais para os outros Estados. Gostaria de saber se São Paulo ainda é o centro propulsor ou tem que ir para outro lugar para melhorar a margem?
Carlos Sanchez: Bom, São Paulo é o centro porque é São Paulo. Tudo começou aqui. Porque as indústrias estão aqui e tem dificuldade de sair daqui, o próprio dono mora aqui. Por outro lado, cada vez mais está mudando. Goiás é um grande centro hoje. Depois de São Paulo, qual é o centro? Goiás. Eu acho que São Paulo deve estar com 70% da produção, deve ter uns 20% em Goiás e uns 10% no resto. Nós da EMS estamos fazendo uma fábrica em Manaus agora.
IEDI: Além de Goiás, Santa Catarina também está atraindo investimentos e empresas do setor?
Carlos Sanchez: Santa Catarina, assim como Espírito Santo, é importação. As multinacionais estão importando por lá para não pagar imposto. A fabricação está em São Paulo, um pouco em Brasília, Goiás, e o Rio de Janeiro, que já tem uma tradição, mas está perdendo participação. Goiás teve um incentivo fiscal no passado que acabou criando uma indústria farmacêutica de fato. A Teuto foi para lá e ficou grande. A Neoquimica foi para lá. A Hipermarcas a comprou, ela e mais outras fábricas, mas viu que das fábricas que ela tinha comprado, o lugar mais barato para produzir era lá; fechou as outras e ficou em Goiás. A Neoquimica deve ter uns 7% do mercado, o Teuto deve ser uns 3%, então, juntas já somam 10%. Lá foi criada uma base industrial mesmo. Quando essas empresas foram para Goiás quando eram de menor porte, mas hoje quando você pega uma Teuto ou uma Hipermarcas não se pode falar que são pequenas.
IEDI: Atualmente, uma das estratégias das grandes farmacêuticas mundiais é o pesado investimento em propaganda e marketing. Elas estão gastando mais em marketing do que em P&D. Qual é a importância do marketing no segmento de genéricos? O médico é importante?
Carlos Sanchez: O médico é importante. Se for ver como funciona o mercado no Brasil, antes do genérico havia o produto de marca. Hoje, para a Anvisa existem o medicamento de referência, o similar e o genérico. Já para o mercado, existem dois tipos de similar. Tem o similar prescrito pelo médico e o similar incentivado, que é o genérico de marca. Então, uma empresa vai até à farmácia, dá um desconto no preço e o farmacêutico indica seu produto ao consumidor, tenta trocar o medicamento da receita por esse produto. Um dos meus produtos prescritos tem mil e quinhentos indicadores médicos. Isso tem um custo grande para mim. Esse meu produto prescrito tem preço de genérico. É um medicamento prescrito, mas não é inovador, não tem inovação radical. Então, quando um médico prescreve o meu produto e o consumidor vai à farmácia, se o farmacêutico der um genérico para ele, ele não vai trocar o medicamento prescrito por um genérico se o preço for o mesmo. O médico é importante porque eu consigo cobrar um pouco mais do meu produto se ele for prescrito. Se eu elevo meu preço de 7% a 12%, o consumidor não o troca por outro na farmácia, porque ele prefere o prescrito. E seu eu o deixo 30% mais caro, 30% dos consumidores compra e 70% troca, dependendo da classe terapêutica. Se for um anticoncepcional, por exemplo, 90% não troca. Produto para sistema nervoso central e hormônio o consumidor troca menos ainda. Isso porque genérico na mentalidade de muitos ainda é um produto de segunda classe. O que não é verdade pois é o mesmo medicamento. Só muda a marca.
Já para hipertensão tem havido bastante troca hoje em dia. Existem algumas classes terapêuticas que são trocadas mais do que outras. Por exemplo, antibiótico que é pontual, toma só uma caixinha e pronto, não troca muito. O de pressão que a pessoa tem que tomar para o resto da vida, ela troca porque já aprendeu que é a mesma coisa. Funciona e acabou.
IEDI: As multinacionais de genéricos têm um processo de verticalização da produção. Mas no Brasil, a produção de fármacos ainda é baixa. Existe alguma intenção do setor começar a atuar nessa área também e produzir os farmoquímicos? Ou é melhor continuar importando?
Carlos Sanchez: Existe uma política do governo, as PDPs (Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo) que vão nesse caminho. O governo está fazendo uma transferência tecnológica para a produção do princípio ativo e, para alguns produtos, já estão conseguindo fazer isso. O que eu acho é o seguinte: esse processo de verticalização que aconteceu com as multinacionais foi porque elas foram comprando empresas que tinham essas fábricas de matéria prima; então não é que elas entraram muito nisso. E em segundo lugar, o custo de produção da indústria química, no Brasil, é caro. E se você não tem escala, se for produzir só para você, você não entra. Eu, por exemplo, tinha uma fábrica de fármacos, mas não mantive porque ou você tem escala global ou não compensa. No caso de alguns produtos mais específicos, através dessas PDPs, eu acho que vão internalizar a produção no Brasil, mas o grande consumo não. As multinacionais não produzem no Brasil, elas importam. Você produziria aqui matérias primas e exportaria para elas lá na Inglaterra? Fica difícil. Então eu não vejo futuro.
IEDI: Qual é o mercado que a indústria brasileira pode contar para expandir sua escala? O Latino americano? Ou tem que ser o mercado europeu, americano ou asiático?
Carlos Sanchez: É complicado dizer isso. Por que como é que a indústria farmacêutica vende o produto? Eu não exporto o produto diretamente para o consumidor. Eu exporto para outra indústria farmacêutica vender com a marca dela. Por exemplo, eu exporto para a Alemanha, um medicamento para órgão transplantado, um produto de alta complexidade que eu exporto para um laboratório alemão. Então, você vê lá no produto vendido na Alemanha que ele foi fabricado em Hortolândia pela EMS. Eu fico com 20% daquele valor e ele fica com 80%. para você exportar commodities em grande volume fica complicado. Por exemplo, vai exportar paracetamol para os EUA? A logística é tão complicada que é melhor você fabricar lá mesmo. Porque as multinacionais estão importando? Porque o mercado dos produtos de alto volume que elas tinham, elas perderam para os genéricos. E os produtos de alto valor e baixa quantidade, elas importam. Para ser forte em exportação você tem que ter uma presença forte fora do país, em produção e em marketing.
IEDI: E a China nesse contexto?
Carlos Sanchez: A China é um grande produtor de insumos básicos da indústria farmacêutica. Ela vende para Índia, que transforma em matéria-prima e vende para o mundo. Porque não é só fabricar, tem que ter o “papelzinho”, tem que aprovar na “Anvisa” de lá e tem que aprovar na nossa Anvisa e nas de outros lugares. Como o chinês ainda não faz isso, ele vende para o indiano que faz. Além disso, o mercado chinês de fármacos está crescendo muito e eles ainda não estão dando conta do próprio mercado. Eu acho que o fármaco chinês, em algum momento, vai quebrar o indiano. Agora, pesquisa de ponta na China já está começando a acontecer. Acredito que mais uns 15 ou 20 anos, a China vai ser a próxima em inovação. Atualmente, os EUA são os grandes inovadores, com 70% do negócio. Depois vem Japão, Inglaterra, Suíça e França. Abaixo desse bolo é Coréia, alguma coisa na Austrália, mas ainda não vi nenhuma droga nova indiana.
IEDI: Mais o que não está bem no Brasil, além da Anvisa, que já foi comentado? O que pode dizer sobre a carga tributária e a guerra fiscal?
Carlos Sanchez: Já falamos sobre o que não está bem para nós. É a farmácia se concentrando, é o dólar subindo. Isso para nós é um problema. O Ministério da Saúde agora está querendo criar um tal de EQ (Equivalente) que é um risco para indústria. É o seguinte: até 2014 os similares terão que fazer o teste de equivalência igual aos genéricos, ao invés de colocar uma tarja amarela e falar que ele é intercambiável, vão colocar um EQ, que significa “equivalente”, na caixinha. Quando ele coloca isso num produto de prescrição que é o forte da indústria farmacêutica, é ruim porque o consumidor sai do médico com um produto prescrito onde já está colocado um “EQ”. E quando o consumidor vai à farmácia, todo o poder estará nas mãos dela. Porque você chega na farmácia com uma prescrição de uma pílula onde está escrito “EQ” e na embalagem de outro produto de marca também está escrito “EQ”. O farmacêutico vai falar: “EQ” aqui e ali, então você pode trocar. Com isso, ele vai tirar o poder do médico e trocar pelo poder da farmácia. Aí sim vai virar commodities, mas não uma commoditie para baixar o preço do consumidor, mas para aumentar o ganho do farmacêutico. O farmacêutico vai poder receitar... Porque 80% da prescrição médica é de laboratório nacional, só que com genérico de marca. Então essa é uma coisa que pode mudar tudo.
IEDI: E a carga tributária?
Carlos Sanchez: A tributação é muito complicada. São Paulo, por exemplo. No mundo, o medicamento não paga imposto e o gasto com medicamentos é ressarcido pelo plano de saúde ou pelo Estado. No Brasil medicamento paga imposto e nenhum estado, nem o plano de saúde paga o medicamento. Aí você tem um imposto que é o ICMS substituto, que em São Paulo eles dividiram o produto por categoria de desconto. O genérico paga mais ICMS do que o produto de marca, justamente o produto que não dá desconto! Só que, teoricamente, eles pagam o desconto igual porque eu dou 50% de desconto, só que a farmácia vende sem desconto. Então eu cobro isso, mas pelo preço que o dono da farmácia pagou eu estou pagando o dobro de ICMS aqui. Se isso fosse normal, tudo bem. Mas o que é que o cara faz? Como eu pago o dobro aqui, eu não compro remédio de São Paulo. Eu compro o remédio de Minas e daí eu parei de vender em São Paulo. Eu perdi o controle. Eu vendo para Minas que de alguma maneira passa a fronteira e o vende em São Paulo. E as farmácias que não fazem isso, perdem a competitividade com as que fazem e deixam de trabalhar com genérico e trabalham com produto de marca. Então, existe uma guerra que está desbalanceada. Tentamos várias vezes mostrar isso para o governador de São Paulo, mas não conseguimos.
IEDI: E qual seria a solução?
Carlos Sanchez: É voltar com a regra que era antes. Pode fazer a substituição tributária, mas não com esse markup, porque o problema não está na substituição, mas sim no markup. Por isso o imposto é um problema. Qual problema de São Paulo? Os produtos que são produzidos em São Paulo são aqueles sobre os quais estão cobrando imposto alto. Quais são os produtos que pagam imposto baixo? Os produtos que são produzidos no exterior e importados. Aí depois reclama que importa por Santa Catarina.