Carta IEDI
Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação 2016/19: Contribuição da Indústria Brasileira ao Debate
A publicação pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da “Proposta da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação 2016-2019” e o convite para debatê-la e apresentar contribuições para seu aperfeiçoamento são ações que merecem, por muitas razões, serem saudadas pela Indústria brasileira. Cabe lembrar que as lideranças do setor empresarial têm reafirmado seu comprometimento com a agenda da inovação tecnológica e manifestado seu forte interesse na respectiva política pública, por ser esta, nos dias de hoje, um dos mais importantes determinantes da competitividade econômica e do aumento da produtividade. A seguir, são apresentadas as considerações e proposições enviadas pelo IEDI ao MCTI acerca do referido documento.
A Proposta da Estratégia Nacional de CT&I cumpre — como um primeiro passo — o papel de abrir o debate sobre os rumos das políticas nacionais de Ciência e Tecnologia e de Inovação, porque, embora sintética e embrionária, cobre vários dos aspectos relevantes das políticas, como as oportunidades e desafios que se colocam ao País, os principais atores do Sistema Nacional de Inovação, os principais instrumentos disponíveis para atuar, a infraestrutura e os recursos humanos, além de mapear os avanços recentes e as principais tendências mundiais das políticas de CT&I.
A despeito do foco na inovação e da análise de experiências internacionais, a ênfase principal da Proposta recai sobre ações que promovam “expansão, consolidação e integração” do Sistema Nacional de CT&I, como se o seu adensamento pusesse automaticamente em marcha a solução apropriada para os nossos problemas. Em todas as áreas identificadas como prioritárias destaca-se sempre a incompletude de nosso Sistema, apontando a necessidade de fortalecimento das infraestruturas já existentes, construção e fortalecimento de centros de pesquisa, formação e capacitação de recursos humanos, etc.
Há anos temos clareza de que nosso Sistema Nacional de Inovação é incompleto e que muito precisa ser feito para consolidá-lo. Embora muito lentamente, temos caminhado nesta direção. Devemos agora ter a coragem de reconhecer que estas proposições ainda estão longe do que podemos fazer e mesmo do que já fazemos hoje, em termos de políticas de CT&I.
Na realidade, há conhecimento bem mais detalhado dos problemas e das estruturas de mercado de cada setor em inúmeras áreas de governo, a exemplo das Agências e Ministérios setoriais, da FINEP e do BNDES. A produção de Agendas Tecnológicas Setoriais e os levantamentos feitos no âmbito das políticas industriais recentes (PITCE, PDP e Brasil Maior) ou no contexto do Programa Inova Empresa sugerem que as proposições de políticas podem e devem ir além da formulação genérica de políticas de oferta nos moldes convencionais propostos para a ENCTI.
Há muito que fazer para que nosso ‘incompleto’ Sistema Nacional de Inovação avance e realize sua promessa de contribuir decisivamente para o desenvolvimento de nosso país e para a construção de uma sociedade melhor, com empregos mais qualificados e melhor inserção internacional.
Uma agenda ampla inclui a modernização de nosso marco legal, a revisão drástica do modelo de financiamento, a discussão da estrutura de governança, uma radical reforma do nosso mercado de capital de risco, das formas de apoio às startups de base tecnológica, inclusive com a mudança da legislação empresarial, bem como uma maior sintonia entre a política de comércio exterior e a política de inovação, além das iniciativas de formação de recursos humanos e do reforço da infraestrutura nacional de CT&I.
Para o País, esta é uma agenda necessária e fundamental à sua trajetória de desenvolvimento econômico e social. Para a Indústria, é prioritária e absolutamente decisiva para seu futuro. Por esta razão, o IEDI e outras instituições que reúnem as lideranças industriais do Brasil estão dispostos a contribuir da melhor forma possível para esta discussão.
Foco na Inovação. É gratificante perceber que, logo em seu início, o documento enfatiza que “agregar valor ao que o País produz é decisivo sob todos os aspectos e a incorporação do conhecimento em todas as atividades econômicas depende intrinsecamente de um robusto Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia orientado para a promoção da Inovação.” (ENCTI, pág. 4).
Esta ênfase na inovação também aparece com muita clareza no balanço das principais tendências mundiais de políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Aqui ganha relevância o tema da cooperação público-privado, como na afirmação de que “... crescem as medidas que visam o aprimoramento dos recursos humanos e a melhoria das condições estruturais para inovação, colocando-se como ação prioritária a busca por maior interação entre a pesquisa pública e a indústria” (ENCTI, pág. 15). Iniciativas que, como o documento assinala, infelizmente têm tido menor sucesso nos países emergentes, a exemplo do nosso, os quais apresentam maior dificuldade de inserir as estratégias de CT&I nas políticas de desenvolvimento econômico de longo prazo.
A se levar em conta pela síntese do que prevalece no mundo, duas questões surgem aqui como fortes diretrizes de políticas de CT&I para o Brasil: de um lado, um realinhamento das políticas buscando “maior foco nos instrumentos das políticas de inovação”; de outro, uma grande aposta na “cooperação entre indústria e academia”, por meio de novos modelos de transferência de tecnologia. (ENCTI, pág. 16)
O realinhamento das políticas de apoio às empresas visa torná-las menos genéricas e mais especificas, com maior apoio a startups ou pequenas empresas, além de uma maior competitividade pelos recursos. Em paralelo, busca-se uma diversidade maior de instrumentos, por exemplo, simplificando e facilitando o acesso a incentivos fiscais, criando vouchers para inovação e patrocinando a participação no capital das empresas (equity). (ENCTI, pág. 16 e 17)
A cooperação entre indústria e universidades — ou melhor entre ciência e negócios — é tratada de forma destacada, ao mencionar-se novos modelos, em curso em vários países, de transferência de tecnologia e ferramentas de uso colaborativo da propriedade intelectual, a exemplo de securitizações e crowdfunding. (ENCTI, pág. 17)
Há que se saudar também como muito positivo e corajoso, a menção às reformas dos sistemas de CT&I internacionais, no sentido de se alcançar maior eficiência, por meio de reestruturações das atividades de pesquisa, fusões de instituições, maior coordenação entre unidades de pesquisa e novas abordagens gerenciais nas universidades, com vistas a reforçar a autonomia, a ‘accountability’ e os modelos operacionais de inspiração empresarial. Isto seria muito pertinente para o Brasil, com vistas a inspirar reformas mais abrangentes do aparato de pesquisa do próprio MCTI, que carece de uma orientação de missão mais clara e formas mais eficazes de organização, voltadas a resultados e com maior flexibilidade operacional, movimento que se iniciou anos atrás, com a transformação de alguns institutos em Organizações Sociais. (ENCTI, pág. 17)
O tema da governança ganha também um certo destaque aqui, ao se evidenciar a relevância, em qualquer país, do “regime regulatório, que compreende as leis, regulações, regras, políticas, orientações e exigências que governos e parlamentos estabelecem para disciplinar as atividades de pesquisa”. Um aspecto que normalmente não é tratado com destaque nos documentos recentes de políticas de CT&I, embora receba muita atenção no meio empresarial, a exemplo da agenda da Mobilização Empresarial pela Inovação — MEI, que propõe a constituição de uma Câmara de Inovação (Camin), aos moldes da Câmara de Comércio Exterior (Camex), com atribuições de coordenar as ações voltadas à promoção da inovação dos diversos Ministérios e órgãos federais.
Por fim, este capítulo se encerra com a menção a vários exemplos internacionais (Enterprise Investment Scheme, do Reino Unido; Lean Start-ups, dos EUA; Technology Innovation Programme, de Singapura; Cluster Offensive Bayern, Fundo High-Tech e Exist, da Alemanha, etc) que poderiam inspirar iniciativas mais ousadas do Brasil no terreno da inovação, dando talvez muito mais concretude às propostas e levando nossas iniciativas a um novo patamar de qualidade.
Expansão, Consolidação e Integração do SNCTI. Infelizmente, apesar das inúmeras menções anteriores à inovação e às políticas que prevalecem no mundo todo, a ênfase principal da Proposta da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação 2016-2019 recai sobre o que se chamou “expansão, consolidação e integração do SNCTI”, num certo sentido vistas como as ações prioritárias a serem tomadas — nesta ordem de importância e nesta mesma sequência temporal —; como se o adensamento do Sistema pusesse em marcha, automaticamente e com naturalidade, a solução apropriada para os nossos problemas.
Esta visão é decorrência do diagnóstico — correto, mas muito parcial e muitíssimo insuficiente — de que o SNCTI é ainda embrionário no país, comparativamente a outras economias avançadas. Nesta visão, o primeiro e decisivo passo é dar densidade e massa crítica a este Sistema.
Há anos temos clareza de que nosso Sistema Nacional de Inovação é incompleto e que muito precisa ser feito para consolidá-lo. E o bom é que temos caminhado nesta direção, embora nem sempre com a velocidade necessária. Os exemplos são muitos, a começar por trazer o tema inovação para dentro do MCT, primeiro com as Conferências Nacionais, depois com a Lei de Inovação, depois ainda mais com a Lei do Bem e os incentivos e instrumentos de apoio direto e indireto à inovação tecnológica empresarial, e por fim com os Planos Inova Empresa, com as parcerias entre FINEP e BNDES, com a ideia muito boa — ainda a ser posta em prática — de estruturar Plataformas do Conhecimento, culminando com a mudança do próprio nome do Ministério, que sintomaticamente ganhou a palavra inovação.
Talvez devêssemos nos perguntar: qual o significado deste movimento e desta evolução? Por que nossas políticas caminharam nesta direção? Por que também a atual “Proposta da ENCTI 2016-2019” enfatiza tanto os exemplos internacionais de foco na inovação?
A resposta é muito simples: as políticas de C&T só vão ganhar a atenção devida – por parte da área econômica e social do governo, por parte da sociedade em geral e por parte da Presidência da República — se forem relevantes, se de fato impactarem no aumento da produtividade, da competitividade econômica ou na implantação de políticas sociais mais eficazes. A pressão — nos governos, no mundo empresarial, nas associações da sociedade civil — é por resultados. Aqui e em qualquer outro lugar, como o documento deixa claro.
Repetir indefinidamente que o nosso problema é falta de massa crítica, sem perceber que é necessário mudar a ênfase das políticas, ser mais agressivo e cobrar mais resultados, é o caminho natural não do progresso do Sistema Nacional de Inovação, mas do isolamento, do permanente isolamento que causa baixa interlocução, baixa prioridade e baixos recursos.
Infelizmente a Proposta da ENCTI 2016-2019 repete sempre um mesmo mantra: a expansão da infraestrutura é a base de tudo (ENCTI, pág. 7). Os próprios exemplos de sucesso da política – alguns muito importantes, outros controversos ou ainda muito longe de se concretizarem — são ações basicamente de oferta, como o Ciências sem Fronteiras, os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia – INCTs, o Pro-Infra, o Navio Oceanográfico, a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa – RNP, o Sistema Nacional de Laboratórios em Nanotecnologia – SisNANO, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Nacionais – Cemaden, ou anda o Projeto Sirius e o Reator Multipropósito – RMB.
Oportunidades, Desafios e Vantagens Competitivas Nacionais. O exame do que o documento chama de oportunidades exemplifica novamente este tipo de abordagem: em todas — em literalmente todas — as áreas identificadas como prioritárias — energias renováveis; materiais e minerais estratégicos; petróleo e gás; aeroespacial; nuclear; saúde; tecnologias convergentes e habilitadoras; segurança hídrica, alimentar e energética — a receita é, usando expressões retiradas do próprio documento, sempre a mesma: “esforços na formação de recursos humanos especializados”, “criação de novos centros (de pesquisa)”; “fortalecimento das infraestruturas já existentes", “incrementos no atual parque laboratorial”, “fortalecimento de centros de ensino e pesquisa”, “formação e capacitação de recursos humanos”, “construção e fortalecimento de centros (de pesquisa)”, ou "reforços em recursos humanos e infraestruturas." (ENCTI, pág. 22 a 27).
Devemos ter a coragem de reconhecer que esta proposição ainda está longe do que podemos fazer e mesmo do que já fazemos hoje, em termos de políticas de CT&I. Isto é bastante evidente para as oportunidades listadas, mas também para o que o documento identifica, na sequência, de desafios, de vantagens competitivas ou de temas estratégicos.
As políticas setoriais, a política industrial e tecnológica, as ações da própria Finep, do CNPq e do BNDES nestes temas já vão muito além da mera oferta de infraestrutura e da formação de recursos humanos. A criação de competências, a articulação entre centros de produção de conhecimento e empresas, as encomendas de soluções tecnológicas ao setor privado, a articulação entre desenvolvimento tecnológico e políticas de compras, o uso de instrumentos como crédito e subvenção, o apoio a novas empresas de base tecnológica e ao capital de risco, sugerem que nosso arcabouço de políticas já é muito mais amplo do que o documento da ENCTI sugere.
Na realidade, há conhecimento bem mais detalhado dos problemas e das estruturas de mercado de cada setor em inúmeras áreas de governo, a exemplo das Agências e Ministérios setoriais, da FINEP e do BNDES, ou de instituições como a ABDI, a APEX, o Sebrae ou o IPEA. A produção de Agendas Tecnológicas Setoriais, de levantamento feitos no âmbito das políticas industriais recentes (PITCE, PDP e Brasil Maior) ou no contexto do Programa Inova Empresa sugerem que as proposições de políticas podem e devem ir além da formulação genérica de políticas de oferta nos moldes convencionais propostos pela ENCTI.
Alguns exemplos desta dissintonia são marcantes, como as recomendações feitas na ENCTI para o Pré-sal, que repetem o diagnóstico de anos atrás, antes da grave crise pela qual passa a Petrobrás e todo o setor de óleo e gás no mundo, em função da queda do preço do petróleo e dos problemas de governança da empresa; ou no tema de doenças tropicais, que enfrenta talvez um dos maiores desafios de sua história, frente à gravidade do surto de dengue, da febre chikungunya e da proliferação do zika vírus, transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti, apesar da afirmação do documento acerca de nossa suposta liderança cientifica e domínio tecnológico; ou ainda o setor espacial, cuja política atual vai muito além da criação de infraestrutura e passa pela combinação de encomendas de satélites articulando vários ministérios e empresas âncoras; ou mesmo o setor nuclear, em que uma encomenda do tipo do Reator Multipropósito vai precisar combinar um arsenal mais vasto de políticas para que tenha sentido estratégico, como a busca pelo domínio do ciclo do combustível, a produção de radiofármacos, a oferta de fontes de nêutrons para experimentos com novos materiais, ou ainda — e em especial — a recriação de uma competência mínima em engenharia que não nos leve a empreender um projeto quase que totalmente concebido fora do país.
De forma similar, nos vários temas listados como desafios — a exemplo de terras raras; nanotecnologia e nanomateriais, biotecnologia, TICs, neurociências, manufatura avançada e aditiva, segurança hídrica, alimentar e energética, sistemas produtivos sustentáveis, energias renováveis, e nos chamados desafios globais, como mudanças do clima, segurança cibernética, envelhecimento populacional, doenças negligencias e mitigação de desastres naturais, ou ainda no que se identifica como setores com vantagens competitivas (agricultura tropical, doenças tropicais, aeronáutico, petróleo e gás, nuclear e bioeconomia) —, é preciso dar concretude às propostas, indo além do que se prescreve novamente como “esforços na formação e qualificação de recursos humanos” e “necessidade de se estabelecer novas redes (de pesquisa) que possuam uma visão global do problema” (ENCTI, pág. 29 e 30).
Aqui, para além de superar a natureza genérica das recomendações gerais de melhor infraestrutura de pesquisa e de recursos humanos mais qualificados, é conveniente também esclarecer de forma adequada o sentido das diferenças entre as várias terminologias e tipologias utilizadas para os setores e temas elencados, ou seja, seus atributos como oportunidades, desafios, vantagens competitivas, desafios globais e temas estratégicos, sem o que fica difícil saber o que é de fato prioritário, frente a uma lista tão vasta de temas e de qualificações.
Competências do Sistema Nacional de CT&I. A parte final da Proposta da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação apresenta nosso Sistema Nacional de Inovação, seus atores (Universidades e Institutos de Pesquisa, Governo e Empresas), seus instrumentos, sua institucionalidade e suas fontes de financiamento, dando novamente ênfase aos “necessários esforços crescentes de expansão, consolidação e integração do SNCTI,” em especial da infraestrutura laboratorial e dos recursos humanos qualificados. (ENCTI, pág. 36)
O quadro descrito revela a razoável complexidade deste sistema, que inclui diversos Ministérios, Secretarias Estaduais, agências executoras federais e estaduais, agências reguladoras e operadores de CT&I, sob a coordenação do MCTI, além de entidades de representação do mundo acadêmico e empresarial e do Congresso Nacional.
Este diagnóstico também serve para apresentar a estrutura de financiamento existente (orçamentos e fundos) e os instrumentos (fomento, subvenção, participação no capital, incentivos fiscais, crédito e compras governamentais) que servem de base para a operação do sistema. (ENCTI, pág. 42 e seguintes)
Infelizmente, a Proposta de ENCTI não atualiza o diagnóstico sobre estas questões para desnudar com clareza a natureza da crise fiscal atual e seu impacto sobre o financiamento do esforço nacional de CT&I, chegando a afirmar, com dados de 2013, que “os investimentos em C&T do governo federal têm crescido a taxas acima do crescimento econômico desde 2000” (ENCTI, pág. 43). Perde-se assim uma oportunidade importante de abrir um debate sério com a Sociedade e também o Congresso Nacional das alternativas que serão necessárias para encontrar uma nova estrutura de financiamento para o esforço tecnológico que o Brasil precisa dar.
Em especial não se avança em propostas que já estão em estudo no próprio âmbito do MCTI e tem sido sugeridas pelas entidades da área Acadêmica e Empresarial, como assegurar o direcionamento de recursos do Fundo Social para Inovação, reestruturar as fontes de recursos que constituem o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e recompor os recursos de subvenção e os incentivos fiscais para P&D, além de garantir financiamento para a continuidade dos programas de apoio à inovação do BNDES e da Finep, notadamente do Programa de Sustentação do Investimento.
Sobre a formação de recursos humanos, a Proposta de ENCTI também se limita a examinar o papel das universidades e da parcela da força de trabalho com formação em nível de pós-graduação (mestres e doutores), dando quase nenhuma atenção aos demais profissionais, em especial engenheiros e técnicos, diferentemente de outras abordagens internacionais como a dos Estados Unidos, com ênfase em avaliar constantemente sua ‘technical and professional STEM workforce’ ou a do Reino Unido, com sua visão ampla de ‘qualificações’. Este viés decorre da visão de que a “formação em níveis de pós-graduação, mestrado e doutorado, e´ uma condição necessária para a realização das atividades de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e gestão das políticas e programas do setor”, conceito que também deriva o diagnóstico da “necessidade de maior presença de mestres e doutores nos ambientes de inovação empresarial”. (ENCTI, pág. 47 e 50)
A ênfase na pós-graduação tem muito sentido quando se examina a vida acadêmica e a capacidade e a qualidade da pesquisa feita por universidades. Também é relevante para a liderança de pesquisa das equipes de Pesquisa e Desenvolvimento das empresas. Mas o perfil do conjunto da força de trabalho em P&D em qualquer país está longe de ser composto basicamente por mestres e doutores. No caso norte-americano, por exemplo, circunscrevendo-se apenas ao pessoal com nível superior, só cerca de 15% dos que trabalham em P&D possuem doutorado, enquanto 27% possuem mestrado e 55% possuem apenas graduação.
Ao desconsiderar o perfil real da força-de-trabalho que atua em Pesquisa e Desenvolvimento, esta abordagem não permite verificar inúmeros problemas relacionados à formação de pessoal qualificado no Brasil, especialmente engenheiros e pessoal técnico de nível médio, e auxilia muito pouco na melhoria das políticas de qualificação de pessoal, desconsiderando inclusive o esforço que tem sido feito na ampliação do ensino técnico e no reforço à engenharia, pelo próprio Governo Federal.
Uma Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. A “Proposta da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação 2016-2019” tem o grande mérito, já evidenciado aqui, de abrir um debate sobre os rumos que o país pretende dar para suas políticas nacionais de Inovação. Para a Indústria brasileira esta é uma agenda prioritária e absolutamente decisiva para seu futuro. Por esta razão a liderança da indústria brasileira está disposta a contribuir da melhor forma possível para esta discussão.
Uma estratégia deve indicar rumos e grandes objetivos, sinalizar os meios disponíveis e necessários, detalhando recursos financeiros, humanos e de infraestrutura, definir os mecanismos de coordenação e de governança, envolvendo a Presidência da República e os principais Ministérios, mas também a Sociedade, incluindo a Academia e o meio Empresarial, sinalizar as métricas que desejamos alcançar e seus cronogramas, para podermos avaliar constantemente o que foi atingido e o que precisa ser reforçado ou reformulado na sua implementação.
Há muito o que fazer para que nosso ‘incompleto’ Sistema Nacional de Inovação avance e realize sua promessa de contribuir decisivamente para o desenvolvimento de nosso país e para a construção de uma sociedade melhor, com empregos mais qualificados e melhor inserção internacional.
Uma agenda ampla inclui a modernização de nosso marco legal, a revisão drástica do modelo de financiamento, a discussão da estrutura de governança, uma radical reforma do nosso mercado de capital de risco, das formas de apoio às startups de base tecnológica, inclusive com a mudança da legislação empresarial, bem como uma maior sintonia entre a política de comércio exterior e a política de inovação, além das iniciativas de formação de recursos humanos e do reforço da infraestrutura nacional de CT&I.
A Indústria se sente parte importante disto, parte constitutiva essencial de nosso Sistema de Inovação. Também nós precisamos avançar, em conjunto com o governo e com a academia, para que juntos possamos aspirar dias melhores. O melhor passo para isto é olhar de frente nossos desafios, encará-los com franqueza e com responsabilidade, assumindo compromissos conjuntos e pactuando entre todos o que fazer, com determinação, mas também com a ambição necessária para construir um futuro digno para nossa sociedade.