Carta IEDI
O Ajuste Externo: Resultados para 2015 e Comparação com 2002
O saldo do balanço de pagamentos (BOP) brasileiro em 2015 foi positivo em US$ 1,57 bilhão, cifra expressivamente menor (-85,5%) que a registrada no ano anterior. Este resultado decorreu de movimentos opostos nas duas principais contas do BOP. A conta financeira sofreu forte deterioração, recuando 44% (de US$ 101 bilhões para US$ 56,2 bilhões) como reflexo, sobretudo, da queda do ingresso líquido de capitais. A maior retração foi registrada pelo investimento em carteira (-55,5%), seguido pelos outros investimentos (-49%) e pelo investimento direto no país (IDP). A despeito da queda de 22%, o IDP somou US$ 75,1 bilhões (4,2% do PIB), sendo mais que suficiente para financiar o déficit em conta corrente em 2015.
O resultado negativo das transações correntes diminuiu praticamente na mesma intensidade (-43,7%) que o saldo da conta financeira, chegando a US$ 58,9 bilhões em 2015. Essa evolução não deixa dúvidas de que houve um forte ajuste externo na passagem de 2014 para 2015. Contudo, uma apreciação mais rigorosa da dimensão desse ajuste requer a ampliação do horizonte temporal.
Para tanto, é necessário considerar o período de vigência do regime de câmbio flutuante (adotado em janeiro de 1999), que resulta numa dinâmica diferenciada de ajuste da conta de transações correntes em comparação aos regimes de câmbio administrado adotados anteriormente. Nesse período, o ano de 2002 também se caracterizou por um forte ajuste externo: a combinação de uma forte depreciação cambial com o baixo dinamismo da economia doméstica resultou numa redução de US$ 15,8 bilhões do déficit em transações correntes. Os valores absolutos sugerem, então, um ajuste bem mais significativo em 2015; entretanto, o indicador mais adequado para esse tipo de comparação é a razão entre o saldo em transações correntes (TC) e o Produto Interno Bruto (PIB). Nesse critério, o ajuste em 2002 foi muito mais intenso: 1,5% contra 4,2% em 2001. Já na passagem de 2014 para 2015, a queda foi mais tímida, de 4,3% para 3,3%.
A diferença de intensidade do ajuste externo em 2002 e 2015, a despeito da vigência do mesmo regime cambial, pode estar associada a vários fatores. O primeiro a ser considerado é a conjuntura externa. Nos dois momentos, a situação macroeconômica internacional foi relativamente semelhante, caracterizada pela desaceleração do crescimento e pela evolução adversa dos preços das commodities. Ajuda pouco, então, a explicar a diferença de magnitude dos ajustes.
O segundo fator é o desempenho macroeconômico doméstico. Como ensinam os modelos de macroeconomia aberta, as variáveis relevantes são a taxa de câmbio real efetiva e a atividade econômica. Nos dois períodos, a trajetória cambial foi favorável ao ajuste externo. Contudo, em 2001/2002, a depreciação cambial foi mais expressiva do que em 2014/2015. Em outros termos, a mudança de preços relativos desponta como um importante fator explicativo do ajuste externo nos dois momentos, bem como da sua maior intensidade em 2001/2002. Já o desempenho da atividade econômica, que foi muito pior em 2014/2015 do que em 2001/2002, apontaria para um ajuste mais forte no período mais recente.
Esses dados sugerem, assim, que os fatores conjunturais, externos e internos, não são suficientes para explicar o ajuste relativamente mais suave ocorrido em 2015. Ao que tudo indica, fatores de natureza estrutural podem estar por detrás da menor queda do indicador TC/PIB no período recente.
Dentre estes fatores estruturais se destaca a perda de densidade da cadeia industrial doméstica, que ampliou ainda mais a assimetria das as pautas exportadora e importadora. Nos últimos anos, houve importante elevação da participação dos produtos manufaturados (especialmente de maior conteúdo tecnológico) nas importações brasileiras ao mesmo tempo em que se verificou uma piora da pauta exportadora. Como já destacado pelo IEDI, a participação dos produtos manufaturados no total exportado regrediu de 53% para 34% entre 2005 e 2014 e as exportações brasileiras recuaram do 41º lugar para a 51ª posição no ranking mundial da complexidade entre 2004 e 2014.
Em função dessa nova composição da pauta de comércio exterior é bem provável que tenham se alterado as sensibilidades das exportações e importações em relação às variações da taxa de câmbio, do crescimento doméstico e da demanda externa. Além disso, a estrutura das demais subcontas das transações correntes, que também respondem às variações cambiais e do nível de atividades, também sofreu alterações entre os dois momentos considerados, influenciando a intensidade do ajuste das transações correntes em 2015.
No caso da balança comercial, o superávit de U$S 17,7 bilhões decorreu da maior queda das importações (-25,3%) relativamente às exportações (-15,4%). Já em 2002, enquanto as importações retraíram-se 15%, as exportações avançaram 3,7%. Ou seja, o ajuste em 2015 se ancorou na redução tanto das compras como das vendas externas, o que resultou numa forte queda da corrente de comércio (-20,4%).
Esse ajuste mais perverso resultou da combinação dos fatores conjunturais e estruturais mencionados acima. A menor participação dos produtos manufaturados nas exportações ampliou o impacto da queda dos preços das commodities sobre o valor exportado e reduziu a elasticidade das quantidades exportadas às variações tanto da demanda externa como do nível de atividade doméstico e da taxa de câmbio.
No âmbito da subconta de serviços, a redução do déficit foi expressiva (-23,7%). Os dois itens que foram os principais responsáveis por essa trajetória tiveram contribuições opostas para o ajuste ocorrido em 2015. Por um lado, as “viagens internacionais” aumentaram a elasticidade desta subconta a depreciações da moeda doméstica, pois esse tipo de gasto é muito sensível e reage rapidamente às variações cambiais. Por outro lado, a maior relevância do item “aluguel de equipamentos” atuou no sentido contrário.
Já o déficit da subconta “Renda primária de investimentos” não apenas diminuiu 18,7% como também teve sua composição alterada devido às mudanças na estrutura do passivo externo líquido (aumento da participação dos estoques de investimento direto e em carteira no país e redução da dívida externa). Com isso, as rendas denominadas em reais passaram a superar as rendas denominadas em dólares, o que tornou essa subconta mais sensível às variações do PIB e da taxa de câmbio. Enquanto as remessas de lucros e dividendos foram negativamente afetadas pela recessão, bem como pela alta do preço do dólar, as remessas dos juros dos títulos negociados no mercado doméstico foram desestimuladas por essa alta, ou seja, pela depreciação cambial.
Introdução. O objetivo desta Carta IEDI é apresentar os principais resultados das contas externas brasileiras em 2015, com ênfase no desempenho das transações correntes. Os dados foram extraídos da nova série histórica do Banco Central do Brasil (BCB), divulgada a partir de abril do ano passado. Essa série baseia-se na 6ª edição do Manual de Balanço de Pagamentos e Posição de Investimento Internacional (BPM6) do Fundo Monetário Internacional (FMI), que foi elaborada com as finalidades de: (i) adaptar as estatísticas às transformações ocorridas na economia internacional nos últimos quinze anos nas esferas produtiva, comercial e financeira; (ii) incorporar avanços metodológicos em tópicos específicos; (iii) harmonizar as estatísticas do setor externo com as macroeconômicas, especialmente o Sistema de Contas Nacionais (System of National Accounts, SNA 20082). Além de mudanças na estrutura de contas do balanço de pagamentos (BOP), também foi adotada uma nova convenção de sinais. Uma das mudanças mais importantes nesse quesito foi a atribuição de sinais negativos para as captações líquidas na conta financeira e vice-versa (sinais positivos para concessões líquidas), ao contrário do padrão adotado nas edições anteriores. Para maiores detalhes sobre a BPM6, consultar o link: http://www.bcb.gov.br/?6MANBALPGTO
A comparação de curto prazo (ou seja, com o desempenho de 2014) será privilegiada. Isto porque, enquanto a nova série inicia-se em janeiro de 2014, a série anterior, que adotava a metodologia da 5ª edição desse Manual (BPM6), estende-se de janeiro de 1947 a fevereiro de 2015. Quando considerado necessário, a base de dados antiga (que continua disponível no site do BCB) será utilizada para ampliar o período de análise. Assim, será mantida a convenção de sinais adotada na BPM5 (captações líquidas com sinal positivo e vice-versa).
Panorama Geral. O saldo do balanço de pagamentos (BOP) brasileiro em 2015 foi positivo em US$1,57 bilhão, cifra expressivamente menor (-85,5%) que a registrada no ano anterior (US$ 10,8 bilhões). Esse resultado decorreu de movimentos opostos nas duas principais contas do BOP. Por um lado, o saldo da conta financeira (que registra o fluxo líquido de capitais entre o país e o exterior), embora tenha se mantido superavitário, sofreu forte deterioração, recuando de US$ 101 bilhões para US$ 56,2 bilhões (-44%). Por outro lado, o déficit nas transações correntes diminuiu praticamente na mesma intensidade (-43,7%), de um pouco mais de US$ 100 bilhões em 2014 para US$ 58,9 bilhões em 2015.
A comparação de curto prazo já revela que a conta de transações correntes sofreu um forte ajuste na passagem de 2014 para 2015. Contudo, uma apreciação mais rigorosa da dimensão desse ajuste requer a ampliação do horizonte temporal. Para tanto, é necessário considerar o período de vigência do regime de câmbio flutuante (adotado em janeiro de 1999 após a crise cambial que levou ao colapso do sistema de bandas cambiais), que resulta numa dinâmica diferenciada do ajuste externo em comparação aos regimes de câmbio administrado adotados anteriormente. Além disso, essa ampliação exigiu a “união” das duas séries de BOP, o que não compromete a análise, pois as diferenças metodológicas não são significativas. O gráfico abaixo sugere que o ajuste foi bem mais expressivo em 2015 do que em 2002, quando a combinação de uma forte depreciação cambial com o baixo dinamismo da atividade doméstica resultou numa redução de US$ 15,8 bilhões do déficit em transações correntes, de US$ 23,2 bilhões para US$ 7,6 bilhões.
Todavia, a comparação dos valores absolutos não é a mais apropriada para esse tipo de análise. Nesse caso, o indicador mais adequado é a razão entre o saldo em transações correntes (TC) e o Produto Interno Bruto (PIB). Nesse critério, o ajuste em 2002 foi muito mais intenso: o déficit em TC recuou de 4,2% em 2001 para 1,5% (ou seja, 2,7 pontos percentuais). Já na passagem de 2014 para 2015, a queda foi de somente 1 ponto percentual (de 4,3% para 3,3%).
Assim, a seguinte questão se coloca: quais foram os determinantes dessa diferença na intensidade do ajuste externo em 2002 e 2015, a despeito da vigência do mesmo regime cambial? Vale mencionar igualmente que o grau de abertura externa, comercial e financeira, que também condiciona a dinâmica das contas externas, não sofreu alterações significativas desde janeiro de 2000 (quando a abertura financeira foi ampliada).
O primeiro fator a ser considerado é a conjuntura mundial. Nos dois momentos, a situação macroeconômica internacional foi marcada pela desaceleração do crescimento, ou seja, pelo desempenho desfavorável da demanda externa. Outro importante condicionante das exportações brasileiras, o desempenho dos preços das commodities, também não parece explicar a diferença: estavam em patamares deprimidos até 2002, a partir dos quais emergiu a primeira fase de alta dos anos 2000 que se encerrou com a crise financeira global. No período recente, embora ainda em patamares superiores aos vigentes no início do milênio, uma nova fase de baixa teve início em 2011 e se intensificou em 2014 (ver Carta IEDI n. 702). Todavia, vale mencionar uma diferença entre os dois momentos considerados: após a crise financeira e econômica global de 2008-2009, o comércio internacional tornou-se menos dinâmico, com taxas de crescimento inferiores ao produto global.
O segundo fator a ser considerado é o desempenho macroeconômico doméstico. Nesse caso, como ensinam os modelos de macroeconomia aberta, as variáveis relevantes são a taxa de câmbio real efetiva (preço relativo entre os bens externos e internos) e atividade econômica. Nos dois períodos, a trajetória cambial foi favorável ao ajuste externo. Contudo, em 2001/2002, a depreciação do câmbio foi mais expressiva do que em 2014/2015. Como as exportações e importações respondem às mudanças na taxa de câmbio com um lag temporal, também é importante considerar a variação acumulada: entre 1999-2002, esta foi de 110% contra 52% entre 2012-2015. Ou seja, a mudança de preços relativos desponta como um importante fator explicativo do ajuste externo nos dois momentos, bem como da sua maior intensidade em 2001/2002.
Já o segundo condicionante interno, a atividade econômica doméstica, indicaria um ajuste mais forte em 2015 do que em 2002. Isto porque, o desempenho do PIB no período recente foi muito pior do que em 2001/2002. Desde o primeiro trimestre de 2015, o PIB registrava variações negativas e expressivas. De acordo com a previsão atual do mercado (boletim Focus do BCB divulgado dia 5 de fevereiro), sua queda será de 3,21% em 2015.
Em suma, os fatos estilizados apresentados acima não fornecem uma resposta conclusiva para a pergunta colocada. Por um lado, o desempenho da economia internacional nos dois períodos foi relativamente semelhante. Por outro lado, no caso das variáveis macroeconômicas domésticas, que foram favoráveis ao ajuste externo nos dois períodos, enquanto a trajetória da taxa de câmbio real efetiva é coerente com o maior ajuste externo em 2001/2002, a evolução do PIB sugeriria um resultado oposto. Em outras palavras, os fatores conjunturais, externos e internos, não são suficientes para explicar o ajuste relativamente mais suave ocorrido em 2015.
Assim, ao que tudo indica, fatores de natureza estrutural estão por detrás da menor queda do indicador TC/PIB no período recente, dentre os quais se destacam as mudanças ocorridas na estrutura da indústria brasileira entre os dois momentos considerados, quais sejam, a perda de densidade da cadeia industrial doméstica, que alguns denominam de desindustrialização precoce. Contribuíram para essas mudanças a interação de diversos fatores, sejam internos – como o longo período de apreciação cambial (2003-2007 e 2009-2010), a deficiente infraestrutura e a complexa e excessiva carga tributária incidente sobre a produção industrial –, sejam externos – como o acirramento da concorrência no mercado internacional (associado ao efeito-China, à grande recessão, entre outros fatores) e a reestruturação das cadeias globais de valor.
Essas mudanças refletiram-se nas pautas exportadora e importadora do Brasil, que se tornaram ainda mais assimétricas. A participação dos produtos manufaturados (especialmente de maior conteúdo tecnológico) nas compras externas aumentou ainda mais e, no caso das exportações, o movimento contrário foi observado. Como já destacado pelo IEDI, a participação desses produtos no total exportado regrediu de 53% para 34% entre 2005 e 2014 (Carta IEDI n. 706) e exportações brasileiras recuaram do 41º lugar para a 51ª posição no ranking mundial da complexidade entre 2004 e 2014 (ver Carta IEDI n. 716).
Essa nova composição da pauta de comércio exterior alterou as sensibilidades das exportações e importações em relação às variações tanto da taxa de câmbio como da absorção doméstica e da demanda externa. Além disso, a estrutura das demais subcontas das transações correntes, que respondem, igualmente, às variações cambiais e do nível de atividades, também sofreu alterações entre os dois momentos considerados, que influenciaram a intensidade do ajuste externo em 2015, como detalhado a seguir.
As Transações Correntes. Na nova metodologia do BOP, as transações correntes são desagregadas em quatro subcontas: (i) balança comercial; (ii) serviços; (iii) renda primária, que corresponde às “rendas” da metodologia anterior; (iv) renda secundária, que equivale às “transferências unilaterais” da metodologia anterior. Somente essa última, que é a menos relevante no caso do Brasil, manteve-se praticamente estável entre 2014 e 2015. Em contrapartida, as três principais subcontas reagiram, em diferentes intensidades, à depreciação do real e à retração acentuada da atividade econômica em 2015.
No caso da balança comercial, a passagem de um déficit de US$ 6,3 bilhões para um superávit de U$S 17,7 bilhões decorreu da maior queda das importações (-25,3%) relativamente às exportações (-15,4%). Consequentemente, a corrente de comércio diminuiu significativamente, em 20,4%. Já em 2002, enquanto as importações retraíram-se 15%, as exportações avançaram 3,7% e essa corrente recuou 5,4%.
Assim, o ajuste em 2015 foi mais perverso, pois se ancorou na redução tanto das compras como das vendas externas, o que decorreu da combinação dos fatores conjunturais (externos e internos) e estruturais mencionados na seção anterior, dentre os quais se destacam: no caso das importações, a maior intensidade da recessão em 2015 num contexto de maior conteúdo importado da produção industrial; no caso das exportações, a menor participação dos produtos manufaturados teve dois efeitos simultâneos, quais sejam, ampliou o impacto da queda dos preços das commodities sobre o valor das vendas externas e reduziu a elasticidade das quantidades exportadas à depreciação cambial e às demandas externa e interna (que também afeta essas quantidades no caso de economias de dimensão continental como a brasileira). Esses efeitos somados ao baixo crescimento mundial e às mudanças na dinâmica do comércio internacional no contexto pós-crise explicam o comportamento atípico das exportações em 2015.
No âmbito da subconta de serviços, a redução do déficit foi expressiva, de 23,7%. O resultado negativo dessa conta praticamente dobrou de patamar na passagem de 2004 para 2005 (quando superou US$ 8 bilhões) e aumentou continuamente a partir de então, superando US$ 40 bilhões em 2012. Os dois itens que foram os principais responsáveis por essa trajetória – viagens internacionais e aluguel de equipamentos – tiveram contribuições opostas para o ajuste ocorrido em 2015. O item “viagens” aumentou a elasticidade desta subconta a depreciações da moeda doméstica, pois esse tipo de gasto é muito sensível e reage rapidamente às variações cambiais. Em contrapartida, a maior relevância do item “aluguel de equipamentos” (que inclui aluguel de equipamentos pela Petrobras) atuou no sentido contrário. Esse item recuou somente 4,8% na base de comparação utilizada.
Finalmente, o déficit da subconta “Renda primária de investimentos” diminuiu 18,7%, de US$ 52,5 bilhões para US$ 42,7 bilhões. Embora essa conta seja estruturalmente negativa devido ao elevado passivo externo líquido da economia brasileira, sua composição também se alterou devido às mudanças na estrutura desse passivo a partir de 2005, que reduziram o chamado descasamento de moedas, quais sejam, o aumento da participação dos estoques de investimento direto e de investimento em carteira no país e a redução da dívida externa (ver Carta IEDI n. 700). Com isso, as rendas denominadas em reais (lucros e dividendos do investimento direto e em ações e juros de títulos negociados no mercado doméstico) passaram a superar as rendas denominadas em dólares (juros de títulos negociados no mercado externo e outros investimentos), o que tornou essa subconta mais elástica às variações do PIB e da taxa de câmbio. Enquanto as remessas de lucros e dividendos foram negativamente afetadas pela recessão, bem como pela alta da taxa de câmbio (que reduz o seu valor em dólares), as remessas dos juros dos títulos negociados no mercado doméstico foram desestimuladas por essa alta, ou seja, pela depreciação cambial.
A Conta Financeira. O superávit da conta financeira recuou US$ 101 bilhões em 2014 para US$ 56,7 bilhões em 2015, menor cifra registrada desde 2008 (US$ 28,3 bilhões, na série antiga). Todavia, a queda de 44% não foi tão forte como a observada no ano da crise financeira global (68% na mesma base de comparação), quando seu efeito-contágio atingiu de forma indiscriminada as economias emergentes, independentemente da situação dos fundamentos macroeconômicos.
Já em 2015, além das piora das condições de liquidez internacional para essas economias (mas, em menor intensidade do que em 2008) – associada às expectativas de alta da taxa de juros básica dos Estados Unidos e à turbulência financeira na China (ver Carta IEDI n. 700) – a crise econômica e política doméstica e seus reflexos adversos sobre a classificação de risco de crédito do país e o apetite por risco dos investidores globais também contribuíram para a redução do fluxo líquido de capitais externos entre o país e o exterior. A forte queda desse fluxo decorreu da deterioração das três subcontas da conta financeira. O ingresso líquido de investimento direto recuou 13%, do investimento em carteira 46,7% e os outros investimentos passaram de um superávit de US$ 4,2 bilhões para um déficit de US$ 20,5 bilhões.
O principal determinante da deterioração do resultado da conta financeira foi a redução de 37% do ingresso líquido de capitais no país, de US$ 188,3 bilhões para US$ 119,2 bilhões (praticamente o mesmo resultado de 2013 na série antiga). Nesse caso, os três itens também recuaram, mas a maior retração (55,5%) foi registrada pelo investimento em carteira no país, seguido pelos outros investimentos (49%) e pelo investimento direto no país (IDP). Todavia, a despeito da queda de 22% do IDP, estes somaram US$ 75,1 bilhões (4,2% do PIB) e cobriram a totalidade do déficit em conta corrente em 2015. Além disso, sua composição também melhorou: houve um aumento da participação no capital para 75% do total (ante 60% em 2014).
Contribuiu decisivamente para esse resultado do IDP o desempenho registrado em dezembro, que somou US$ 15,2 bilhões, acima das projeções do mercado e do BCB (US$ 6,1 bilhões). A participação no capital respondeu por 86% do total, um percentual bastante elevado. Parte importante desse resultado decorreu do ingresso de recursos no setor de eletricidade, gás e outras utilidades (US$ 2 bilhões), associado ao leilão das hidrelétricas.