Carta IEDI
Sem Lucro, Sem Investimento
A recuperação da economia brasileira passa necessariamente pela recuperação da confiança empresarial, que se traduzirá, em algum momento no futuro, em novos investimentos produtivos. Mas como diversos estudos indicam, a imobilização de capital na produção depende de recursos provenientes da acumulação de lucros retidos pelas empresas e do acesso a financiamentos de longo prazo do BNDES.
A Carta IEDI de hoje se propõe, então, a analisar a evolução de um desses delimitadores da capacidade de investimento, qual seja o desempenho econômico-financeiro das grandes empresas, procurando avaliar como a piora gradativa da situação econômica e a grave recessão atual, afetaram a rentabilidade empresarial, assim como seu endividamento e a composição dos seus ativos. Para tanto, foi levado em conta o desempenho de 340 empresas não financeiras com capital aberto entre 2010 e 2015.
Em síntese, o estudo mostra que para além da recente deterioração das expectativas e do ambiente econômico e político no Brasil, outro fator mais objetivo também contribuiu para reduzir a capacidade de investimento da indústria: a rentabilidade muito baixa ou mesmo negativa das empresas.
É notável a quase continuada redução da lucratividade da atividade produtiva do país a partir de 2010. No caso da indústria, foi expressivo o declínio das margens de lucro líquida e operacional do conjunto do setor excluindo-se Petrobras e Vale. Entre 2010 e 2015, a margem líquida de lucro perdeu 7,8 pontos percentuais (p.p.) passando de 8,3% para apenas 0,5% no final do período. No caso da rentabilidade operacional, a perda também foi expressiva: -5,8 p.p., sendo que, em 2015, a margem operacional atingiu 7,6%.
Dois fatores sobressaem e se complementam na determinação da compressão das margens de lucros da grande empresa não financeira ao longo do período: a menor capacidade de as empresas repassarem aos preços as elevações de custos e as perdas financeiras ocorridas com a piora das condições de financiamento da economia brasileira e da alta das taxas de juros.
De fato, as despesas financeiras cresceram em um ritmo superior aos demais custos operacionais, contribuindo muito para o declínio da rentabilidade líquida das empresas no período em análise. Em termos reais, as despesas financeiras líquidas cresceram 2,57 vezes entre 2010 e 2015, enquanto os custos dos produtos vendidos avançaram menos, 1,12 vez no mesmo período.
Neste cenário de alta das despesas financeiras, em que também se somaram o encolhimento da demanda e o encarecimento do crédito, é provável que a pressão tenha vindo tanto da necessidade de renovar dívidas em condições mais desfavoráveis, como do impacto de desvalorizações cambiais sobre o estoque de dívida externa e os serviços das dívidas das empresas não-financeiras. Além da elevação do endividamento, o impacto da desvalorização cambial sobre a situação financeira das empresas também pesou nas margens líquidas de lucro, ainda que de forma heterogênea entre os setores.
A queda da rentabilidade constitui, assim, destacado componente do atual contexto econômico bastante adverso. Este combina retração da demanda interna e baixo nível de utilização da capacidade instalada com dinamismo ainda insuficiente do mercado externo, configurando um quadro pouco animador para a retomada do investimento produtivo e, consequentemente, do crescimento econômico.
Do ponto de vista da distribuição dos ativos, no agregado da indústria sem a Petrobras e a Vale, as indicações são de que as empresas caminharam na direção de uma menor aplicação de recursos em inversões de longo prazo, especialmente ativos imobilizados, e procuraram manter um volume apreciável de aplicações financeiras e disponibilidades de caixa.
A manutenção de elevado patamar de recursos disponíveis assegura às empresas um rendimento garantido (em função de altas taxas de juros predominantes na economia doméstica) e um colchão de liquidez, que funciona como uma espécie de “seguro” contra as frequentes reviravoltas da conjuntura macroeconômica e da política econômica.
Outra estratégia das empresas não-financeiras na gestão dos ativos diz respeito às compras ou aquisições de participações em outras companhias. O aumento dessas operações pode indicar um movimento de diversificação das atividades empresariais, num contexto em que os ativos ficaram baratos.
Por fim, quanto ao endividamento, seu patamar médio para o conjunto de empresas analisadas manteve tendência constante de crescimento. Os indicadores gerais de endividamento – relação entre capital de terceiros e capital próprio e relação entre endividamento líquido e capital próprio – praticamente dobraram no período em foco.
A queda da demanda agregada por conta da crise, a elevação das taxas de juros sobre empréstimos e um conjunto de fatores ligados à queda da rentabilidade das empresas não-financeiras, além da desvalorização do Real, contribuíram para o acréscimo do endividamento. Sobretudo em segmentos mais dependentes da retenção de lucros para o financiamento dos investimentos, a queda da rentabilidade das empresas pode ter implicado na maior necessidade de financiamento, tanto de curto, como de longo prazo, e contribuído para o aumento do comprometimento das receitas operacionais com as despesas financeiras.
Introdução. A retomada do crescimento econômico passa necessariamente pela recuperação da confiança empresarial, que se traduzirá, em algum momento futuro, em novos investimentos produtivos. É sabido que no Brasil o funding para investimentos produtivos é composto em grande parte por lucros retidos e pelos empréstimos de longo prazo do BNDES. No período imediatamente anterior à crise global de 2008, algo em torno de 65% das adições no imobilizado foi financiado pela poupança interna das empresas e pelo financiamento de longo prazo do BNDES (1).
Assim sendo, é importante analisar o desempenho econômico-financeiro das empresas no pós-crise global de 2008, especialmente depois de 2010, como o objetivo de avaliar como a piora gradativa da situação econômica e a grave recessão atual afetaram a rentabilidade, o grau de endividamento e a distribuição dos ativos de um conjunto importante de empresas que operam no país.
Para se obter os indicadores econômico-financeiros das grandes empresas de capital aberto, esta Carta IEDI recorreu a um amplo conjunto de informações obtidas junto aos Balanços Patrimoniais e Demonstrações de Resultados para o período de 2010 a 2015. As informações coletadas abrangeram 340 empresas não-financeiras de capital aberto com registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para todo o período considerado. Os dados foram obtidos no sistema de informações da Economática. Destacam-se as seguintes características das informações:
(i) Os dados básicos referem-se sempre aos doze meses compreendidos entre janeiro e dezembro de cada ano no caso das demonstrações de resultado e os dados referentes ao balanço patrimonial têm como base de fechamento o dia 31 de dezembro de cada ano;
(ii) A composição do conjunto de empresas é homogênea, isto é, só foram consideradas as companhias com informações completas em todos os anos do período;
(iii) Os grupos econômicos foram considerados pela empresa que consolida as informações e as controladas eliminadas da amostra para evitar a dupla contagem.
O peso deste conjunto de empresas de capital aberto é aferido na tabela abaixo que traz a relação entre a Receita Líquida, Lucro Operacional (EBIT) e Lucro líquido com o Produto Interno Bruto (PIB). Nota-se que o faturamento das grandes empresas de capital aberto representou, em média, cerca de um terço do PIB entre 2010 e 2015. Ao longo do período, essa participação oscilou entre 30,2%, em 2013, e 31,3%, em 2015. A geração de lucro operacional (EBIT) e o lucro líquido deste conjunto de empresas foram declinantes ao longo período. Em média, o lucro operacional caiu de 6,0% para 1,4% do PIB entre 2010 e 2015, respectivamente; enquanto o lucro líquido passou de 3,9% para -1,2% do PIB entre os mesmos períodos. As causas desta expressiva queda na rentabilidade das empresas não-financeiras serão exploradas mais à frente.
Após o levantamento da base de dados, as informações de cada uma das 340 empresas acompanhadas foram distribuídas em 42 segmentos produtivos, que, por sua vez, foram agregados em três macrossetores: Indústria, Comércio e Serviços. Com o objetivo de isolar o efeito das empresas gigantes do setor de petróleo, mineração e de energia elétrica nos totais dos macrossetores foram também agrupados outros subconjuntos: Indústria sem Petrobras; Indústria sem Petrobras e Vale e Serviços sem energia elétrica (ver Anexo). Em relação aos indicadores utilizados nesta Carta, eles estão separados em dois grandes grupos: (i) estrutura patrimonial: endividamento e distribuição dos ativos e (ii) indicadores de rentabilidade (ver quadro abaixo). O foco da análise será o desempenho da indústria total e dos seus subconjuntos.
Indicadores de Rentabilidade. Após o ciclo de crescimento econômico entre 2004 e 2008, quando a crise internacional se aprofundou, o setor produtivo brasileiro vem reduzindo o seu ritmo de investimento de forma praticamente continuada desde 2010. Esse período também marcou o fim de um ciclo de rentabilidade favorável na indústria brasileira e o início de um período de declínio dos indicadores de rentabilidade (2). Entre os fatores que contribuíram para a composição de margens e taxas de lucro menores estão o aumento dos custos de produção e das despesas financeiras.
Embora a situação da indústria seja em especial preocupante, o desempenho das demais atividades econômicas não foi muito diferente. De fato, a rentabilidade tanto do comércio como das atividades de serviço também caiu significativamente em 2015. No caso da indústria, a queda da rentabilidade no período recente vem agravar um quadro adverso já de longa duração neste setor que, desde a década de noventa, perde participação relativa no PIB, a despeito dos breves ciclos de crescimento da produção.
Nesse sentido, para além dos fatores relacionados à deterioração das expectativas e ao ambiente econômico e político no Brasil que operaram sobretudo no ano passado, parece que outros aspectos mais objetivos também contribuíram para reduzir a capacidade de investimento da indústria. A evolução das margens de lucro do setor demonstra que um conjunto de fatores em diferentes momentos contribuiu para o cenário de redução quase continuada da lucratividade da atividade produtiva.
No total da indústria, a margem líquida de lucro caiu vertiginosamente e se tornou negativa (-6,9%) em 2015 devido aos prejuízos milionários da Petrobras e da Vale, na faixa de R$ -34,8 bilhões e R$ -44,2 bilhões de lucro líquido, respectivamente. Elevado endividamento externo, queda nos preços internacionais do petróleo e do minério de ferro, contenção de preços e tarifas para derivados do petróleo e energia elétrica, resultaram na sangria da rentabilidade dessas empresas. Neste contexto, as cadeias produtivas em que estão inseridas foram prejudicadas, afetando negativamente importante parte da indústria de transformação.
O indicador de margem operacional também mostrou que as duas gigantes obtiveram perdas expressivas na operação industrial stricto senso, ou seja, além das dificuldades financeiras, a Petrobras e a Vale perderam capacidade de gerar lucro nos negócios, fazendo com que seus resultados determinassem uma queda da margem operacional do agregado da indústria de 19,7%, em 2010, para 0,9%, em 2015.
Dois conjuntos de fatores sobressaem e se complementam na determinação da compressão das margens de lucros da grande empresa não-financeira ao longo do período analisado. De um lado, a menor capacidade de as empresas repassarem aos preços as elevações de custos e, de outro, as perdas financeiras ocorridas com a piora das condições de financiamento da economia brasileira e da elevação das taxas de juros. No primeiro caso, a origem desta restrição se dá pelo crescimento inferior dos preços dos produtos importados, o que impõe uma forte pressão concorrencial no mercado interno, bloqueando a acomodação da alta dos custos domésticos, especialmente do custo unitário do trabalho (3). No segundo caso, a alta da taxa de juros e a desvalorização cambial dos últimos anos, via aumento das despesas financeiras e das perdas cambiais, jogaram um papel relevante na deterioração da lucratividade das empresas não-financeiras.
Deve-se notar, contudo, que a grande empresa manteve parte da sua capacidade de fixar preços no mercado doméstico. No gráfico abaixo percebe-se a maior estabilidade da margem bruta de lucro a partir de 2013, embora ela também tenha diminuído em relação ao patamar de 2010. Observando apenas a evolução da atividade industrial, excluindo da amostra Vale e Petrobras, nota-se que a redução da margem bruta ocorreu em menor razão que as margens líquida e operacional. A forte desvalorização do real de 2014 e de 2015 pode ter contribuído para estancar a queda na medida em que recuperou parte da competitividade das exportações industriais e aproximou os preços dos produtos importados aos custos domésticos da indústria.
A evolução das margens líquida e operacional do conjunto da indústria que exclui a Petrobras e a Vale indica que ambas apresentaram tendência de queda ao longo do período entre os anos de 2010 e 2015, apesar da breve recuperação em 2014. Entre 2010 e 2015, a margem líquida de lucro perdeu 7,8 pontos percentuais passando de 8,3% para apenas 0,5%. No caso da rentabilidade operacional, a perda também foi expressiva: -5,8 pontos percentuais, sendo que, em 2015, a margem operacional atingiu o patamar de 7,6%. Neste caso, a alta de 3,0 pontos percentuais na relação entre os Custos dos Produtos e Vendidos (CPV) e a Receita Operacional Líquida no período explicou um pouco mais da metade desta retração. A evolução das demais despesas operacionais que não são controlados pelas indústrias, como é o caso dos custos de transporte e logística, os serviços especializados prestados às empresas e os preços monitorados pelo governo, especialmente a energia elétrica, são itens que provavelmente também pressionaram os custos operacionais das empresas (4).
Ainda que a tendência de queda da rentabilidade tenha sido comum a quase todos os setores, há diferenças significativas nos desempenhos setoriais. As quedas mais significativas são novamente nas empresas ligadas às atividades de petróleo e gás, mineração, metalurgia e construção civil. A retração nas margens de lucro foi considerável em setores que concentram parte importante dos investimentos, o que provavelmente teve impacto no desempenho dos demais setores.
Entre os fatores que provocaram a maior queda da rentabilidade líquida no período, as despesas financeiras cresceram em um ritmo superior na comparação com os demais custos operacionais. Em termos reais, as despesas financeiras líquidas cresceram 2,57 vezes entre 2010 e 2015, enquanto os custos dos produtos vendidos avançaram menos, 1,12 vez no mesmo período. Em um cenário em que também se somam o encolhimento da demanda e o encarecimento do crédito, é provável que a pressão tenha vindo tanto da necessidade de renovar dívidas em condições piores, como do impacto da desvalorização cambial sobre o estoque de dívida externa e os serviços das dívidas das empresas não-financeiras.
Nesse sentido, o período ficou caracterizado por um crescente comprometimento das receitas operacionais com as despesas financeiras. Em 2010, a participação das despesas financeiras líquidas na receita operacional para o conjunto de empresas sem Petrobras e Vale passou de 2,7%, em 2010, para 5,9%, em 2015. O lucro operacional no início do período cobria duas vezes o serviço das dívidas e, em 2015, esse percentual foi de apenas 0,6%. Apesar de mais uma vez os setores de petróleo e gás, siderurgia, metalurgia e construção civil serem particularmente afetados pelo aumento das despesas financeiras frente às receitas, esse processo foi comum à grande parte dos setores analisados, salvo alguns segmentos comerciais.
O segundo aspecto da elevação das despesas financeiras – além da elevação do endividamento – diz respeito ao impacto da desvalorização cambial sobre a situação financeira das empresas. Embora o impacto do câmbio seja heterogêneo entre os setores, as variações de fluxo de caixa provocadas pelas variações cambiais tiveram impacto significativo na rentabilidade das empresas analisadas.
Tomando o total da variação cambial e monetária sobre os fluxos de caixa, pode-se observar o crescimento da magnitude dos efeitos cambiais sobre a situação de caixa das empresas. Do lado das margens de lucro, o peso da variação monetária e cambial líquida na receita operacional, de 2,3% em 2010 na indústria sem a Petrobras e a Vale, sobe para 6,8% em 2015, contribuindo para a expressiva queda na rentabilidade líquida. Ainda que os efeitos sejam bem heterogêneos dentro da amostra – variando entre setores com ganhos significativos por conta do câmbio e setores com perdas acumuladas ao longo de todo período – no total as perdas foram crescentes ao longo do período. Isso ressalta a importância do comportamento da taxa de câmbio em definir o desempenho das empresas não-financeiras no pós-crise.
De forma geral, pode-se dizer que um conjunto de fatores afetaram diretamente a redução da rentabilidade das empresas analisadas. Como ressaltado anteriormente, a situação torna-se especialmente delicada levando em consideração as limitações de financiamento através do mercado de capitais brasileiro. A dependência em relação à acumulação interna de lucros como forma de financiamento cria uma relação estreita entre rentabilidade e capacidade de financiamento de novos investimentos pelo setor produtivo.
Distribuição dos Ativos. De modo geral, a composição do ativo das empresas não-financeiras ao longo do período não foi uniforme entre os macrossetores. Nas empresas da Indústria a mudança patrimonial ativa se deu, sobretudo, no item que reflete as decisões de longo prazo das empresas em termos de investimentos produtivos (conta “imobilizado” do Balanço Patrimonial) e nas aquisições de “investimentos”, ou seja, de participações em outras empresas. Como tendência geral, no agregado da indústria sem a Petrobras e a Vale, as empresas caminharam na direção de uma menor alocação de capitais em inversões de longo prazo, especialmente ativos imobilizados, e procuraram manter um volume apreciável de aplicações financeiras e disponibilidades de caixa.
Notam-se dois períodos bem marcados. No primeiro, entre 2010 e 2013, a participação dos ativos imobilizados no ativo total caiu de 31,1% para 26,7% (-4,3 p.p.) e a soma das aplicações financeiras e o caixa em 2013 manteve-se em um patamar alto de 12,5% (do ativo total com um volume de recursos da ordem de R$ 95 bilhões. Na fase seguinte de aprofundamento da recessão, as empresas não financeiras ampliaram o caixa e o volume de recursos aplicados no mercado financeiro, atingindo R$ 139 bilhões em 2015 (13,9% do ativo total). A manutenção de elevado patamar de recursos disponíveis no ativo das empresas lhes assegura um rendimento garantido (em função de altas taxas de juros predominantes na economia doméstica) e um colchão amortecedor de liquidez que funciona como uma espécie de “seguro” contra as frequentes reviravoltas da conjuntura macroeconômica e da política econômica.
Concomitantemente, o peso do imobilizado na composição do ativo permaneceu praticamente estabilizado (+0,4 p.p. entre 2013 e 2015) demonstrando a baixa propensão a investir das empresas não-financeiras. A desvalorização do real pode ter ajudado segmentos exportadores impedindo uma retração mais pronunciada das aquisições de imobilizado.
Outra tendência verificada entre as empresas não-financeiras diz respeito ao aumento de compras ou aquisições de participações em outras companhias, o que pode indicar um movimento de concentração ou diversificação dos negócios da grande empresa num contexto no qual os ativos ficaram baratos. As grandes empresas da Indústria ampliaram estes investimentos de forma expressiva entre 2010 e 2013. Neste período, o peso desse tipo de ativo na indústria sem Petrobras e Vale aumentou de 1,3% para 8,4% do total.
Endividamento. Embora a situação de liquidez das empresas não financeiras não tenha sofrido alteração nem tenha havido grandes esforços de investimento durante o período, o indicador de endividamento médio do conjunto de empresas manteve tendência constante de crescimento. Os indicadores gerais de endividamento – relação entre capital de terceiros e próprio e relação entre endividamento líquido e capital próprio – praticamente dobraram no período analisado. Embora não tenha havido grandes alterações em relação a estrutura de prazo do passivo, nota-se maior recurso à utilização de capital de terceiros
Entre 2010 e 2015 no agregado da indústria que exclui a Petrobras e a Vale, a relação entre o capital de terceiros e capital próprio, passou de 1,3 para 1,9 e o endividamento líquido como proporção do patrimônio líquido subiu de 58,6% para 87,2% neste período. Este cenário se configurou através de uma conjunção de fatores. A queda da demanda agregada por conta da crise, a elevação das taxas de juros sobre empréstimos e um conjunto de fatores ligados à queda da rentabilidade das empresas não-financeiras, além da desvalorização do Real, contribuíram para o acréscimo do endividamento. Sobretudo nos segmentos mais dependentes da retenção de lucros para o financiamento dos investimentos, a queda da rentabilidade das empresas pode ter implicado na maior necessidade de financiamento, tanto de curto, como de longo prazo, e contribuído para o aumento do comprometimento das receitas com as despesas financeiras.
Tomando os macrossetores em separado, as atividades industriais e as empresas de energia tiveram acréscimos mais significativos dos seus índices de endividamento. Mesmo desconsiderando Petrobras, a indústria aumentou seu endividamento no período em cerca de 44% quando observada a relação entre capital de terceiros e capital próprio e em quase 50% quando observado o endividamento líquido, como vimos acima.
Entre os setores industriais, merecem destaque aqueles que contribuíram acima da média geral para a elevação do grau de endividamento. Na indústria de transformação, papel e celulose, higiene e limpeza, química e metalurgia tiveram acréscimo do endividamento superior aos demais setores. Outros segmentos que apresentaram endividamento acima da média são ilustrativos da conjuntura do setor produtivo no atual momento: petróleo e gás, concessões públicas, construção pesada e transporte ferroviário. Como seria até certo ponto esperado, as atividades produtivas lideradas pela Petrobras e por empresas geralmente controlados pelo conjunto de grandes construtoras apresentaram acréscimos do grau de endividamento acima do restante dos setores.
Em relação à maior participação de empréstimos de curto prazo no passivo, grosso modo, os setores destacados da indústria de transformação que apresentaram acréscimo do grau de endividamento acima da média geral também apresentaram uma elevação significativa na participação das obrigações de curto prazo no total do passivo. Outro fato relevante foi o aumento do endividamento de curto prazo nas indústrias leves, em especial têxtil, vestuário, calçados e de eletroeletrônicos. Novamente, a situação em que as pioras relativas são expressivas – no caso, crescimento médio em torno de 70% na participação das obrigações de curto prazo no passivo – ocorreu nas empresas ligadas à construção civil.
Em suma, o crescimento do estoque das dívidas parece ter tido repercussão também na rentabilidade das empresas não financeiras através do aumento das despesas financeiras. Nesse sentido, a queda da rentabilidade do setor produtivo não se deveu apenas ao acréscimo dos custos de produção, mas também às mudanças relativas ao estoque de passivos – incluindo o efeito do câmbio sobre algumas dívidas em moeda estrangeira – e ao aumento do peso do custo dessas dívidas sobre as receitas operacionais.
Anexo
Mais informações: Lista de Empresas por Setor (clique aqui)
Notas:
1. ALMEIDA, Julio Sergio, G. et al. (2013) – Padrões de financiamento das empresas: a experiência brasileira. In de CINTRA, Marcos Antonio M. e SILVA FILHO, Edison Benedito (org.) – Financiamento das corporações: perspectivas do desenvolvimento brasileiro. IPEA, Brasília. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=18132
2. ROCHA, Marco Antonio Martins da (2015) – Transformações produtivas e patrimoniais no Brasil pós-crise. In Dimensão estratégica do desenvolvimento brasileiro: Brasil em busca de um novo modelo de desenvolvimento, Volume 4, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos e Centro de Altos estudos brasil Século XXI, Brasília.
3. Esse argumento é convergente aos resultados do recente estudo do IBEMEC, realizado por ROCA, Carlos Antonio et al. (2015) Câmbio contribui para recuperação de margens e competitividade da indústria. Centro de Estudos do IBMEC, Nota Técnica Nº 6, agosto de 2015. Segundo este estudo, o custo unitário do trabalho mais que dobra em termos nominais entre 2004 e 2014, enquanto que o preço dos bens importados em reais sobe menos. Ou seja, a valorização do real associada com a alta do custo do trabalho é um elemento importante no quadro de restrição da rentabilidade e da redução do investimento da indústria brasileira.
4. ALMEIDA, Julio Sergio G. e NOVAIS, Luis Fernando – A Grande empresa no período recente: mudanças relevantes. Texto de Discussão Nº 210, Unicamp, setembro de 2012. O artigo discute a trajetória da situação financeira, a rentabilidade e o endividamento das grandes empresas não financeiras.