Carta IEDI
Dez Pontos Sobre a Indústria e a Economia Brasileira em 2015
Com a divulgação da maioria dos principais indicadores conjunturais para o ano de 2015 como um todo, a Carta IEDI de hoje faz uma avaliação do desempenho da indústria e da economia brasileira no ano passado. Bastaria, para ilustrar a gravidade do quadro econômico, apontar a contração de 3,8% do PIB, o pior resultado das últimas décadas, já que este é um indicador-síntese dos mais relevantes. Mas iremos além.
Esta Carta apresenta e discute um conjunto de dez indicadores, dentre os quais o PIB, que permitem definir melhor a situação que vivemos em 2015. O primeiro ponto a ser destacado é justamente o perfil da recessão que está em curso.
Houve um colapso do investimento (-14,1%), acompanhado de reduções também no consumo das famílias (-4,0%) e dos gastos do governo (-1,0%). O setor externo contribuiu positivamente, já que as exportações de bens e serviços tiveram um aumento de 6,1% e as importações queda de 14,3%. Entre os setores, a crise foi mais aguda na indústria de transformação (-9,7%), cujo declínio superou aquele de 2009 (-9,3%), quando eram sentidos os efeitos da crise global.
Quais as causas desse péssimo resultado? Uma conjunção perversa de fatores que não só se acumularam como também se agravaram ao longo do ano: deterioração generalizada do estado de confiança dos empresários e das famílias, crise política aguda e paralisia das inversões da Petrobras e do setor de construção pesada, na esteira das investigações da Operação Lava-Jato, e a adoção de medidas de ajuste fiscal que levaram a corte de investimento público e escalada dos juros em resposta a uma aceleração inflacionária provocada, em muito, pela decisão do governo de corrigir em curto prazo as tarifas públicas.
O declínio coincidente do investimento e da indústria não é mero acaso. Trata-se das faces de uma mesma moeda. É o que indica a liderança dos bens de capital (-25,5%) na contração da produção industrial de 2015 (-8,3%). O desempenho setorial da indústria é o outro aspecto para o qual gostaríamos de chamar atenção.
Outro setor a suportar uma queda recorde foi o de bens de consumo durável (-18,7%), sob efeito não apenas da redução do emprego e do rendimento das famílias, mas sobretudo do aumento dos juros e contração real do crédito ao longo de todo o ano. Conforme também será analisado nesta Carta, a taxa de desemprego média para 2015 atingiu 8,5% e rendimento real habitual caiu 2,0% só no último trimestre. As concessões reais de crédito às famílias, por sua vez, encolheram 9,9% e os juros médios chegaram a 37,9% a.a..
A crise desses setores acabou por se expressar regionalmente, já que pesam na indústria de alguns estados. Este é outro aspecto a ser analisado com mais atenção. Foi o caso de Amazonas, cuja produção industrial encolheu 16,8%, devido especialmente ao desempenho de produtos de informática, eletrônicos e motocicletas, e também do Rio Grande do Sul, com queda de 11,8%, sob efeito do setor de automóveis e de máquinas e equipamentos.
O mais preocupante, contudo, foi São Paulo ter apresentado a terceira maior queda da indústria em 2015 (-11,0%). Como se trata do maior e mais complexo parque industrial do país, sua evolução indica que as dificuldades foram transversais, atingindo todos os setores. Não é por acaso que nenhum ramo da indústria paulista se salvou; todas as 18 atividades pesquisadas caíram, com destaque para o setor automotivo, máquinas e equipamentos e produtos alimentícios.
De fato, a crise foi generalizada, afetando a maior parte dos produtos e setores pesquisados pelo IBGE. Mas se olharmos o desempenho da indústria segundo a intensidade tecnológica dos setores, constata-se que quanto mais intensivo em tecnologia maior a queda da produção. Este é um ponto importante, porque diferentemente de outros anos, em 2015 foi a indústria de alta tecnologia (-19,8%) que mais puxou para baixo o resultado da indústria de transformação como um todo (-9,9%).
Nem o setor externo foi capaz de ajudar a indústria em 2015, pelo menos não para a grande maioria dos setores. As exportações em valor de bens tipicamente produzidos pela indústria de transformação caíram 15,1% no ano passado. Mas tombo maior foi visto nas importações (-25,1%), decorrente da recessão da economia nacional. Os únicos setores a ampliarem suas vendas externas em 2015 foram madeira, papel e celulose (+4,3%) e aeroespacial (+10,6%).
A redução pela metade do déficit externo da indústria de transformação foi resultado, então, mais da queda das importações do que da alta das exportações. O mesmo ocorreu para a balança comercial como um todo. Mas cabe ressaltar que o menor déficit da indústria teve uma contribuição fundamental para a reversão de um resultado negativo de US$ 4,05 bilhões em 2014 para um superávit de US$ 19,7 bilhões em 2015.
A evolução da balança comercial permitiu, a seu turno, um ajustamento do setor externo. Com isso, o déficit de transações correntes regrediu de 4,3% para 3,3% do PIB entre 2014 e 2015 e o saldo do Balanço de Pagamentos encerrou o ano positivo em US$ 1,57 bilhão. Contudo, posto em perspectiva, esse ajustamento externo foi bastante moderado frente àquele de 2002, quando o déficit de transações correntes atingiu apenas 1,5% do PIB, saindo de 4,2% em 2001.
Fica claro do exposto acima que 2015 foi um ano que a indústria gostaria de esquecer. Mas é preciso reconhecer que, apesar de menos acentuadas, os setores comércio e serviços também sofreram perdas importantes. Não poderia ser diferente, já que a indústria tem no comércio varejista um canal importante de distribuição de vários de seus bens no mercado interno e é um grande demandante de serviços. Dificilmente a crise ficaria restrita ao setor industrial.
No acumulado de 2015, o volume de vendas do varejo caiu 4,3% no conceito restrito e 8,6% no conceito ampliado (inclui automóveis e materiais de construção). Mas os segmentos mais penalizados foram os de veículos e motos, partes e peças (-17,8%) e móveis e eletrodomésticos (-14,0%), compostos exatamente daqueles bens industriais cuja produção foi gravemente afetada.
Outros grupos de produtos também foram muito prejudicados. Entre eles estão tecidos, vestuário e calçados (-8,7%), material de construção (-8,4%) e combustíveis e lubrificantes (-6,2%), em função, neste último caso, da forte elevação dos preços dos combustíveis e, nos dois primeiros setores, de um misto de piora das condições de crédito e queda da massa de rendimento das famílias.
O setor de serviços, por sua vez, foi aquele que melhor conseguiu se proteger da crise, pelo menos na primeira metade do ano. No ano, a receita em termos reais do setor encolheu 3,6%. Os destaques negativos foram aqueles serviços mais sensíveis à retração do poder de compra e do emprego e à deterioração das expectativas das famílias, como alimentação fora de casa e alojamento (-5,5%), e aqueles dependentes do ritmo de atividade, como serviços de transporte, sobretudo, terrestres (-10,4%).
Recuos expressivos também foram vistos naqueles serviços consumidos pelas empresas, como os técnicos profissionais (-9,7%) associados à crise da indústria, a cortes de projetos de investimento e à paralização do setor de construção, entre outros fatores. Serviços administrativos e complementares, que incluem várias atividades terceirizadas pelas empresas, demoraram mais para entrar em recessão, mas caíram 2,4% no acumulado do ano.
Em suma, terminamos 2015 com muitas baixas. Empresas, famílias e o próprio setor público anseiam em virar a página e poder contar com alguma perspectiva de crescimento. É aí que o problema persiste. No final do ano passado muitos indicadores sugeriam um processo de agravamento neste início de 2016, como nos casos do emprego, do crédito e de alguns ramos da indústria, do comércio e dos serviços.
A única notícia boa de 2015, uma taxa de câmbio mais competitiva, deve de fato contribuir para uma retomada das exportações e um processo de substituição de importações. Mas apenas isso não deve ser suficiente para reverter a situação adversa em que a indústria e a economia brasileira ainda se encontram, especialmente diante do baixo dinamismo da economia mundial e do ambiente de incertezas produzido pelo acirramento dos conflitos políticos internos.
1. PIB – Investimento e Indústria Puxam A Recessão. O ano de 2015 foi permeado de diversos fatores com desdobramentos importantes sobre a economia, tais como a piora das expectativas e da rentabilidade empresarial, a brusca recomposição de preços administrados e a desvalorização da taxa de câmbio, que contribuíram para a elevação da inflação e redução do poder de compra das famílias, elevação dos juros, crise política e fragilização do governo, ajuste fiscal e corte de investimentos públicos. Assim, muito dificilmente a economia deixaria de ter um desfecho diferente do que teve. A contração do PIB foi de 3,8% em 2015.
Como a crise de confiança condensa e resume todos esses fatores, naturalmente foram as variáveis que mais se nutrem dela que sofreram mais, como, por exemplo, o investimento que, além disso, também esteve sob a influência da elevação das taxas de juros.
No caso do consumo, esse foi reagindo à redução do emprego e do rendimento real das pessoas, além do endurecimento das condições do crédito, que se tornou mais raro e mais caro em 2015. O setor externo, por sua vez, passou por um ajuste clássico, muito embora esse tenha resultado mais das importações do que das exportações.
Como esses fatores ainda não mostram sinais de reversão, o quadro para a economia em 2016 também não poderia deixar de ser desfavorável.
O texto a seguir analisa os resultados gerais de 2015, mas também procura assinalar mudanças que por ventura já estejam acontecendo, para melhor ou para pior, e que poderão afetar o desempenho de 2016.
A decomposição do PIB em demanda interna, isto é a produção com vistas ao mercado interno, e demanda externa, que representa a contribuição líquida do resto do mundo ao crescimento nacional, indica que o cenário poderia ser muito pior não fosse o comércio exterior. Em 2015, a demanda interna contribuiu com -6,5 p.p. para desempenho de -3,8% do PIB.
Já a contribuição do setor externo foi positiva em 2,7 p.p.. É preciso notar, contudo, que isso se deveu mais à forte contração das importações (-14,3%), decorrente da crise da economia nacional, do que à expansão das exportações de bens e serviços (+6,1%). Enquanto os produtos primários foram os maiores responsáveis pela evolução das exportações, as importações caíram puxadas pela menor compra externa de bens industriais, sobretudo, de máquinas e equipamentos, veículos e equipamentos eletrônicos.
Isso nos remete ao componente da demanda interna de pior desempenho em 2015, a saber, o investimento. Sua contração foi de nada menos que 14,1%. Isso depois de já ter caído 4,5% em 2014.
Períodos longos de queda do investimento são preocupantes porque não apenas comprometem a capacidade futura de produção como também contribuem para a obsolescência da estrutura produtiva do país. Como agravante, o declínio da formação bruta de capital fixo em 2015 foi muito maior do que em 2014, especialmente em função da retração de 26,5% do investimento em máquinas e equipamentos.
Os demais componentes de demanda também apresentaram variações negativas. O consumo do governo foi 1,0% menor em 2015, decorrente das medidas de ajustamento das contas públicas. O consumo das famílias, por sua vez, caiu 4,0% na esteira do aumento do desemprego, da inflação e dos juros, bem como da contração do crédito, que corroeram seu poder de compra ao longo do último ano.
Do lado da oferta, a contração do PIB teve como líder a indústria, que passa por uma situação dramática já há algum tempo. O PIB industrial encolheu 6,2%, em 2015, mas dois de seus segmentos sofreram mais do que isso. O produto da indústria de transformação conseguiu cair 9,7% em 2015, mais do que em 2009 (-9,3%), quando sentiu os efeitos da crise global. Já o PIB da construção civil declinou 7,6%.
No setor de serviços, o comércio (atacadista e varejista) não teve um desempenho melhor; caiu 8,9%. Outro segmento bastante afetado pelo baixo nível geral de atividade econômica foi o de transporte, armazenagem e correios (-6,5%). Com isso, o PIB de serviços fechou o ano em queda de 2,7%.
Resultado positivo mesmo foi possível apenas para a indústria extrativa, cujo produto se expandiu 4,9% no ano, e para o setor agropecuário, com crescimento de 1,8%. Para os demais, 2015 foi um ano ruim ou péssimo, como vimos acima.
Vejamos as tendências que podem ser inferidas dos dados recentemente divulgados. Para isso, lançaremos mão das variações em relação ao período imediatamente anterior com ajuste sazonal que, são mais sensíveis às mudanças de curto prazo capazes de indicar um princípio de reversão do cenário, a ser verificado posteriormente.
Nesse sentido, o consumo das famílias parece caminhar para uma situação menos ruim desde segunda metade de 2015. Continua em contração, mas a variação de -1,3% no último trimestre do ano é sensivelmente melhor do que aquelas de 2,1% e 2,2% nos dois primeiros trimestres.
Algo semelhante pode estar ocorrendo com as exportações que depois da queda de 2,4% no terceiro trimestre voltou a se aproximar do terreno positivo no quarto trimestre (-0,4%). Este é um fator favorável porque pode vir a contribuir para uma melhor composição do setor externo, em que saldos adicionais da balança comercial derivem mais de nossas vendas externas.
Onde o quadro continua complicado é no investimento, cuja trajetória sugere uma estabilização do ritmo de queda em um patamar que ainda é preocupante, em torno de 4,5%. Em pior situação pode estar o consumo do governo que, após relativa estabilidade nos primeiros trimestres, caiu 2,9% no último.
Em termos setoriais, boas notícias podem vir da agropecuária, que reverteu a queda de 3,6% no segundo trimestre em um crescimento de 2,9% no quarto trimestre, bem como da construção civil que seguiu o mesmo caminho (de -5,0% para +0,4% no mesmo período).
Mesmo a indústria de transformação, a contar por sua evolução nos últimos trimestres, parece caminhar para uma situação menos difícil. Apesar o sinal negativo permanecer, regrediu de uma queda de 4,4% para redução de 2,5% entre o segundo e o quarto trimestres de 2015. Ainda não há motivos de comemoração, evidentemente, mas há aqui uma indicação de luz no fim do túnel ainda que fraca.
Já o comércio também revela uma situação menos ruim no final em comparação com o início de 2015, mas sua evolução sugere uma estabilização do nível de queda em torno de 2,5%.
Outros setores relacionados com o nível geral de atividade econômica mostram também uma melhora relativa. No caso de eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana, as variações voltaram a ser positivas nos dois últimos trimestres e no caso de transporte, armazenagem e correio as quedas têm sido menores.
Em sentido oposto estão a indústria extrativa, cujo tombo de 6,6% no último trimestre está associado a eventos exógenos, e administração, saúde e educação públicas. A queda de 2,0% destas atividades pode estar indicando a grau de dificuldades enfrentadas pelos estados e municípios.
2. Indústria – No Olho do Furacão. Em 2015, a evolução da indústria brasileira foi marcada por novas perdas. Os já conhecidos problemas estruturais associados à baixa competitividade interna e externa se somaram no ano passado à fortíssima retração da demanda doméstica, em muito influenciada pela política econômica restritiva, que contou com juros em elevação e severo ajuste fiscal, a penalizar os investimentos públicos, e pela rápida deterioração de empresários e consumidores. Por essas razões, o setor industrial foi o epicentro da crise econômica de 2015.
O aspecto mais evidente a marcar o desempenho da indústria em 2015 foi, sem dúvida, o nível de contração da produção, -8,3%, o mais intenso da atual serie da produção industrial do IBGE iniciada em 2002; superando, inclusive, o baque da crise global, que levou a uma queda de 7,1% em 2009. Observa-se, também, que em 2015 a indústria de transformação sofreu ainda mais (-9,9% contra -7,0% em 2009) e que os resultados dos dois últimos trimestres foram sensivelmente piores, tanto para a indústria geral como a de transformação.
Outro aspecto importante foi o perfil disseminado de queda. Dos 26 ramos pesquisados pelo IBGE 25 apresentaram recuo no ano passado, atingindo 78,3% dos produtos levados em conta pela pesquisa.
A liderança dessa involução industrial em 2015 coube aos bens de capital cuja contração atingiu 25,5%. Na raiz desse processo está a mesma engrenagem perversa que penalizou o investimento: deterioração generalizada do estado de confiança dos empresários, contração real do crédito, elevação dos juros, intenso corte do investimento público e paralisia das inversões da Petrobras e do setor de construção pesada.
Nota-se, ainda, o declínio da produção de bens de capital foi sistematicamente superior a 30% a partir do mês de agosto. A despeito desse patamar extremamente elevado, ao menos a trajetória de piora parece ter perdido força no final do ano: -22% e -30,5% no segundo e terceiro trimestre e -32% no último trimestre do ano.
O segundo pior desempenho em 2015 ficou a cargo dos bens de consumo duráveis, com queda de 18,7%. Fortemente afetada pela contração do crédito e queda do rendimento das famílias, a situação dessa categoria ficou pior a cada mês, aproximando-se do patamar de -30% no final do ano. A comparação das variações do terceiro e do quarto trimestre de 2015 ilustra bem essa trajetória, passando de -18,9% para -27,6%, respectivamente.
A produção de bens de consumo semi e não duráveis, por sua vez, acumulou declínio de 6,7% em 2015, mas parece ter tido algum alívio no final do ano. No último trimestre, sua produção caiu um pouco menos (-5,8%), revertendo a tendência de agravamento vista nos primeiros trimestres.
Essa desaceleração foi influenciada pelo crescimento da produção de alimentos no último trimestre (+1,3%), refletindo, muito possivelmente, uma reativação das exportações do setor, bem como a essencialidade dos bens por ele produzido que impede maiores ajustamentos na quantidade consumida pelas famílias, a despeito da evolução da sua renda.
Já os bens intermediários apresentaram a evolução menos adversa em 2015, acumulando retração de 5,2% no ano. De fato, sua produção costuma apresentar variações menos expressivas que outros setores. Isso porque seus produtos são utilizados por um conjunto bastante diversificado de atividades econômicas, o que lhe confere alguma estabilidade frente aos ciclos econômicos.
O aspecto desfavorável a ser destacado é que o resultado anual não mostra a rápida deterioração em 2015 dos bens intermediários. Seu declínio avança de -2,4% e -2,8% nos dois primeiros trimestres, -5,8% e finalmente -9,6% no terceiro e quarto trimestres. Isso está a apontar a gravidade do quadro vivido pela indústria em 2015 e a sugerir dificuldades ainda importantes para 2016.
3. Indústria por Intensidade Tecnológica – Quanto Mais Tecnologia, Maior a Queda. Os patamares históricos de queda da produção industrial ganham toda uma outra dimensão quando analisamos a indústria segundo os diferentes níveis de intensidade tecnológica. O que vimos em 2015 foram perdas mais agudas quanto maior a intensidade tecnológica dos setores
Assim, a mais penalizada no ano foi a produção da indústria de alta intensidade tecnológica, cuja retração atingiu 19,8%. Essa categoria, que inclui produtos farmacêuticos, de informática, eletroeletrônicos e aparelhos médicos e de precisão, nunca tinha chegado sequer próximo a esse patamar de queda nos anos 2000.
O ano passado marcou, então, uma ruptura no comportamento dessa indústria vis-à-vis a de transformação como um todo. Desde 2011, quando as dificuldades começaram a se avolumar e a produção industrial se desacelerar, a alta tecnologia conseguia se manter menos procíclica, evitando variações negativas expressivas. Em 2015 tudo mudou.
Todos seus setores tiveram forte declínio, a começar pelos produtos de informática que levaram um tombo de 42,7%. Equipamentos de rádio, TV e comunicações não ficaram atrás e recuaram 27,3%, seguidos dos instrumentos médios, óticos e de precisão (-18,1%) e dos produtos farmacêuticos (-12,2%).
Outra categoria a apresentar contração recorde em 2015 foi a de média-alta intensidade tecnológica (-16,0%). Seu desempenho conseguiu ser pior que o de 2009 (-12,4%), quando liderou a queda da produção sob influência da crise global.
Não é incomum o comportamento mais cíclico dessa categoria, uma vez que aqui as expectativas sobre o futuro pesam como em nenhuma outra. Isso porque compreende setores de bens de capital e atividades muito dependentes das condições de crédito. Não poderia, então, passar imune aos acontecimentos que marcaram 2015.
Quem mais puxou para baixo seu resultado foi o setor automotivo, que caiu 25,7% no ano, bem como máquinas e equipamentos (-14,6%) inclusive os elétricos (-12,2%), seguindo o colapso do investimento. O agravante é que a produção de todos esses setores já tinha caído bastante em 2014.
O desempenho negativo da indústria química também foi reincidente e isso a despeito de ser o componente mais estável da categoria, por produzir bens intermediários demandados por um conjunto diversificado de setores industriais.
Já a indústria de média-baixa intensidade tecnológica apresentou a terceira pior evolução em 2015 (-7,8%), mas conseguiu evitar, por pouco, uma deterioração superior àquela de 2009 (-8,8%). Muito disso se deveu a um declínio menos acentuado em produtos metálicos (-9,8% contra -16,5%) e, em menor medida, em borracha e produtos plásticos (-9,1% contra -9,3%).
Entretanto, em hipótese alguma isso deve ser confundido com uma situação menos grave para esses setores pela seguinte razão: desde 2012 que a produção de metálicos só vê variações negativas e no caso de borracha e plástico desde 2011, ainda que 2013 tenha tido um crescimento pífio de 0,7%. As quedas são reincidentes e cada vez maiores nesses setores.
Mesmo os derivados de petróleo não conseguiram escapar do declínio em 2015 (-5,9%) e minerais não metálicos tiveram seu segundo ano consecutivo de queda (-7,8%), em muito influenciados pela crise da construção.
A categoria com o menor nível de retração no ano passado foi a de baixa intensidade tecnológica muito em função da maior estabilidade conferida pelo peso do setor de alimentos. Sua trajetória combina, contudo, os dois aspectos muito desfavoráveis destacados anteriormente para as demais categorias.
Seu resultado de -5,2% em 2015 também foi o pior desde 2003 e faz parte de uma série de resultados negativos sucessivos desde 2011. A única exceção foi 2013 quando patinou em 0,6%. As dinâmicas contrastantes de dois importantes setores concorreram para esse desempenho da categoria como um todo.
De um lado, a essencialidade e as vendas externas garantem intervalos mais estreitos de oscilação da produção de alimentos, bebidas e tabaco. Ainda assim, sem exceção, a única direção verificada desde 2012 foi para baixo, atingindo -3,1% em 2015.
De outro lado, têxteis, couros e calçados apresentam comportamento mais volátil e suas perdas são as maiores da categoria. Sua produção recuou 4,4% em 2014 e mais 10,9% em 2015.
Mais desanimador do que esses resultados de 2015, em si, é constatar que o limiar de 2016 não tem trazido novidades positivas, com indefinições persistindo e mantendo ou ampliando óbices de monta para o cálculo empresarial. Ainda que muitos setores venham a apresentar alguma estabilização de seus ritmos de queda ao longo do presente ano, depois das perdas recordes sofridas no passado recente, isso em nada será suficiente para justificar otimismo.
4. Regional – Não Escapa Ninguém. A crise indústria foi generalizada não apenas setorialmente, mas também do ponto de vista regional. A grande maioria das localidades pesquisadas pelo IBGE apresentaram contração. Poucos eram aqueles que, apoiados no setor extrativo, conseguiam resistir à retração; mesmo assim, não escaparam do terreno negativo no final do ano.
Em 2015 houve queda da produção em 12 das 15 localidades pesquisadas. Dentre elas, algumas localidades com parques industriais importantes tiveram recuos muito superiores ao agregado nacional (-8,3%). São os casos de Amazonas (-16,8%), Rio Grande do Sul (-11,8%) e São Paulo (-11,0%), indicando a gravidade da crise enfrentada no ano passado.
O desempenho de Amazonas e Rio Grande do Sul esteve fortemente associado aos setores mais atingidos pela crise, a saber, bens de consumo duráveis e bens de capital, com fortes representações nas indústrias desses estados. As principais contribuições negativas para a produção industrial amazonense vieram de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (-31,4%) e outros equipamentos de transporte (-17,6%), no qual se destaca muito a produção motocicleta; e para a indústria gaúcha, veículos automotores, reboques e carrocerias (-33,9%) e máquinas e equipamentos (-26,3%).
Já a contração da indústria paulista tem um significado todo especial, dada a sua complexidade. O seu desempenho de -11%, como assinalado anteriormente, indica que as dificuldades foram transversais, atingindo todos os setores. Não é por acaso que em São Paulo nenhum ramo se salvou; todas as 18 atividades pesquisadas caíram. As principais contribuições vieram de veículos automotores, reboques e carrocerias (-22,6%), máquinas e equipamentos (-13,8%) e produtos alimentícios (-6,2%).
Contudo, no segundo semestre do ano o ritmo de queda da produção em São Paulo parece ter se estabilizado, como mostram as variações trimestrais: -5,9%, -11,5%, -13,0% e -12,9%, sempre em relação ao mesmo trimestre do ano anterior. Apesar do patamar elevado, o fato de o quadro ter parado de piorar em São Paulo pode servir de algum alento para o desempenho da indústria nacional em 2016.
A constatação também cabe a outros poucos estados, como para Santa Catarina (-9,8% e -9,3% no terceiro e quarto trimestres, respectivamente), Pernambuco (-4,9% e -4,6%), Ceará (-12,1% e -10,5%) e Rio Grande do Sul (-12,5% e -14,1%). As demais localidades infelizmente continuam em uma trajetória de crescente deterioração, a exemplo do Nordeste (-0,8% e -5,1% nos dois últimos trimestres).
Mesmo dentre os três estados que conseguiram fechar o ano com crescimento da produção, a maioria apresentou contração no último trimestre, sugerindo dificuldades para 2016. No Espírito Santo, os efeitos do rompimento da barragem da Samarco levaram a uma contração de 14,3% no quarto trimestre. Em Mato Grosso, a produção industrial caiu tanto no terceiro (-2,0%) como no quarto trimestre (-7,5%).
O Pará foi o único estado onde a produção industrial continuou se expandindo ao longo de todo ano graças às atividades extrativistas. Apesar disso, é clara a trajetória trimestral de desaceleração: +8,8%, +5,1%, +5,3% e +4,4% nos quatro trimestres do ano, respectivamente. Se esse movimento continuar em 2016, o estado poderá deixar de ser exceção.
5. Balança Comercial – À Espera da Retomada das Exportações. Em 2015, a balança comercial do País voltou à condição superavitária, de US$ 19,7 bilhões, revertendo o sinal de 2014 e a tendência de piora no saldo que vinha desde 2012. No caso dos bens tipicamente produzidos pela indústria de transformação, o déficit retrocedeu do patamar recorde US$ 63,6 bilhões de 2014 para um resultado negativo de US$ 30,7 bilhões.
Este retorno ao superávit decorreu de uma queda das importações de 25,1% mais do que compensando a retração de 15,1% das exportações. Quanto às mercadorias provenientes da indústria de transformação, suas exportações diminuíram pela segunda vez consecutiva, de US$ 133,5 bilhões em 2014 para US$ 120,2 bilhões em 2015, recuo de 10,0%. Logo, a magnitude do déficit encolheu pela forte retração nas importações não só dos itens da indústria de transformação (-23,4%), mas também dos demais bens – agropecuários e minerais – da balança comercial brasileira (-35,9%).
O IEDI vem ao longo do tempo acompanhando o comércio exterior dos bens da indústria de transformação pela classificação de intensidade tecnológica nos moldes da OCDE, que abarca quatro faixas: de alta intensidade, de média-alta, média-baixa e baixa. Cada uma delas é subdividida em segmentos ou ramos, somando dezenove ao todo.
Um modo de visualizar os fluxos comerciais por tal critério reside em concatenar tais faixas e ramos em termos quer do saldo, quer do comportamento das exportações, se cresceram ou não em 2015. Assim, pode-se verificar quatro situações:
Na primeira situação, a melhor delas, estão os segmentos superavitários no ano, cujas exportações em dólares correntes cresceram frente ao ano anterior. Nenhuma das quatro faixas se encaixaram nesse quadrante em 2015. Dez anos antes, as de média-alta, média-baixa e de baixa intensidade estavam nele. Dos dezenove ramos, só dois: um de alta intensidade, a indústria aeronáutica, e um de baixa intensidade, produtos madeireiros, de papel e celulose e impressão gráfica. Em 2005, nove ramos combinavam superávit com expansão exportadora;
A segunda abarca aqueles que, embora deficitários, exportaram mais do que no ano anterior. Só a faixa de alta intensidade logrou ampliar suas exportações, puxadas pela indústria aeronáutica, mas insuficiente para se tornar superavitário. Registrou déficit de R$ 22,8 bilhões. Dez anos antes, também só essa faixa se encontrava em tal situação. Dentre os agrupamentos, nenhum se encaixou nessa situação em 2015. Significa que somente exportaram mais em 2015 os dois ramos antes mencionados.
Em 2015, na terceira e pior situação ficaram as faixas de média-alta (déficit de US$ 42,7 bilhões) e média-baixa intensidade (déficit de US$ 524 milhões). Portanto combinaram saldo negativo com declínio exportador. Dos dezenove ramos, treze registraram déficit com vendas externas cadentes: quatro da faixa de alta intensidade – produtos farmacêuticos e os três ramos do complexo eletrônico; todos os cinco de média-alta, i.e., dois de materiais de transporte terrestres, os dois ramos de máquinas e equipamentos e a indústria química; dois de média-baixa, a saber, produtos de borracha e plásticos e os produtos derivados de petróleo e afins; e dois de baixa intensidade, produtos diversos e o ramo de têxteis, vestuário, calçados e artigos de couro.
A quarta situação encampa os superavitários cujas exportações declinaram no ano. É onde está a faixa de baixa intensidade em 2015, com seu expressivo saldo, de US$ 35,3 bilhões. Tal magnitude só foi possível por conta dos alimentos industrializados, bebidas e fumo, com superávit de US$ 29,8 bilhões, conjunto de bens que ocupava a primeira caixa em 2005. Além desse ramo, outros três, todos de média-baixa, compõem essa caixa: construção naval, outros produtos de minerais não-metálicos e os produtos metálicos (inclui os produtos da siderurgia). Logo, o seleto grupo de bens da indústria de transformação cujas exportações cresceram ficou ainda mais seleto em 2015 do que em 2014. Se eram cinco de dezenove, em 2015 restaram dois. Dentro está um segmento intensivo em tecnologia, a indústria aeronáutica, cujo êxito está associado a esforços governamentais que partiram de uma empresa estatal e principalmente da formação de recursos humanos qualificados e especializados. O outro segmento, de produtos madeireiros, de papel e celulose e impressão gráfica, é caracterizado pelo processo produtivo intensivo em recursos naturais.
Em suma, se houve melhora no resultado comercial, não se pode comemorar. Retomar as exportações passa a ser a chave para a economia voltar a crescer. Mas também permanece como um desafio para 2016.
6. Comércio Varejista – Grandes, Médias e Pequenas Perdas. No acumulado de 2015, o volume de vendas do varejo restrito caiu 4,3%, e as do varejo ampliado, que leva em conta as vendas de automóveis e materiais de construção, 8,6%, apresentando uma trajetória de contínua degradação trimestre após trimestre. Esses resultados foram de importante consequência para a produção industrial desses bens.
As variações do volume de comércio no acumulado do ano passado permitem a identificação de 4 grandes grupos de setores.
O primeiro compreende os setores gravemente afetados pela crise, com quedas de dois dígitos. São eles: veículos e motos, partes e peças (-17,8%) e móveis e eletrodomésticos (-14,0%), cujas vendas vêm sendo fortemente afetadas pela elevação dos juros e pela restrição ao crédito impostas pelos credores e também pelo receio dos consumidores em assumir novos compromissos futuros. Ademais, no último trimestre o quadro desses setores mostrava-se sensivelmente mais grave (-22,7% e -16,3%, respectivamente).
Livros, jornais, revistas e papelaria também pertencem a esse grupo, com queda de 10,9% das vendas, refletindo não apenas a crise econômica, mas também a concorrência de conteúdos eletrônicos, vendidos pela internet.
No grupo seguinte, o dos setores muito afetados, estão tecidos, vestuário e calçados (-8,7%), material de construção (-8,4%) e combustíveis e lubrificantes (-6,2%). Neste último caso, a razão para a queda das vendas foi certamente a forte elevação dos preços dos combustíveis. Nos dois primeiros setores, as vendas foram prejudicadas por um misto de piora das condições de crédito e queda da massa de rendimento das famílias.
O grupo dos moderadamente afetados, por sua vez, inclui hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo (-2,5%) e outros artigos de uso pessoal e doméstico (-1,3%). Esses setores, de grande peso no comércio varejista, também sofreram com a trajetória da massa de rendimento, mas seu mix diversificado de produtos e a essencialidade de alguns deles amenizaram suas perdas.
Também nesse grupo encontram-se os equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação, cuja retração no segundo semestre produziu um resultado de -1,7% no ano.
Por fim, temos o grupo formado por apenas um setor que conseguiu manter algum crescimento: artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos (+3,0%). A má notícia é que os dados mais de ponta mostram importante desaceleração do setor (+1,6% no último trimestre).
Em suma, 2015 foi um ano ruim para praticamente todos os setores do comércio, ainda que alguns deles venham fraquejando penas nos últimos meses do ano, já perto de taxas negativas. Como existem indicações de que a piora do mercado de trabalho continua em processo e de que as condições de crédito não devem ser revertidas no curto prazo, as perspectivas para o varejo em 2016 não são as melhores.
7. Serviços – A Sequência da Retração. O consumo de serviços guarda relações estreitas com a renda média da população e com o nível geral de atividade econômica. Para as famílias, representa uma modernização de estilo de vida que acompanha a ascensão da sua renda. Muitos desses serviços, como os de educação, planos de saúde e comunicação, tornam-se conquistas que as famílias resistem em abrir mão. Para as empresas, acompanha a sofisticação da economia, que exige maiores quantidades e diversidade de serviços técnicos, bem como a concentração de esforços em seus negócios principais, terceirizando atividades de apoio.
Por essas razões, o setor de serviços foi bastante beneficiado pelo crescimento econômico da última década e tem apresentado, em comparação com outros setores, condições um pouco melhores para enfrentar o ambiente recessivo de 2015, inclusive pelo fato de estar menos suscetível ao colapso do crédito. Enquanto no ano passado a indústria encolheu 8,3% e as vendas do comércio varejista 4,3%, o setor de serviços caiu menos, 3,6%.
Mas ainda assim houve queda, com destaque para aqueles serviços mais sensíveis à retração do poder de compra e do emprego e à deterioração das expectativas das famílias, como alimentação fora de casa e viagens, e para aqueles dependentes do ritmo de atividade, como serviços de transporte.
Se considerarmos a ocorrência de dois trimestres consecutivos de queda como critério, o setor de serviços como um todo entra em nítida recessão a partir de junho de 2015, puxado, em primeiro lugar, pelos serviços prestados às famílias, em recessão desde o terceiro trimestre de 2014. Em volume, estes serviços acumularam no ano passado queda de 5,3%, condicionados principalmente por aqueles de alojamento e alimentação (-5,5%).
Os serviços técnicos profissionais também entraram em recessão já em 2014, mas a retração atingiu um patamar mais elevado somente em 2015. No ano, a queda acumulada foi de preocupantes 9,7%, em muito associada a cortes de projetos de investimento das empresas e à paralização do setor de construção, entre outros fatores.
Já os serviços administrativos e complementares, que incluem várias atividades terceirizadas pelas empresas, entraram em recessão apenas no final de 2015, devido a relações contratuais que lhe conferem alguma inércia temporária em relação à queda dos negócios. Ainda assim, caíram 2,4% no acumulado do ano.
Outro segmento a demorar a entrar em recessão, segundo critério aqui adotado, foi o de serviços de informação e comunicação a ponto de ter fechado o ano em estagnação, devido à sua essencialidade para as famílias e para as empresas e por ser caracterizado por seguidas inovações na oferta de seus serviços.
Por sua vez, o segmento de transportes, serviços auxiliares aos transportes e correio só apresentou seu segundo trimestre de queda em meados de 2015, ainda que desde o final de 2014 já tivesse perdido bastante dinamismo. Acumulou no ano passado contração de 6,1%, em grande medida decorrente da brutal queda de 10,4% dos transportes terrestres.
O resultado de outros serviços foi o pior entre os grandes segmentos pesquisados pelo IBGE. A retração chegou a 9,0% no ano. Sua composição diversificada, que reúne serviços financeiros, imobiliários, à agropecuária e de reparos, lhe dá um comportamento particular, apresentando variações negativas em quase todos os trimestres desde 2013. Em 2015, contudo, tornaram-se mais expressivas, especialmente no segundo semestre (-10,5%).
O desempenho dos serviços em 2015 reforça, assim, o caráter generalizado da crise nesse ano que, de fato, penalizou mais a indústria, mas não poupou ninguém. O quadro em que se encontravam os serviços no final do ano passado traz ainda uma má notícia para os demais setores da economia, devido, sobretudo, ao fato de ser um setor muito empregador.
8. Emprego – Por Causa da Indústria. A evolução do desemprego em 2015 foi digna de nota, para dizer o mínimo. A taxa de desocupação saltou, na média anual, de 6,8%, em 2014, para 8,5%, em 2015, segundo a Pnad contínua. Cinco comentários permitem qualificar essa evolução impressionante.
Em primeiro lugar, não é sempre que em apenas um ano o contingente anual médio de desocupados aumenta 1,85 milhão de pessoas. Segundo o Caged, as demissões em 2015 superaram as contratações em 1,5 milhão postos de trabalho formais. Essa rápida elevação do desemprego se deve, sem sobra de dúvidas, à velocidade em que a economia passou de um quadro de estagnação em 2014, quando PIB cresceu apenas 0,1%, para outro bem mais grave em 2015, cuja contração da economia chegou a 3,8%.
Em segundo lugar, foi o aumento do número de pessoas procurando emprego que explica a evolução dos desocupados em 2015, já que o número de pessoas ocupadas resistiu à queda. Isso foi, em grande parte, resultado de estratégias de reequilíbrio dos orçamentos famílias, que diante de uma trajetória declinante de seus rendimentos precisaram contar com mais pessoas trabalhando.
Em terceiro lugar, convém ressaltar que a estabilidade do número de empregados em 2015 esconde uma mudança qualitativa importante em favor de ocupações mais precárias. É isso que indica o fechamento de mais de 1 milhão de postos com carteira assinada e um aumento de magnitude semelhante dos ocupados por conta própria. Como já alertamos anteriormente nesta Análise, esse movimento reflete um “empreendedorismo forçado”, que, via de regra, vem acompanhado de rendimentos menores e mais voláteis.
Em quarto lugar, o setor cuja ocupação mais regrediu no ano passado foi a indústria. Na média anual foram 346 mil postos a menos que em 2014, segundo a Pnad contínua. A Pesquisa Industrial Mensal de Emprego e Salário do IBGE nas principais regiões industrias do país também aponta para um declínio importante no ano passado (-6,2%). Este foi o quarto ano seguido de perdas de emprego da indústria, depois dos resultados de -1,2%, -1,1% e -3,2% entre 2012 e 2014. O retrocesso foi muito grande e só de modo muito gradativo será recuperado.
Esse resultado está fortemente relacionado com o fechamento de postos com carteira assinada, já que o emprego industrial é majoritariamente formal, e reflete aquilo que todos nós já sabemos: a indústria se encontra no centro da crise pela qual a economia brasileira passa desde o ano passado.
Em quinto lugar, devemos atentar para o fato de que a situação tanto do emprego como do rendimento está pior na margem do que na média anual. Enquanto no ano a taxa de desocupação média foi de 8,5%, como já dissemos, no último trimestre de 2015 chegou a 9,0%.
Por sua vez, o rendimento médio real habitualmente recebido, que ficou estável em 2015 frente a 2014, já apontava contração de 2,0% no último trimestre do ano passado diante do mesmo período de 2014. Alinhada a esse resultado, a massa de rendimento real habitual também fechou o ano passado em estabilidade, mas a evolução do emprego fez com que caísse mais no último trimestre (-2,4%).
Contudo, a situação nas grandes regiões metropolitanas, captada pela Pesquisa Mensal do Emprego do IBGE, parece mais grave. A queda da massa de rendimento chegou a 5,2% em 2015, algo sem precedente na série histórica dessa pesquisa. E, como a Pnad Contínua, o último trimestre se mostrou claramente pior, com uma variação de -10,2%.
Com isso, o ano de 2016, pelo menos em seus meses iniciais, não traz perspectivas favoráveis ao consumo das famílias, à produção e ao varejo de bens de consumo.
9. Crédito – Contração à Brasileira. A pesquisa do Banco Central sobre a evolução do crédito mostra que a contração real (deflacionada pelo IPCA) das concessões acumuladas em 2015 chegou a 11,3%. Desempenho este que merece alguns comentários.
Em primeiro lugar, é verdade que contribuiu para isso a redução da demanda por crédito, devido ao ambiente econômico recessivo. Mas a elevação dos juros pelo Banco Central e a crescente aversão a riscos dos bancos também impuseram um endurecimento das condições de oferta creditícia, com aumento das taxas de empréstimos e dos spreads e exigências maiores nas avaliações de risco.
Assim, fatores de demanda e de oferta combinaram-se e levaram a quedas cada vez mais intensas do crédito. No primeiro trimestre de 2015 o recuo das concessões totais era 7,7%, em termos reais, frente ao mesmo período de 2014, passando para 9,2% e 12,4% nos trimestres subsequentes, para chegar em 15,6% no último trimestre do ano. Isto mostra que o ano terminou com um quadro em deterioração.
Outro comentário pertinente é que, diferentemente dos anos anteriores, o crédito direcionado, em boa medida concedido por bancos públicos, não só não funcionou de forma anticíclica como seu comportamento aprofundou a crise do crédito. No ano, enquanto este último retrocedeu 8,9% em termos reais, as concessões do crédito direcionado despencaram 25,6% (31,6% só no último trimestre).
Influenciaram esse movimento a suspensão dos projetos de investimento, as restrições ao funding do financiamento imobiliário, devido aos grandes saques das cadernetas de poupança, bem como o ajuste das contas públicas. No ano, o crédito imobiliário às famílias ficou 28,8% menor, em termos reais, e as operações do BNDES com as empresas, 32,5%.
O último comentário destaca o fato de que tanto as empresas como as famílias foram penalizadas. As concessões para as empresas tiveram quedas reais superiores a 10% em todos os trimestres, fechando o ano em -12,8%. O crédito às famílias retrocedeu mais intensamente no segundo semestre, acumulando queda real de 9,9% no ano.
Já a elevação dos spreads e dos juros médios afetou mais as famílias (+5,1 p.p. e +7,2 p.p., respectivamente), mas não isentou as empresas (+1,9 p.p. e +4,4 p.p., respectivamente). Quanto à inadimplência, ocorreram aumentos de 0,5 p.p. no crédito às famílias e de 0,7 p.p. às empresas; mas o fato a ser observado é que dada a gravidade da recessão essas variações podem ser consideradas moderadas.
Percebe-se, então, que, por encarecer e rarear a concessão de crédito, e pela impossibilidade de se utilizar o crédito direcionado como instrumentos anticíclico, o sistema de crédito foi parte relevante na forte recessão que se abateu sobre a economia brasileira no ano passado. O quadro em 2016, a seu turno, não deve ser muito melhor.
10. Setor Externo – Resultado de 2015 vis-à-vis a Crise Externa de 2002. O saldo do balanço de pagamentos (BOP) brasileiro em 2015 foi positivo em US$ 1,57 bilhão, cifra expressivamente menor (-85,5%) que a registrada no ano anterior. Este resultado decorreu de movimentos opostos nas duas principais contas do BOP. A conta financeira sofreu forte deterioração, recuando 44% (de US$ 101 bilhões para US$ 56,2 bilhões) como reflexo, sobretudo, da queda do ingresso líquido de capitais. A maior retração foi registrada pelo investimento em carteira (-55,5%), seguido pelos outros investimentos (-49%) e pelo investimento direto no país (IDP). A despeito da queda de 22%, o IDP somou US$ 75,1 bilhões (4,2% do PIB), sendo mais que suficiente para financiar o déficit em conta corrente em 2015.
O resultado negativo das transações correntes diminuiu praticamente na mesma intensidade (-43,7%) que o saldo da conta financeira, chegando a US$ 58,9 bilhões em 2015. Essa evolução não deixa dúvidas de que houve um forte ajuste externo na passagem de 2014 para 2015. Contudo, uma apreciação mais rigorosa da dimensão desse ajuste requer a ampliação do horizonte temporal.
Para tanto, é necessário considerar o período de vigência do regime de câmbio flutuante (adotado em janeiro de 1999), que resulta numa dinâmica diferenciada de ajuste da conta de transações correntes em comparação aos regimes de câmbio administrado adotados anteriormente. Nesse período, o ano de 2002 também se caracterizou por um forte ajuste externo: a combinação de uma forte depreciação cambial com o baixo dinamismo da economia doméstica resultou numa redução de US$ 15,8 bilhões do déficit em transações correntes. Os valores absolutos sugerem, então, um ajuste bem mais significativo em 2015; entretanto, o indicador mais adequado para esse tipo de comparação é a razão entre o saldo em transações correntes (TC) e o Produto Interno Bruto (PIB). Nesse critério, o ajuste em 2002 foi muito mais intenso: 1,5% contra 4,2% em 2001. Já na passagem de 2014 para 2015, a queda foi mais tímida, de 4,3% para 3,3%.
A diferença de intensidade do ajuste externo em 2002 e 2015, a despeito da vigência do mesmo regime cambial, pode estar associada a vários fatores. O primeiro a ser considerado é a conjuntura externa. Nos dois momentos, a situação macroeconômica internacional foi relativamente semelhante, caracterizada pela desaceleração do crescimento e pela evolução adversa dos preços das commodities. Ajuda pouco, então, a explicar a diferença de magnitude dos ajustes.
O segundo fator é o desempenho macroeconômico doméstico. Como ensinam os modelos de macroeconomia aberta, as variáveis relevantes são a taxa de câmbio real efetiva e a atividade econômica. Nos dois períodos, a trajetória cambial foi favorável ao ajuste externo. Contudo, em 2001/2002, a depreciação cambial foi mais expressiva do que em 2014/2015. Em outros termos, a mudança de preços relativos desponta como um importante fator explicativo do ajuste externo nos dois momentos, bem como da sua maior intensidade em 2001/2002. Já o desempenho da atividade econômica, que foi muito pior em 2014/2015 do que em 2001/2002, apontaria para um ajuste mais forte no período mais recente.
Esses dados sugerem, assim, que os fatores conjunturais, externos e internos, não são suficientes para explicar o ajuste relativamente mais suave ocorrido em 2015. Ao que tudo indica, fatores de natureza estrutural podem estar por detrás da menor queda do indicador TC/PIB no período recente.
Dentre estes fatores estruturais se destaca a perda de densidade da cadeia industrial doméstica, que ampliou ainda mais a assimetria das as pautas exportadora e importadora. Nos últimos anos, houve importante elevação da participação dos produtos manufaturados (especialmente de maior conteúdo tecnológico) nas importações brasileiras ao mesmo tempo em que se verificou uma piora da pauta exportadora. Como já destacado pelo IEDI, a participação dos produtos manufaturados no total exportado regrediu de 53% para 34% entre 2005 e 2014 e as exportações brasileiras recuaram do 41º lugar para a 51ª posição no ranking mundial da complexidade entre 2004 e 2014.
Em função dessa nova composição da pauta de comércio exterior é bem provável que tenham se alterado as sensibilidades das exportações e importações em relação às variações da taxa de câmbio, do crescimento doméstico e da demanda externa. Além disso, a estrutura das demais subcontas das transações correntes, que também respondem às variações cambiais e do nível de atividades, também sofreu alterações entre os dois momentos considerados, influenciando a intensidade do ajuste das transações correntes em 2015.
No caso da balança comercial, o superávit de U$S 17,7 bilhões decorreu da maior queda das importações (-25,3%) relativamente às exportações (-15,4%). Já em 2002, enquanto as importações retraíram-se 15%, as exportações avançaram 3,7%. Ou seja, o ajuste em 2015 se ancorou na redução tanto das compras como das vendas externas, o que resultou numa forte queda da corrente de comércio (-20,4%).
Esse ajuste mais perverso resultou da combinação dos fatores conjunturais e estruturais mencionados acima. A menor participação dos produtos manufaturados nas exportações ampliou o impacto da queda dos preços das commodities sobre o valor exportado e reduziu a elasticidade das quantidades exportadas às variações tanto da demanda externa como do nível de atividade doméstico e da taxa de câmbio.
No âmbito da subconta de serviços, a redução do déficit foi expressiva (-23,7%). Os dois itens que foram os principais responsáveis por essa trajetória tiveram contribuições opostas para o ajuste ocorrido em 2015. Por um lado, as “viagens internacionais” aumentaram a elasticidade desta subconta a depreciações da moeda doméstica, pois esse tipo de gasto é muito sensível e reage rapidamente às variações cambiais. Por outro lado, a maior relevância do item “aluguel de equipamentos” atuou no sentido contrário.
Já o déficit da subconta “Renda primária de investimentos” não apenas diminuiu 18,7% como também teve sua composição alterada devido às mudanças na estrutura do passivo externo líquido (aumento da participação dos estoques de investimento direto e em carteira no país e redução da dívida externa). Com isso, as rendas denominadas em reais passaram a superar as rendas denominadas em dólares, o que tornou essa subconta mais sensível às variações do PIB e da taxa de câmbio. Enquanto as remessas de lucros e dividendos foram negativamente afetadas pela recessão, bem como pela alta do preço do dólar, as remessas dos juros dos títulos negociados no mercado doméstico foram desestimuladas por essa alta, ou seja, pela depreciação cambial.