Carta IEDI
A Perda do Grau de Investimento e a Vulnerabilidade Externa da Economia Brasileira
O mês de setembro foi marcado por vários eventos desestabilizadores, que agravaram ainda mais o clima de incerteza que se instaurou no Brasil desde o início do corrente ano e levou a taxa de câmbio a atingir níveis superiores a R$ 4,00. Dentre esses eventos, destaca-se o rebaixamento da nota do país de BBB- para BB+ (com perspectiva negativa) pela Standard & Poor's (S&P) no dia 9/09, o que significou a perda do grau de investimento obtido em 2008.
Em seu comunicado, a principal justificativa da S&P para a sua decisão foi a deterioração das contas públicas e a falta de comprometimento do governo com o ajuste fiscal, explicitada com o envio ao congresso de uma proposta de orçamento deficitário em 2016. As duas outras agências de rating ainda não seguiram a decisão da S&P: na Moody´s, o Brasil está no último degrau antes do grau especulativo e na Fitch dois degraus acima.
Com isso, o risco soberano brasileiro (bem como de várias empresas e bancos residentes) voltou à categoria de “grau especulativo”, o que deve resultar em aumento do custo das captações externas. Ademais, se mais uma agência retirar o “grau de investimento” do Brasil, vários investidores institucionais globais ficarão proibidos de aplicar em títulos emitidos por residentes.
Esta Carta IEDI analisa outra dimensão fundamental da condição macroeconômica de um país considerada na classificação de risco de crédito das agências de rating: a situação de vulnerabilidade externa. Procuraremos mostrar que do ponto de vista da vulnerabilidade externa no curto prazo, não haveria motivo para o rebaixamento da classificação de risco de crédito do Brasil.
No caso de economias emergentes, como a brasileira, com déficits em conta corrente recorrentes e dependência de fluxos de capitais estrangeiros, que seguem uma dinâmica de “boom e bust”, essa situação é sempre relevante. Contudo, ela ganha importância adicional devido ao contexto internacional vigente, caracterizado por três fatores inter-relacionados que afetam negativamente o Brasil.
O primeiro é a queda dos preços das commodities, que se acentuou no corrente ano devido à sua interação com o segundo fator, qual seja, a desaceleração da economia chinesa e as incertezas sobre eficácia das medidas anticíclicas em resposta ao estouro da bolha acionária. O terceiro fator refere-se à perspectiva de início de nova fase de alta da taxa de juros básica nos Estados Unidos a partir do seu piso histórico (0,25%).
Para dimensionar a situação atual de vulnerabilidade externa examinou-se a evolução do passivo externo líquido (PEL) e dos seus componentes a partir de dezembro de 2009. Em seguida, calculou-se um conjunto de indicadores que sintetizam essa vulnerabilidade no curto (liquidez externa) e médio e longo prazos (solvência externa), dentre os quais o indicador de liquidez externa utilizado pela S&P.
Esse conjunto é mais abrangente que o geralmente utilizado nas análises sobre o tema – de forma geral, indicadores relacionados à dívida externa, que fornecem uma visão incompleta da vulnerabilidade externa. Isso porque, a dívida externa de curto prazo é atualmente uma fração muito pequena do passivo externo de curto prazo (PECP) e a dívida externa líquida é negativa desde 2007 (devido à redução da dívida externa pública e ao acúmulo de reservas internacionais).
A situação de liquidez externa foi avaliada a partir de quatro indicadores, cujo denominador comum é a utilização no denominador das reservas internacionais (ou seja, os recursos em divisas que podem ser mobilizados no curto prazo frente a uma saída súbita de capitais externos), se diferenciando somente na composição do numerador, quais sejam:
- Indicador 1: razão entre a dívida externa de curto prazo e as reservas;
- Indicador 2: utilizado pela agência de classificação de risco de crédito Standard & Poors, considera no numerador as necessidades brutas de financiamento externo (NBFE), que equivalem à soma do saldo em transações correntes, com o principal vencível da dívida externa de médio e longo prazo nos próximos 12 meses e o estoque da dívida de curto prazo;
- Indicador 3: razão entre o Passivo externo de curto prazo (PECP) – equivalente à soma da dívida externa de curto prazo e do estoque de investimento de portfólio estrangeiro no país (IPE) - e as reservas;
- Indicador 4: elaborado especialmente para esta Carta, consiste na soma das NBFE com o estoque de IPE; este indicador mede a pressão potencial sobre as reservas internacionais do País no curto prazo.
Na comparação com dez/10, os quatro indicadores atingiram um patamar mais baixo em jul/15. Eles podem ser divididos em dois grupos com patamares bem distintos. No primeiro grupo, estão os indicadores 1 e 2, que não superaram 0,22 em todo o período. Ou seja, as reservas foram mais que suficientes para fazer frente aos compromissos de curto prazo: dívida externa de curto prazo no ind.1 e NBFE no ind.2. Esse último, utilizado, como já observamos, pela agência S&P, retornou ao patamar de dez/09 em jul/15 (0,18).
O segundo grupo engloba os indicadores 3 e 4, que incluem no numerador o estoque de IPE no país. Ambos, que superavam 2 em dez/09, traçaram uma trajetória de queda praticamente ininterrupta, atingindo o patamar de 1,1 no final do período, ou seja, as reservas eram quase suficientes para fazer frente à demanda potencial de divisas.
Assim, do ponto de vista da vulnerabilidade externa no curto prazo, não haveria motivo para o rebaixamento da classificação de risco de crédito do Brasil para grau especulativo.
Já para avaliar a situação de solvência externa de um país, um indicador fundamental é a razão entre o PEL e as exportações. Isto porque, no caso dos países em desenvolvimento, como o Brasil, as exportações são a fonte de geração autônoma de divisas, necessárias para pagar a taxa de remuneração do PEL. O valor da razão indica o número de anos, dado um determinado fluxo anual de exportação, necessário para o pagamento do PEL. A condição para que esta razão não tenha uma trajetória explosiva é que essa taxa seja inferior ao ritmo de expansão das exportações. Caso contrário, a razão PEL/exportações segue uma trajetória de expansão ilimitada.
No caso do Brasil, cujo desempenho exportador nos últimos anos ancorou-se nas vendas externas de commodities, também é importante incluir na análise a capacidade de geração de divisas pela indústria de transformação (IT). Diante da deflação das cotações internacionais desses bens e das mudanças em curso na China – desaceleração e mudança no padrão de crescimento, com maior participação do consumo na composição da demanda agregada, que resultarão em menor demanda por esses produtos, sobretudo os minerais –, a trajetória futura das exportações brasileiras (e nossa capacidade de geração de divisas) será mais dependente do desempenho das vendas externas da IT. Assim, além do indicador tradicional PEL/exportações, três indicadores adicionais de solvência externa foram calculados:
- Indicador 1: PEL/exportações;
- Indicador 2: PEL/exportações da IT;
- Indicador 3: Serviço do PEL/exportações: este é um indicador alternativo ao PEL/exportações para avaliar a sustentabilidade ou não de uma trajetória de acúmulo de passivos externos, que depende exatamente da relação entre as exportações e o serviço do PEL;
- Indicador 4: Serviço do PEL/exportações da IT.
A evolução dos indicadores mostra que, ao contrário da situação de liquidez externa, a de solvência sofreu deterioração na comparação de dez/09 e jul/15, que foi mais intensa no caso dos indicadores que consideram as exportações de IT no denominador. Esse resultado era esperado diante do impacto negativo do longo período de apreciação cambial sobre a competitividade externa dessa indústria.
Como já destacado pelo IEDI, para garantir uma trajetória sustentável de expansão das vendas externas da IT – fundamental para evitar uma situação de insolvência externa –, ações de política econômica são necessárias. O movimento recente de depreciação da moeda doméstica é condição necessária, mas não suficiente para atingir esse objetivo.
O governo deve promover uma melhor coordenação junto à iniciativa privada para estimular investimentos e a reindustrialização do país, simultaneamente à intensificação das negociações comerciais para a (re)inserção da indústria brasileira nas cadeias globais de valor. Ademais, vale lembrar que as vantagens para o país das exportações de produtos da IT comparativamente às commodities (inclusive industriais): geram efeitos positivos e cumulativos sobre a produtividade da indústria, são menos sujeitas às oscilações de preços nos mercados internacionais e têm maior elasticidade-renda da demanda.
Introdução. Esta Carta IEDI analisa a situação atual de vulnerabilidade externa da economia brasileira, um dos fundamentos macroeconômicos considerado pelas agências de rating na classificação de risco de crédito soberano. Na conjuntura atual, avaliar essa situação é importante não somente em função do rebaixamento da nota do Brasil pela S&P para a categoria “grau especulativo” no início de setembro, mas também devido ao contexto internacional vigente, caracterizado por três fatores inter-relacionados que afetam negativamente as condições de financiamento externo do país. Em ordem cronológica (e não de importância), o primeiro fator é a queda dos preços das commodities, que se acentuou no corrente ano devido à sua interação com o segundo fator, qual seja, com o segundo fator, qual seja, a desaceleração da economia chinesa e as incertezas sobre eficácia das medidas anticíclicas em resposta ao estouro da bolha acionária. O terceiro fator refere-se à perspectiva de início de uma nova fase de alta da taxa de juros básica nos Estados Unidos a partir do seu piso histórico (0,25%) nos próximos meses. Na reunião de setembro, o banco central estadunidense (Federal Reserve – Fed) optou por adiá-lo exatamente em função dessas incertezas e dos seus impactos potenciais sobre as demais economias emergentes.
Para avaliar a vulnerabilidade externa da economia brasileira no contexto atual, examina-se a evolução dos estoques, isto é, do passivo externo líquido (PEL) e dos seus componentes a partir de 2010, quando se inicia o primeiro governo da presidente Dilma Roussef, até julho de 2015, último dado disponível. Em seguida, analisa-se um conjunto de indicadores que são influenciados por essa evolução e sintetizam a situação de vulnerabilidade no curto (liquidez externa) e médio e longo prazos (solvência externa).
A Evolução do Passivo Externo. O passivo externo líquido (PEL) é o resultado da diferença entre o passivo externo bruto (PEB) e o ativo externo bruto (AEB). Esses três termos tradicionais na literatura econômica são sinônimos, respectivamente, dos conceitos “Posição internacional de investimento”, “Posição internacional de investimento – Passivo” e “Posição internacional de investimento – Ativo”, utilizados na metodologia atual do Balanço de Pagamentos, que a partir de abril de 2015 passou a seguir a sexta edição do Manual de Balanço de Pagamentos e Posição Internacional de Investimento (BPM6) do Fundo Monetário Internacional (FMI). As estatísticas da Posição internacional de investimento – Ativo” e “Posição internacional de investimento – Passivo” também sofreram alterações e estão consolidadas nos Quadros 31 e 31A da Nota para Imprensa do Setor Externo (respectivos Quadros 60 e 60A da metodologia anterior). Com base nesses dois quadros, calculou-se o PEL total e seus componentes. Como são dados de estoque, as informações referem-se à posição de final de período: dezembro de cada ano entre 2009 e 2014 e julho no caso de 2015.
No caso da economia brasileira, que tem PEL positivo, a posição internacional de investimento é negativa. Sua dimensão depende não somente do desempenho dos fluxos ao longo dos anos (acúmulo dos déficits em conta corrente), mas também pelas variações dos preços dos ativos (por exemplo, valorização das ações que compõem o portfólio dos investidores não-residentes) e da taxa de câmbio, que afeta o valor em US$ dos estoques de IDE e do investimento estrangeiro de portfólio no país. Ou seja, variações cambiais e nos preços dos ativos, que foram recorrentes no período analisado – em função, em grande medida, das fases do novo ciclo de fluxos de capitais para as economias emergentes que emergiu após a crise financeira global – também afetaram a evoluçao do PEL.
Além do tamanho desse passivo, sua composição também é relevante por duas razões principais. A primeira, importante para a situação de liquidez externa, refere-se aos diferentes graus de volatilidade de cada mobilidade do PEB, quais sejam: Investimento Direto Estrangeiro (IDE); Investimento de Portfólio Estrangeiro (IPE); e Outros Investimentos Estrangeiros (OIE). A segunda, que afeta a situação de solvência externa, diz respeito à taxa de remuneração (ou serviço financeiro) de cada modalidade do PEL (ou seja, remessas líquidas de juros, lucros e dividendos e amortizações da dívida), que também é bastante heterogênea.
No período dez/09-jul/15 (ou seja, nos 5,5 anos de governo Dilma), o PEB cresceu 31,4% (de US$ 1.080 bilhões para US$ 1.419 bilhões), em função do aumento de 111% do estoque de OIE (sobretudo, dívida externa bancária) e de 69,9% do IDE. Já o estoque de IPE recuou 18,5% (de US$ 561,8 bilhões em dez/09 para US$ 457,7 bilhões em jul/15) devido, exclusivamente, à depreciação do real e à queda dos preços das ações brasileiras detidas por não-residentes, já que no acumulado do período houve ingresso líquido nessa modalidade de capital estrangeiro. Já na comparação entre dez/09 e dez/13 (10 governo Dilma), o crescimento do PEB foi maior, de 39,5%. Isso porque entre dez/14 e jul/15 o PEB recuou 8,9% em função da queda do IDE (-9,8%) e do IPE (-13%) como reflexo, sobretudo, dos efeitos patrimoniais mencionados acima, ou seja, da alta da taxa de câmbio no período (que reduz o valor em dólares do estoque de investimentos diretos e de portfólio denominados em reais) somada à deflação dos cotações no bolsa de valores no caso dos IPE.
Assim, a composição atual do PEB, com a maior importância dos investimentos estrangeiros diretos e portfólio relativmente à dívida externa (denominada em dólar), além de reduzir o problema do chamado descasamento de moedas (currency mismacht), faz com que movimentos de depreciação cambial tenham um impacto positivo na sua evolução (ou seja, de queda) e, assim, nos indicadores de vulnerabilidade externa, analisados na próxima seção.
Outro dado que chama atenção é o aumento da participação do IDE no período em tela, a modalidade menos volátil de capital externo. Esse resultado explica-se tanto pelos fatores de atração – investimentos “resourse seeking” nos setores produtores de commodities, com preços em alta até 2011, e investimentos “market seeking” nos setores de comércio e serviços beneficiados pelo crescimento da massa de rendimentos até 2013 –, como por fatores que evitaram uma expansão mais expressiva dos ingresso de IPE: os mecanismos de gestão dos fluxos de capitais vigentes entre outubro de 2009 e maio de 2013 e a turbulência nos mercados financeiros internacionais que têm marcado o contexto pós-crise financeira global.
Esses mecanismos também contribuíram para a redução do passivo externo de curto prazo PECP (que pode ser regatado num curto período), que inclui a dívida externa de curto prazo (que recuou entre dez/10 e dez/13, mas voltou a crescer a partir de 2014) e o estoque de IPE no país. Esse estoque, atualmente o principal componente do PECP, registrou queda de 37% entre dez/10 e jul/15 (passando de US$ 560,5 bilhões em dez/2010, valor recorde no período, para US$ 354,7 bilhões, uma retração de 37%) em função dos dois efeitos patrimoniais já mencionados: depreciação cambial e quedo do preço das ações. Esse passivo, que somou US$ 410,6 bilhões em jul/15 (valor inferior inclusive ao observado dez/09, quando o boom de fluxos de capitais do pós-crise estava se iniciando), é uma das variáveis fundamentais para a análise da situação de liquidez externa realizada a seguir, já que equivale aos recursos que podem sair rapidamente do país (interrupção da rolagem dos empréstimos externos e/ou resgate pelos não-residentes das aplicações financeiras no país).
Já a solvência externa reflete a vulnerabilidade externa no médio e longo prazos e depende da trajetória do PEL e do seu serviço financeiro (a taxa de remuneração do PEL). Para não entrar numa trajetória insustentável de acumulação de passivos externos em termos líquidos, a economia brasileira precisa gerar divisas – assim como no caso dos demais países em desenvolvimento, mediante exportações, sua fonte de geração autônoma de divisas – num montante suficiente para honrar o pagamento desse serviço.
Assim, um país que incorreu sucessivamente em déficits em transações corrente e acumulou PEL pode ser solvente (se a condição acima for cumprida) e, ao mesmo tempo, enfrentar uma situação de iliquidez externa (insuficiência de divisas no curto prazo para fazer frente aos compromissos em moeda estrangeira), que culmina numa crise cambial.
O PEL da economia brasileira atingiu US$ 782 bilhões em jul/15, cifra 63,3% maior que a registrada em dez/09 (US$ 479 bilhões). Esse crescimento foi resultado do avanço de 54,4% do investimento direto (ID) e de 211,9% dos outros investimentos (OI). Já o investimento de portfólio (IP) recuou 21% devido, sobretudo, à redução do IPE entre dez/14 e jul/15 e, em menor medida, ao aumento em 64,7% no acumulado do período (dez/09 a jul/15) dos investimentos de portfólio brasileiros (IPB), um dos componentes do AEB.
Os demais componentes desse ativo também aumentaram nesse período, com destaque para o Iinvestimento Direto Brasileiro (IDB) e as reservas internacionais (92,3% e 54,4%, respectivamente). A internacionalização dos capitais produtivos brasileiros, cujo estoque no exterior atingiu US$ 300,7 bilhões em jul/15 contribui para a melhora da situação de solvência externa pois resulta no recebimento de lucros e dividendos por residentes no Brasil e, com isso, reduz a taxa de remuneração líquida do PEL (questão retomada na próxima seção). Já a estratégia defensiva de acúmulo de reservas contribui tanto para a solvência como para a situação de liquidez externa, na medida em que constituem o estoque de moeda estrangeira que pode ser imediatamente utilizado frente a um aumento súbito da saída de recursos externos. Vale mencionar que essa estratégia foi mais intensa no biênio 2010-2011, perdendo ritmo a partir de então em função do aumento do seu custo de oportunidade, qual seja: o gasto com juros decorrente das operações de esterilização do impacto monetário das intervenções do BCB no mercado de câmbio à vista (equivalente à diferença entre a taxa paga nessas operações e a taxa de remuneração das reservas no mercado externo).
Para completar a análise da situação atual de liquidez e solvência externa da economia brasileira, a próxima seção apresenta um conjunto de indicadores de vulnerabilidade externa, bem mais abrangente que o utilizado nas análises recentes sobre o tema. Estas têm priorizado indicadores relacionados à dívida externa – que é comparada às reservas ou ao PIB (para mensurar, respectivamente, a liquidez e a solvência externas) –, os quais, na perspectiva aqui adotada, fornecem uma visão incompleta da vulnerabilidade externa de uma economia. Isso porque, a dívida externa de curto prazo é atualmente uma fração muito pequena do PECP e a dívida externa líquida é negativa desde 2007 (devido à redução da dívida externa pública e ao acúmulo de reservas internacionais).
Indicadores de Vulnerabilidade Externa. Um indicador sintético de liquidez externa (ou da vulnerabilidade externa no curto prazo) é a razão entre o PECP e as reservas internacionais do país (ou seja, os recursos em divisas que podem ser mobilizados no curto prazo frente a uma saída súbita de capitais externos). Além deste indicador, também foram calculados três indicadores, cuja característica comum é a utilização das reservas internacionais no denominador, se diferenciando somente na composição do numerador, quais sejam:
- Dívida externa de curto prazo/reservas: visa avaliar se há ou não possibilidade de crise de liquidez externa por falta de moeda estrangeira para honrar a dívida externa a vencer num prazo inferior a 360 dias;
- Indicador utilizado pela agência de classificação de risco de crédito Standard & Poors: considera no numerador as Necessidades Brutas de Financiamento Externo (NBFE), que equivalem à soma do saldo em transações correntes, com o principal vencível da dívida externa de médio e longo prazo nos próximos 12 meses e o estoque da dívida de curto prazo;
- Indicador amplo de liquidez externa: elaborado pelo IEDI, consiste na soma das NBFE com o estoque de IPE; este indicador mede a pressão potencial sobre as reservas internacionais do País no curto prazo.
O significado de todos indicadores de liquidez que utilizam as reservas no denominador é semelhante: se o valor da razão for igual a 1, as reservas são suficiente para cobrir o estoque em questão (PECP ou dívida externa de curto prazo) e/ou as NBFE; se for inferior a 1, as reservas são mais que suficientes para cobrí-los (por exemplo, um indicador igual a 0,20 significa que somente 20% das reservas serão utilizadas); se for superior a 1, as reservas são insuficientes (por exemplo, um indicador igual a 1,20 significa que as reservas precisariam ser 20% maiores para fazer frente à pressão cambial).
Na comparação entre dez/09 e jul/15, três indicadores diminuíram, o que significa melhora da situação de liquidez externas; se adotarmos como ponto inicial dez/10, os quatro indicadores atingiram um patamar mais baixo em jul/15. Eles podem ser divididos em dois grupos com patamares bem distintos. No primeiro grupo, estão os indicadores 1 e 2, que não superaram 0,22 em todo o período. Ou seja, as reservas foram suficientes em todos os meses considerados para fazer frente aos compromissos de curto prazo: dívida externa de curto prazo no Ind.1 e NBFE no Ind.2. Esse último, utilizado pela agência S&P, retornou ao patamar de dez/09 em jul/15 (0,18).
Assim, do ponto de vista da vulnerabilidade externa no curto prazo, não haveria motivo para o rebaixamento da classificação de risco de crédito do Brasil para grau especulativo. Também vale destacar a mudança positiva na composição das NBFE em jul/15 em relação ao biênio 2012-2013 (quando o Ind.2 atingiu seu piso no período em tela): a redução do déficit em transações corrente associada, principalmente, à melhora da balança comercial nos primeiros setes meses de 2015 em função tanto da depreciação cambial como da recessão doméstica. Contribuíram no mesmo sentido a queda dos gastos com viagens internacionais e das remessas de lucros e dividendos.
O segundo grupo engloba os indicadores 3 e 4, cuja característica comum é a inclusão, no numerador, do estoque de IPE no país. Ambos indicadores indicam uma situação menos confortável de liquidez externa do que os indicadores 1 e 2, pois continuavam maiores que 1 em jul/15, ou seja, as reservas eram insuficientes para fazer frente seja ao PECP (Ind.3), seja à soma desse passivo com o saldo em conta corrente e o principal vencível da dívida de médio e longo prazo (Ind.4). Contudo, nos dois casos, a trajetória foi de queda praticamente ininterrupta até atingir o patamar de 1,1 no final do período. Ou seja, em meados de 2015, as reservas eram praticamente suficientes para fazer frente à demanda potencial de divisas. O adjetivo potencial decorre da composição atual do PECP, no qual predominam os IPE (86% do total PECP em jul/15, percentual um pouco menor que os 94% registrados em dez/09).
Em primeiro lugar, embora o comportamento de manada predomine em mercados financeiros liberalizados e líquidos, não necessariamente ocorrerá liquidação em massa das posições dos investidores estrangeiros em moeda doméstica. No caso do Brasil, o elevado diferencial de juros proporcionado pelo patamar exorbitante da taxa de juros doméstica tem atuado como um importante fator de desestímulo a essa liquidação no caso das aplicações em títulos públicos, que representavam 39% do total do IPE no país em jul/15, recorde histórico. Em segundo lugar, quando há liquidação de posições dos investidores estrangeiros em moeda doméstica num regime de câmbio flutuante, o valor em moeda estrangeira dessa modalidade de passivo externo diminui em função da depreciação cambial e, no caso das ações, da queda dos preços, como já ressaltado. Esses efeitos patrimoniais têm um impacto positivo nos indicadores de liquidez externa que incluem o IPE no numerador exatamente em momentos de ataque especulativo contra a moeda nacional, como o vivenciado agora em setembro.
Já a dívida externa de curto prazo gera compromissos fixos em divisas e envolve descasamento de moedas. Mas, em contrapartida, essa composiçao do PECP também tem uma implicação negativa: ela reforça as correias de transmissão da instabilidade gerada nos mercados financeiros internacionais para o mercado financeiro doméstico.
Já para avaliar a situação de solvência externa de um país, um indicador fundamental é a razão entre o PEL e as exportações. Isto porque, no caso dos países em desenvolvimento, como o Brasil, as exportações são a fonte de geração autônoma de divisas, necessárias para pagar a taxa de remuneração do PEL. Para que essa razão não tenha uma trajetória explosiva, o ritmo de expansão das exportações precisa ser superior a essa taxa. O valor da razão indica o número de anos, dado um determinado fluxo de exportação (acumulado em 12 meses), necessário para o pagamento do PEL. Vale mencionar que várias analises utilizam o Produto Interno Bruto (PIB) ao invés das exportações no denominador dos indicadores de solvência externa, o que carece de sentido pois o PIB não equivale à capacidade de geração de moeda estrangeira de um país.
No caso do Brasil, cujo desempenho exportador nos últimos anos ancorou-se nas vendas externas de commodities, também é importante incluir na análise a capacidade de geração de divisas pela indústria de transformação (IT). Diante da deflação das cotações internacionais desses bens e das mudanças em curso na China – desaceleração e mudança no padrão de crescimento, com maior participação do consumo na composição da demanda agregada, que resultarão em menor demanda por esses produtos, sobretudo os minerais –, a trajetória futura das exportações brasileiras (e nossa capacidade de geração de divisas) será mais dependente do desempenho das vendas externas da IT. Assim, além do indicador tradicional PEL/exportações, três indicadores adicionais de solvência externa foram calculados:
- Indicador 1: PEL/exportações;
- Indicador 2: PEL/exportações da IT;
- Indicador 3: Serviço do PEL/exportações: este é um indicador alternativo ao PEL/exportações para avaliar a sustentabilidade ou não de uma trajetória de acúmulo de passivos externos, que depende exatamente da relação entre as exportações e o serviço do PEL;
- Indicador 4: Serviço do PEL/exportações da IT.
A evolução dos indicadores mostra que, ao contrário da situação de liquidez externa, a de solvência sofreu deterioração na comparação entre dez/09 e jul/15, que foi mais intensa no caso dos indicadores que consideram as exportações de IT no denominador. Esse resultado era esperado diante do impacto negativo do longo período de apreciação cambial sobre a competitividade externa dessa indústria, bem como do menor ritmo de crescimento do comércio mundial e do acirramento da concorrência nos mercados internacionais no contexto pós-crise. Embora o ind.1 (PEL/exportações totais) tenha avançado 0,62 pontos percentuais (p.p), atingindo 2,84 no final do período, o ind. 2 (PEL/exportações da IT) avançou 1,36 p.p., para 5,3. Isso quer dizer que, em jul/2015, enquanto seriam necessários 2,8 anos para pagar o PEL com o fluxo em 12 meses das exportações de bens e serviços, considerando somente as exportações da IT, seriam necessários mais de 5 anos. Os indicadores 3 e 4, que consideram o serviço do PEL no numerador, também sugerem piora nas condições de solvência externa, com destaque para o ind. 4, que atingiu 0,95 em jul/15; ou seja, o serviço do PEL “consumiu” neste mês 95% das exportações da IT.
O pior desempenho (entre 2009 e 2015) dos indicadores que consideram as exportações da IT no denominador é explicado pela sua menor taxa de crescimento (26,2%) em relação às exportações totais (32,7%), ao PEL (69,9%) e ao serviço do PEL (56,7%)., Esse aumento expressivo da taxa de remuneração do PEL – que é motivo de preocupação, assim como o baixo dinamismo das vendas externas da IT – está associado, entre outros fatores, ao aumento das remessas de lucros e dividendos pelas filiais da ETs, pressionadas pela redução da rentabilidade nos países de origem no contexto da grande recessão, que ainda não foi superada.
Como já destacado pelo IEDI, para garantir uma trajetória sustentável de expansão das vendas externas da IT – fundamental para evitar uma situação de insolvência externa –, ações de política econômica são necessárias. O movimento recente de depreciação da moeda doméstica é condição necessária, mas não suficiente para atingir esse objetivo. O governo deve promover uma melhor coordenação junto à iniciativa privada para estimular investimentos em infra-estrutura e a reindustrialização do país, simultaneamente à intensificação das negociações comerciais para a inserção da indústria brasileira nas cadeias globais de valor. Ademais, vale lembrar que as vantagens para o país das exportações de produtos da IT comparativamente às commodities (inclusive industriais): geram efeitos positivos e cumulativos sobre a produtividade da indústria, são menos sujeitas às oscilações de preços nos mercados internacionais e têm maior elasticidade-renda da demanda.