Carta IEDI
A Crise É Generalizada
Na estrutura produtiva não existem setores isolados, a despeito das muitas particularidades que caracterizam cada um deles. A indústria e o setor de serviços nutrem relações estreitas, uma vez que as atividades industriais demandam volume considerável de serviços – pesquisa e desenvolvimento, consultorias econômicas e tributárias, design, propaganda, dentre tantos outros. Igualmente próximas são as relações da indústria com o comércio varejista, principal meio de escoamento de muitos produtos, em especial de bens finais.
O emprego industrial, majoritariamente formal e de maior renda, também alavanca a venda de serviços por meio do consumo das famílias e ajuda a aquecer o comércio varejista. O emprego e renda gerados nestes dois setores também acabam transformando-se em demanda por produtos industriais.
Por essas razões, sempre foi pouco provável que a crise da indústria iniciada em 2011, ao se prologar e se aprofundar ao longo do tempo, não acabasse afetando o conjunto da economia. Acompanhar os indicadores de serviços e do comércio não apenas mostra os efeitos de disseminação da crise, mas também ajuda a avaliar o quadro da própria indústria.
Com praticamente o ano todo já coberto pelas pesquisas do IBGE, as variações acumuladas entre janeiro e novembro dão o tom da contração anual da produção da indústria (-8,1%), e dos volumes do comércio varejista (-4,0% no conceito restrito e -8,4% no ampliado) e dos serviços (-3,4%).
Em novembro, o desempenho da indústria geral foi marcado por eventos excepcionais, como a greve de petroleiros da Bacia de Campos e os efeitos do desastre em Mariana, que afetaram a produção da indústria extrativa (-10,5% frente a nov/14) e, em alguma medida, a de bens intermediários (-10,8% frente a nov/14). É relativa, contudo, a importância de tais eventos na trajetória de aceleração do retrocesso industrial verificado em 2015.
Os segmentos que mais sofreram no ano foram bens de capital, com quedas superiores a 30% desde o mês de agosto, e bens de consumo duráveis, fortemente afetados pela retração do crédito e do rendimento das famílias e cuja a situação fica pior a cada mês que passa, aproximando-se também do patamar de -30%. Nos demais segmentos o quadro também é ruim: -6,9% em bens de consumo semi e não-duráveis e -4,9% em bens intermediários, no acumulado do ano.
Os segmentos mais atingidos têm levado a quedas importantes nas economias regionais onde têm grande peso. É o caso de Amazonas (-15,8%), o líder da retração do setor, em função da menor produção de eletrônicos e motocicletas, e do Rio Grande do Sul (-11,8%), devido a veículos e máquinas e equipamentos. Em São Paulo, maior e mais diversificado parque industrial do país, a retração foi de 10,9%. Todas as atividades pesquisadas no estado caíram, evidência de que a crise assola a indústria como um todo.
No comércio varejista, não por acaso, as maiores quedas até novembro dizem respeito a veículos e motos, partes e peças (-17,6%) e móveis e eletrodomésticos (-13,5%), cujos produtos consistem em bens de consumo duráveis. Estes são os mais gravemente afetados pela crise.
Outros ramos com declínio expressivo são tecidos, vestuário e calçados (-8,4%) e material de construção (-8,0%). Combustíveis e lubrificantes caem 5,8%, devido certamente à forte elevação dos preços dos combustíveis.
As vendas de hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo (-2,4%) e outros artigos de uso pessoal e doméstico (-0,3%) caíram, mas seu mix diversificado de produtos e a essencialidade de alguns deles amenizaram suas perdas.
Nos serviços, até o momento, o ônus tem sido maior para aqueles ramos mais vinculados ao nível de atividade econômica, como transporte terrestre (-10,2%), serviços técnico-profissionais (-9,3%) e outros serviços (-8,9%), em que pesam os serviços financeiros e aqueles associados ao setor imobiliário.
O volume de serviços prestados às famílias acumula retrocesso de 5,1% até novembro, puxado por serviços de alojamento e alimentação, que são compostos por itens mais facilmente retirados da cesta de consumo, como viagens e restaurantes, em períodos de ajustamento do orçamento familiar a um maior nível de inflação, queda da renda e incerteza sobre a preservação do emprego.
Os dados acima analisados indicam que a crise econômica que se iniciou na indústria, já em 2011, e se espalhou progressivamente para o comércio, parece finalmente ter se instalado também no setor de serviços.
Nesse processo poucos são os segmentos que ainda preservam desempenho positivo. Exemplos: no comércio apenas dois dos dez segmentos, artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos (+3,0%) e equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação (+0,1%); em serviços, tão somente aqueles de informação e comunicação (+0,1%). A crise é generalizada.
Produção Industrial Regional. A Pesquisa Industrial Mensal divulgada pelo IBGE em novembro dá o perfil da distribuição regional da crise da indústria neste último ano. Em novembro, frente a outubro com ajuste sazonal, houve queda da produção em 9 das 14 localidades pesquisadas. Já em relação a novembro de 2014, esse movimento foi mais disseminado, atingindo 13 das 15 localidades.
Consideradas as variações do acumulado entre janeiro e novembro, fica claro que os estados mais atingidos pela atual crise foram o Amazonas e o Rio Grande do Sul, cujas quedas de 15,8% e de 11,8%, respectivamente, encontram-se em patamar muito superior à do agregado nacional (-8,1%). O desempenho desses dois estados em 2015 deveu-se à importância em suas estruturas produtivas de setores que estiveram no olho do furacão da crise, bens duráveis e bens de capital.
No caso de Amazonas, a queda foi puxada pelos setores de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (-31,3%), devido sobretudo à menor produção de televisores, computadores e celulares, e de outros equipamentos de transporte (-16,0%), em que pesaram a fabricação de motocicletas e suas peças.
Já no caso do Rio Grande do Sul, a contração foi liderada por veículos automotores, reboques e carrocerias (-33,7%) e por máquinas e equipamentos (-12,8%), em função da queda da produção de tratores, colheitadeiras e outras máquinas agrícolas.
O problema não se encontra, contudo, apenas em regiões relativamente especializadas em setores com forte contração. A queda de 10,9% da produção de São Paulo, com o maior, mais diversificado e moderno parque industrial do país, não deixa dúvidas de que a crise assola a indústria como um todo. Todas as atividades pesquisadas no estado apresentaram quedas, algumas delas dramáticas, no acumulado de 2015.
Rio de Janeiro e Minas Gerais, dois estados importantes, com indústrias diversificadas, também tiveram uma evolução negativa no ano: -6,2% e -7,5%, respectivamente. A greve de petroleiros e o desastre em Mariana contribuíram para isso, mas não explicam em sua integralidade essas variações negativas.
O escoamento da lama liberada da barragem da Samarco também afetou a produção industrial do Espírito Santo em novembro, mas não impediu que continuasse mantendo o melhor desempenho no acumulado do ano (+6,6%), seguido do Pará (+5,9%) e do Mato Grosso (+3,6%). Explicam essas taxas positivas o peso da indústria extrativa nos dois primeiros estados e o da atividade industrial associada ao agrobusiness (soja, principalmente) no último.
Os dados até agora conhecidos mostram que o tombo da indústria no ano passado quase não poupou ninguém. Sofreram praticamente todos os setores em todas as regiões. Conservaram crescimento apenas aquelas localidades com economias especializadas em algumas atividades resilientes, em grande medida, vinculadas ao setor extrativista.
Abaixo seguem maiores detalhes da evolução da produção industrial do estado de São Paulo e da região Nordeste neste último mês de novembro.
São Paulo. Em novembro, a indústria paulista apresentou contração de 2,6% na comparação com o mês imediatamente anterior. Frente ao mês de novembro de 2014, a indústria assinalou queda de 13,3%, taxa condicionada pelos setores de: veículos automotores, reboques e carrocerias (-32,3%), coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (-13,6%), equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (-41,5%), produtos de metal (-22,1%), máquinas e equipamentos (-12,8%), outros produtos químicos (-9,9%), produtos de borracha e de material plástico (-12,6%), produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-12,5%), produtos de minerais não-metálicos (-12,1%) e de celulose, papel e produtos de papel (-10,0%). Por sua vez, o resultado positivo mais relevante foi assinalado pelo setor de produtos alimentícios (6,0%). No acumulado no ano de 2015, a produção industrial recuou 10,9%, com destaque para os setores produtores de: veículos automotores, reboques e carrocerias (-22,8%), produtos alimentícios (-7,6%), máquinas e equipamentos (-12,9%), equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (-26,6%), produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-14,3%), coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (-4,6%), produtos de borracha e de material plástico (-8,8%), metalurgia (-12,9%) e outros produtos químicos (-6,2%).
Nordeste. A produção industrial da Região Nordeste ajustada sazonalmente assinalou retração de 2,8% em novembro frente a outubro. Em relação a igual mês do ano anterior, o recuo foi e 6,9%, condicionado por: veículos automotores, reboques e carrocerias (-24,1%), indústrias extrativas (-15,4%), confecção de artigos do vestuário e acessórios (-28,2%), couros, artigos para viagem e calçados (-13,2%), além de coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (-3,8%), de produtos de minerais não-metálicos (-11,0%), de metalurgia (-9,7%), de produtos têxteis (-16,1%) e de produtos de metal (-22,8%). No acumulado do ano, a produção industrial nordestina recuou 2,8%, sendo as principais influências negativas provenientes de metalurgia (-14,1%), artefatos de couro, artigos para viagem e calçados (-9,2%), confecção de artigos do vestuário e acessórios (-14,6%), produtos de metal (-21,9%), indústrias extrativas (-5,5%), de produtos têxteis (-13,5%), de bebidas (-7,1%), de coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (-2,1%), de produtos de minerais não-metálicos (-6,4%) e de outros produtos químicos (-3,0%).
Comércio Varejista. O volume de vendas do comércio varejista cresceu, em novembro, 1,5% em relação a outubro, já descontados os efeitos sazonais, segundo o IBGE. Para o varejo ampliado (inclui automóveis e materiais de construção), a variação foi um pouco menor, mas ainda assim positiva (0,5%). Mas essa não foi a tônica do ano, em que prevaleceram seguidas perdas. Frente a novembro de 2014, o desempenho continuou negativo: -7,8% no conceito restrito e -13,2% no conceito ampliado.
A ocorrência de taxas positivas nos dados de ponta tanto em outubro (0,5%) como agora em novembro poderia sugerir algum início de recuperação, mas é preciso um pouco mais de tempo para vermos se este é efetivamente o caso. Isso porque novembro foi um mês de promoções no comércio que podem ter afetado significativamente o resultado do mês.
Seja como for, o quadro de 2015 já está dado. As variações do volume de comércio no acumulado janeiro a novembro permitem a identificação de 4 grandes grupos de setores.
O primeiro compreende os setores gravemente afetados pela crise, com quedas de dois dígitos. São eles: veículos e motos, partes e peças (-17,6%) e móveis e eletrodomésticos (-13,5%), cujas vendas vêm sendo fortemente afetadas pela elevação dos juros e pela restrição ao crédito impostas pelos credores e também pelo receio dos consumidores em assumir novos compromissos futuros.
Livros, jornais, revistas e papelaria também pertencem a esse grupo, com queda de 10,4% das vendas, refletindo não apenas a crise econômica, mas também a concorrência de conteúdos eletrônicos, vendidos pela internet.
No grupo seguinte, o dos setores muito afetados, estão tecidos, vestuário e calçados (-8,4%), material de construção (-8,0%) e combustíveis e lubrificantes (-5,8%). Neste último caso, a razão para a queda das vendas foi certamente a forte elevação dos preços dos combustíveis. Nos dois primeiros setores, as vendas foram prejudicadas por um misto de piora das condições de crédito e queda da massa de rendimento das famílias.
O grupo dos moderadamente afetados, por sua vez, inclui hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo (-2,4%) e outros artigos de uso pessoal e doméstico (-0,3%). Esses setores, de grande peso no comércio varejista, também sofreram com a trajetória da massa de rendimento, mas seu mix diversificado de produtos e a essencialidade de alguns deles amenizaram suas perdas.
Por fim, temos o pequeno grupo daqueles que conseguiram manter algum crescimento: artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos (+3,0%) e equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação (+0,1%). A má notícia é que os dados mais de ponta mostram que ambos caminham para o campo negativo.
Regionalmente, Amapá (-10,9%), Paraíba (-10,2%) e Goiás (-10,1%) apresentam os maiores recuos do comércio varejista restrito (excluindo-se automóveis e materiais de construção) no acumulado do ano, seguidos por Mato Grosso (-8,2%), Alagoas (-7,9%), Bahia (-7,4%) e Pernambuco (-7,3%). São Paulo (-3,2%) e Rio de Janeiro (-2,9%), os maiores mercados consumidores, apresentaram variações negativas menos dramáticas, mas, assim como as demais localidades mostraram desempenho pior nos últimos meses do ano.
Em suma, 2015 foi um ano ruim para praticamente todas as localidades e todos os setores do comércio, ainda que alguns deles venham fraquejando penas nos últimos meses do ano, já perto de taxas negativas.
Serviços. Um dos mais importantes indicadores do nível de atividade econômica e industrial é o faturamento em termos reais das empresas fornecedoras de serviços. O volume de serviços em novembro teve queda de 6,3% em relação ao mesmo mês do ano anterior, segundo pesquisa do IBGE. À exceção de março, todos os meses de 2015 foram marcados por variações negativas.
No acumulado de janeiro a novembro, a queda real chega a 3,4%. Mas se olharmos a trajetória dos últimos três meses fica claro de que este patamar de queda já não espelha fielmente a realidade do setor. As variações dos meses de setembro, outubro e novembro, frente aos mesmos meses de 2014, foram -4,8%, -5,8% e, agora, -6,3%, sinalizando um quadro cada vez pior.
Até o momento, o ônus tem sido maior para o ramo de outros serviços (-8,9%), em que pesam os serviços financeiros e aqueles associados ao setor imobiliário, que, como sabemos, passa por dificuldades diante da degradação das condições do crédito habitacional e da menor demanda.
A dependência brasileira do transporte rodoviário de mercadorias e a estreita relação deste com o nível de atividade econômica explicam o tombo de 10,2% no ano do transporte terrestre, conferindo ao ramo de transportes e correio a segunda maior queda (-6,0%).
Outro ramo bastante atingido foi o de serviços prestados às famílias, com declínio de 5,1% até novembro. A maior contribuição para essa evolução veio de serviços de alojamento e alimentação (-5,5%), composto por itens mais facilmente cortados do orçamento das famílias, como viagens e restaurantes, em períodos de ajustamento do seu consumo a um maior nível de inflação, queda da renda e incerteza sobre a preservação do emprego.
O quarto ramo que mais sofreu com a crise foi o de serviços profissionais, administrativos e complementares (-3,8%), também bastante relacionado com o dinamismo da economia. O nível de queda do segmento como um todo esconde uma retração acumulada de nada menos de 9,3% no volume de serviços técnicos-profissionais.
Em função de seguidas inovações na oferta de seus serviços, o único ramo pesquisado pelo IBGE que ainda resistia à crise era o de serviços de informação e comunicação (+0,1% no acumulado do ano). Não resiste mais, porque desde junho vem apresentando variações negativas, chegando a -4,4% em novembro. Este foi o último bastião em serviços, já que os demais ramos caíram em recessão desde o início de 2015 ou mesmo desde meados de 2014, como no caso dos serviços prestados às famílias.
A análise do desempenho regional mostra que apenas 2 das 27 unidades federativas pesquisadas registraram crescimento do volume de serviços na comparação do acumulado de janeiro a novembro de 2015 e o mesmo período de 2014. Os desempenhos positivos foram registrados pelos estados de Rondônia (5,5%) e Mato Grosso do Sul (0,4%). Todos os demais apresentaram desempenho inferior ao registrado no acumulado do ano de 2014, e os destaques negativos foram: Amapá (-11,3%), Maranhão (-11,0%), Amazonas (-9,7%), e Paraíba (-6,3%).
Em São Paulo a contração foi de 2,7%, devido principalmente pelo desempenho de transportes, serviços auxiliares dos transportes e correio (-7,7%) e outros serviços (-10,3%). Os serviços prestados às famílias tiveram variação negativa, mas menos intensa (-3,2%) e os serviços profissionais, administrativos e complementares ainda conservam crescimento, mas em um patamar muito baixo (+0,6%).
A partir dos dados acima analisados fica claro que a crise econômica que se iniciou na indústria, já em 2011, e se espalhou progressivamente para o comércio, parece finalmente ter se instalado também no setor de serviços.