Carta IEDI
Início de Ano Menos Ruim
A crise continua e a incerteza permanece, mas alguns aspectos dos indicadores deste início de ano merecem ser analisados com mais vagar. Além da produção industrial, esta Carta faz uma avaliação do comércio varejista e do setor de serviços, que compreendem atividades com grande interface com a indústria.
O varejo porque é um veículo importante de distribuição de produtos industriais, funcionando também como um termômetro para o ritmo de crescimento das vendas da indústria. O setor de serviços porque está cada vez mais integrado à produção industrial, por meio de serviços auxiliares ou essenciais, vinculados ao core business das empresas.
Assim, os resultados da indústria, do comércio e dos serviços dão o compasso do sistema produtivo nacional. A ver pelos dois primeiros meses do ano, o quadro nesse início de 2016 parece estar menos ruim do que o final do ano passado. Houve recuo do patamar de queda da produção industrial e da receita real de serviços e para alguns ramos do varejo.
Depois de perdas mais agudas no segundo semestre de 2015, a produção da indústria geral caiu 11,7% no primeiro bimestre deste ano contra o mesmo período do ano anterior. No último bimestre de 2015 a queda tinha sido de 12,4%. Essa evolução deveu-se à indústria de transformação: -11,3% contra -12,6% nas mesmas comparações, respectivamente.
Dentre os grandes segmentos industriais, aquele com trajetória mais clara de desaceleração das quedas é o de bens de consumo semi e não duráveis: -8,2%, -7,6% e -5,3% nos três últimos bimestres de 2015 e -4,5% agora em 2016.
No caso de bens de capital e bens intermediários esse movimento tem sido mais tímido, com retração menos intensa concentrada apenas em fev/16. O mesmo, contudo, não pode ser dito para os bens de consumo duráveis, cujo declínio continua se ampliando.
Regionalmente, é a indústria do Sul do país que parece estar reduzindo suas perdas. O destaque é o Rio Grande do Sul, com -12,7% no último bimestre de 2015 e -4,9% no primeiro de 2016, e também Paraná, com -16,3% e -11,2%, nas mesmas comparações.
Em contraste, o que preocupa é a piora nos grandes estados industriais do Sudeste. Em São Paulo, por exemplo, a produção industrial caiu 13,1% no último bimestre do ano passado e, agora, 14,2% em 2016.
Por sua vez, o setor de serviços acompanhou a indústria com um desempenho no início de 2016 um pouco menos negativo. Suas receitas reais variaram -4,5% no primeiro bimestre, depois de terem recuado 5,7% no bimestre precedente.
Outro aspecto favorável é que esse movimento também se deu em praticamente todos os segmentos do setor, à exceção dos serviços de informação e comunicação. A queda dos serviços às famílias foi a que mais recuou, de -6,9% no último bimestre de 2015 para -2,9% no primeiro de 2016.
Transportes terrestres, bastante associados ao nível geral de atividade econômica, também se destacaram: de -12,9% passou para -9,6% nos mesmos bimestres. Idem para os serviços prestados às empresas, cuja queda regrediu de 7,8% para 6,7%, respectivamente.
É no comércio varejista, contudo, que os resultados bimestrais frente ao mesmo período do ano anterior mostram recuos menos intensos apenas em alguns segmentos. As vendas reais do varejo total (no conceito restrito) tiveram quedas em torno de 7,5% tanto no final de 2015 como no início de 2016. Mas aqueles segmentos com redução de perdas são bastante relevantes para o varejo.
Este é o caso de Hiper e supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo, cujas vendas reais no início de 2016 caíram 3,7% e 4,8% no bimestre formado por nov-dez/15. As vendas de veículos e autopeças seguiram o mesmo caminho: -14,7% contra -22,1% nas mesmas comparações. Diante do quadro que a indústria automobilística vive, isso pode ser um bom sinal.
Em resumo, se os dados da indústria, dos serviços e do comércio varejista continuam não sendo bons nesse início de ano, ao menos não foram tão ruins. Caso isso se firme nos próximos meses como uma redução dos patamares de queda, poderá indicar o início de alguma mudança do cenário da economia brasileira.
Indústria. Os números da produção industrial mostram que o desempenho de janeiro foi apenas um suspiro que infelizmente não se sustentou. O resultado de +0,4% se reverteu em queda de 2,5% em fevereiro, sempre em relação ao mês anterior com ajuste sazonal. Com isso, o desempenho do primeiro bimestre de 2016 foi um pouco menos adverso do que o último de 2015: -11,7% contra -12,4%, respectivamente.
O resultado de fevereiro nos fez voltar, então, à realidade da evolução industrial dos últimos meses. Existem, porém, certas características que merecem ser ressaltadas.
Em primeiro lugar, a produção de bens de capital apresentou alta tanto em janeiro (+2,1%) como em fevereiro (+0,3%), frente ao mês anterior com ajuste sazonal. Já sua queda de 25,8% frente ao mesmo mês do ano anterior, ainda que tenha permanecido elevada em fevereiro, recuou para um patamar inferior àquele que prevaleceu ao longo de todo o segundo semestre de 2015 (superior a 30%). Dado o tamanho das perdas desse setor no ano passado, isso não deixa de ser uma boa notícia.
O recuo em fevereiro contra o mesmo mês de 2015 também foi menos intenso em outras categorias, como em bens intermediários, que caíam mais de 10% entre nov/15 e jan/16 e agora 8,5%. Mais importante foi a variação de -2,0% em bens de consumo semi e não duráveis, a queda mais branda desde dez/14. É bem possível que nem toda essa desaceleração se explique pela existência de um dia útil a mais em fevereiro último.
Em segundo lugar, a proporção de produtos e ramos industriais com taxas positivas de crescimento teve sensível melhora em fevereiro último. Frente ao mesmo mês de 2015, do total de produtos pesquisados pelo IBGE 31,4% tiveram alta em fevereiro. Em média, entre nov/15 e jan/16 essa relação mal chegava a 23%.
Além disso, 5 dos 25 ramos da indústria de transformação apresentaram aumento de produção frente a fevereiro de 2015. Isso é certamente insatisfatório, mas é o maior número desde junho do ano passado. Ainda que algumas dessas altas sejam pontuais, há setores com trajetórias um pouco mais promissoras, como papel e celulose ou mesmo produtos alimentícios.
Em terceiro lugar, vários setores que continuam em queda na comparação com o mesmo mês do ano anterior recuaram, em fevereiro, para um patamar menos agudo. É o caso de confecção e acessórios, cuja produção sofreu retração de 14,6% no último bimestre de 2015, mas de 9,6% no primeiro bimestre de 2016. Seu desempenho no mês de fevereiro foi ainda menos adverso: -5,8% frente ao mesmo mês do ano anterior.
Um outro caso que também se encaixa nessa evolução foi o de calçados e couros, que teve queda de 13,6% no bimestre formado pelos meses de setembro e outubro e de 9,7% no último bimestre de 2015. Seu patamar de queda regrediu para 6,5% no primeiro bimestre de 2016, sendo ainda menor em fevereiro, -5,7% contra o mesmo mês do ano anterior.
Em minerais não metálicos esse padrão deveu-se mais a seu desempenho de fevereiro (-9,6%), que fez com que o resultado do primeiro bimestre de 2016 fosse de -12,9%. Ainda que pouca coisa inferior, não foi tão ruim quanto o último (-15,0%) 2015.
A produção de móveis, por sua vez, caiu 8,8% em fevereiro, depois de amargar quedas mensais próximas de 20% entre julho de 2015 e janeiro de 2016. Os produtos químicos beiraram a estabilidade, com um resultado de -0,7%, a menor taxa negativa desde abril de 2015, enquanto produtos farmacêuticos e farmoquímicos tiveram crescimento de 2,6%, algo que não ocorria desde dezembro de 2014.
Dito isso, é evidente que a crise continua e que o quadro da indústria ainda é muito grave, mas pode ser que alguma coisa esteja acontecendo. Pelos setores a apresentar sinais de um quadro menos adverso nos meses mais recentes é possível que um número maior de empresas esteja começando a colher os frutos da desvalorização cambial.
Indústria Regional. Sem margem a dúvidas, a crise afeta a indústria de todas as economias regionais do país, com raríssimas exceções. Entretanto, há sinais de que o quadro está sendo menos ruim no Sul e mais desafiador no Nordeste. Já o centro do sistema industrial do país, localizado nos principais estados da região Sudeste, continua apresentando resultados bastante negativos, como mostram os dados da produção industrial divulgados hoje pelo IBGE.
Em relação ao mesmo período do ano anterior, o Rio Grande do Sul conseguiu reduzir suas perdas de -12,5% e -14,3% nos dois últimos trimestres de 2015, respectivamente, para -4,9% no primeiro bimestre de 2016. Isso não deixa de ser uma boa notícia já que a indústria do estado foi uma das primeiras e das que mais sofreram no ano passado.
Em Santa Catarina a trajetória foi menos marcante, mas ainda assim presente: -9,9% e -9,6% no terceiro e quarto trimestre de 2015 e, então, -7,9% no primeiro bimestre de 2016. No caso do Paraná, a queda de 11,2% do início de 2016 teve um patamar um pouco menos agudo do que no último trimestre do ano passado (-15,6%).
Algo semelhante também ocorreu no Nordeste, cuja contração de 4,8% no último trimestre de 2015 regrediu para uma queda de 3,2% no primeiro bimestre de 2016. Mas esse resultado foi bastante influenciado pelo crescimento da produção de derivados de petróleo da Bahia, cuja variação positiva deve-se também à baixa base de comparação, já que uma greve de funcionários prejudicou a produção de uma importante refinaria no início de 2015.
Apesar de alguns indícios preliminares de um quadro menos desfavorável no Nordeste e no Sul, ainda não é possível identificar nenhuma tendência geral para o conjunto das regiões. Especialmente porque os maiores parques industriais, como os de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, continuam sem sinais de melhora ou com sinais ainda pouco conclusivos.
Esses três principais parques industriais continuam apresentando quedas bastante disseminadas, mas em todos eles as maiores contribuições negativas concentraram-se na fabricação de produtos associados à indústria automobilística, de bens de capital e metalurgia.
No primeiro bimestre do ano, São Paulo apresentou mais uma vez retração de dois dígitos frente ao mesmo mês do ano passado. A queda foi de 14,2%, superior àquela do último trimestre de 2015 (-13,1%). Os setores a mais influenciar esse resultado foram veículos automotores (-30,8%) e máquinas e equipamentos (-23,9%), que devido a seus efeitos encadeadores também contribuíram para a retração de outros setores, como produtos de metal (-23,9%), produtos de borracha e plástico (-16,0%) e minerais não-metálicos (-15,0%).
Tão ruim quanto foi o desempenho de -15,2% de Minas Gerais no primeiro bimestre, ainda sob influência do desastre de Mariana. No último trimestre de 2015 a queda tinha sido de 9,9%. Mas não nos enganemos com a profundidade da crise enfrentadas por alguns dos ramos industriais nesse estado. As quedas em veículos automotores e em máquinas e equipamentos foram, respectivamente, de 40,2% e 60,0%. Estas perdas são não apenas muito grandes como reincidentes.
Já o Rio de Janeiro, à primeira vista, parece ter conseguido uma situação mais confortável no primeiro bimestre do ano, com uma contração de 9,2% frente ao mesmo período de 2015, depois de -11,1% no último trimestre do ano passado. Infelizmente, isso está muito associado apenas à maior produção de derivados de petróleo no mês de fevereiro (+8,6%). Outros setores importantes para a indústria carioca continuaram em queda profunda no acumulado do bimestre: metalurgia (-25,4%), veículos automotivos (-20,0%) e outros equipamentos de transporte (-57,0%).
A permanência de aguda retração nos principais setores desses três estados, devido à sua importância no parque nacional, deve continuar condicionando o resultado geral da indústria, a despeito de alguma melhora relativa que o novo patamar de taxa de câmbio possa ensejar em certos ramos industriais e em algumas localidades onde sua presença seja maior.
Comércio Varejista. O resultado das vendas reais do varejo (restrito) divulgado hoje pelo IBGE mostra um crescimento de 1,2% no mês de fevereiro frente a janeiro, sem efeitos sazonais. No caso do comércio ampliado, que inclui automóveis e materiais de construção, a alta foi de 1,8%, puxada pela maioria dos ramos pesquisados.
O dado em si é significativo, já que é o melhor desempenho para este mês desde 2010, mas uma análise mais acurada sugere cautela em sua interpretação devido à volatilidade que vem acompanhando alguns dos principais ramos do comercio varejista desde os meses finais do ano passado. Assim, pode ser que o crescimento em fevereiro não esteja indicando que o pior já passou para o comércio. Esse convencimento ainda está por vir.
Vamos olhar com mais vagar a evolução recente de três dos ramos mais importantes, que tiveram crescimento em fevereiro, mas que vêm apresentando volatilidade nos últimos meses: hiper e supermercados, produtos alimentícios bebidas e fumo, cujas vendas são mais influenciadas pelo rendimento real das famílias, e móveis e eletrodomésticos e veículos e autopeças, mais dependentes das condições de crédito.
No primeiro caso, as vendas tiveram queda importante no final do ano passado, em muito, devido à forte elevação de preço dos alimentos. Depois da maior contração em novembro (-1,8%), os recuos foram se arrefecendo na série com ajuste sazonal frente ao mês anterior: -1,1% e -0,8% em dez/15 e jan/16, voltando ao campo positivo em fevereiro (+0,8%).
As vendas de móveis e eletrodomésticos vem tendo variações frente ao mês anterior ainda mais bruscas: +4,9% e -8,1% em novembro e dezembro do ano passado e -5,4% e +5,0% em janeiro e fevereiro de 2016, sempre com ajuste. O crescimento do último mês, que à primeira vista pode parecer expressivo, decorre, então, de uma base baixa de comparação, depois de dois meses consecutivos de quedas importantes.
Já no caso de veículos e autopeças, a alta de 3,8% em fevereiro frente a janeiro com ajuste sazonal deve ser avaliada à luz da retração de 2,2%, em janeiro, depois de o setor ter conseguido manter suas vendas no azul por dois meses consecutivos (+1,5% em nov/15 e +0,4% em dez/15). Depois de um mês de agosto bastante ruim (-6,1%), parece que o comércio de veículos e peças se esforça, mês após mês, para evitar novas quedas na margem.
Essas trajetórias cheias de percalços também podem ser vistas, um pouco mais suavizadas, nas variações em relação ao mesmo período do ano anterior, indicando que aquilo que já estava ruim, de fato, ficou pior no final de 2015, voltando a ficar ruim em 2016.
Isso é mais claro para as vendas de hiper e supermercados, produtos alimentícios bebidas e fumo, cujas variações dos três últimos bimestres de 2015 e do primeiro de 2016 foram, em ordem, as seguintes: -3,8%, -3,8%, -4,6% e -3,7%, sempre em relação ao mesmo período do ano anterior. E também para veículos e autopeças, cujas variações foram: -14,4%, -16,9%, -22,1% e -14,7%.
Para o comércio de móveis e eletrodomésticos, por sua vez, o início de 2016 não parece ter trazido alívio quando olhamos para o desempenho do primeiro bimestre, -18,7%, e para os três últimos bimestres de 2015, -15,7%, -18,3% e -17,0%, respectivamente.
Serviços. Em fevereiro, o nível de queda da receita real do setor de serviços tornou-se menos agudo. Segundo os dados divulgados hoje pelo IBGE, o recuo foi de 4,0% frente ao mesmo mês do ano anterior, depois de ter ficado em torno de 5,0% nos dois meses precedentes.
Esse resultado menos ruim para o total do setor foi acompanhado pela desaceleração da queda de quase todos os segmentos, sendo que em alguns deles a intensidade em que isso ocorreu foi bastante expressiva. Por isso, o fato de fevereiro deste ano ter tido um dia útil a mais do que em 2015 pode ter ajudado, mas não explica totalmente o resultado do mês.
Este é o caso dos serviços prestados às famílias cujas receitas reais vêm caindo sistematicamente desde meados de 2014, mas que tiveram uma nítida piora no segundo semestre do ano passado. Depois de apresentar um resultado de -6,9% no último bimestre de 2015, frente ao mesmo período do ano anterior, caiu 4,1% em janeiro de 2016 e, agora, apenas 1,4%.
Este comportamento se deveu tanto à desaceleração dos serviços de alojamento e alimentação, que foram o primeiro item de ajuste do orçamento familiar, bem como de um crescimento de 6,4% em fevereiro de outros serviços prestados às famílias (educação, lazer, cultura, esportes, entre outros), compensando parcialmente as quedas profundas de dez/15 (-14,8%) e jan/16 (-11,6%).
A desaceleração da queda ocorrida nos serviços pessoais se deu também em outros segmentos, como em transporte, cujo desempenho em fevereiro foi de -2,1%, depois de -5,8% em janeiro e de -7,7% no último bimestre de 2015, e de forma menos intensa nos serviços profissionais prestados às empresas e em outros serviços.
O único segmento a caminhar em direção oposta foi o de serviços de informação e comunicação que tem tido perdas cada vez maiores. Vale notar que esse segmento foi um dos últimos a começar a apresentar variações negativas, devido não apenas à essencialidade que esses serviços passaram a ter para as famílias e para as empresas, mas também pela existência de contratos que dificultam um rápido ajuste com seus gastos.
Em fevereiro, o nível de contração de tais serviços chegou a 5,3% frente ao mesmo mês do ano anterior, mais do que o dobro do patamar verificado nos dois últimos bimestres de 2015 (-2,0% e -2,3%, respectivamente).
Quem está conseguindo melhorar sua situação de forma mais contundente, a despeito da crise, são as atividades turísticas, muito provavelmente devido ao estímulo dado pela desvalorização do câmbio ao turismo interno.
Em fevereiro, a alta dos serviços de turismo chegou a 1,4%, melhorando o desempenho também positivo de janeiro (+0,5%). A notícia é boa porque o setor é bastante empregador e é mais um motivo para se tomar cuidado para que a taxa de câmbio não volte a se apreciar novamente.